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6.1 A assessoria técnica

Os recursos destinados à construção do conjunto vieram

inicialmente da própria Associação (USINA, 2015, p.244), sendo

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acompanhados posteriormente por um repasse financeiro da CDHU

referente à construção de 160 unidades habitacionais. Na sequência,

houve um segundo financiamento para outras 540 unidades, alcançando

o total de 700 apartamentos financiados pela Companhia. O saldo

contratual da primeira etapa de 160 unidades financiadas pela CDHU era

da ordem de R$ 555.593,72, enquanto o valor previsto para o contrato

de repasse das 840 habitações restantes, no ano de 1995, era da ordem

de R$ 6.235.513,20 17 (CDHU, 1995, p. 6 e 16). Contudo, em vista da

demora do processo, e diante de divergências entre a Associação e a Companhia, 300 famílias optaram pelo autofinanciamento, constituindo o grupo que seria conhecido como “dos por conta”, completando o montante de 1000 unidades habitacionais construídas (USINA, 2015, p.244).

Ademais, seu terreno, de propriedade da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB-SP) foi desapropriado pela Prefeitura de Osasco e partilhado com a mesma para realização do conjunto, o que resultou em um longo embate entre a Prefeitura de Osasco e a Associação.

Diante da multiplicidade de aspectos relativos ao processo de mutirão autogestionário e frente à necessidade de realização de um balanço teórico sobre o alcance da experiência COPROMO, esta seção será dividida em tópicos que irão abordar: (i) dimensão profissional do arquiteto militante, representado pela atuação da assessoria técnica

Usina Ctah; (ii) a estrutura de organização da Associação Pró Moradia de Osasco; (iii) a representação/interlocução política do movimento; e (iv) a dinâmica dentro do canteiro de obras.

A origem da prática de assessorias técnicas, no caso paulistano, se reporta à década de 1970, momento em que se deram as primeiras experiências realizadas entre técnicos e acadêmicos obstinados à prestação de “(...) serviços de caráter comunitário nas periferias da metrópole como funcionários públicos, apoiadores de iniciativas de organizações da Igreja Católica, ‘assessores’ diretos de associações de moradores de favelas e loteamentos de um movimento social ainda incipiente no ocaso do regime autoritário” (CARVALHO, 2016, p. 3). Tais experiências pontuais abriram espaço para ações mais institucionalizadas, como a realização do “Primeiro Encontro das Assessorias Técnicas” em 1987, pelo Sindicato dos Arquitetos, que reuniu pela primeira vez os profissionais voltados a essa área de atuação (RONCONI, 1995, p. 87). A partir desse momento, estruturaram-se diversos grupos de assessorias técnicas que se apresentavam como organizações sem fins lucrativos e sem vínculos com os governos – enquadrando-se na categoria de Organizações Não Governamentais

Este e outros valores monetários que serão mencionados doravante são cifras da época, sem correção monetária ou atualização.

(ONGs) – e que passaram a se multiplicar ao longo da década de 1990, destacando-se nesse processo a formação de alguns grupos: Gamha (Grupo de Assessoria a Movimentos por Habitação) em 1988; o Teto (Assessoria a Movimentos Populares) em 1989; o Oficina de Habitação em 1990, o PEABIRU em 1993; e o grupo Usina – Centro de Trabalho para o Ambiente Habitado (Ctah) em 1990 (RONCONI, 1995, p. 88- 89), assessoria atuante na COPROMO e na qual o trabalho focaliza sua atenção.

Em tais organizações observava-se um quadro organizacional comum: grupos formados majoritariamente por arquitetos que passaram a compor equipes técnicas autônomas, e que, juntamente com a contribuição de engenheiros, advogados e profissionais do serviço social, realizavam um trabalho de caráter multidisciplinar (RONCONI, 1995, p. 89) a partir da prestação de serviços voltados à população de baixa renda na questão habitacional.

A participação de profissionais de diversos campos de atuação – sociólogos, psicólogos, assistentes sociais, advogados, economistas, engenheiros – nas equipes de assessoria técnica não se limitava à incorporação de suas contribuições profissionais (restritas, por exemplo, às competências do arquiteto e urbanista): na prática, se dava pela compreensão, no interior de cada uma dessas profissões e dentro de cada uma dessas perspectivas de atuação, da complexidade do problema habitacional, e da complexidade de se lidar com pessoas em situações de vulnerabilidade (CARVALHO, 2016, p. 8). Sendo assim, a compreensão do caráter multidimensional do chamado “problema da moradia” tornava-se imprescindível para a superação das demandas habitacionais, sendo a interdisciplinaridade a condição preliminar para a formulação de soluções para essa carência (CARVALHO, 2016, p. 8). Nesse contexto, o cuidado e atenção dados ao trabalho realizado junto aos mutirantes se redobrava. Prezava-se tanto o conhecimento técnico do profissional envolvido na obra quanto sua consciência social resultante de sua militância prática-cotidiana (USINA, 2008). Nesse aspecto, Lopes (2018) ressalta, que como arquiteto participante do grupo Usina Ctah, ele e seus colegas não se identificavam somente com a pauta reivindicatória dos movimentos nos quais trabalhavam, mas também alimentavam com essa relação de proximidade, um imaginário de possibilidades: “potencialidades transformadoras das práticas autonomistas atreladas àqueles processos de produção da moradia. Como a polia na correia de transmissão, tais práticas fariam construir a ‘consciência da autonomia’, estendendo os pressupostos de uma ‘gestão autônoma da vida’ para outros âmbitos da produção e reprodução da existência” (LOPES, 2018, p. 241).

Nesse aspecto, Arantes (2002), com base na obra de Paulo Freire, acrescenta que a atuação do arquiteto não se resumia em estar ao lado do povo, como se compreendia inicialmente: o profissional como instrumento técnico nas mãos da classe operária, que trilharia o caminho rumo às transformações sociais e compreenderia que os movimentos sociais se posicionariam de “maneira ambígua diante das possibilidades de mudanças mais profundas, satisfazendo-se muitas vezes com o atendimento das reinvindicações isoladas.” Ademais, dentre os movimentos de moradia que reivindicam um bem privado (casa própria), a moderação política se tornava maior frente à expectativa de aquisição da pequena propriedade e a partir dessa condição, se tornava necessária a presença de sujeitos que colaborassem “para restituir a

política, a consciência de classe, ajudem a problematizar a vontade de integração e reprodução ideológica, e que não sejam apenas tradicionais lideranças, mas também, a seu modo, os arquitetos que assessoram os movimentos. O papel do pedagogo e, no nosso caso, do arquiteto, não é, segundo Paulo Freire, repetir o que o povo diz, mas atuar como uma ‘contradição não antagônica’, questionando ideias preconcebidas, instaurando dúvidas e abrindo possibilidades sem, entretanto, se opor, antagonizar, uma vez que também é ‘participante’ na luta pela mesma causa – guardadas, obviamente, as diferenças entre a alfabetização e a produção de casas” (ARANTES, 2002, p. 185-186).

Portanto, diferentemente da posição do pedagogo ou do líder, “o arquiteto relaciona-se com o movimento através da dimensão técnica, mais do que estética ou pedagógica, envolvida no seu trabalho” (ARANTES, op.cit.). Assim, o controle sobre a dimensão técnica – motivo que justificava a presença do arquiteto dentro desses espaços – representava também um perigo, diante da possibilidade de dominação do seu trabalho intelectual sobre o manual. Essa tendência, por sua vez, pode ser observada na maioria dos arquitetos que acreditavam que a solução frente a questão habitacional residia na dimensão técnica, materializada tanto na industrialização quanto nas ‘tecnologias alternativas’ desenvolvidas.

Além das discussões teóricas, a assessoria técnica Usina Ctah trilha sua trajetória partindo de sua herança acadêmica, a partir da experiência adquirida pelos seus fundadores no Laboratório de Habitação da Unicamp, em 1989, e a partir da experiência de Mário Braga e João Marcos de Almeida Lopes no LabHab da Escola de Belas

Artes em São Paulo (CERQUEIRA, 2016, p.37). A partir da experiência

acumulada nesses dois ambientes experimentais e da possibilidade de

construção de uma estrutura independente do campo universitário,

o grupo que posteriormente daria origem à Usina passou a prestar

serviços de assessoria técnica, em 1989, para o movimento associativo

“Terra é Nossa”, em Osasco, a partir da elaboração de um projeto de

moradias destinado a atender 520 famílias (CERQUEIRA, op.cit.).

Face à carência habitacional do município, as lideranças

do movimento “Terra é Nossa” promoveram um cadastramento de

famílias para a constituição de um novo grupo e consequentemente

um novo projeto (CERQUEIRA, op.cit.), que viria a se originar

posteriormente no conjunto COPROMO. Assim, após os primeiros

contatos da assessoria Usina Ctah com a Associação Pró Moradia de

Osasco, firmava-se o contrato entre as duas organizações; o projeto

solicitado pelo movimento seria pago por meio do rateio entre as

famílias (USINA, 2015, p. 238, 2015).

Desse modo, a formação do grupo Usina Ctah amadurece

juntamente com a formação da Associação Pró-Moradia de Osasco,

configurando-se como uma organização civil sem fins lucrativos,

reconhecida, portanto, como uma ONG 18 , oficialmente em 1990,

mesmo ano em que se constrói a primeira sede da Associação.

No que diz respeito à equipe técnica da assessoria Usina Ctah, a tomada de decisões era guiada pelos arquitetos Sérgio Mancini, Mário Luís Braga, João Marcos de A. Lopes e Wagner Germano,

Entrevista com João Marcos de Almeida Lopes, depoimento à autora em 15/04/2019.

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