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Pano para mangas Margarida Vargues

SOBRE O AMOR SOBRE O AMOR

PANO PARA MANGAS

Margarida Vargues

Quando um adolescente - em plena descoberta do que é o corpo, as emoções e os sentimentos - me pergunta, subitamente: “O que é o AMOR? E como é que sei que estou apaixonado/a?”, percebo que não é a desinformação que por ali paira, mas antes a ausência de alguém em quem - e com quem - confiar o que lhe vai por dentro.

Uma pergunta destas não pode e não deve ficar sem resposta, pois não foi feita de ânimo leve e não é um qualquer vídeo no Youtube que a trará. Seria tão mais fácil, não seria? Bastaria carregar no play e saltar a publicidade.

Assim, perante o desafio dantesco de ter de falar sobre o AMOR, antes que as palavras me saíssem da boca, fui assaltada pelo monstro do medo, acompanhado de um frio na barriga e um tremor de pernas. “Sobre o AMOR? E agora o que é que eu faço? Logo eu! Se ao menos pudesse escrever…”

Se pudesse escrever não hesitaria e, de certeza, sairia da caneta - sim, da caneta! pois assuntos sérios passam obrigatoriamente pelo papel - um poema melancólico ou exaltado, conforme o meu estado de espírito - é que em tempos eu tive a mania que sabia escrever poesia... - mas agora?

O que poderei eu dizer que traga algo de novo, que ainda não tenha sido dito, que faça realmente sentido e que, sobretudo, seja uma resposta?

Curvei-me, pousando os cotovelos sobre a mesa. Cobri os olhos com as mãos. Subi-as ao cabelo, soltando-o enquanto pensava. Elevei o tronco. Respirei fundo, sorri e fixei-lhe o olhar no rosto.

Comecei pela SAUDADE, a qual só pode nascer do AMOR, pois qualquer coisa que nos faça contar o tempo infinito, nos deixe de sorriso no olhar e pensamentos perdidos sabe-se lá onde, só pode daí vir.

Depois, falei-lhe sobre a euforia, a vontade de estar com o outro, as borboletas na barriga, a ansiedade nascida de qualquer minuto de espera, telefonema não atendido ou mensagem por responder…, mas estava a falar de PAIXÃO, e paixão (ainda) não é AMOR.

Vieram, então, os passeios de mãos dadas, as conversas infinitas, as mensagens até ao raiar do sol sentidos como lado a lado, mas também isso não é AMOR - isso faz parte dele. E neste rol de palavras e pensamentos fui assolada pela imagem de abraços silenciosos, pela cumplicidade nos gestos, pela vertigem do olho-no-olho, no entanto isso é, apenas, uma infinita parte de um sentimento tão nobre como o AMOR. Divaguei, também, sobre o AMOR de pais, de filhos, de irmãos e amigos; do AMOR-próprio, do AMOR às artes, à natureza, …

De seguida, falei-lhe sobre as promessas sussurradas, o juntos para sempre (para sempre mesmo e não o “para sempre enquanto durar”), os recados na porta do cacifo ou os bilhetes enfiados, à socapa, num qualquer bolso, livro ou mochila, todavia isso pareceria apenas o guião de um comédia romântica - daquelas que invadem o Natal - onde já nasceram muitos AMORes que terminam com o acender das luzes, permanecendo, apenas na narrativa aberta do imaginário.

Fui buscar livros de autores conhecidos, mostrei-lhe poemas, expressões e imagens que veiculassem o que é o AMOR, contudo qualquer uma delas reduz o sentimento e, em conjunto, fazem apenas uma bela sopa de letras repleta de palavras e cores bonitas.

Neste monólogo cor-de-rosa, trouxe para a mesa o cinzento, onde pintei estados melancólicos, momentos de zanga e de tristeza, das incompatibilidades e incertezas, mas quem é que, com esta idade, quer ouvir sobre a face menos brilhante do AMOR?

Li-lhe as expressões sem voz. Algumas diziam que sim, outras mostravam uma incerteza maior que a minha. Tentei responder-lhe com o coração. No final, prometi que quando com ELE me cruzasse LHE perguntaria: “Afinal, o que és e quem és?”

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