terça-feira, 4 de agosto de 2020
16
LIBERDADE PÓS-NACIONALIZAÇÃO APÓS NOVA FASE DE RESTRIÇÕES AOS COSTUMES, SOCIEDADE BRUSQUENSE RESSURGE MAIS RICA E INDUSTRIALIZADA
“À NOITE, A POLÍCIA SAIA À CAÇA DESSAS PESSOAS E QUANDO ENCONTRAVA, LEVAVA O APARELHO DE RÁDIO EMBORA, JUNTO COM DISCOS E QUALQUER OUTRA COISA QUE FIZESSE REFERÊNCIA À CULTURA ALEMÔ Aloisius Lauth, historiador
governo brasileiro. Nesse período, a população de Brusque acompanha de perto o avanço do “National Sozialistische”, nos discursos proferidos por Adolf Hitler, de 1932 a 1935. “O líder deseja, de fato, um pedaço do Sul do Brasil para estender o império alemão. Contudo, nosso pessoal não se manifesta a favor, apenas reconhece e ouve os seus interesses e se perturba socialmente, pois será mais um conflito armado a acontecer em Brusque”, explica Lauth. A publicação do decreto por Getúlio Vargas iniciou uma nova fase de nacionalização no Brasil. As escolas são obrigadas a adotarem nomes brasileiros; só brasileiros natos podem ocupar cargos de direção; as instituições só podem dar as aulas em português, entre outras regras. As celebrações nas igrejas também são afetadas, assim como durante a Primeira Guerra. Associações culturais e recreativas são fechadas. Em Brusque, o Caça
ERICO ZENDRON/CURTO FOTOS ANTIGAS DE BRUSQUE
A publicação do Decreto 868, de 18 de novembro de 1938, traz de volta a proibição de línguas estrangeiras, sobretudo no Sul do país. A nova lei de Getúlio Vargas outra vez altera a rotina de Brusque, que ainda tem forte influência da cultura alemã. O período de nacionalização durante a Primeira Guerra Mundial não foi suficiente para apagar os vestígios do país germânico na cidade. Após o fim da guerra, a cultura alemã retorna com ainda mais vigor. Brusque se torna rota das cidades do Vale e passa a receber comitivas de oficiais alemães. Em 1934, a cidade recebe a visita dos marinheiros do Cruzador alemão ‘Karlsruhe’, e acolhe a tripulação com jantar, desfile e visitas às instalações da prefeitura. Também são realizados jogos na ‘Sociedade Ginástica’, atual Sociedade Esportiva Bandeirante, entre os alemães de origem e os alemães de Brusque. Essa integração da identidade cultural faz ressurgir a preocupação no
EM 1938, A ESCOLA EVANGÉLICA DE BRUSQUE (ATUAL COLÉGIO CÔNSUL) TEVE O NOME ALTERADO PARA GRUPO ESCOLAR ALBERTO TORRES DEVIDO AO PERÍODO DE NACIONALIZAÇÃO. NA FOTO, TURMA DE 1943
e Tiro deixa de funcionar de 1942 e 1948. Torna-se rígida a fiscalização das novas regras feita pelos militares do Exército. A vigilância é bastante forte e quem falava alemão, ou outro idioma, era denunciado e preso. “Ia para a cadeia, os militares o faziam desfilar na rua, algemado, a pé, para servir de exemplo para os outros. Há relatos de que alguns deles eram obrigados a tomar óleo cozido como castigo”. As denúncias são constantes, principalmente por parte de vizinhos, que informam as famílias que escutavam a ‘Deutsche Welle’ rádio alemã de notícias. “À noite, a polícia saia à caça dessas pessoas e quando encontrava, levava o aparelho de rádio embora, junto com discos e qualquer outra coisa que fizesse referência à cultura alemã”. De acordo com Lauth, é a partir deste período que o idioma alemão começa a ficar enfraquecido em Brusque. “As famílias deixam de ensinar o alemão para seus filhos, que já são brasileiros. A nacionalização promovida por Nereu Ramos em Santa Catarina faz surgir a vergonha da língua e do folclore alemão. Falar alemão se torna um ato vergonhoso para as famílias de Brusque”. Nesta fase há também o receio que vai aflorar quando o Brasil entra na guerra, em 1942. O medo das famílias é de que tivessem que ir para a Alemanha lutar contra os próprios alemães, embora não houvesse nenhuma manifestação de apoio aos ideais de construir um novo império alemão no Sul do Brasil. O exército faz o alistamento obrigatório, principalmente nas zonas de colonização que, na visão do governo, precisavam ser nacionalizadas. “Vários jovens fugiram de Brusque durante este período para não se alistarem. O grande problema é o medo, o receio da guerra e a consequência de um conflito étnico”. De Brusque, partiram para a guerra 47 soldados alistados e uma dezena de soldados aquartelados em Itajaí. Hoje ainda vivem Arnoldo Lana - último pracinha -; e Primo João Gilli, ex-soldado do Exército. Ao fim da guerra, a cidade tenta voltar às origens étnicas, mas passados quase sete anos do nacionalismo, a sociedade brusquense já não é mais a mesma, rumando por novos caminhos. “Assim, perdeu-se muita coisa em termos de valores étnicos e culturais. O Caça e Tiro, por exemplo, só reaparece em 1948, perde os sócios, não tem diretoria, não consegue se organizar para a festividade de Rei do Tiro e o baile de Páscoa. Porém, é lembrado por ocasião das primeiras Fenarreco, em 1986. O ‘Bandeirante’ a mesma coisa, praticamente inerte, vai reacender com a preparação dos Jogos Abertos de Santa Catarina, a partir de 1953”. A sociedade brusquense mudou nas décadas seguintes, mas é possível notar hoje que as raízes nunca foram esquecidas.