QUENTIN TARANTINO

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QUENTIN TARANTINO

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Django livre: história de violência Filipe Furtado

Entre os muitos elementos que Quentin Tarantino compartilha com Brian De Palma, há um que ajuda a explicar por que os dois cineastas são frequentemente mal compreendidos: em seus filmes, existe o mesmo gosto por compartilhar o drama e a sátira com igual desenvoltura – às vezes, nas mesmas sequências –, por caricaturar o aparentemente sério e, ao mesmo tempo, sentir na carne a violência grosseira que infligem, eles próprios, a seus personagens. Esta aposta contínua no drama e na caricatura faz com que De Palma frequentemente seja reduzido a um mero cínico e Tarantino, tratado como um troglodita grosseiro a canibalizar a história do cinema. É uma imagem à qual se retornou com frequência desde o lançamento deste filme, que, mais do que qualquer outro de Tarantino, parece ter despertado a ira de muitos, em parte justamente pela sua disposição em se equilibrar entre o trágico e o caricatural. Django livre certamente não é uma lição histórica sobre escravidão nos Estados Unidos – Tarantino não tem o menor temperamento para uma empreitada como essa –, mas um filme muito autoconsciente sobre histórias de violência. O foco não é a verdade dos fatos, e sim a maneira como a permanência de tal violência depende de que todos assumam os mesmos papéis, a começar pela figura do próprio cineasta. Perto do final de Django livre, Tarantino implode a si mesmo, no que deve ser um dos momentos mais honestos do cinema em 2012, ano de lançamento do filme. Como quase todos os filmes sobre escravidão de realizadores brancos, Django livre é essencialmente sobre a culpa branca. Nos termos de exploitaition tão caros ao cineasta, podemos dizer que se trata de uma releitura de Sweet Sweetback’s Baadasssss Song (Melvin Van Peebles, 1971), no qual a raiva incontida que o cineasta exibia enquanto construía sua série de imagens de abuso é substituída por iguais doses de arrependimento. Só que, se filmes de expiação do artista branco se caracterizam, de Stanley Kramer a Steven Spielberg, pela nobreza do tom, nada poderia ser mais distante do que aquilo que vemos aqui. Django livre se constrói, assim como Sweet Sweetback’s Baadasssss Song, por meio de uma série de imagens de violência perpetuadas por figuras de autoridade, oficial ou social, sobre o corpo do


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