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O restaurante (mais que) popular – Matheus Koga
Eu me lembro da primeira vez que fui ao restaurante popular matriz de Curitiba. Apesar de ser frequentador assíduo da praça Rui Barbosa e usuário dos ônibus que passam ou têm ponto final ali, foi outro trabalho jornalístico que me levou ao local. No início de 2019, precisava entrevistar brevemente um frequentador do restaurante sobre o aumento do preço da refeição, de R$ 2 para R$ 2,80 (atualmente, a refeição já custa R$ 3,00). Não há muita indicação sobre o local do refeitório. Fica situado em uma das quatro entradas para a área interna da praça. Em outra entrada, uma placa informa sobre o preço da refeição. A fachada fica virada para o lado interno, de frente para a escadaria. Do local, dá para observar o salão pelos janelões de vidro. Descendo a escada e passando pelas pessoas que fazem fila, aguardando a abertura da URBS, há, do lado direito, uma janelinha, esta que também sempre tem fila, pois é lá que são vendidos os bilhetes para refeição. Enquanto observo os detalhes, ouço alguém perguntar se eu almoçaria ali. Ariadne Domborovski é nutricionista e responsável pelo restaurante popular da sede matriz. Respondo que sim e começamos a conversar. Ela conta que 4.700 refeições são distribuídas por dia e que não há desperdícios. “Temos a quantidade por grama para cada pessoa servida.” Pergunto sobre o preço e Ariadne diz que muita gente deixou de ir ao restaurante. “Três reais é muito para boa parte do público que vem até aqui”. Agradeço e compro meu bilhete. Subo as escadas novamente. A entrada fica no meio da escadaria, à esquerda. A saída, à direita. Estão em extremidades opostas, como se o local abraçasse uma boa parte da praça. Entro na fila que começa do lado de fora, pois é horário de pico. Aguardo alguns minutos até entrar, não são muitos os lugares no salão. A rotação deve ser constante e não há tempo a perder. Quando percebo, já estou com a bandeja, recebendo as porções. Os funcionários concentram o olhar nos pratos e raramente os tiram de lá. Nem dá tempo de responder ao meu boa-tarde. As porções são generosas e bem equilibradas. Arroz, feijão, salada, beterraba e um bife. A sobremesa é a última coisa a ser colocada na minha bandeja: uma maçã verde. Saio da fila e encaro o salão.
É um grande e longo corredor, mas estreito. É difícil duas pessoas passarem ao mesmo tempo pelos espaços onde é possível circular, que ficam entre as mesas, apesar de alguns apresados tentarem. Pelo menos 60% das pessoas presentes são idosos. Há também universitários, moradores de rua e uma pequena porcentagem de público geral. Grande parte das pessoas está em grupos, principalmente os idosos. As mesas são compartilhadas e eu me sento na frente de um senhor. Sebastião Scholz (tive que parar para anotar corretamente seu sobrenome) tem 72 anos e frequenta o restaurante desde 2017, após a morte da esposa. Entre garfadas, íamos conversando. A comida é boa e, pela quantidade, o custo-benefício é bem grande. Seu Sebastião conta que o filho está morando nos Estados Unidos com a esposa e a filha há 20 anos e que tenta visitá-lo anualmente. “Fico muito sozinho aqui.” Funcionárias contornam vários obstáculos e caminham pelos corredores para retirar as bandejas de quem já terminou a refeição. O ambiente é até quieto, com destaque para o tinir de talheres. Sebastião acaba antes que eu, talvez acostumado com a cobrança das funcionárias. Me apresso para terminar logo e tirar a pressão de cima de mim. Saio do restaurante, pego o ônibus para a Secretaria Municipal de Abastecimento. Lá, converso com a coordenadora da rede de restaurantes populares da capital, Morgiana Maria Kormann. Ela me explica que os restaurantes não trazem lucro nenhum, e sim prejuízo, pois a Prefeitura arca com as despesas maiores. “O custo real de uma refeição individual é de 7 reais.” Cerca de 5 milhões são gastos anualmente para cobrir o valor dos pratos. Pergunto sobre o segundo aumento no ano. Morgiana diz que o valor quebrado de 2,80 reais dificultava o troco. Com a readequação, a Prefeitura criou o Voucher Social: “313 refeições para a população mais pobre”. O preço médio de uma refeição em restaurantes particulares em Curitiba varia de 21,52 a 66,78 reais, segundo a Pesquisa Nacional do Preço Médio da Refeição, da Associação Brasileira das Empresas de Benefícios do Trabalhador. Agora eu tenho noção do quão absurdo isso é. Normalmente é algo em que não pensamos, até bater de frente com a realidade do outro.
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É um sentimento ambíguo. É bem satisfatório saber que o restaurante ajuda muita gente a ter uma refeição digna por “pouco dinheiro”, mas é muito triste se dar conta de que nem todo mundo tem esse valor para almoçar. E, a cada aumento, mais distante essas pessoas ficam de garantir sua comida diária. É o retrato da realidade brasileira.