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Traje: vestir história – Mariana Castilho

Consegue imaginar uma foto antiga do centro de uma cidade? São muitos os detalhes que denunciam o que o tempo pode transformar. Além da qualidade da foto e provavelmente a falta de cores dela, também é possível observar no cenário inúmeras coisas irreconhecíveis aos olhos de quem anda pelas ruas de uma cidade no século XXI. A arquitetura colonial de prédios de poucos andares, pequenos comércios, ruas sem asfalto e carroças puxadas por cavalos. Essa paisagem não muda muito na fotografia da história de diferentes capitais brasileiras. Afinal, toda cidade tem um centro, e não é necessariamente onde tudo começou, mas é onde tudo sempre acontece. Em Curitiba, o Centro é lugar de ir para passar um dia inteiro, um dia dedicado a resolver a vida: ir ao banco, ao consultório médico, à uma loja… Na rua XV, perto da Praça Osório, você encontra tudo de que precisa do comércio. Lojas locais, de departamento, roupas, artefatos musicais e eletrônicos. Ao fazer o caminho do antigo bondinho, o trajeto é cercado pelo comércio local, que ampara a movimentação de pessoas durante o dia. Aliás, pode se tornar uma loucura em determinados horários, como o de almoço, principalmente em dias de chuva. Apesar das mudanças que o tempo trouxe para a capital paranaense, o Centro mantém boa parte de sua história conservada. Na fachada de alguns prédios, memoriais, museus e algumas lojas que sobrevivem ao tempo e carregam uma tradição antiga: a alfaiataria. Próximas da Praça Osório, mas também na Boca Maldita e na Praça Generoso Marques, estão as lojas tradicionais de roupa masculina. Lá são vendidos ternos, paletós, gravatas, sapatos, cintos e lenços, a maioria de marcas sofisticadas e confeccionada com materiais de primeira qualidade. Uma dessas tradicionais lojas curitibanas ocupa toda a esquina da rua em frente à praça que recebe a “feirinha” todos os domingos. Com um aspecto sofisticado, a loja expõe seus produtos em grandes vitrines que têm até um ar vintage de filme dos anos 1950. Do lado de dentro, as roupas são exibidas em armários de madeira envernizados, com portas de vidro e puxadores dourados. Manequins vestidos com paletós e gravata, caixas de sapatos sociais e uma sala destinada apenas a chapéus aumentam o ar de sofisticação de uma loja que valoriza os detalhes do vestir tradicional.

Aberta há 62 anos, hoje é mantida pelo filho do Sr. Coelho, que foi quem teve o “gosto pela coisa” e começou o negócio. Falecido há cinco anos, o fundador é homenageado na loja com uma foto acima do espelho da entrada, em que faz pose segurando um chapéu, vestido em um paletó, provavelmente do mesmo bom gosto que os vendidos na loja. Entre camisas de pura seda, linho e algodão egípcio, a tradição da família Coelho se mantém viva nos clientes fiéis. A senhora Gláucia Maria de Sá é um deles. Senhora um tanto jovem para ser senhora, mas com idade suficiente para não ser mais uma moça, Gláucia é uma mulher elegante de cabelos loiros curtos e bem claros, assim como os olhos, que carrega consigo uma bolsa Louis Vuitton que combina com os sapatos mocassim. Os vários anéis e as pulseiras tilintam conforme seus movimentos enquanto ela olha os cabides de paletós. Conversa de maneira descontraída com o vendedor, que compartilha certa intimidade com a frequentadora da loja sobre de qual cor gostaria mais. Há 25 anos, é ali que a aposentada compra o “uniforme” do marido, que é juiz, pois conhece a qualidade. “Minha mãe vinha aqui com meu pai”, diz Gláucia enquanto aprecia um terno de veludo. “Ela tinha muito bom gosto, e ajudava ele a escolher as roupas. Ele estava sempre bem vestido”, conclui com um sorriso no rosto. Para a “Dona Gláucia”, como é conhecida, ir àquela loja não é apenas uma questão de comprar, mas retomar uma lembrança “gostosa” de infância. O marido não faz questão que ela escolha suas roupas, mas ela insiste: “Eu gosto e sei onde comprar”, comenta dando risada. As lojas tradicionais do Centro de Curitiba mantiveram-se ali ao longo do tempo, e conservaram a história de uma antiga cidade que já não existe mais. Mas, alheias ao passar dos anos, ainda geram recordações de algo que jamais vai deixar de ser.

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