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apresentação

Desde o início dos tempos buscamos entender a origem da vida como um todo. Uma das versões, a guiada pela religião, diz que surgimos como resultado de uma Criação Divina. Os escritos sagrados afirmam que Deus criou o mundo em seis dias e, no sétimo, descansou.

Na história que está presente nos lares cristãos do mundo todo, é que Deus fez o homem - Adão - e depois de sentir que o seu protagonista sentia-se solitário, resolveu criar para ele uma companheira e, assim, surgiu Eva.

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Porém, algumas divergências de escritos, como os babilônicos, por exemplo, mostram que na verdade não foi bem assim que aconteceu. Antes da criação de Eva, que despertou para a vida a partir da costela do seu companheiro em um ato de “eterna inferioridade”, existiu Lilith, a primeira mulher de Adão, cuja a consciência coletiva apagou da história.

No artigo “O Mito de Lilith”, de Almeida Araújo Gomes e Vanessa de Almeida, é dito que “Lilith teria sido criada tão bonita e interessante que logo arranjou problemas com o primeiro homem. Ainda segundo a narrativa mítica, Eva foi criada para substituir Lilith. Eva seria o oposto de Lilith, que por sua vez, reúne traços marcantes de obediência, boa imagem, companheira, submissa ao sacerdote, ao

Lilith, no hebraico ל ִּלי ִתי .O sufixo תי representa a forma feminina. E, ליל , significa, literalmente, noite ou noturno.

Sendo assim, Lilith é conhecida como ‘noturna’¹

¹ Trecho do artigo “Lilith: Mitos e Verdades” por Felipe Moura: <https://judeu.org/pdfs/lilith. pdf>

Pai e à Lei e por fim, também fonte de pecado e desobediência”.²

Mesmo não sendo discutida no meio cristão, Lilith apareceu em algumas versões da Bíblia apenas uma vez. Em Isaías 34:14-15, lê-se: “Os gatos selvagens conviverão aí com as hienas, os sátiros chamarão os seus companheiros. Ali descansará Lilith, e achará um pouso para si. Ali a serpente fará o seu ninho, porá os seus ovos, chocá-los-á e recolherá à sua sombra a sua ninhada. [...]”. Porém, Felipe Moura afirma em seu artigo que, com todas as modificações feitas ao longo dos anos e com diversas traduções que a Bíblia sofreu, a palavra Lilith foi substituída por “criatura noturna”, seguindo a etimologia da palavra.

Além de aparecer em Isaías, referências da sua existência são feitas no livro de Gênesis, apenas surgindo especulações em um versículo que aparece antes de Eva ser criada. Segundo essas teorias, Adão e Lilith ocupavam o mesmo corpo, mas foram subdividindo-se com o tempo.

No livro Lilith - A Lua Negra³ , Roberto Sicuteri salienta que em Gênesis 1:27 é dito: “’Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; macho e fêmea o criou’. É a passagem mais densa de mistério, pois introduz o conceito da androginia no indivíduo segundo o supremo princípio da harmonia total do Uno que é feito de Dois; mas é também conceito que consente em perpetuar na terra — mediante a multiplicação da espécie na união do macho com a fêmea — a imagem de Deus, pois o homem lhe é semelhante. Adão trazia em si, fundidos, o princípio masculino e o princípio feminino e tais princípios só depois foram separados sucessivamente. Já está implícita a resposta: Adão teve duas naturezas femininas, duas companheiras”.

Com isso, Lilith não foi criada por Adão, como Eva, mas com Adão, dando a ela a mesma autonomia que ele, porém não era assim que Adão e Deus enxergavam. Em alguns escritos, Lilith é apontada como uma mulher rebelde, que se recusava veementemente a servir

² Trecho do artigo “O Mito de Lilith” por Antonio Maspoli de Araújo Gomes e Vanessa Ponstinnicoff de Almeida: <http://antoniomaspoli.com.br/o-mito-de-lilith-um-modelo-do-feminino-para-sociedade-contemporanea/> ³ Lilith - A Lua Negra, por Roberto Sicuteri: <http://recantobrianna.com.br/wp-content/uploads/2015/09/Lilith_A_Lua_Negra.pdf>

seu companheiro que, aos olhos dela, era igual a ela.

Adão afirmava que ela devia servi-lo, por ser uma mulher. Mas Lilith continuava recusando-se, por alegar equidade. Deus, impaciente, resolveu intervir, tentando convencê-la do mesmo. Mas a mulher, a primeira da espécie humana, continuava recusando-se. Não devia favor nenhum ao homem, então, por que ela devia servi-lo?

Deus zangou-se com Lilith; ela também. Desta forma, decidiu por deixar o Éden e partir em uma jornada solitária para o Mar Vermelho. Nessa caminhada, de acordo com a mitologia cristã, a mulher foi seguida por demônios, que a fizeram companhia e encorajaram seus delírios de liberdade. Chegando ao seu destino, ela envolveu-se sexualmente com eles e tornou-se mãe de outros demônios. Deus, preocupado com sua criatura que, em um momento de raiva, havia deixado o habitat que Ele lhes havia criado, reconsiderou e foi atrás dela. Quando a encontrou, embebida na luxúria e envolvida carnalmente com aquele ambiente impuro, ela recusou-se a voltar, caso as condições continuassem as mesmas. Deus foi inflexível, Lilith não recuou. A mulher, que tinha experimentado viver como acreditava merecer, não suportava a ideia de voltar para a submissão imposta por seu Criador e por um homem, que, aos seus olhos, não tinha nada que o fizesse superior a ela.

Deus desistiu de convencê-la e declarou-a uma mulher demônio, como os seus, que ficavam fora do Paraíso. Investiu suas forças na criação de uma nova fêmea para sua criação perfeita, para Adão. Desta maneira, criou Eva.

Eva, diferente de Lilith, sentia-se em dívida eterna com Adão. Ele doara-lhe uma costela, motivo para uma grande devoção. Eva era a mulher esperada, suprindo as expectativas, tanto de seu Criador, quanto de seu esposo. Aceitava de bom grado as imposições e não contestava.

Embora Eva fosse submissa a Adão, diferente de Lilith, que procurava ser considerada igual perante a figura masculina, no livro de Gênesis 3:6 a 18, sabemos qual fim Eva teve: desobedeceu uma ordem divina, fazendo também com que Adão a desobedecesse sem saber. Pecou quando comeu o fruto da árvore proibida, fazendo com que seus olhos fossem abertos para o bem e para o mal, e ao fim,

gerou a expulsão do casal do Jardim de Éden. Eva teve como castigo a multiplicação das dores do parto, trazendo isso para todas as outras mulheres que viessem depois de si, sendo assim, a primeira pecadora declarada nas escrituras sagradas.

Segundo a Bíblia cristã, a serpente, o animal mais sagaz entre todos os outros que habitavam aquele jardim, fez a cabeça de Eva, a manipulou para que pecasse e desobedecesse. Segundo a crença islâmica, a passagem do livro Patai 81:455f, acusa Lilith de ser a serpente que levou Eva a tal ato, fazendo com que, quem crê na existência de Lilith, adote essa versão. Lilith não aceitou a subordinação, então, em um ato de sororidade 4 , não deixou com que Eva fizeste o mesmo.

Sicuteri salienta que “A serpente-demônio, ou o próprio demoníaco que existe em Lilith, impele a mulher a “fazer algo” que o homem não permite: em Lilith há o pedido da inversão das posições sexuais equivalentes aos papéis, enquanto em Eva há o ato de transgressão da árvore, em obediência à serpente. A serpente, no mito de Lilith, pode ser equivalente à manifestação do instintivo codificado pela pergunta: “Por que devo sempre deitar-me embaixo de ti? Também eu fui feita de pó e por isso sou tua igual”. Adão, ao contrário, afasta de si a ameaça”.

Dessa forma, “O Jardim de Lilith” traz histórias de mulheres, que assim como Lilith, não aceitam mais ser subordinadas a situações de constrangimento e de quaisquer natureza de violência, seja ela sexual, psicológica ou física. E que assim como Eva, quando comeu do fruto proibido, abriram os olhos para o que era o bem e o mal.

Hoje, elas lutam contra as marcas deixadas, e continuam buscando superar, aprender e refletir sobre o que passaram, não se deixando calar por suas cicatrizes, contando suas vivências, para que assim, a luta pela igualdade não se cale.

¹ Relação de união, de afeição ou de amizade entre mulheres, semelhante à que idealmente haveria entre irmãs. União de mulheres com o mesmo fim, geralmente de cariz feminista. “sororidade”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, <https://dicionario.priberam.org/ sororidade>

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