QUENTIN TARANTINO
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Quando matar é cool: Tarantino e a estetização da violência. Henrique Figueiredo
Tão logo recebi o convite para elaborar este artigo, um amigo procurou me alertar sobre os riscos da tarefa: “dependendo do que você escrever é possível que uns hipsters vestidos de Uma Thurman te esperem na porta da sua casa, armados com katanas, loucos para te esfolar vivo”. Felizmente, por anedóticas razões, não tenho motivos para temer uma reação deste tipo; com sorte, não devo sofrer mais do que André Barcisnki, achincalhado em seu blog por furiosos leitores virtuais, que, em um arroubo de indignação, ousaram perguntar: “quem é você para falar mal de Tarantino?”.1 Ora, se questionaram um crítico renomado desta maneira, posso imaginar as doces palavras que a mim serão dispensadas. De todo modo, o chiste é revelador no sentido de que este diretor foi elevado à categoria de mito, ocupando lugar de destaque no panteão da cinematografia internacional; mais que isso, dentro desta chave entusiástica é proibido não saborear seus filmes. No fast-food da cultura, Tarantino é propagado não apenas como um autor transgressor, mas também como expoente maior de um cinema dito alternativo, isto é, um cinema contrahegemônico, que exibe aquilo que deveria ser exibido, espaço de tudo o que não cabe no cinema industrial – que, por sua vez, é marcado, dentre outras coisas, pela repetição imposta como novidade, pela morosidade temática “dos 8 aos 80”, pela inserção de "produtos" em categorias preestabelecidas e perfeitamente identificáveis para os espectadores-consumidores. Todavia, a despeito de seus pretensos atributos “alternativos”, está longe de ser uma voz dissonante. Tarantino sempre esteve alinhado a esta indústria, mesmo nos tempos de Cães de aluguel e de todo aquele cansativo discurso publicitário acerca das possibilidades de um “cinema independente”. 2 Afinal, se está proclamando independência a quê? Preso a 1. Conforme publicado na crítica “Como Restart e Legião, Tarantino tem fãs especialmente sensíveis”, FSP 26/01/13. 2. Independência: inicialmente, Cães de aluguel seria filmado com atores não profissionais nos papéis principais, uma câmera 16mm e um orçamento de 30 mil dólares. A entrada do ator Harvey Keitel no elenco fez o orçamento saltar para 1.5 milhão de dólares. O faturamento do filme chegou a quase 3 milhões de dólares, apenas nos EUA.