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Um oásis, além de cultural, também ético e social – Lucas Nogara de Menezes Couto

Fundada em 1857 e presente no centro da cidade de Curitiba desde 1954, a Biblioteca Pública do Paraná é uma das maiores bibliotecas públicas do Brasil. Segundo dados da Secretaria da Comunicação Social e da Cultura do Paraná, o local ocupa uma área de 8.528,96 metros quadrados, recebe cerca de 3 mil pessoas por dia e efetua cerca de 2 mil empréstimos diariamente. Seu acervo é composto por cerca de 700 mil volumes, englobando livros, periódicos, fotografias, filmes e outros materiais multimídia. Com o objetivo de proporcionar igualdade de acesso a todos, o lugar também oferece atendimento especial a crianças e a deficientes visuais, com produtos adequados para as suas necessidades. Mesmo com esse patrimônio cultural a poucos quilômetros de mim, eu nunca havia visitado o local até há pouco tempo. Na verdade, sequer tinha conhecimento de sua magnitude. Fui à Biblioteca Pública pela primeira vez em uma terça-feira, durante o feriado do Dia dos Professores. Apesar de eu ter morado fora de Curitiba durante a vida inteira, não consigo pensar em uma desculpa razoável que justifique o fato de minha primeira visita ter ocorrido somente agora, após 22 anos visitando constantemente a cidade, e mais de três anos que voltei a morar aqui. Diferentemente do que eu esperava de uma biblioteca pública, considerando as bibliotecas municipais de cidades pequenas que conheço, o lugar é imenso e extremamente organizado, com um acervo enormemente diversificado, capaz de agradar a pessoas de todos os tipos, todas as idades e todos os gostos. Não é à toa que o Bourbon, um dos hotéis mais frequentados por turistas em Curitiba, é localizado bem em frente ao local. Na ocasião, fiquei assustado com o tamanho da biblioteca. Imaginava algo pequeno e bagunçado, muito diferente da construção de três andares, com múltiplas salas, cada uma com um acervo dedicado a uma proposta diferente. Há uma sala enorme com livros em braile; e também um espaço com milhares de opções de Histórias em Quadrinhos, onde fãs de gibis (em sua maioria, adultos na faixa dos 40 anos) leem quadrinhos antigos e raros. A ética dos frequentadores também é um show à parte. Nas prateleiras, cartazes advertem: “Por favor, não recoloque as revistas na estante. Deixe em cima da mesa quando terminar de ler”, e todos obedecem (algo raro em tempos em que crer na bondade

das pessoas se tornou ingenuidade). É impressionante não haver gibis ou livros rasgados! Há também um espaço para jogos de xadrez, subindo as escadas do espaço dedicado a filmes antigos. Lá, vi pessoas de várias idades (inclusive, uma colega de classe, que estava ali fazendo um trabalho), porém o que predomina são pessoas de mais idade. Como eu precisava aparecer na fotografia de registro, pedi a um dos idosos ali que tirasse uma fotografia para mim. Pouco tempo depois, precisei sair, pois tinha que chegar cedo em casa, devido a um compromisso. Não conseguiria voltar antes do fechamento da biblioteca, às 20 horas, então retornaria no dia seguinte. Na manhã seguinte, “matei” uma aula na faculdade e fui fazer nova visita à biblioteca. Dessa vez, com mais calma, sem nenhum compromisso; um cenário perfeito para poder conhecer melhor o lugar e as pessoas que o frequentam. Visitar a biblioteca com tempo foi totalmente diferente. A tranquilidade do lugar é tanta que seria possível passar o dia inteiro lá. Nas salas, há diversos sofás para quem deseja ler as notícias do dia, sobre os novos lançamentos da literatura, ou o que for. O acervo gigantesco oferece opções que parecem infinitas. A seção de multimídia é um paraíso para quem se interessa por cinema, e principalmente para os que ficaram “órfãos” depois que as locadoras de filmes se tornaram algo obsoleto. O responsável pela seção, Anderson Caetano, conversou muito comigo, deu dicas de filmes antigos disponíveis no acervo da biblioteca, expressou sua admiração por cinema (ressaltando sua paixão pelos filmes de Quentin Tarantino) e me passou seu número, caso eu queira entrar em contato para uma indicação futura a uma vaga de estágio. Formado em Teatro pela PUC, ele contou que trabalha na Biblioteca há algum tempo, recebendo crianças em excursões escolares na maioria dos dias (o que, inclusive, pude testemunhar em minhas duas visitas, tanto na terça-feira quanto na quarta de manhã). Na sala de xadrez, reconheci o senhor simpático que me ajudou com a fotografia no dia anterior. Dessa vez, tivemos a oportunidade de nos apresentar. Nelson Souza vai à Biblioteca Pública quase diariamente para jogar xadrez. Lá, passa horas na companhia dos amigos, e também conhece muita gente nova, que provavelmente não conheceria

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se não fosse o passatempo: Souza não joga somente com idosos, mas também com jovens entre 20 e 30 anos, como Andrews, um rapaz pobre que parece se encantar com as estratégias de Souza no jogo (para tirar a prova sobre seu amor pelo xadrez, joguei uma partida com o jovem, que realmente mostrou conhecer muito sobre o jogo, vencendo- -me com facilidade). “Esse aí (Souza) é prata da casa. Reza a lenda que a primeira partida de xadrez da Biblioteca foi jogada por ele”, brinca o amigo Marcos, que aparenta ter uns 20 anos a menos que o senhorzinho. As inúmeras diferenças que podem existir quando se colocam pessoas desconhecidas frente a frente de nada importam num jogo de xadrez. O hobby parece ter o poder de unir todo mundo. Pessoas nascidas em diferentes décadas paravam para ver Souza jogar, e faziam fila para disputar com ele. Enquanto esperavam acabar a partida que ele estava jogando, disputavam entre si, pouco ligando se conheciam ou não o adversário. Pensei em desafiar Souza para jogar uma partida comigo, mas, após assistir a algumas partidas daquele senhor, vi que seu nível está muito acima do meu, e desisti da ideia. Então me despedi de Souza e de seus amigos desejando revê-los algum dia. Ainda tive tempo para conhecer mais algumas seções da Biblioteca. Aquele lugar é definitivamente um espaço compartilhado por pessoas de todos os tipos: vi crianças andando de mãos dadas com as mães (que provavelmente estavam indo deixá-las no seção infantil, um espaço lúdico que, além de um acervo considerável de livros clássicos e modernos, tem apresentação de teatro, brinquedos e monitores), senhores idosos lendo sentados no sofá, adolescentes... Pessoas de todas as idades, etnias, classes sociais e orientações sexuais. Era um show à parte ver tanta pacificidade, diversidade e ética acerca do patrimônio cultural em um só lugar. Fui para casa satisfeito, certo de que retornarei em muitas outras oportunidades.

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