Coletânea Territorios Sensíveis

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Organizadores Kiko Alves Johnnathan Albano


Coletânea

Territórios Sensíveis


________________________________________________________ Organização Kiko Alves, Johnnathan Albano

Revisão Kiko Alves

Diagramação e Capa Johnnathan Albano

Escritores Mari Ellen, Lee Haney Cavalcanti, Ana Luiza, Regilene Alves Vieira, Marta Ferreira, Thesco de Sousa, Cordelista Ivan Sobreira, Paola Oliveira, Ana Paula, Antônia Gabriela Araújo, Mona Lisa da Silva.

Ilustradores Mari Ellen, Amanda Aguiar, Lee Haney Cavalcanti, Ana Luiza, Regilene Alves Vieira, Marta Ferreira, Thesco de Sousa, Cordelista Ivan Sobreira, Paola Oliveira, Ana Paula, Antônia Gabriela Araújo, Mona Lisa da Silva, Ana Beatriz Salvino

Ilustrações ( Pintura Digital ) Johnnathan Albano

Fortaleza - 2021


Organizadores Kiko Alves Johnnathan Albano

Coletânea

Territórios Sensíveis

Fortaleza - 2021


Introdução

A Coletânea Territórios Sensíveis, parte de uma provocação de sala de aula, criar e manter em movimento narrativas periféricas e negra Cearense, conhecemos pouco nossa literatura e conhecemos pouco a história de nossas periferias, sua arquitetura, seus “lugares”, suas pequenas “ficções”, as histórias guardadas nas memórias de nossos, avós, pais, tios, vizinho e nossas próprias, habitam o segredo de nossos pensamentos. Essa coletânea é composta de diversos atravessamentos, sentimentos, sorrisos, debates, sotaques, cores, afetos, intervenções de alunos, questionamentos de sons de protestos de pequenos convidados, nossos Eres, que habitam nosso imaginário, e agora nossa sala de aula, juntes de seus pais Arthur e Johann, sempre nos provocando a entender que nossos territórios, agora usados como sala de aula devido à pandemia, são seus espaços de reivindicação de afetos, e aprendemos muito com esses pequenos. E os textos aqui presente provocam nossos leitores, para se abrir um pouco, nossos territórios são muitos, diversos, e essa diversidade se faz presente em cada linha, em cada nova história.

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Essas pequenas ficções aqui narradas, procuram recriar a partir da vivência de cada alune outros modos de perceber a periferia e cidade, povoamentos delicados e fortes que tentam nos deslocar em direção ao futuro, enquanto outres nos fincam no chão do sertão ainda povoado de histórias mais tradicionais, cordéis, sertões, terra seca, cidades, bairros, cidades imaginárias, tudo cabe nas periferias, somos um universo repleto de narrativas que começam agora a ser conhecidas.

Kiko Alves Professor de Audiovisual e produtor cultural

Todos os textos aqui contidos foram produzidos por alunes do curso Produções Cinematográficas Negras e Afro futurismo e o curso de Afro futurismo e Escrita, Técnica de Editoração e Experimentações, ministrados por Kiko Alves e Johnnathan Albano. Esta formação faz parte do percurso formativo dos Cursos Básicos de Audiovisual (setembro – dezembro 2021) do Programa de Audiovisual da Escola de Cultura e Artes do Centro Cultural do Grande Bom Jardim. 5


Coletânea

Territórios Sensíveis

ESCRITORES

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Antônia Gabriela Pereira de Araújo São muitos fios que me enredam até aqui. Pode parecer embaçado, mas com cuidado o olho ver os fios que fizeram minha rota desde Loango até as terras do Siará. Começo pelos fios de leite que me alimentaram, sou cria de Vaulice Pereira de Araújo, do meu pai Ivanilo Roque e fui nutrida pelos pomares de manga, sol, vento e ar de Fortaleza, Ceará. Neta de vós indígenas e filha de mãe negra. Me tornei antropóloga pela UFRJ, artista pelos meandros da Filadélfia e Austin e mãe no corpo que hoje é fogo, frio e radiação elétrica. Sou Artista-macumbeira que inventa a ontologia negra do corpo-força na arte ativando e re encantando os seres ancestrais com a voz, pele, carne e fluídos. Sou Antropóloga que investiga atualmente autonomia erótica, força vital, migrações do sagrado, gênero racial e transmutação da carne negra em seiva viva. E sou Mãe e filha vestida de fogo, sal e água.

Regilene ALves Vieira Doutoranda em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Mestra pelo Programa Associado em Antropologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), licenciada em História e Bacharela em Humanidades pela UNILAB e Feminista Negra do interior do Ceará. O gosto pela leitura e pela escrita se deu muito cedo a partir do contato com meu tio Chico Mindor, já falecido. Ele aprendeu a ler sozinho catando jornais na rua e desde então passou a escrever poemas, versos, contos e Estórias nunca publicadas, mas ele fazia questão de me apresentar seus escritos. O que me incentivou a querer escrever também. Depois me aproximei de publicações de mulheres negras como de Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Cristiane Sobral, Toni Morrison, Maya Angelou e dentre várias outras mulheres negras que me inspiram atualmente, principalmente minha amiga Mona Lisa da Silva. Esse é meu primeiro escrito publicado, mas existe tantos outros que estão guardados no caderno velho da memória.

Ana Luiza Artista do corpo, performer e pesquisadora da arte, principalmente da dança. Moradora de uma das periferias de Fortaleza e que procura beleza onde só se vê um alvo. Me arrisquei nesse curso fora da minha zona de conforto e acredito que tenha valido a pena.

JOSÉ IVAN FERREIRA SOBREIRA CORDELISTA IVAN SOBREIRA TEM 49 ANOS, DESDE 15 ANOS PRODUZ , POESIAS E TEXTOS EM CORDEL, POSSUI EM SEU CURRICULO , FORMAÇÃO EM PRODUÇÃO E GESTÃO CULTURAL, XILOGRAVURAS, TEATRO DE BONECOS MAMULENGOS E EM ESPUMA, DANÇAS POPULARES E CULTURA TRADICIONAL E POPULAR COMO A QUEIMA DO JUDAS DO SIQUEIRA COM QUASE 3 DECADAS, A QUADRILHA JUNINA CHAPÉU DE COURO COMPLETANDO 30 ANOS EM 2022

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Mona Lisa da Silva (Pretagrafia)

Doutoranda em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFBA, Mestra em Antropologia pelo Programa Associado de Pós-Graduação em Antropologia UFC/Unilab; Bacharela em Humanidades e Antropologia pela Unilab; Pesquisadora e Ativista Negra; Membro da equipe de coordenação do projeto Mulheres Negras Resistem: processo formativo teórico-político de, para e com mulheres negras; Nascida e criada no Grande Bom Jardim; Escritora sem rumo e Aprendiz de Carolina Maria de Jesus. Em 2016 publicou seu primeiro conto “Seguiremos com o tráfico” selecionado e publicado no Livro letra e Tinta: dez contos vencedores do Prêmio Malê de Literatura da Editora Malê. Compõe a Antologia “Somos a Periferia que Escreve” (2021), escrito por 20 artistas do Grande Bom Jardim. Minha relação com a literatura começou ainda na infância, mas foi através do contato com a literatura marginal e literatura afro-brasileira que redescobri meu lugar no mundo da escrita e da literatura. Desde então, parto de um lugar de enunciação que revela meus posicionamentos políticos, apostando assim numa escrita politicamente posicionada e que revela meu lugar, enquanto mulher negra, no mundo.

Francisco Lee haney Cavalcanti Andrade Sou um jovem negro, periférico, bissexual, militante da educação, do movimento comunitário negro, desde sempre estive lutando por uma educação de qualidade e que pudéssemos chegar na ponta, a quem mais é atingindo. As minha escritas vem de incetivo dos meus avós, em especial a minha vó Francisca, Mãezinha, que apesar de tudo, sempre me incentivou a escrever e tentar ocupar os diversos espaços com a escrita.

Paola Rodrigues de Oliveira 21 anos, foi uma experiência maravilhosa participar desse livro, foi uma aventura nova.

Ana Paula Araújo É a minha primeira vez como escritora,nasci em Fortaleza, moro em um bairro periférico, meu pai é Leônidas e minha mãe é Rosalina,tenho uma irmã e uma sobrinha. Acredite no tempo e no propósito de todas as coisas.

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Marta Ferreira Autora de "PÍLULAS DO FUTURO" MARTA FERREIRA, nasceu em 1973, Fortaleza-CE, solteira, mãe de dois filhos ,já fez teatro juntamente com sua filha, atualmente trabalha como Barbeira, e está realizando o sonho de escrever sua primeira experiência de semi-escritora.

Francisco das Chagas de Sousa (Thesco de Sousa) mas sou conhecido no meio artístico, como Thesco de sousa, nascido no dia 08 de dezembro de 1984, negro, de estatura mediana com 1,70 de altura. tenho 37 anos, natural de fortaleza ceara, ator, dancarino,estilista e técnico de enfermagem, como todo e bom sargitariano adoro uma aventura e experiencias novas, com um bom humor sempre a ativa, nao gosto de tristeza e pessoas de boixo astral

Mari Ellen Tem 21 anos é natural de Morada Nova - Ceará, e se mudou para a capital Fortaleza aos 17 anos pra cursar o curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará - UFC, no qual é concludente atualmente. Ellen é diretora, roteirista, diretora de arte e apaixonada por criar universos que nem sempre são tão fantasiosos assim. Este é seu primeiro texto publicado.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO Mari Ellen -

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O TEMPO DA LIBERDADE - ___________________________ Lee Haney Cavalcanti -

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EXISTÊNCIA -

___________________________________________ Ana Luiza -

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CAMINHE COM MAIS LEVEZA - ________________________ Regilene Alves Vieira -

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PÍLULAS DO FUTURO - __________________________________

Marta Ferreira -

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Tchesco de Sousa -

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ARDOREM FLAMMA - ______________________________________

DONA RITA - _________________________________________ A NEGA DO DIABO - ________________________________

Cordelista Ivan Sobreira - 69

A VILA DA DONA CARLOTA - _______________________________ Paolla Oliveira -

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O PESCADOR - ______________________________________________ Ana Paula - 94

O ELO DO FUTURO ___________________________ Antônia Gabriela Araújo - 100 BATUQUE ANCESTRAL - _________________________________

Mona Lisa da Silva - 107

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Fotografia; Kiko Alves

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ardorem flamma Mari Ellen

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Ilustração; Amanda Aguiar

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Ardorem Flamma Mari Ellen

No mundo de Cristina, algumas características físicas são aleatórias e não biológicas, e com isso o Governo se utiliza de um sistema que determina a vida das pessoas e sua posição social baseado em nessas características físicas, tanto aleatórias (como a cor dos olhos) quanto biológicas, como cor da pele, mantendo então uma segregação racial implícita. Cor de pele é o primeiro fator a ser considerado na posição social, este ainda mantido pela biologia. Depois são traços étnicos ou a ausência destes, também passado pela genética. Por último, o fator decisivo nas escolhas de vida individuais, a marca genética aleatória de cada cidadão: a cor dos olhos. Pessoas de mesma marca genética, aleatória, tendem a ter um estilo de vida parecido, no que se diz respeito ao acesso à educação e saúde, por exemplo, para manter a aparência de imparcialidade, mas se suas outras características forem muito distintas, estas pessoas podem seguir caminhos e carreiras muito diferentes. Quando ainda assim, se por algum motivo o indivíduo não conseguir ou não gostar da forma de vida que lhe é imposta, você vive à margem, como uma classe 0. Boatos de que os classe 0 negociam suas vidas com os laboratórios do Governo, ajudando assim com o avanço da medicina e se libertando do sistema de castas. 14


As classes mais altas são as mais restritas e imutáveis, responsáveis por governar o país e a economia, funcionam quase que como num clã e a forma de sucessão dos cargos públicos geralmente acontecem por decisão do atual encarregado. São geralmente pessoas com pele clara e o mínimo de traços étnicos. Cristina vive num mundo em que aqueles no poder se protegem e se mantêm, enquanto os outros são cada vez mais jogados para as margens, sem oportunidade de protagonismo. Quão distante esse mundo está da nossa realidade? ***** O que você prefere: ter controle sobre sua própria vida e arriscar ser massacrado por um sistema que não te dá suporte, ou viver uma vida plena assegurada por um sistema que de forma aleatória decide toda sua vida por você, ainda que você não tenha a oportunidade de mudar em nada os planos do governo para você? — Não te assusta que mesmo com esse sistema impecável, a cada ano mais e mais pessoas se tornam classe 0? E que todas as classes estão sujeitas a simplesmente terem seus membros se tornando um 0? — meu pai fala enquanto retira a louça suja da mesa, me ajudando um pouco antes de ir trabalhar. Seus traços fortes o jogaram na classe 8 antes mesmo que seus olhos abrirem, revelando a cor negra de sua íris. Hoje ele trabalha como faxineiro no centro de eventos próximo ao hotel em que eu trabalho pelo 15 dia.


— É assustador pai, mas que outro mundo seria esse que nós viveríamos se não esse mundo que nós já conhecemo? E nós tá bem, não tá? Do nosso jeito a gente está conseguindo viver muito melhor que a maioria da galera 7. — E é exatamente assim que aqueles que estão no poder querem que você se sinta. Confortável demais com essa miséria para querer mudar algo — bufou. — Não é assim paizão, você sabe. Querer mudar é uma coisa, mas tentar fazer algo só iria nos tornar classe 0. Quem é 1 não quer mudar as coisas e eles podem fazer o que quiserem para não deixar que isso aconteça! — Pelo menos eu te eduquei o suficiente para entender isso. — Sim, paizão, você fez um ótimo trabalho — digo me aproximando da feição cansada que me encara como se tivesse sido vencido pelo cansaço, e lhe dou um beijo na testa. Ele me olha nos olhos e retribui o afeto com um beijo de boa noite nas minhas mãos. — Vejo você pela manhã. — Bom trabalho paizão, se cuida. Quando meu pai se retira de casa, ligo a pequena TV que fica próxima à mesa de jantar e começo a lavar a louça, pensando nas minhas tarefas do dia seguinte e na conversa que tive com papai. 16


Meus pensamentos param de vaguear quando a chamada na tv, puxa-me a atenção: novas prisões preventivas são feitas na Capital, sob a suspeita de levante de movimento anti-patriota. Os jovens, João Lucas e Álvaro Alberto, ambos de 17 anos, são suspeitos de tentarem acesso aos e-mails e outras contas pessoais do atual Reitor Nikolas Martins. A condenação de suspeitos desse crime geralmente é a expulsão de classe e redistribuição de serviços… Dezessete anos… Ambos tem 17 anos e estão prestes a conhecer a miséria de uma forma inexplicável. O tremor na espinha que sinto me faz desligar a tv, e as luzes e ir para a cama. Amanhã tenho que dar o meu melhor para me manter na classe 6. Ninguém realmente muda. Penso nisso enquanto caminho para o hotel escutando um ‘podcast’ motivacional. A fumaça ainda cobre a cidade fazendo parecer que nunca amanheceu, ou seja, ninguém sairá hoje, ou seja, mais um dia de trabalho pesado por aqui. Ninguém realmente muda ou apenas não se dá a oportunidade de mudar? É fácil vender essa categoria de filosofia ao ter um sistema completamente construído para você, seu trabalho não te exige mais que 3 horas por dia, e você tem condição para uma boa saúde e um bom acompanhamento psicológico ou espiritual. A vida foi inteiramente construída para você poder progredir, então se você não muda, a culpa é inteiramente sua.

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Mas não para nós que somos desfavorecidos, penso enquanto Robi entra com as vassouras e afins. — Bom dia Cris, dia lotado hoje, não? — a voz suave de Robi contrasta com seus braços fortes, que se desenvolveram muito cedo, por conta do trabalho braçal que exercia desde pequeno. — Boa sorte para nós, te vejo no almoço — passo por ele apressada, sem nem mesmo lhe dar um abraço, e retorno para meus pensamentos. Eles dizem que a escolha de classes é feita de forma aleatória, mas quão aleatória é a genética? Em todos esses anos ninguém nunca conseguiu subir mais que 2 classes, mesmo aqueles que se casam com pessoas muito superiores à sua classe. Confirmo a reserva de Elizabeth e volto a me perder em meus pensamentos. Paro de pensar no “podcast”, quando escuto o primeiro interfone tocar, Elizabeth do quarto 027, jornalista que fica apenas por mais 2 dias me pede para aumentar seu pacote, já que a fumaça atrapalhou seu ritmo de trabalho. Sua pele clara e seus olhos pretos a permitiram escolher essa profissão. Não é ruim. Ligo para Robi e pergunto se ele e meu pai vão chegar logo. — Pensei que você já estivesse com ele, eu ainda vou trabalhar uns 10min e ele disse ir te entregar nosso almoço pessoalmente, já tem muito tempo, já deveria estar aí.

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— Estranho. — digo enquanto sinto um arrepio na espinha como quando você está sozinha à noite e escuta passos apressados atrás de você. Meu pai tem seus problemas com o sistema, porém nunca o desrespeitou, sabe que todos temos horários a cumprir. Talvez tenha ido ao banheiro, penso, mas logo sou interrompida por Robi. — Cris, não quero te preocupar, mas algo aconteceu aqui na rua de trás, tem uma multidão aqui gritando com um carro classe 4, esses bastardos devem ter feito mais um escândalo contra alguém de classe menor, não sei, mas talvez seu pai tenha parado para ajudar ou entender a situação, ou só não conseguiu passar para o beco. — Talvez ele tenha tentado entrar pela entrada principal sido barrado. — suspiro ansiosa já procurando acesso aos arquivos de câmera. — Obrigada Robi, já te chamo para comer, ok? Assim que guardo o telefone junto às minhas coisas, interfono para a equipe de segurança. — Olá Zeke, é a Cristina da recepção, acredito que meu pai passou por aí a alguns minutos tentando trazer meu almoço, poderia liberar a entrada, por favor?

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— Ele te disse estar aqui fora? Não tivemos nenhuma tentativa de entrada. Na verdade, todos os portões estão fechados e a equipe foi conter uma multidão na parte de trás do Hotel, você realmente devia ligar para ele. — Tá bem! Obrigada. Mesmo pensando que assim que a multidão se dispersar, meu pai talvez consiga entrar. Começo, então, a abrir os arquivos de vídeo do prédio procurando saber que caminho meu pai fez. Por volta de 30 minutos começo a acompanhar a movimentação da rua de trás, tudo parecia tranquilo pelos primeiros minutos, nada da multidão que Robi e Zeke contam. Então vejo meu pai acenando para Robi, como uma despedida e seguindo até o meu prédio. Mudo o arquivo para outra câmera e sigo os passos de papai em direção à porta do beco nos fundos. Exceto que ele não está lá. Volto e adianto alguns minutos da gravação tentando encontrá-lo, e então retorno para câmera da rua, dessa vez, prestando atenção em todos os detalhes da cena. Antes que ele chegue na calçada do La Vista, um carro classe 4 estaciona um pouco próximo. Meu pai sai de quadro por alguns segundos, provavelmente ficando no ponto cego entre as câmeras. Ele retorna com as mãos levantadas e já não está mais segurando nosso almoço.

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Sinto minhas pernas tremerem. Ele recua assustado conforme os classe 4 o intimidam. Ele está de joelhos no chão quando um deles começa a chutá-lo. Meu estômago embrulha. A cena continua na tela do computador embrulhando meu estômago mais ainda. Presto atenção no que acontece a seguir. Os dois homens de classe 4, a classe policial. Seus olhos castanhos esverdeados os tornam responsáveis pelos assuntos militares e interesses da classe 1. Conforme algumas mulheres se aproximavam, eles se afastaram do corpo caído de meu pai e se direcionaram a elas, eis que a multidão se forma, assim como Robi me alertou. Geralmente a classe 4 anda fardada e raramente usam suas armas, mas estes dois usavam óculos escuros e seguram suas armas nas mãos, mesmo que não a utilizem em meu pai. Sigo olhando as imagens, os pulsos levemente doloridos da força que faço contra a escrivaninha para me manter de pé. Os homens avançam sobre a multidão, que recua, e voltam a atacar meu pai na entrada do beco. Tento prestar atenção nos detalhes, mas tudo acontece num piscar de olhos: um deles grita com a multidão, que está tentando falar com a equipe de Zeke, enquanto o outro arrasta meu pai, quase desacordado, para o camburão, e o algemam. Mudo o arquivo das câmeras na tentativa de pegar algum detalhe escondido, mas só tenho acesso às câmeras do meu prédio.

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Corro para a porta de trás do La Vista, clientes e funcionários passam por mim e eu mal os noto, minha cabeça só está em um lugar: a cena daqueles homens em cima do meu pai. Saio pelo beco procurando no meio da multidão que se dissipa pelo carro que levou meu pai. Vários rostos me olham assustados, mas nenhum deles tem a feição que procuro. Não. Não pode ser. Digo para mim mesma tentando não pensar que todo o tumulto era em torno de papai. O chão derrete em meus pés enquanto não consigo me segurar em algo que me dê senso de realidade. Estou caindo no buraco do coelho, tal qual Alice, porém não acredito que esteja rumo a um país de maravilhas.

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O TEMPO DA LIBERDADE LeeHaney Cavalcanti

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OLeeTEMPO DA LIBERDADE Haney Cavalcanti

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O TEMPO DA LIBERDADE Lee Haney Cavalcanti Tudo estava lindo, garrafas alinhadas e empilhadas, copos guardados junto aos talheres de prata, os panos brankkkos sobre as mesas brilhavam com os reflexos que as luzes do teto irradiavam — todos que entravam ficavam encantados com essas luzes, nunca se viram lustres flutuantes, nem luzes das estrelas, as paredes coloridas e enfeitadas com quadros dos libertadores, aqueles que emanciparam do sistema.

Todo o corpo de funcionários estavam ansiosos, pois aquele momento iria transformar a história e o setor social, aquele bar que parecia por fora ser somente um espaço qualquer, dentro era um espetáculo de cores, bebidas e objetos futuristas de personagens, ali surgia uma pluralidade de aquilombamentos. Alguém chegando correndo em direção ao balcão do bar e grita: — Ela está chegando! Todos começaram a se organizar e ficar nos seus postos, foi quando um cheiro de lavanda subiu no espaço, uma pele brilhante se achega no meio do salão do bar, com um cabelo negro longo, com comprimento abaixo dos quadris, um vestido lilás feito a mão e sinais pelo corpo, não eram sinais de carne ou de velhice,

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eram lembranças do custo da liberdade familiar, onde se teve que enfrentar o machismo e o racismo devastador e sozinha — eram formas de se lembrar que para se ter liberdade o valor seria caro — os dentes muito brankkkos, refletia um sorriso encantador. Por onde passava Mãezinha, sim, com todas as características de uma super-heroína, era uma mulher, velha e graciosa que tinha se libertado do falecido esposo, onde nunca deixara ela ser quem ela queria ser, porém como o tempo é justo, ela conseguiu e, além disso, conseguiu montar o maior espaço de tinha como propósito trazer ideias e liberdade. Ela começa a falar enquanto todos que olhavam: — Estão ansiosos para a abertura? Todos começam a falar e estampar a felicidade daquele momento. A chegada do anoitecer vinha e com ele, a chegada dos frequentadores do bar: eram negros e negras de todas as formas, tamanhos, tonalidades e falas, lá onde acontecia todas as noites o encontro do afro futurismo, onde se encontravam e atravessavam na construção de ideias e comunidade para se reinventar e se ajudar como um só.

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Mãe começou a falar para umas amigas que assistiram, uma delas, Maria Augusta, uma de suas melhores amigas: — Trouxe bebidas mais modernas que minha memória me fez lembrar, desde a América Latina até o Continente Africano: Licor de Marula, Alomo Bitter, Rum, Pisco Sour, Doogh e entre outros. O valor para se consumir qualquer coisa do bar era você ser liberdade ou libertador dos seus, o único propósito era gerar esses encontros e para quando saíssemos daquele espaço, pudéssemos proporcionar esse sentimento. Passou décadas e o Bar Liberado funcionou e resistiu com seus principais propósitos, porém em um dia qualquer de funcionamento do bar, mãezinha pediu para chamar seu neto — rapaz negro, alto e sorridente igual a ela — logo ele chega até ela — Me aconteceu algo meu neto, que não consigo lembrar, eu sei que aconteceu e não sei o que foi... o que é a liberdade? Seu neto ficou olhando se questionar varias vezes e falou com espanto: — Vó, liberdade é tudo aquilo que a senhora fez, ensinou e faz, buscar e deixar ser quem somos...

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— Será que vou esquecer um dia o que é minha liberdade?

Ele olhou-lhe com muito afinco, pegou em suas mãos com muita firmeza e dizendo que nunca deixaria ela esquecer a liberdade dela. O tempo foi se passando e acontecia o evento do ano, um baile com todos os ritmos de música, do ‘soul’ ao ‘funk’. Nesse dia teria sido inaugurado a invenção da energia vegetal para todos daquela época, estavam todos animados e comemorando pelo avanço da comunidade, os impactos eram altos para os espaços sócias, mãezinha dançava muito no meio do salão, quando rápido sentiu uma sensação estranha, nada entre esses 78 anos já teria sentido alto parecido, mexia com todo seu corpo — ela rodopiava olhando para o tempo do bar, enquanto todos estavam dançando e tentava lembrar de todos os bailes, amores e emoções que um dia já tive, contudo, aquele era diferente. Ela falou, olhou para todos que comemoravam e começou a gritar segurando a ponta do seu vestido:

— QUANTO TEMPO VALE A NOSSA LIBERDADE?

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EXISTÊNCIA Ana Luiza Gomes

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EXISTÊNCIA Ana Luiza Gomes Maria de Lourdes, mãe, avó, bisavó, viúva e devota. Quem vê aquela senhorinha de baixa estatura e expressões fortes, sentada em sua cadeira de secretária escolar, não imagina as histórias que carregam cada uma de suas rugas. Mas se você quiser descobrir um pouco dessas histórias, só se achegue e esteja disposto a ouvir, porque quando a veinha começa a falar ela tem história o suficiente para uma vida. Apesar do passado difícil, Lourdes não fala sobre sua vida com tristeza e sim com um brilho de sobrevivência no olhar: -

O nome da minha mãe era Edite Gomes de Souza, e do meu pai eu não vou falar não, porque nunca tive pai.

Ela conta essa história hoje no conforto de sua casa, na sua sala, mas lembra que nem sempre foi assim: -

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Eu morava lá em Quixadá, bem após Morada Nova, em um bairro chamado Lagoa Nova, numa casinha bem pequena e simples, hoje vocês reclamam de barriga cheia numa casa dessa em que cada uma tem seu quarto. Foi lá que perdi minha mãe, eu tava indo lavar roupa com ela no açude e veio um boi mascarado tão rápido que a bichinha não conseguiu escapar. 31


Com o falecimento da mãe, os irmãos e irmãs ficaram na responsabilidade da filha mais velha, Francisca Amaro, mas ninguém chama ela assim, pode chamar Teté. Teté cuidou de seus irmãos, dos filhos - dos seus irmãos, e dos filhos dos filhos dos seus irmãos. -

Teté sempre cuidou da gente, a sopa dela é melhor que a minha, por isso que peço sempre para ela fazer. Mas ela está ficando cansada, também com aquele filho dela que só dá trabalho para ela. Nem quando se aposentou teve paz. Lourdes nunca teve a oportunidade de ser criança, estudou em escola particular até -como antes era conhecido- a 8.ª série paga pelos seus patrões da casa onde trabalhava, mas a realidade dela fora dos portões da escola era outra, enquanto as outras crianças iam de barriga cheia, sua merenda antes de ir costumava ser café com farinha. -

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Meus filhos, eu sempre fiz questão que eles tivessem uma educação e tá aí, tudin de barriga cheia, já ficamos em situação difícil aqui em casa, mas nunca ninguém passou fome. Sua mãe diz que eu sou mão de vaca, mas não é não, as coisas estão cada vez mais caras e todo dinheiro que eu pego é para comer.

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Conta agora da sua vida em Morada Nova em sua adolescência era toda espilicute, trabalhava muito e estudava, namorava também e diz ela que seus vestidos eram da melhor costureira de Fortaleza. Terminou o ensino pedagógico com 22 anos e só fez faculdade lá com seus cinquenta e poucos anos. -

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Com um sorriso no rosto ela fala- Depois que casei minha vida mudou, mas nós brigávamos igual dois cachorro, ele queria mandar em mim, onde já se viu? Homi mandar em mim. Se separamo um monte de vez, mas ele era meu parceiro, e ficou do meu lado até seu último dia, para tudo que eu precisava ele tava lá.

Nesse meio tempo ela ia com suas lembranças, podia jurar que mesmo após tantos anos ela ainda às vezes parecia ver sua mãe pelos cantos, nas esquinas, na saída da escola, porém dizia ser só a saudade lhe pregando peças. -

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Teve um dia já no final do ano, estava eu e as minhas amigas, aquelas que tu sabes serem minhas amigas até hoje, então eu podia jurar que vi minha mãe franzina lá na esquina e ela olhava para na minha direção. Na época eu pensava ser a saudade que era grande demais e eu ficava imaginando coisas, mas você acreditando em mim ou não, uma coisa eu posso afirmar agora, aquela era minha mãe.

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Quase ninguém sabe que quando sua mãe morreu Lourdes tava do seu lado ajudando a levar as roupas que elas iriam lavar no rio, é vivido em sua memória o olhar de perturbação do boi indo na direção de sua mãe, e o animal seguiu reto depois, sem a consciência do que acabou de fazer. Mais tarde naquele dia, já na hora da novela, minha vó me chamou para rede e me fez prometer que eu iria acreditar em cada palavra que saísse da boca dela. -

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Minha filha, o boi, eu vi aquele boi outra vez. Assim como vi minha mãe outra vez. Eles estavam conectados, conectados pela morte, e não tem jeito para morte não viu! No natal eu reconheci aquele olhar, por trás da máscara, não era mais tão perturbado, mas eu reconheci.

Ela passou o natal em uma pracinha pequena que uma vez me mostrou, e foi naquela praça que começou. -

Eu tava com Pacifal, namorando na época, imagina como ele ia ficar se eu falasse que ia atrás de um homem lá na noite de natal? Então eu inventei uma desculpa que ia comprar comida e fui tentar achar o homem com olhar de boi.

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Eu tava conseguindo chegar perto, tava quase lá, quando algo me parou. Minha mãe, distante, do mesmo jeito que eu lembrava, eu congelei e ela sumiu assim na minha vista, quando voltei o homem boi já foi embora. Depois dessa noite, eu só conseguia pensar nisso.

Minha vó é uma mulher amável, sim, ela é, mas também não gosta muito de mostrar vulnerabilidade, por sobrevivência. Mas naquela rede, ela tava sem nenhuma barreira, completamente aberta. O fato de sua mãe ter visto ela feliz, bem vestida e viva mesmo depois de tudo mexeu com ela. E também, claro, ver o espírito da mãe não é fácil. Mesmo o assunto sendo pesado, ela começou a rir e se balançar com um brilho infantil nos olhos.

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DALJI CAMINHE COM MAIS LEVEZA Regilene Alves Vieira

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Dalji Caminhe com mais leveza Regilene Alves Vieira Apesar de não querer abandonar aquela casinha simples que seus pais haviam construído para sua família depois de uma vida inteira de trabalho, Dalji se mudou do interior porque não fazia mais sentido ficar ali esperando o retorno dos que não vinham. Dalji contou sem expressar sentimento algum — mesmo que ela sentisse demais — que foi só seu pai que se chamava Dolado e sua mãe Abayomi morrerem, coincidentemente no mesmo ano por um vírus que assolava a humanidade, que seus irmãos Fayola e Jafari deram fim em tudo, até na bicicleta quebrada que seu pai usava para deixar ela e seus irmãos na escola desde quando todos eram crianças. Deram fim também na roça que eles plantavam todo inverno para no verão comerem feijão e milho maduro, na hortinha do lado de casa que sua mãe Abayomi semeava suas ervas e verduras para temperar as panelas, no jardim que ficava exposto e só faltava entrar pelas portas da casa de tanto que florescia e no fogãozinho a lenha que Abayomi fazia questão de ter mesmo os tempos sendo outros, quando quase ninguém mais cozinhava em fogão a lenha. Ela vivia dizendo: — Agora esse povo tem uma “estória” de cozinhar nesses caixotes grandes. Onde já se viu isso? A comida fica com gosto ruim e eu tenho é medo de acender e tacar fogo na casa, prefiro ir à mata pegar meus paus de lenha e fazer meu fogo para cozinhar o que eu quiser e fazer meu peixe assado na brasa. 39


Dalji vivia dizendo que ela gosta de complicar a vida e de trabalhar, mas hoje ela entende que não era só o cozinhar sem sentido, ali tinha toda uma tradição do “fazer”, do “Ser” e do afeto que aquela prática milenar carregava. Ver o fogão a lenha ser destruído pelos novos moradores para Dalji foi a última gota. Era como observar a história dos seus antepassados e suas práticas ancestrais se esvaindo em sua frente. Então ela decidiu se mudar para a cidade, mesmo não gostando de todo aquele movimento sem sentido, dia após dia, e principalmente das pessoas que mal se olhavam na cara umas das outras. Parece que todo mundo que vive em cidade grande não vive de verdade, só existe no automático, diferente de quem mora no interior. No sítio Camará, ali até o tempo é diferente e às horas passam devagar, nós conseguimos fazer as coisas com calma, olhar para as pessoas, abraçá-las, criar afetos e ter uma boa conversa regada com café, pensava Dalji. Na cidade, Dalji sempre teve a sensação de não lugar, mas também voltar para casa já não era mais uma opção, pelo menos não naquele momento.

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Também prometeu para si mesma que jamais perdoaria ou voltaria a gostar dos seus irmãos novamente, por tudo que fizeram, não a ela, mas a história de seus pais, era imperdoável! E repetia diariamente quando a saudade dos seus apertava: — Eu prometi não perdoar, não esquecer! Não esquecer! Jamais esquecer! E fez disso o seu mantra diário. Dalji começou a trabalhar em uma lanchonete durante a noite, vivia correndo de um lado para o outro, cozinhando, lavando louça, servindo, parecia que o trabalho não tinha fim. No seu único dia de folga ela só conseguia dormir e nada mais, não levantava nem para comer, só comia um biscoito que sempre deixava em cima da mesinha velha próxima de sua cama, comia ali mesmo sentada na cama e não se dava nem o trabalho de abrir os olhos, só mastigava e voltava a dormir novamente. Acredito que essa foi a personagem zumbi que ela adquiriu após alguns anos morando na periferia de Fortaleza. Mas, a vida — quer dizer, a vida não, a falta dela!

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— Daquele jeito para Dalji estava ótima, porque ela não tinha tempo e nem ânimo para pensar em muita coisa, principalmente na dor que carregava no peito. Às vezes, Dalji sonhava com Abayomi cozinhando no seu fogão a lenha e seu pai Dolapo voltando das quebradas com milho maduro nas mãos sorrindo e agradecendo Abayomi por fazer o fogo. Dolapo sorria dizendo: — Hô beleza mulher, vou já despalhar o milho para assar nesse fogo! E todos se juntavam ao redor do fogão para despalhar os milhos e colocá-los para assar. No final era aquela festa de todos comendo, conversando e sorrindo. Chegavam até esquecer por alguns instantes que não era sempre que tinham comida na mesa e a vida não parecia tão dura. Dalji parecia absorta, quando despertava nunca sabia se de fato sonhou, lembrando ou se isso algum dia existiu. Ela já não se reconhecia mais, nem sequer se olhava no espelho. Só vivia para trabalhar, pagar o aluguel e o que sobrava do seu salário colocava em uma caixa sem intuito algum, nem sequer contava o que sobrava ou fazia planos com aquele dinheiro.

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Não existiam planos para o futuro, não queria que existisse um futuro, não que desejasse morrer até porque não sentia como se estivesse viva então era um grande “tanto faz”. Não existia mais ninguém na sua vida, irmãos, amigos ou qualquer familiar com quem tenha mantido contato desde a morte dos seus pais. Após os 10 anos de muita angústia e sem caminho Dalji sonhou com seu Zé Pilintra dizendo: — Pequenina você está perdida no seu caminho. Volte para casa e caminhe com mais leveza. Imediatamente ela acordou assustada e se recordou do tempo em que seus pais eram vivos e iam todos para o terreiro do Pai Zé. Foi quando ela se deu conta que em meio a tanto caos e sofrimento ela havia esquecido de sua ancestralidade, dos ensinamentos, da Umbanda, de seus caboclos, Pombas Giras, dos Erês e dos Orixás, ou seja, daqueles que a protegiam e a guiavam. Dalji nunca soube ao certo que caminho seus irmãos seguiram ou se algum dia se arrependeram do que fizeram, muito menos se eles sentiam falta dela. Mas gostava de sentar-se na sua varanda e pensar que um dia foi feliz ao lado deles. Nunca os procurou mesmo sabendo onde eles estavam, porque eles também sabiam onde ela estava e nunca a procuraram,

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não se sabe se foi por vergonha ou por não se importarem mesmo. Mas desde o dia que Dalji voltou a frequentar o terreiro do Pai Zé soube que, na verdade, nunca esteve sozinha. Dalji conseguiu recomprar o terreno antigo de seus pais, todo o dinheiro que ela guardava sem propósito no final tinha um propósito que nem mesmo ela sabia. Depois ela se tornou Mãe de Santo e agora a casa vive cheia de filhos, filhas, filhes e Axé. Hoje, sentada em uma cadeira de madeira olhando suas galinhas ciscarem, com um turbante amarrado na cabeça e fumando seu cachimbo, no seu interior onde tudo começou, Dalji canta:

Tantas batalhas venci. Muitas ainda vou enfrentar. Muitas vezes vou cair. Mas sempre vou levantar. Meu escudo é minha fé Minha espada é o Orixá Tenho meu corpo fechado. Nas rezas do Jacutá. 44


Quando eu caí, Pai Ogum me levantou. Quando eu sofri, mamãe Oxum me amparou. Me vi perdido, Exú veio me guiar Estava com fome, Oxóssi me ensinou caçar. Fui humilhado, e Xangô me defendeu Fui perseguida, Oyá com os ventos me escondeu. Cai doente Omulu quem me curou Estava sujo, Iemanjá quem me banhou. Eu vi a morte, mas Nanã me afastou Cuidou de mim e o meu pranto ela secou. Desesperada, vi minha fé vacilar. Fui renovada com as palavras de Oxalá. Se eu fosse só, já não estaria mais aqui Meu Orixá, me ajudou a persistir Na noite escura, nos caminhos me guiou E na Umbanda eu retribuo seu amor.

______________ Ponto de Umbanda/ Compositor: Henrique de Oxóssi 45


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PÍLULAS DO FUTURO Marta Ferreira

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Ilustração; Ana Beatriz Salvino 48


PÍLULAS DO FUTURO Marta Ferreira Zélia, filha de Raimundo Félix e Maria constantina, nasceu no dia 28/04/1956, em uma situação muito delicada, sua mãe estava prestes a perder sua filha no parto, e resolveram chamar uma grande parteira de sua região, então mesmo em meio uma gravidez de risco, ela nasceu, destinada a uma vida sofrida e cheia de lutas e muitas vitórias. A bela criança, tinha cabelos pretos reluzentes, como era de se esperar, seu nascimento trouxe muitas alegrias para família, Constantina fez uma grande festa para comemorar a vida da sua filha. No dia da festa, Zélia vestia um vestido branco de boneca, feito por sua mãe, Constantina, tinha muitos talentos e a costura era um deles, solicitada por amigos e familiares, e assim Zélia, foi apresentada com sua roupa de boneca, no ano seguinte, nasceu o irmão de Zélia, e mais uma festa e comemorações, a vida era boa, Constantina forte e uma casa feliz.

Zélia por ser a primeira filha e ter tido complicações no parto, eles tinham um cuidado com ela, e quando nasceu o próximo irmão dela, a atenção com Zélia, foi diminuindo, já se passaram três anos, nasceu outro filho, já o segundo irmãozinho. 49


Zélia costumava pegar as bonecas de pano que constantina sua mãe fazia, e dava para ela brincar, mas com a idade de 3 aninhos, ela já queria brincar com seus irmãozinhos, um dia Zélia pegou seu irmãozinho, Osvaldo que foi o segundo que nasceu,e foi brincar de banhar ele.e foi no banheiro que ficava no quintal da casa, e pegou uma água que estava numa cuia no chão perto da tina que ficava no canto do banheiro.

Mas Constantina esqueceu ter um penico com xixi no banheiro. Aí já se pode imaginar né o que aconteceu, ela pegou o xixi e levou para banhar seu irmãozinho por que viu sua mãe banhar Osvaldinho.

Constantina vendo Osvaldinho chorar veio correndo e quando chegou, viu que a criança

estava na rede molhado e chorando seus olhinhos

arregalados e Constantina olhou para Zélia com um copo pequeno na mão, mas não acreditava que ela teria feito algo com seu irmão, mas ela toda feliz foi novamente lá no banheiro buscar mais água para ajudar a mamãe banhar Osvaldinho, aí a mãe viu que ela tava trazendo o xixi que estava no penico lá no banheiro que estava perto da tina de cimento no canto esquerdo da porta, e a Zélia era tão travessa mesmo tendo só três aninhos, que tinha visto como banhava seu irmão, aí nunca mais deixava ela sozinha com ele por medo de ela brincar com ele achando ser um boneco. 50


Zélia já estava crescendo um pouco e já ia ajudar o seu pai tirar leite das vacas para trazer pros seus irmãozinhos também.

Ela adorava beber leite" mugido", isso deixava ela muito feliz e ela dizia querer ficar forte, os anos se passando e Zélia vendo seu irmãozinho de cor diferente, ela foi tirar o leite com seu pai, e quando o seu pai terminou de tirar o leite ele foi soltar os bezerros, e quando voltou se separou com uma cena inusitada, ele viu Zélia no balde de leite, ele gritou e perguntou a ela o que era aquilo, por que ela estava fazendo aquilo, ela falou — papai quero ficar da cor do meu irmãozinho e seu pai perguntou porquê você quer ser como ele? E ela respondeu a ele; “papai é por que na escola eles brincam com ele e abraçam ele, e ninguém gosta de mim Zélia começou a chorar, disse, porque eu não sou da cor dele e começou novamente a chorar, e seu pai não teve outra reação a não ser pegar ela naquele momento e abraçá-la, por conta da dor que ela estava sentindo naquele momento ela, não tinha lhe falado nada, então ele abraçou ela e levou ela para casa, E falou o que ela não tinha nada de diferente para se culpar pela sua cor. 51


A menina na sua inocência, pergunta ao seu pai; papai, se eu tomar bastante leite, eu fico da cor do meu irmãozinho? Seu pai chorou muito abraçado com ela, e resolveu tomar atitudes sobre o assunto. Raimundo Félix, foi na fazenda vizinha, falou com outros fazendeiros e resolveram a construir uma escolinha para os filhos dos fazendeiros para não precisar ir tão longe estudar. E assim aconteceu, que logo a notícia se espalhou na região, e eles ficaram felizes por aprender um ensino de qualidade e respeito. As coisas foram evoluindo e compraram uma tv preto e branco e por muitos anos eles ficaram assistindo com muita alegria aquelas novelas da época, filmes Mas ali todos eram iguais, não tinha branco nem preto naquela tv. Os anos passavam e constantina falou que tinha chegado na cidade uma tela colorida que ia mudar o modo de ver a tv preto e branco, então foram à cidade comprar essa tela para colocar na tv, aí a alegria mudou tudo, era gente de toda cor, A alegria invadia grandes e pequenos. Zélia já estava grandinho e foi vendo que a cor não é motivo para ser diferente, ela começou a se aceitar do jeitinho que ela era e assim ela não via mais diferença entre ela e seu irmãozinho, porque na escola todos eram iguais. 52


No ano seguinte, Zélia estava prestes a ganhar outro irmãozinho, esse era o último da família, nasceu forte saudável, mas logo depois seu nascimento, ele adoeceu ficou muito debilitado porque constantina não tinha leite o suficiente para amamentar. Mas mesmo assim ele venceu e se criou saudável. Passaram-se mais três anos, constantina adoeceu, Zélia era uma menina Negra, magrinha, usava vestidos de chita, andava descalça e descabelada. E andava sempre com sua boneca de pano que sua mãe fez. O nome da boneca era sol. Zélia continuava sua rotina de ir tirar o leite das vacas, mas agora levava seu irmão Osvaldo, e lhe ensinava a tirar o leite e levar para casa para seus irmãos. Logo depois Zélia foi até a casa da curandeira, em busca de raízes para fazer chá para sua mãe, ao chegar em casa, Constantina já muito cansada não aguentava mais levantar para cuidas dos filhos. Seu marido Raimundo Félix, ia cortar a lenha para fazer o fogo e fazer a comida para família, Zélia pediu à seu pai para fazer o remédio para sua mãe e logo depois ela deu o chá para constantina.assim foi passando os tempos e constantina não tinha mais forças, já na idade de adolescente,

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Zélia falou para sua mãe que ela não se preocupasse, ficasse boa logo que ela nunca ia lhe dá trabalho, ia cuidar de tudo até ela ficar boa. Mas logo depois de Zélia prometer tudo a sua mãe, ela foi dormir e não mais acordou, seus irmãos e ela mesmo chorando inconsolavelmente diante de sua mãe morta. Zélia não teve mais alegrias, precisou amadurecer, teve que cuidar de seus irmãos e seu pai. E o tempo foi passando e Zélia se tornou uma espécie de mãe de seus irmãos, viu eles crescerem e cuidar de suas vidas, suas primeiras namoradas, chafurdos, brigas de namoradas, a vida ir indo. Seu irmão Valfrido, conheceu uma moça pelas redondezas,o nome dela era Maria,conhecida como Mariquinha Começou a namorar e logo depois casou-se logo também por que ele disse que já tinha virado adulto apesar da pouca idade, e foi um orgulho para todos, trabalhava duro na roça e a vida continuava, Zélia acordava cedo ia pra sua rotina e logo depois levava seus irmãos até a escola que ficava próximo.

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Um dia lembrando de sua mãe,

resolveu sentar numa cadeira na

máquina antiga e tentou remendar o calção de um de seus irmãos, e começou ali um novo ofício que a ajudou a manter sua família, apesar de ainda pequena para a idade, sempre conseguiu fazer tudo que se propunha, pediu ajuda ao pai que ajudou da forma que soube, ela aprendeu o novo ofício e foi ensinando Neusa e Vilma a cuidar da casa.

Ensinou Olavo a cortar a lenha e fazer o fogo, e Stela a debulhar milho, colocar de molho e depois moer e fazer o cuscuz, deu a cada um de seus irmãos uma tarefa, sem atrapalhar os seus ensinos da escola.

Zélia sempre se preocupou com seus irmãos menores, já fazia o papel de mãe deles.

O tempo foi passando e seus irmãos crescendo e cada um tomando seu rumo,

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Osvaldo, era o encostado de Zélia, casou-se com a Mundica, que era filha de uma das professoras que ensinava na escola, eles estudavam juntos, começou tudo em uma grande amizade, era a melhor amiga de Zélia, e teve o apoio dela para o casamento, se sentia muito orgulhosa de seus irmãos. Olavo, esse foi para São Paulo,morar com os tios ainda jovem, esse não dava muitas notícias, quando resolveu mandar notícias, foi pra dizer que já era casado e tinha 5 filhos Zélia então resolveu casar, com um aluno da escola também onde eles estudavam, José Francisco, era o nome do seu marido, um jovem tão magro e bem alto! branco, (olhos) cor de mel, só andava bem-vestido usava chinelas de sola, chapéu de couro, e tinha um jumento que era seu transporte, o Celestino. Um jumento muito bonito, gordo andava com ele sempre selado. Então Zélia resolveu casar, mas não deixou seu pai sozinho, eles fizeram uma casa de taipa ao lado da casa grande, só assim ela continuava cuidando de tudo.

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Seu esposa e pai, eram bons amigos, proseiam muito o tempo todo, até quando estavam trabalhando na roça e tirando leite, Zélia teve o prazer de acompanhar a vida de todos que estavam ao seu redor. Neusa, a irmã do meio, casou-se com um caboclo bem mais velho que ela, ele era negro, alto, canela-fina usava sempre um calção preto e uma blusa verde, até parecia que só tinha ela, e ainda andava descalço, seus irmãos chamava ele de uma roupa só, e ela ficava envergonhada porque ele só tinha 2 roupas, mais uma era para ele sair para outros cantos mais importante, casou e teve muitos filhos. Vilma, a outra irmã de Zélia também casou-se, mas essa teve mais um pouco de sorte, seu noivo era filho do dono da vendinha, conhecido como Zeca, esse era o nome do dono da venda o marido de Vilma era chamado Zequinha da bicicleta, ela dizia que ele era rico, pois ele tinha uma bicicleta preta, e um par de bota de vaqueiro, se exibindo com as botas dele em cima da bicicleta, chamava muita atenção de todos, a vida foi acontecendo, e essa foi a vida de Zélia, uma mulher negra, em um tempo que as mulheres não tinham muitos sonhos, a realidade lhe fez mãe de seus irmãos e a vida lhe trouxe dores, mas também algum amor. 57


Apesar de tudo ter ocorrido dessa forma, Zélia parou e olhou para o futuro e percebeu que todos os seus filhos e filhas estavam vivos e construindo suas vida, apesar de se sentir sozinha, ela desejou a felicidades de todos e pensou que sempre pode ser melhor, que o futuro é um exercício diário, construído por alguma divindade para fazer nossas certezas mudar.

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DONA RITA Thesco de Sousa

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Dona Rita Thesco de Sousa Quem ver dona Rita da Silva passar pelas ruas pintada com cabelo penteado, e bem vestida nem imagina o que essa mulher sofreu no passado. Rita tinha seus 1,75 de altura, mulher negra e forte, braços robustos, não tinha parentes por aqui e trabalhava ajudando no terreiro do seu Zé Professor, macumbeiro antigo no bairro Siqueira, Zé era gay, negro com seus quase 120 quilos, foi nessas festas que ela conheceu Zé do Manel, baixinho negro de bigodinho fino que só andava de branco, blusa e calças engomada e sempre perfumado, a colonia contouré era sua favorita. Com 18 anos, Rita se casou com Zé, tiveram 7 filhos homens, nenhuma mulher. Após se casarem, Zé do Manel não largou sua vida de raparigueiro, já dona Rita após o primeiro filho relaxou-se e não era mais a mesma. Ela parou de frequentar o terreiro do Zé Professor, pois o marido a proibiu de continuar indo para as baias; sendo que foi numa dessas baias que ele a conheceu e também foi lá que seu mestre Sibamba lhe alertou de um certo homem que ia estragar sua vida, mas Rita apaixonada e embriagada pelo cheiro de contouré não deu ouvidos.

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Falando sobre seu Zé Professor, desde a década de 70, já se ouvia falar sobre seu trabalho, feitiços e amarrações, e muitos temiam entrar em sua propriedade que segundo os mais velhos, tinham crianças enterradas no quintal do terreiro, coisa que ninguém nunca provou, mais entrou para o imaginário popular e virou lenda no bairro, foi também lá no seu Ze Professor, que Rita antes de casar com o Zé do Manel, conheceu um jovem que batia tambor, Izaias, tiveram até um trelelê, mas quando Rita descobriu que ele a amava e todas as outras dezenas de filhas do pai Zé, ela desencanou do moço. Depois do nascimento do primeiro filho quando ele fez cerca de oito meses, ouvimos pela primeira vez os gritos de socorro vindo do quintal da Rita, seria a primeira de muitas surras ninguém se metia, pois, era aquele negócio, em briga de marido e mulher ninguém mete a colher, Rita apanhou muito do marido, chamavam polícia, mas não dava em nada. Foi assim com a segunda gestação, a terceira, e até a sétima; certa noite, nós ouvimos o grito e alguns pais de família resolveram intervir, foram até a casa dela bateram no portão ela assustada abriu, mas só a parte de enfiar o cadeado dizendo está tudo bem e era briga de casal.

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O tempo foi passando os filhos foram crescendo e as agressões continuaram, no aniversário de 15 anos do filho mais velho uma das confusões da briga do casal na frente dele, o filho agrediu o pai com um soco no nariz e na boca que resultou em dois dentes quebrados, Rita também conta, que numa noite de peia sentou-se na beira da cacimba, pensando em tirar a vida quando recebeu a figura de uma entidade, segundo ela seu mestre Sibamba, lhe ofereceu um gole de pinga, para aliviar a dor, Rita lembrou de suas visitas ao terreiro do seu Zé professor e de quando seu mestre aparecia ela sempre tomava uns goles. O mestre também lhe alertou que em breve ela ia ver seu esposo pagar por todas as ruindades, de vera que o Zé do Manel nas andanças pelos cabarés da 24 de maio adquiriu uma doença que quase perde o que ele achava de mais precioso, a sífilis repassada para Rita e para seu filho recém nascido, desenvolveu na região do pescoço da criança uma enfermidade que via as veias do pescoço, Rita deu um, basta, quando viu ele entrando no quarto de enfermaria do hospital Gonzaguinha, esmurrou o marido e o acusou da grave doença do filho que não sobreviveu deixando a mãe voltar sozinha para casa e ainda tendo que cuidar da doença adquirida.

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Rita mulher negra, que precisou sem empoderar, pela força do ódio, agora empoderada e dona de si, aguarda o reduzido Zé-ninguém aparecer, e ele voltou, com a maior cara lisa jurando mudar, e mudou sim, mudou de situação, pois agora a situação era outra, mudou de casa, pois na casa da Rita, Zé não tinha mais espaço. Rita voltou a frequentar o terreiro de seu Zé professor, que além das medicações ainda lhe recomendou uns chás, que só ele sabia fazer, também reencontrou seu amor do passado, agora segundo ele mais responsável e querendo reconstruir sua vida, mas tenho sete filhos falou Rita, daí também tenho três filhas, disse Isaías, conosco dois somos 12, minha casa ficou pequena após a partida dos meus pais e da mãe dos meus filhos além do espaço do sítio tenho um espaço enorme no meu coração que cabe você e seus filhos, falou Isaias. Isaías saia para trabalhar e deixava Rita cuidando de dez filhos incluindo suas três filhas, chegava embriagado aos sábados, mas o dinheiro da feira e das contas não faltava, foi numa dessas saídas que ela resolveu vasculhar a vida do companheiro e descobriu o que não queria, descobriu que ele tinha um caso com o dono do cabaré que frequentava seu Haroldo, um gay de 65 anos; ela parou e pensou um pouco sobre o quanto a vida era injusta, ela não poderia aceitar, não que ela tivesse algo contra gays, mas ela desejava ser amada e isso não era ser amada, Rita desejava o amor, mas ele sempre teimava em fugir dela.

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Ela entendeu precisar da força de suas entidades, retorna ao terreiro do mestre Sibamba, lá não era perfeito, mas ela se sentia de alguma forma acolhida, por costume Sibamba bebia muito, mas nesta altura já era um grande catimbozeiro, culto fortemente enraizado no nordeste, trazido pelos negros e agregados aos cultos indígenas e outros costumes, da miscigenação cultural do nosso país, da linha nagô, que significa “rei de magias”, ele sabia usar as ervas para banhos de cura, fazia partos (era um ótimo parteiro) tirava costelas montadas, rezava as crianças de maus-olhados e tudo mais. Nesse dia de gira Rita entra em transe, ouvindo o ponto de mestre Sibamba, e de fato percebeu estar em casa. Ele e sibamba bebe cana, não promete para faltar com seu garrafão de cana tomba aqui cai acolá. Quebra o galho de Sibamba, quebra o galho, quebra o galho Sibamba quebra o galho, ele não é caranguejo nem anda de banda, mais olha a pisada do mestre Sibamba. Já abalei sete cidades, já abalei sete cidades e mandei buscar mestre Preá. Sentado em sua carroça cansado de trabalhar ele é Antônio Carlos da Silva ele é conhecido como mestre Preá, se ele é bom na faca eu sou no facão, ele é bom na reza e na oração.

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Camarada, camarada, camarada amigo meu, camarada, camarada quem engana o outro e judeus. hôôô meu irmão hôôô mano meu cadê meus irmão que não vem sambar mais eu. sibamba é um mestre falado a ele ninguém engana vamos salvar sibamba com uma garrafa de cana. meu mestre me chamou e eu vim foi trabalhar é com seu garrafão de cana tomba aqui, tomba acolá seu sibamba é beberrão mas sabe trabalhar na direita ele é bonzinho e na esquerda é de amargar ah sibamba, sibamba é cachaceiro sibamba só trabalha com seu ponto no terreiro

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eu bato, sibamba eu bato, sibamba eu bato com nêgo no chão sibamba é rei dos bebo ô sibamba eu bato com nêgo no chão eu vou embora pra bahia vê as baianas de lá na bahia tem macumba e aqui só patuá eu bato, sibamba eu bato, sibamba eu bato com nêgo no chão sibamba é rei dos bebo ô sibamba eu bato com nêgo no chão"

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A NEGA DO DIABO Ivan Sobreira

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A NEGA DO DIABO Ivan Sobreira A SECA DE 19 (1919) DEIXOU VIDAS DEVASTADAS OBRIGOU MUITAS FAMÍLIAS PARTIREM EM RETIRADAS EM BUSCA DE ESPERANÇAS FLAGELADOS NAS ESTRADAS ESSA SECA FEZ HISTÓRIA COMO A QUE VOU CONTAR POIS, OUVI DE MINHA VÓ NINGUÉM VEIO ME FALAR AGORA EM CORDEL VOS CONTO QUEIRAM ME ACOMPANHAR MIL NOVECENTOS E DOZE (1912) NASCIA MAIS UMA MENINA LIDIA FERREIRA SILVA TRAZENDO UMA TRISTE SINA NOVINHA E ESCRAVIZADA POR UMA MENTE ASSASSINA

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AOS SETE ANOS DE VIDA PELA SECA CASTIGADA A FAMÍLIA DA MENINA BOTOU O PÉ NA ESTRADA POIS NO LUGAR QUE VIVIAM JÁ NÃO RESTAVA MAIS NADA EM UMA DESSAS ANDANÇAS A DOIS DIAS SEM UM BANHO A FAMÍLIA APROXIMOU-SE DE UM SÍTIO DE UM ESTRANHO UM LUGAR PARA DESCANSO JÁ ERA DE BOM TAMANHO PARA SURPRESA DA FAMÍLIA ATÉ FOI BEM RECEBIDA LOGO FOI OFERECIDO ÁGUA BOA E COMIDA UM LOCAL PARA ASSEIOS E A VARANDA PRA DORMIDA

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A PROPRIETÁRIA DISSE A SENHORA TÁ CANSADA DE ANDAR COM A FAMÍLIA A DIAS PELA ESTRADA DEIXE A MENINA COMIGO QUE NÃO VAI LHE FALTAR NADA DONA SANTANA FALOU, ATÉ MEIO ENCABULADA MAS DONA NEM LHE CONHEÇO NÃO POSSO, MUITO OBRIGADA MAIS AO AMANHECER DO DIA VAMOS PEGAR A ESTRADA A MÃE OLHA PARA LÍDIA COMENDO TODA ANIMADA TÃO PURA TÃO INOCENTE FICOU TÃO EMOCIONADA QUE ATÉ PENSOU EM DEIXAR A SUA FILHINHA AMADA

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AO RAIAR O SOL DO DIA A ANFITRIÃ PERSISTE E DE NOVO A DASDORES REFORÇA O SEU CONVITE A MENINA AQUI COMIGO VAI FICAR BEM ACREDITE QUANDO ESSA SECA PASSAR FOR EMBORA A ESTIAGEM A SENHORA VEM BUSCAR SIGA EM PAZ SUA VIAGEM QUEM SABE LOGO CAI CHUVA E MUDA ESSA PAISAGEM QUANTO A MENINA RELAXE AQUI FICA PROTEGIDA COMO A SENHORA JÁ VIU NÃO FALTA ÁGUA E COMIDA VAI LOGO APRENDER A LER TERÁ CONFORTO E GUARIDA

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DAS DORES ACREDITANDO MAIS CALMA E MAIS CONFIANTE DEIXOU A FILHA COM ZEFA SEGUIU A VIAGEM ADIANTE MAS O SEMBLANTE DA FILHA NÃO ESQUECIA UM INSTANTE A FILHA ESTAVA FELIZ EMBORA NA CASA ALHEIA NÃO ESTAVA NO RELENTO E DE BARRIGUINHA CHEIA A BOA AÇÃO ERA LINDA A FOME QUE ERA FEIA O PIOR ERRO DA MÃE HUMILDE E INOCENTE FOI CAIR NAQUELA LÁBIA DA ZEFA TÃO CEGAMENTE POIS FOI SÓ VIRAR AS COSTAS TUDO MUDOU DE REPENTE

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DONA DAS DORES JÁ LONGE NEM MESMO PODE ESCUTAR POIS O TRATAMENTO LINDO QUE VIERA A DEMONSTRAR AQUELA POBRE MENINA LOGO LOGO IA MUDAR CHICOTEADA NAS COSTAS FEITO UM ANIMAL BRABO ELA DISSE, NEGA É AGORA QUE A PORCA TORCE O RABO DE HOJE EM DIANTE SEU NOME SERÁ A NEGA DO DIABO VAI CUIDAR DO MEU MENINO O TEU CASTELO É DE AREIA SE QUISER POUPAR TEUS CORO NÃO OLHE DE CARA FEIA FAÇA O SERVIÇO DIREITO OU EU TE MATO DE PEIA

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O FILHO DA DONA ZEFA TINHA QUATRO ANOS DE IDADE MAS PESAVA MUITO ALÉM DA SUA REALIDADE PARA A IDADE DE LÍDIA UM PESO EM DESIGUALDADE POIS LÍDIA ERA MAGRINHA PELA FOME QUE PASSAVA E O PESO DO MENINO ÀS VEZES NÃO SUPORTAVA E CAIA COM A CRIANÇA E O CHICOTE A LEVANTAVA CERTA VEZ MUITO CANSADA FOI PREPARAR UM CAFÉ O FOGÃO MAIOR QUE ELA A NEGA EM PONTA DE PÉ DEIXOU O PÓ DERRAMAR E SÓ DEPOIS FOI DAR FÉ

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NISSO ZEFA ENDIABRADA AQUILO NÃO ERA GENTE JOGOU NAS PERNAS DE LÍDIA O RESTO DE ÁGUA QUENTE QUEIMANDO SÓ POR MALDADE AQUELA POBRE INOCENTE ZEFA, EMBORA CASADA TAMBÉM ERA INFIEL TINHA UM CASO COM OUTRO HOMEM E COMO UMA CASCAVEL VENENOSA E TRAIÇOEIRA ALÉM DE TUDO CRUEL NISSO ZEFA ENDIABRADA AQUILO NÃO ERA GENTE JOGOU NAS PERNAS DE LÍDIA O RESTO DE ÁGUA QUENTE QUEIMANDO SÓ POR MALDADE AQUELA POBRE INOCENTE

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ZEFA, EMBORA CASADA TAMBÉM ERA INFIEL TINHA UM CASO COM OUTRO HOMEM E COMO UMA CASCAVEL VENENOSA E TRAIÇOEIRA ALÉM DE TUDO CRUEL NAS FESTINHAS QUE ELA DAVA GASTAVA MUITO DINHEIRO COM BEBIDAS , ESPUMANTES ROUPAS E ÁGUA DE CHEIRO ENQUANTO A NEGA DO DIABO IA DORMIR NO CHIQUEIRO CALADA LIDIA SOFRIA COM ZEFA E SEUS DESATINOS POIS NAS FESTANÇAS QUE DAVA CONVIDADOS EM TERNOS FINOS NÃO CABIA A NEGA ALI E A COITADA IA DORMIR NO CHIQUEIRO COM SUÍNOS

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OUTRAS VEZES ERA A NEGA QUE SERVIA DE PALHAÇA EMPURRADA NOS CURRAIS CORRIA DO TOURO DE RAÇA ERA A MAIOR AGONIA E O POVO QUE LHE ASSISTIA MANGAVA E ACHAVA GRAÇA CAPINANDO FEITO ADULTO ATÉ ARRANCANDO TOCO A COITADA APANHAVA QUE NEM GALINHA NO CHOCO COMO PODE UMA INOCENTE PASSAR POR TANTO SUFOCO ? ATÉ QUE SEU JANUÁRIO QUE POR PERTO RESIDIA VENDO TODA A CRUELDADE QUE A CRIANÇA SOFRIA FOI PROCURAR SUA MÃE PRA FALAR TUDO O QUE VIA

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PRA DONA DASDORES DISSE ZEFA NÃO TEM CORAÇÃO É SERPENTE VENENOSA SEM ALMA E SEM COMPAIXÃO TIRE SUA FILHA VIVA OU VAI TIRAR NO CAIXÃO NISSO DASDORES FOI PROCURAR UM MILITAR POIS SOZINHA ELA NÃO IA QUEM GARANTIA VOLTAR NUMA PESTE FEITO AQUELA NÃO DAVA PRA CONFIAR ZEFA DISSE, SEI QUE ALGUÉM DEU COM A LÍNGUA NOS DENTE MAS NÃO SERÁ DESSA VEZ QUE TU SE LIVRAR DA GENTE EU JÁ SEI O QUE FAZER VEM NEGA VOU TE ESCONDER NA CASA DE ALGUM PARENTE

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DISSE ENTÃO NEGA DO DIABO TUA MÃE VEM TE BUSCAR ELA VEM COM UM SOLDADO ARMADO PRA TE MATAR TUA ÚNICA UMA SOLUÇÃO É A CASA DO MEU IRMÃO LÁ ELE VAI TE GUARDAR CORRA NA PONTA DE PÉ PARA NÃO DEIXAR PEGADA POIS O SOLDADO É RUIM TÁ COM UMA ESPINGARDA SE ESCONDA NO FORNO VIU CALADA NÃO DER UM PIO E NÃO SERÁ ENCONTRADA QUANDO DASDORES CHEGOU POR ZEFA FOI RECEBIDA AOS PRANTOS DISSE QUE LÍDIA TAVA DESAPARECIDA DEUS QUEIRA QUE NESSAS MATAS SEJA ENCONTRADA COM VIDA

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A CULPA É DO JANUÁRIO ESTE VELHO MISERÁVEL QUE VIVE A FALAR DO POVO E EM NADA É CONFIÁVEL DEIXOU A MATA CRESCER PRA MENINA SE ESCONDER ESSE VELHO IRRESPONSÁVEL O SENHOR TÁ ME CULPANDO DE SUMIR COM UMA CRIANÇA? LÍDIA ERA BEM TRATADA PERGUNTE PRA VIZINHANÇA ESSE É O PAGAMENTO DAR A POBRE CONFIANÇA DONA DASDORES DISSE DEVE ESTÁ NAS REDONDEZA E SAIBA AQUI DONA ZEFA PREFIRO MINHA POBREZA E SER RICA EM SENTIMENTO DO QUE BICHO PEÇONHENTO MERGULHADA NA RIQUEZA

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SÓ ARREDO O PÉ DAQUI QUANDO EU ACHAR A MENINA CADA PALMO DESSAS TERRAS COM ESPERANÇA DIVINA LIBERTAREI MINHA FILHA DA SUA MÃO ASSASSINA NISSO ANDARAM O DIA TODO DASDORES NÃO DESISTIA ATÉ CHEGAR AO TAL SÍTIO ONDE LÍDIA SE ESCONDIA LOGO O IRMÃO DA MALVADA DISSE AQUI NÃO ACHAM NADA QUE A DIAS NÃO A VIA PROCURA AQUI ALI, NO GALINHEIRO DO LADO NO CURRAL, ATÉ NO POÇO NO CANAVIAL FECHADO FOI QUANDO DONA DASDORES SE VALENDO DOS CLAMORES VIU UM FORNO DESATIVADO

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ARRANCANDO A TAMPA FORA SAIU DE DENTRO CORRENDO UMA FIGURA VALENTE AZUNHANDO E MORDENDO A POBRE DONA DASDORES MESMO ALI SOFRENDO DORES LIDIA VIVA ESTAVA VENDO ATÉ ACALMAR OS NERVOS DA MENINA AGONIADA A PRESENÇA DO SOLDADO LHE DEIXOU DESESPERADA COM O TEMPO FOI CEDENDO E SUA MÃE CONVENCENDO NÃO IA ACONTECER NADA O SOLDADO ATÉ TENTOU PUNIR ZEFA DE UMA VEZ MAS COMO TINHAM DINHEIRO E DINHEIRO COMPRAM LEIS NAQUELA HISTORIA POS FIM ANTES QUE ALGO MUITO RUIM ACONTECESSE COM OS TRÊS

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MUITOS ANOS SE PASSARAM LIDIA ADULTA SE CASOU TEVE FILHOS E SÓ DEPOIS SOUBE DO QUE SE PASSOU POIS ZEFA MORREU DE PARTO E NÃO É QUE SE SALVOU. POIS SEGUNDO A TRADIÇÃO DA CRENDICE POPULAR SE A MULHER MORRE DE PARTO MESMO SENDO MUITO MÁ DEUS PERDOA SEUS PECADOS E TODOS SÃO PERDOADOS LOGO AO DESENCARNAR LIDIA HOJE RADIANTE ME ILUMINA LA DO CEU O SEU ESPÍRITO DE LUZ ME FEZ TIRAR DO PAPEL E TRANSFORMAR SUA HISTÓRIA RETRATADA EM UM CORDEL

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A VILA DA DONA CARLOTA Paola Oliveira

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A Vila da Dona Carlota Paola Oliveira

Esse conto é livremente inspirado nas contações de histórias da minha avó, Clarisse.

Um dia conversando com minha avó, ela me falou da vida dela Itapipoca, até hoje ela lembra desses momentos da vida dela e como desde criança tem trabalhado, passando pelas coisas do mundo, ela sentada em sua cadeira de balanço me contou uma história da infância dela. Eu tinha meus cabelos grandes, encaracolados a minha pele negra, bem escurinha, eu gostava de ser criança, mas a vida também foi dura e precisei trabalhar desde muito cedo no interior de Itapipoca, na roça, em casa ajudando minha mãe, nossa casa não era grande, mas sempre tinha o que fazer, nos raros tempos eu brincava. Um dia, por conta da vida dura, ela precisou partir de Itapipoca, foi morar em Fortaleza ainda criança, para trabalhar na casa de uma família como doméstica para

garantir seu

próprio sustento e também da

família. A vida minha filha, sempre foi difícil a vida, hoje é tudo muito fácil, nem tão fácil assim né, mas antes faltava tudo, então no roçado. 90


Ainda na adolescência casei e consegui construir uma vila com muito esforço, onde muitas das vezes precisei trabalhar também como cozinheira, vendedora, até começar ter uma banca de refeições para caminhoneiros onde eu fazia almoços,

desde então trabalhei

até a

minha aposentadoria. A vila passou a ser a minha moradia de meus filhos e netos. Há essa vila tem tantas histórias para contar que parece desenho animado que todo dia tem um novo episódio, eu nem sei por onde começar, já teve brigas de várias formas nessa vila, aniversários, alegrias e tristezas, teve uns que foi embora e depois voltaram e outros não, até eu fui imagina eles, porém qual família que não tem um pouco de tudo. Eu passei anos sem morar lá, poderia dizer estar em um sonho com tanta tranquilidade e sossego que eu tinha, eu também tinha uma cachorrinha que se chamava Lara, hoje tem uns anos que ela faleceu, agora tenho só a minha gatinha, nina que fica no cantinho dela sem da trabalho algum.

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Atualmente só tenho saído para a minha igreja onde fico muito feliz toda vez que eu vou, posso até falar que é um divertimento que eu tenho onde encontro minhas amigas que participam das mesmas coisas que eu na igreja. Meus filhos e netos hoje estão tudo grande, mais ainda tem uns que dão um trabalho, meus filhos que não soube criar seus filhos, ficou criança mimada, no meu tempo não tinha isso não, tinha era que trabalhar para conseguir o que queria e hoje essas crianças têm tudo nas mãos, uns obedece e outros não, tudo isso vem de aprendizado e quando não tem nem queira saber do choro que faz, coisa mais feia do mundo, tempos diferentes, coisa diferentes tudo isso influência hoje em dia na sociedade e com isso foi um pouco da minha história nessa vila que é só família e um pouco de gente de fora. Essa família tem de tudo um pouco e pouco de tudo.

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O PESCADOR Ana Paula Araújo

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O PESCADOR Ana Paula Araújo

Certa vez, em Pentecoste, morava o garoto Vicente Cândido, homem negro magro, cabelos crespos, bem pretinhos, ele nasceu no dia 25 de dezembro e por isso era sempre lembrado. Seu pai era agricultor e artesão de vassoura, sua mãe agricultora, sua infância foi um pouco sofrida, pois, não tinham muitas condições financeiras, seu pai todo dia levava ele para ensinar como fazia as vassouras, com as vendas, ajudava seus pais nas despesas de casa. E naquela cidade não havia energia elétrica, a iluminação era a lamparina. Quando Vicente tinha 20 anos conheceu Josefa Ferreira, ela trabalhava como doméstica. Com ela teve 10 filhos, 5 mulheres e 5 homens. Ele trabalhou na construção do açude Pereira de Miranda, inaugurado em 1957. A partir daí ele se tornou pescador. Naquele tempo as pessoas não acreditavam que aquele açude iria encher tanto. Naquela região existia um pequeno vilarejo com até um cemitério, foi tudo inundado e aquele vilarejo desapareceu. Mas Vicente se tornou um excelente pescador, um dos mais conhecidos da região. Numa de suas pescarias ele pescou um dos maiores peixes, um camurupim de 15 quilos. 96


Em certas épocas ele pesca em outras regiões, no Orós e Banabuiú. Viaja em pau-de-arara com seus amigos Raimundo Fogoió, Careca e Pedro Cândido, seu irmão. Quando chega em casa com um grande peixe, todo salgado, é uma grande alegria. No açude Pereira de Miranda ele pesca jacundá, aruá e cará. A canoa fica bem cheia, e ele não pesca com galão, só com linha. Seus filhos vão vender os peixes e compram broa, rosquinha e bolachas. Vicente teve uma vida muito difícil como ele trabalhava como pescador, às vezes a situação deles não era muito boa, tendo que dá farinha, com rapadura e peixe para as crianças comer. Mas mesmo assim eles eram felizes, pois tinham um ao outro. Os anos foram passando e a situação deles foi melhorando. Hoje seus filhos já são adultos e estão todos casados, alguns moram na capital.

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Mas quando chega o final do ano todos se reúnem, Vicente passa o ano criando um porco, para no dia 25 de dezembro comemorar seu aniversário com toda a sua família, filhos e netos fazem uma grande festa. Um grande jantar, com carne de porco e leite de onça (caipirinha). Quando era de manhã todos alugavam uma Kombi e todos iam para o rio! Vicente se alegra muito em ver toda a sua família unida, ele fica feliz em saber que apesar de todas as dificuldades que enfrentou toda a sua família está bem.

Ele e sua esposa vivem muito bem na sua casinha, no interior de Pentecoste agora ele se aposentou da pescaria. Para passar o tempo ele cria galinhas, e tem uma horta em seu quintal.

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O ELO DO FUTURO Antônia Gabriela Araújo

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O Elo do Futuro Antônia Gabriela Araújo

Num futuro muito distante, por volta de 2080 vive um menino no meio de um deserto de coisas perdidas e velhas. Vídeo games, computadores, “tablets”, celulares, carros enferrujados, além de garrafas e sacolas envelhecidas pelo tempo. Tempos difíceis em algum lugar do futuro onde nem as plantas haviam suportado viver. Mas o menino chamado Okunrin vive ali a colecionar pedaços de discos de metal e pequenos sinos. A caminhada dele é longa e difícil. Okunrin tem que refazer o mundo que está todo destruído por vaidades dos homens que viviam antes dele. O pequeno menino tem uma missão difícil; recriar toda aquela cidade devastada e não será fácil, por isso Okunrin nunca poderá parar, nem sequer para beber água. Ele vive de comer gominhos de mandacaru que sua mãe deixa para ele. Sua mãe, Zilma, sendo uma mulher que leva consigo todos os segredos do mundo, é também fazedora de gominhos de mandacaru, ela prepara esses docinhos com muito carinho e cada bolinho ela vai tirando os espinhos da planta e separando somente a polpa. Mas, em um dia de muita confusão, ela sumiu, quando eles tentavam reconstruir o mundo com pedaços de retalhos de sua saia. Okunrin e sua mãe foram bruscamente separados um do outro. O menino não sabia ao certo o que aconteceu com ela, se ela havia sido abduzida, raptada ou morta. O menino só sabia que desde aquele dia não tinha mais sentido o cheiro de manga rosa da pele negra de sua mãe, nem o gosto de caju que tinha o seu beijo. 101


E o menino vive assim, de andarilhar sozinho em busca de consertar tudo que está devastado; Okunrin é forte e calmo, ele tem uma paciência do tamanho de sua vontade de reconstruir o mundo. Tudo que ele encontra naquele deserto de coisas perdidas, olha com cuidado, limpa, acaricia e coloca na sua bolsa. E num dia de tanto andarilhar ele encontrou um oásis, um pequeno lago de águas claras e límpidas. Mal sabia o pequeno menino que ali vivia as mais misteriosas magias e forças da natureza, mas o menino de tanta felicidade pula que nem um peixinho na água e pensa: -

Vou nadar e beber um pouco dessa água. Depois coloco um tanto dela na minha cabaça.

Após tomar um banho refrescante, Okunrin pega a cabaça que ele leva consigo e enche de água, mas quando está fechando sente que alguém está o observando. Guarda rapidamente aquele seu instrumento de sobrevivência e já vai logo embora porque está com muito medo, na hora que ele bota o pé na estrada ele ouve uma voz chamando: Okunrin, Okunrin, Okunrin…

O menino fica com mais medo ainda. Ele não poderia ter parado sua missão para beber água. Mas quem é aquele homem que observava Okunrin? Qual é o seu nome? O que ele quer com Okunrin?

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Após passar um tempo com um medo do tamanho de um trovão em tempos de chuva, Okunrin olha para trás e nada ver, olha para os lados e nada ver. O menino volta a ter o medo do tamanho do trovão, mas quando menos espera escuta uma voz de passarinho dizendo. -

Menino, por que tu paraste nesse Rio, tu bem sabes que precisa cuidar de refazer o mundo?

Okunrin, que é calmo e paciente, se concentra para responder aquela voz, mesmo sem poder ver de quem é. -

Eu só quero conhecer as águas que ainda existem nesse mundo entre tantas coisas perdidas e devastadas… além disso, eu estou tão cansado…

Okunrin está mesmo cansado e, além disso, sua curiosidade é enorme que até lhe coloca em apuros, outro dia o menino tentou descobrir o que tinha dentro de uma barata achada entre pedaços de “tablets” velhos. Ele quer saber como aquele bichinho sobrevive há tantos destroços e caos. Mas, naquele dia Okurin teve sorte, o menino fizera algo que ele não poderia fazer, mas só por sua curiosidade, coragem e ousadia, aquela voz que ninguém sabia de quem era deu-lhe o direito de se refrescar sempre que o cansaço chegasse. A voz disse:

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Pois, escute bem menino, por sua curiosidade e por já está tão cansado de andarilhar vou te conceber o direito de sempre que estiver cansado vir tomar uns banhos por aqui. E num dos dias desses banhos, Okurin já mal-acostumado como estava de ir se banhar naquele Rio, nem se dá conta que havia deixado de ir recriar o mundo já fazia quatro dias. Ele conversa consigo mesmo, se perguntando: mas ora porque eu preciso refazer tudo isso sozinho? Porque só ficou eu aqui para recriar tudo que os homens destruíram com tanta rapidez e sem freios? Porque eu, porque eu? Okunrin foi ficando cada vez mais acomodado, apesar de se perguntar sobre tudo, mas bebia daquela água e tomava banho, mas nada mais fazia para mudar aquele caos que estava o mundo, até um dia que as águas que ele se banhava foram acabando e o Rio foi secando e secando. Okunrin nada entendeu até um dia que a voz retornou e como um vento forte que sopra e logo se assenta a voz se apresenta na forma de uma mulher que num rodopio para na frente do menino e diz: Filho, eu te dei água, carinho e amor, mas tu precisas fazer tua parte, tu precisas recriar o mundo todo amor que te dei quando tu te banhavas, quando tu bebia da minha fonte, agora eu estou em você, correndo feito água em ti, no seu corpo, tempestade quando for preciso, sendo calmaria quando for preciso, mas você precisa ir e ser o que te ensinei nesses dias… 104


Amor, resguardo e coragem… vai e se sinta forte porque eu estou com você, dentro de você e sendo cura para o mundo que foi todo devastado pela vaidade dos homens. Okurin, só não esqueça de uma coisa; dentro de ti existem as minhas águas, por isso nunca te esqueça que você é um cadiquinho desse meu ser, que você também é um pouquinho homem e um pouquinho mulher, você é o início e o fim de tudo.

Será que aquela mulher era a mãe de Okunrin, será que ela nunca havia saído dali daquele lugar? Será que ela havia escapado de possíveis raptores de humanos? Okunrin nunca descobriu ao certo, pois logo aquele vento forte bateu de novo e com um rodopio aquela mulher havia desaparecido. Mas daquele dia em diante Okunrin cuidava do seu corpo com um carinho e uma lembrança boa de sua mãe, sempre lembrando que dentro dele ela fazia morada, e que nunca ele poderia deixar de continuar sua missão.

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Batuque Ancestral Mona Lisa da Silva

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Batuque Ancestral Mona Lisa da Silva

Houve um período em que a vida humana jamais poderia ser pensada sem tecnologia, contudo, seu significado estava sendo utilizado de forma errada. Com isso as tecnologias mais antigas e de origens não ocidentais acabaram sendo desconsideradas. Foi quando o Planeta Terra começou a ruir. Me chamo Dala, estou no ano de 2247 e ainda vivemos no planeta Terra, apesar dos grandes desastres naturais e não naturais causados pelos humanos que ocorreram nos meados dos anos de 2055. Moramos em povoados onde somos capazes de produzir tudo o que necessitamos para viver. Pelo que conta nossos mais velhos, era assim também que viviam nossos antepassados negros e indígenas em diáspora pelo mundo: Em aquilombamento. A água, apesar de não ser abundante, vem sendo suplantada através de nossa tecnologia molecular. Que por sinal, é o que nos permite aos poucos prosperar.

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Tenho 25 anos e trabalho em uma equipe de exploração terrestre responsável pela preservação da humanidade. Apesar de parecer ser um trabalho extremamente importante, e é, não deve ser encarado como algo extraordinário. Há milhares e milhares de equipe como a minha por todo o planeta. Nossa missão, acima de tudo, é permitir que daqui a cem anos a população volte a ser próspera e farta. Minha equipe em questão, é uma das que estão empenhadas em resgatar, sobretudo, os bens imateriais que dizem respeito as práticas e domínios da vida social e que nossos ancestrais manifestavam através de saberes, celebrações, práticas e modos de fazer. Nosso trabalho se faz necessário porque ainda antes dos desastres ocorridos em 2055, o eurocentrismo e o epistemicídio fizeram com que a história negra, a história de nosso povo e a história dos diversos povos originários fosse apagada, excluída, esquecida e deslegitimada. Além disso, as pessoas estavam conectadas por dispositivos eletrônicos e diziam com isso, serem capazes de se conectarem até mesmo com quem estava fisicamente distante e que futuramente viagens no tempo e viagens intergalácticas seriam possíveis.

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No entanto, o que aconteceu foi que acabamos por acelerar o processo de destruição de nosso planeta, já que nossos recursos foram utilizados sem muito cuidado. Frases que afirmavam que a tecnologia movia o mundo era frequentemente utilizada para demarcar a necessidade de evolução e que era necessário abandonar e abrir mão de práticas tradicionais, pois só havia espaço para o novo. Contraditoriamente, foram as práticas dos povos originários, negros e indígenas, que permitiram que a humanidade não fosse dizimada da face da terra. Nossos ancestrais foram os responsáveis por realinhar e repovoar nosso o planeta. Estamos tentando fazer isso ainda hoje, para falar a verdade, mas refazer determinadas coisas é difícil, já que perdemos muito. Muito mesmo. Vó Maria, sempre que está lúcida, conta que agora entende quando sua bisavó dizia que chegaria um tempo em que a roda grande entraria na roda pequena. Enquanto caminhava pelo que sobrou da área norte do povoado de Aruanda eu e Bomani, meu irmão mais velho, encontramos um baú enorme com o símbolo de nossa família falhado no lado superior. Sabemos disso porque o baú possui o mesmo símbolo presente na bengala de Vovó. Lembro de certa vez, quando Vó Maria ainda era lúcida, dela contando sobre a importância e o significado do símbolo presente no topo de sua bengala. 111


“— Essa bengala, meus queridos, era dos nossos ancestrais mais velhos e um dia será de vocês também. Esse símbolo Adinkra intitulado “NKONSONKONSON” representa unidade e as relações humanas. E deve ser visto como um lembrete para contribuirmos com a comunidade, já que é na unidade que se encontra a força.” Tentamos abrir o baú de várias formas distintas, mas ele parecia ter sido fechado com algum tipo de tecnologia que não conseguimos identificar. Bomani me ajudou a levar o baú até nosso veículo e continuamos a trabalhar como se nada tivesse acontecido, embora eu não fosse mais capaz de me concentrar no trabalho. O que me gerou algumas advertências e promessas de que o Chefe de nosso povoado ficaria sabendo disso. O que não me deixou muito preocupada, já que papai, apesar de parecer rígido, é bom e justo. Como todo chefe deveria ser. Veja bem, não estou me aproveitando do fato de ser filha do chefe do povoado para fazer corpo mole. Apenas reconheço a ternura de papai em resolver qualquer situação. Quando cheguei em casa, Bomani me ajudou a levar o baú até o quarto de Vó Maria. Talvez, em seus 97 anos de vida, fosse capaz de lembrar de alguma coisa.

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— Vovó, Vovó, veja o que encontramos. Será esse artefato algo do seu tempo? — Faz dias que não escuto ela minha filha. Faz dias... — Vovó... a senhora reconhece isso? – Voltei a insisti, mas Vovó estava absorta em seus pensamentos e não foi capaz de me responder. Tentei utilizar as ferramentas mais modernas que tínhamos em casa e mesmo assim, nada era capaz de destrancar as travas daquele baú de madeira. Por um instante pensei em quebrá-lo, mas antes que eu reagisse, mamãe, quase como quem é capaz de ler meus pensamentos soltou um “Nem pense nisso!” Continuava examinando o achado quando Vovó começou a balbuciar mais algumas palavras e tive que fazer esforço para entende-las. — Macumba! Tecnologia moderna não vai abrir isso não. – Vovó gargalhou, como faz com frequência, após alguns minutos de lucidez e depois sumiu, novamente absorta e sem que eu tivesse chances de perguntar mais alguma coisa. Bomani e eu ficamos tentando entender o que Vovó queria dizer.

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A palavra não nos era estranha, mas tampouco conseguíamos lembrar do que se tratava. Fui perguntar para mamãe, ela sorriu como quem recorda de tempos felizes e me questionou o motivo da curiosidade. Explicada a situação, mamãe pediu que Bomani chamasse papai e que quando ele chegasse, saberíamos o que fazer. Quando papai e Bomani chegaram, contamos sobre o baú e que Vovó tinha falado de Macumba. Papai e mamãe se olharam e em seguida, papai ajoelhou-se aos pés de Vovó, pediu sua benção e agradeceu por ela o fazer recordar a tecnologia mais poderosa que nosso povo já foi capaz de ter. Papai me contou, então, sobre os tempos passados e disse que talvez, se voltássemos mais e mais no tempo, pudéssemos resgatar, novamente, nossa verdadeira tecnologia evolutiva e de transmutação. Papai, juntamente com os outros chefes dos povoados vizinhos começaram a se reunir para rememorar os tempos em que a magia original pairava pelo mundo terreno, no entanto, fazia muito tempo que não se via essa tecnologia por aqui e quase ninguém tinha registro de como suas famílias faziam para se conectar.

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Foi quando Bomani e eu percebemos que talvez Vovó sempre estivesse tentando se conectar e por isso, parecia não estar mais entre nós. Em uma de nossas muitas tentativas, no meio de nossas reuniões, Vovó pegou sua bengala, levantou-se, fez uma espécie de marcação no baú, voltou para sua cadeira, soltou uma gargalhada e então, misteriosamente o baú abriu revelando o que havia lá dentro: um tambor, Cachimbo com maço de fumo, velas, muitas velas, uma bebida alcóolica, copos de cuia de quenga de coco, alguns cordões de contas, a imagem de uma preta velha. Quando os mais velhos viram aqueles artefatos, de alguma forma, todos entenderam o que deveria ser feitos, contudo, não sabiam mais como se conectarem com sua ancestralidade. Em uma de nossas tentativas, papai já frustrado e tentando entender o que aquele baú representava, abriu a bebida alcóolica e tomou alguns goles. Bomani, curioso como bom explorador, começou a brincar com o tambor, até que fez soar batuques com ritmos que meus ouvidos jamais tinham presenciado. Automaticamente, senti as batidas invadirem meu corpo.

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O que me fez dançar. Bomani foi tocando cada vez mais forte, os chefes do povoado, bem como papai começaram a acompanhar as batidas de Bomani com batidas de palmas que assim como meu corpo, se movimentavam e aumentavam a velocidade ao ritmo dos batuques. Foi quando Vó Maria sorriu e começou a cantar:

E Oxalá criou a Terra Oxalá criou o Mar Oxalá criou o mundo Onde reinam os Orixás Mas Oxalá criou a Terra Oxalá criou o Mar Oxalá criou o mundo Onde reinam os Orixás A pedra deu pra Xangô, meu pai é rei justiceiro As matas deu para Oxóssi, caçador grande guerreiro O mar com pescaria farta, ele deu pra lemanjá Os rios deu para Oxum, os ventos para Oyá Grandes campos de batalha, deu para Ogum guerreiro Campinas, Pai Oxalá, deu para seu boiadeiro Jardim com lindos gramados, deu para as crianças brincar Oxalá criou o mundo onde reinam os Orixás Mas Oxalá criou a Terra Oxalá criou o Mar

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Oxalá criou o mundo Onde reinam os Orixás Mas Oxalá criou a Terra Oxalá criou o Mar Oxalá criou o mundo Onde reinam os Orixás O poço deu pra Nanã, a mais velha Orixá E o cruzeiro bendito, deu pras almas trabalhar Finalmente deu as ruas com estrela e luar Para Exu e Pombo Gira, nossos caminhos guardar Mas Oxalá criou a Terra Oxalá criou o Mar Oxalá criou o mundo Onde reinam os Orixás Mas Oxalá criou a Terra Oxalá criou o Mar Oxalá criou o mundo Onde reinam os Orixás

Depois de algum tempo, as batidas foram diminuindo e ficando cada vez mais fracas, até Bomani encerrar de vez. Depois desse dia, costumamos nos reunir com frequência para coletivamente, resgatarmos as práticas milenares e os cultos de nossos ancestrais africanos que se espalharam em diáspora – a princípio de forma forçada em decorrência da escravidão

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– pelo mundo. Infelizmente, ainda em 2.247 apresentamos dificuldades em conhecer nossos ancestrais e a história de nosso povo. Muito foi perdido antes mesmo dos desastres de 2055 e já naquela época era difícil resgatar boa parte dos ensinamentos que foram passados ao longo dos tempos, mas com a ajuda de todo nosso povoado, estamos prosperando e restaurando, aos poucos, o Axé e a história de nosso povo.

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Governo do Ceará, por meio da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult CE), apresenta:

GESTÃO Instituto Dragão do Mar (IDM) REALIZAÇÃO Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ) GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ Camilo Sobreira de Santana Governador do Estado do Ceará Maria Izolda Cela de Arruda Coelho Vice-Governadora do Estado do Ceará SECRETARIA DA CULTURA DO CEARÁ Fabiano dos Santos Piúba Secretário da Cultura Luisa Cela de Arruda Coelho Secretária Executiva da Cultura Mariana Braga Teixeira Secretária de Planejamento e Gestão Interna da Cultura


COORDENAÇÃO Cristina Holanda Coordenadoria do Patrimônio Cultural e Memória – COPAM INSTITUTO DRAGÃO DO MAR Rachel Gadelha Diretora-presidenta Adriana Victorino Diretora de Planejamento e Gestão Elisabete Jaguaribe Diretora de Formação e Criação Lenildo Gomes Diretor de Articulação Institucional CENTRO CULTURAL BOM JARDIM Marcos Levi Nunes Gestor Executivo Joaquim Araújo Gerência da Escola de Cultura e Artes


Rúbia Mércia Coordenação do Programa de Audiovisual Assistente Pedagógica do Programa de Audiovisual Nayana Santos Monitoria Wagner Júnior




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