QUENTIN TARANTINO
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A moralidade profunda de Bastardos inglórios Joseph Natoli
“Tarantino se tornou um estorvo: seu virtuosismo como criador de imagens foi sobrepujado por sua inanidade como idiota de la cinematheque”. (David Denby)1 No início de 2009, antes de David Denby, um crítico de cinema do The New Yorker chamara Quentin Tarantino de idiota de la cinematheque; ele havia escrito o seguinte a respeito do filme Distrito 9 (Neill Blomkamp, 2009): “Há abundância de violência, mas ela faz parte de uma fábula politicamente ressonante”. A ação do filme se passa em Joanesburgo – portanto, pensamos em Soweto –, mas como sou americano, diria que o Distrito 9 representa Guantánamo e os alienígenas parecidos com camarões representam terroristas muçulmanos. Mas essa interpretação não encontrará eco em lugar algum. O diretor não está interessado nessa conexão com Guantánamo. Então qual é a dimensão política tão poderosa a ponto de abafar o vídeo game pirotécnico de grande parte do filme? Qual é a ressonância política? Creio que ela nada mais é do que a concessão da nossa paixão multicultural globalizada aos alienígenas reais (eles se parecem com camarões bípedes). Com exceção dos nigerianos. Os nigerianos aparentemente são alienígenas em demasia. São gângsteres do Distrito; eles tiram uma “graninha” explorando os Camarões; são gângsteres capitalistas nojentos que vendem e comem a carne dos Camarões por suas supostas qualidades imortalizadoras – de acordo com a crença supersticiosa nigeriana. Mas há aqui uma ressonância moral da qual o apartheid nos tornou conscientes. Embora essa ressonância seja em nome de nossa “Diretiva Moral Primordial”, multicultural e globalizada, considero-a proxenetismo moral. Em um mundo movido por uma ambição multicultural, Blomkamp aumenta o tom e assume a probidade moral do multiculturalismo, por trás da qual vejo o impulso do mercado livre globalizado para eliminar todas as barreiras, das comerciais às de identidade nacional e cultural. Blomkamp pede que sintamos simpatia pela “diferença”, não 1. David Denby, “Americans in Paris”. In: The New Yorker, 24 de agosto de 2009, pp. 82-8.