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Ré em causa Própria Adelina Barradas de Oliveira

OS FILHOS, OS BOTÕES DE PUNHO E O FAROL NA BEIRA DA BARRA

Sai pela manhã com um risco de horizonte nos olhos.

Deixa em casa os filhos de mochila às costas e escola nas mãos.

A mulher atira-lhe o último beijo que, se não voltar, será isso mesmo, o último.

Não pode deixar de ir porque tem a mesa dos filhos para pôr e qualquer coisa para comprar à Rosa . É Natal. Qualquer coisa que ela achará valiosa só porque vinda dele, ela a tudo dá valor. Na estação aguarda o comboio. Espera que ninguém se suicide hoje porque está cansado das bocas do chefe quando chega tarde para a inauguração do dia que será duro.

Arregaça as mangas, não porque não esteja frio mas porque assim, o olhar se espraia no mar e pensa que o Verão virá breve.

À beira da Barra um farol apaga-se pela madrugada todos os dias e volta a acender-se à noite, quando os miúdos já dormem, a Rosa fechou as pétalas e os pensamentos mergulham no Futuro.

RÉ EM CAUSA PRÓPRIA

Adelina Barradas de Oliveira

Um Futuro que já não é seu, mas que não sabe como deixará aos filhos. Não sabe como será para os filhos embora a vida já lhe tenha dado algumas voltas ao Sol e tenha deixado há muito de ser criança para ser luta constante.

O comboio chega, ninguém se suicidou. Dá um toque nas mangas da camisa que um arrepio puxa para baixo. Ao longe o horizonte banha-se de manhã.

A Rosa já saiu para trabalho há muito...Lembra-se dos botões que ela lhe comprou, com a letra do Nome dele. Manuel usa-os quando os amigos se lembram de festejar sentimentos na Igreja.

Depois do vidro da janela da carruagem há o mar,... há a liberdade do sonho. No fim da linha não há nada a não ser mais um dia de trabalho para poder pôr a mesa aos miúdos e oferecer o Mundo à Rosa, ainda que esse Mundo seja apenas o seu peito aberto ao Futuro.

O mar corre ao lado, o dia fica para trás... O farol acendese na noite e Manuel mergulha nos sonhos que dá aos filhos, no presente que lhes deixa no sapatinho ou que a irmã, que gosta de teatro, traz na noite de Natal vestida de Pai Natal. E os miúdos nem lhe notam a voz feminina que engrossa ou o rímel nos olhos e o baton por detrás das enormes barbas brancas que ela coloca tentando esconder-se nelas.

Os filhos sonham, o sonho comanda a Vida e na verdade também ele sonha.

Os filhos que um dia o olharão já adultos e lhe perguntarão se ainda usa os botões de punho que a Mãe lhe deu quando os amigos festejam os sentimentos na Igreja, e se ainda sonha quando o farol se acende lá em baixo, no fio do Horizonte, mesmo à beira da Barra e se ainda acredita no Natal.

António dirá que sim, apesar de tudo e contra Tudo, há o Sol na beira da barra, o Mar e o regressar a casa,... e há Natal, o calor terno da família e da infância, mesmo para quem a Vida já deu muitas voltas ao Sol.

Aperta os botões de punho que Rosa lhe deu e sorri, ... é noite de Natal.

Natal ........ desta vez de 2021

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