FRITZ LANG: O HORROR ESTÁ NO HORIZONTE

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O artista e o assassino: o cinema da mão de Fritz Lang Joe McElhaney

Publicado originalmente sob o título “The Artist and the Killer: Fritz Lang’s Cinema of the Hand”, na revista virtual 16:9 Filmtidsskrift. Traduzido do inglês por Nikola Matevski. (N.E.) Uma versão prévia deste ensaio foi apresentada em Five Senses of Cinema, International Film Studies Conference XI, em Udine, Itália, na primavera de 2004. (N.A.)

Numa sequência próxima do final da série abortada As Aranhas (Die Spinnen, 1919), de Fritz Lang, o detetive amador Kay Hoog visita um personagem chamado John Terry, que poderia, sem sabê-lo, possuir um documento secreto revelando o paradeiro de uma estátua de Buda procurada pela organização criminosa Aranhas. O que Terry detém são alguns objetos que pertenceram aos descendentes de um capitão pirata, incluindo o retrato do capitão e uma caixa contendo um diário de bordo. Os métodos de dedução de Hoog nesta sequência são primeiramente visuais, na medida em que ele olha para o retrato e percorre os conteúdos do livro. Mas a confiança inicial na visualidade mostra-se inadequada, levando à necessidade do toque. A mão de Hoog percorre a superfície da pintura numa busca sensorial da confirmação de sua hipótese inicial: trata-se um mapa levando ao tesouro (fig. 1). Do outro lado da porta, contudo, o mordomo bisbilhoteiro de Terry pode ser escutado. Este mordomo, seu rosto disfarçado, é, na verdade, John Quatro-Dedos, membro da gangue das Aranhas. Hoog “desmascara” John Quatro-Dedos não removendo sua máscara de borracha (isso ocorre poucos momentos depois), mas agarrando primeiramente a mão do vilão, revelando o dedo que lhe falta (fig. 2). A percepção nesta sequência não apenas alterna entre o visual, o auditivo (neste filme “silencioso”) e o tátil, mas ganha corpo e culmina no personagem cuja identidade é fortemente definida por sua mão. Mesmo um tanto simplório, este exemplo do início da carreira de Lang é útil para fundamentar a argumentação a ser desenvolvida aqui. Atravessando o cinema de Lang, encontramos personagens cujas profissões ou sensibilidades os levam a ser cercados, quando não tragados, por imagens: fotografias, filmes, mapas, plantas arquitetônicas, pinturas. Ainda assim, como tantos estudiosos de Lang observaram, estes filmes elaboram um ceticismo essencial daquilo que é visual, em que a imagem frequentemente significa em demasia ou muito pouco. Como consequência deste investimento exageradamente determinado no visual, os demais sentidos são convocados a corrigir, modificar ou estender a percepção. Destes, o toque é aquele a ganhar um lugar privilegiado. Os filmes de Lang são preenchidos com algumas das mais indeléveis imagens de percepção tátil já criadas pelo cinema, com os protagonistas continuamente buscando tocar todo tipo de fenômeno e a mão adquirindo enorme peso de significação. Para Lang, no entanto, a mão jamais é privilegiada em detrimento do olho. A mão cria e percebe, mas também apaga e destrói, enquanto adentra num mundo em que a percepção

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