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a tulipa e a adaga

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a hortênsia azul

a hortênsia azul

mbora ele tenha me feito muito mal, sinto por ele gratidão”. Com essa frase, Tulipa encerra seu relato, declarando o que sente por B., seu primeiro e único namorado.

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Com um rosto jovial, boca e olhos pequenos, a moça de 23 anos, grávida de seu primeiro filho, tem entre os seios uma flor e uma adaga tatuadas, que para ela, representam a dualidade. A flor, uma Tulipa, representa a delicadeza externa que os seus conhecidos insistem em destacar, já a adaga, espelha a sua personalidade interna, que segundo a própria, nada tem a ver com a aparência. Tulipa é, por tanto, uma mulher muito forte, intensa e nada frágil.

Antes de começar a contar sua história, a moça faz silêncio e começa a dizer que há algo que precisa contextualizar. “Eu sempre ‘gostei de gostar’, sempre fui a pessoa que acreditava que eu encontraria o amor da minha vida depois que nossos livros caíssem e nossas mãos se tocassem”, esclarece.

O ano era 2012. Tulipa estava no terceiro ano do ensino médio e, por ser uma pessoa romântica, sempre sentiu a necessidade de estar em um relacionamento. “Eu o conhecia da escola, mas ele estava namorando. Enquanto isso, eu saia com um menino que gostava muito de mim, mas eu não sentia aquele amor. Além disso, eu achava que quando se namora, precisa estar sempre com a pessoa”, afirma, sorrindo.

Na escola, Tulipa era rodeada de amigos e, nas palavras dela, era como se estivessem em um “musical da Disney”. Na época, ela tinha 16 anos e B., 15. A moça, que é de Piedade - SP, conta que tinha uma rotina bem conturbada na época, com o ensino médio e o técnico, em Sorocaba - SP. E, embora fosse popular na escola, pela rotina, não conseguia sair a noite. “Somente depois que o técnico acabou é que comecei a sair mais com meus amigos. Até então, eu só via o B. na escola, mas depois começamos a nos ver com mais frequência”, relembra.

E então o namoro de B. acabou e, involuntariamente, Tulipa comemorou, mesmo sem nunca ter cogitado a ideia de sentir algo por “E

ele. Ela estava ficando com um garoto, mas sentia que a relação não teria futuro. E então, uma amiga disse uma frase que Tulipa nunca esqueceu. “Lembro que eu estava em dúvidas se ficava com o menino, ou se eu ia atrás do B. e uma amiga me disse a seguinte frase: ‘Você quer ser feliz e aproveitar essa felicidade intensamente ou você quer estabilidade?’”. Isso fez com que ela pensasse muito sobre o rumo que as coisas estavam tomando. A flor é a filha caçula de quatro irmãos, que sempre brilharam por seus feitos. Para ela, poder fazer as coisas com suas próprias mãos, sair da mesmice e deixar sua marca no mundo era essencial. Naquele momento, com apenas 16 anos, ela sentiu que agarrar-se ao cômodo não era o que ela queria.

Repensando sobre a história, Tulipa diz que talvez, o que a tenha feito hesitar sobre a decisão fosse o próprio ego; o sentimento de saber que alguém a amava como aquele garoto amava. “Ele sentia que eu estava estranha e decidimos juntos que tinha que acabar”, revela.

A moça começou a sair com B.. Eles tinham uma rotina matinal de correr juntos e, a partir dessa aproximação, uma conexão instantânea aconteceu, então surgiu o pedido de namoro. “Pode parecer ridículo, mas cinco dias depois ele me pediu em namoro e eu aceitei”, afirma, rindo. “Eu senti a necessidade de contar para a minha família sobre ele. Meu pai não aceitou, porque disse que era para eu me dedicar aos vestibulares, mas eu insisti que iria me dedicar a tudo igualmente”.

E então começaram os problemas. B. se recusava a ficar longe de Tulipa e se mostrava extremamente dependente. “Meu pai me deixou namorar, mas colocou alguns limites. Não ficávamos juntos o tempo todo. Ele chorava de soluçar. Lembro que ele com a mãe e o irmão se mudaram para Sorocaba e, no carro, ele chorava muito. Não era para outro estado que ele estava indo, apenas para a cidade vizinha”, reflete.

“Sempre foi muito dramático nosso relacionamento, no começo era muito mais dele para mim; uma dependência assustadora que eu realmente não sabia lidar. Eu falava: ‘calma, vai dar tudo certo. Vamos lidar com isso’, e ele: ‘A gente vai casar e vai fugir’. Eu sempre retrucava dizendo que só tinha 17 anos e nem sabia se queria casar. ‘Eu gosto muito de você, mas a gente não precisa casar ainda’”, rela-

ta, lembrando-se de como ficava assustada nesses momentos.

Tulipa relembra que a situação se agravou com a mudança do rapaz para Sorocaba, o que dificultou os encontros, que eram frequentes, uma vez que ela não trabalhava e dependia dos pais para as passagens. Seus pais nunca permitiram que ela passasse a noite na casa dele, o que o deixava furioso. Ela conta que aquele momento foi muito complicado, porque sua família, que sempre foi muito unida, cobrava sua presença e B. também. “Eu precisava estar nos dois lugares. Tinha que estar com a minha família e também tinha que estar com ele, que fazia uma cena”.

A situação só se acalmou quando a moça conseguiu um emprego em Sorocaba, em 2014, o que permitia vê-lo todos os dias. “Eu entrava 12h, mas chegava na cidade umas 8h. Com isso, víamos filmes, séries, a gente almoçava e depois eu ia trabalhar. Muitas vezes cheguei atrasada por isso, inclusive”, comenta.

Ela diz que com a mudança de cidade, o rapaz arrumou novos amigos, dos quais ela não gostava. Para Tulipa, todos eram mal intencionados e, em sua cabeça, durante os passeios noturnos com eles, B. a traia. Pela primeira vez, ela sentiu-se no papel da pessoa dependente. “Ele saía, bebia e fumava muito. Eu ficava pensando se as outras meninas não estavam dando em cima dele. Eles eram muito crianças! Eu tinha uma maturidade maior, afinal era mais velha que ele. Eu me sentia muito insegura com isso”, conta.

Sobre insegurança, a flor revela que esse era um ponto crucial na relação que nutriam. Para ela, sentir-se desejada, principalmente na fase da vida em que estavam, a adolescência, era fundamental. “Era algo muito sexual também, afinal eu descobri o meu corpo com ele. O B. fazia com que eu me sentisse a mulher mais linda do mundo. Eu era linda porque ele dizia; ele me desejava. É vergonhoso dizer, mas parece que, somente com ele, eu me sentia gostosa”, afirma, apoiando o rosto sobre as mãos.

O ciúme entre os dois era o principal motivo das brigas. Ela não gostava dos amigos dele e, depois que ela começou a cursar Moda em Sorocaba, B. começou uma intensa perseguição com um colega de classe que ela tinha. “Foi em 2014 que a gente terminou pela primeira vez. O nosso ano foi ruim desde o começo. Eu o convidei

para passar o ano novo com a minha família e nós passamos a virada discutindo e chorando, isso tudo porque eu ri da piada do namorado de uma prima e ele começou a questionar. Eu precisei ficar me justificando”, relata, com um ar de indignação.

Tulipa afirma que, durante todas as discussões, sempre ela é que acabava pedindo desculpas. No começo, ela não reparava que fazia isso e até ficava aliviada quando as coisas começavam a voltar ao normal. Porém, depois que começou a ter convívio com outras pessoas e entender mais sobre relacionamentos, entendeu que não era normal a relação que vivia, começou a se negar a desculpar-se por coisas que não havia feito. “Terminamos assim pela primeira vez, porque falei que queria terminar e que eu não iria me desculpar”.

A flor conta que, conforme o tempo ia passando, ela parecia caminhar para a vida adulta, pois estava na faculdade, havia conseguido outro emprego e tinha planos para o futuro. Em contrapartida, B. continuava com as mesmas atitudes do menino que ela namorava há dois anos. “Ele continuava saindo com aqueles amigos que eu não gostava e, não posso afirmar com certeza, mas acho que ele chegou a me trair”, conta.

Entre idas e vindas, o casal teve 6 términos, quase todos pelo mesmo motivo, que hoje, para Tulipa, são banais. “Eu não consigo mais entender como eu aceitei tudo aquilo”, desabafa.

A flor explica que em 2015, ela mudou-se de vez para Sorocaba. Toda sua vida estava aqui, faculdade, trabalho e não viu mais motivo para permanecer tão longe. Com isso, as proibições de seu pai já não seriam mais um problema. “Eu passava quatro dias na casa dele e o resto na minha casa. Eu morava com meus irmãos, então não era uma opção ele ir para a casa, mas eu vivia lá”.

Nesse momento, Tulipa se lembra da pessoa que era naquele período e, com pesar, explica como ter outro alguém no centro de seu universo é prejudicial. “Cheguei em um momento em que eu só me sentia bem com a aprovação dele. Se ele me olhasse com admiração, eu ia me sentir uma pessoa admirável. Tudo girava em torno dele. Minhas emoções dependiam do que ele achava”, reflete. “Eu gostava muito de estar com ele. Nada me satisfazia mais do que acordar e ter ele ali, do meu lado. Isso preenchia um

vazio que eu mesma desconhecia”.

Por mais que ela o amasse, como afirma, sentia que algo não ia bem, que B. não amadurecia e que ela fazia concessões demais. Com o passar do tempo, o casal prevaleceu com o desejo de levar a relação a um outro nível, porém, a família da flor jamais aceitaria, primeiramente pela idade que o casal tinha e também pelos comportamentos de B.

Isso, para o rapaz, sempre foi um problema, já que no início do namoro, ele sugeria fugir e casar o tempo todo. Mas, conforme as divergências de opinião foram surgindo e Tulipa ganhando voz dentro da relação, ele começou a rejeitar a ideia. “Eu estava em Sorocaba, a gente tinha emprego e poderíamos morar juntos. Mas, para agradar meu pai, precisaríamos casar oficialmente. Ele começou a recuar, dando milhões de desculpas”, afirma.

Na reta final do relacionamento, as brigas eram constantes e a situação ficou insustentável. “Já não tinha mais condições de continuar. Mas, por incrível que pareça, quem terminou comigo foi ele, por eu não fazer suas vontades. Eu fazia coisas para agradar e coisas que eu não queria. A gente terminou porque eu me recusava a transar quando eu estava brava ou sem vontade, por exemplo. Coisa que eu não fazia antes”, desabafa, orgulhosa.

Depois que tudo acabou, Tulipa demorou muito tempo para aceitar que tinha vivido uma relação que não era saudável. “Minhas amigas, depois que o relacionamento acabou, me falavam ‘realmente, é complicado sair de um relacionamento abusivo’ e eu desconversava, porque não queria me fazer de vítima. Para mim, falar que estava em um relacionamento abusivo era o mesmo que falar ‘tadinha, ele me fez sofrer’. Eu não queria mais me colocar como donzela indefesa, porque eu nunca gostei disso. Não quero ser, não vou me denominar assim”, conta, ajeitando-se na cadeira. Apenas esse ano, após um encontro de jovens na ONG que participa, Tulipa entendeu a real situação que viveu. “Eu contei a história em voz alta e, pela primeira vez, vi o quanto tudo aquilo me fez mal”.

Embora aliviada, a mulher afirma que ainda sente doer a ferida do relacionamento, principalmente por ter sido no meio da adolescência, onde os alicerces de vida social e caráter começam a ser de-

finidos. Em um desabafo, ela explica que não guarda mágoas ou rancores de B.. Tempos depois do término, ele sofreu um trágico acidente e ela foi visitá-lo, principalmente pela relação que desenvolveu com a mãe do rapaz. Não sentia o amor de antes, mas também não sentia ódio.

“Esse relacionamento me deixou marcas profundas. Eu me tornei mulher ao lado dele e, depois que tudo acabou, consegui ver que havia muita coisa ruim e imatura no nosso relacionamento, ao mesmo tempo que existia muita coisa que me faz falta. Esse é o motivo por ele ter sido meu único namorado. Eu não consigo me entregar em um novo relacionamento. Depois que terminamos, eu procurava outras pessoas para suprir o vazio que ficou, mas não queria lidar com o sofrimento que essa pessoa poderia me trazer. Ele foi a base onde eu me construí”, finaliza, com os olhos marejados.

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