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a rosa e o lírio
Na nuca, Rosa leva os dizeres “seja luz”. Os longos cabelos alaranjados brilham sob o sol, destacando seus grandes olhos castanhos, que parecem sorrir quando ela se envergonha ou ri. Embora muito desinibida e eloquente, a moça de 21 anos, logo muda de expressão, quando começa a falar sobre o relacionamento conturbado que viveu com Lírio.
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Era outubro de 2017 quando Rosa conseguiu um emprego em uma rede de fast food. Com seu jeito espontâneo e expansivo, logo fez amizades com os outros funcionários da loja e também, com Lírio, que a atraiu pela personalidade. “O que me chamou a atenção não foi a aparência, mas a maneira como me tratava; ela me levava chocolates e uma vez, me levou flores”, conta, sorrindo.
Lírios (Amaryllis) – Todos os lírios são tóxicos em maior ou menor medida. Podem causar falência renal em gatos, até mesmo quando pequenas porções são ingeridas. As toxinas dos lírios estão presentes inclusive no pólen destas flores, e por isso, é preciso ter cuidado quando as levamos para dentro de casa 6 .
A relação das duas foi evoluindo rapidamente mas, desde o começo, Lírio afirmou que não queria algo sério. Com isso, Rosa não nutriu muitas expectativas. “Ela sempre deixava claro que não queria nada sério. Eu tinha isso na cabeça e ficava em paz”, completa. Porém, apesar de não ter o ‘status’ de namoro, Lírio impunha que Rosa não deveria ficar com mais ninguém.
Rosa, que é declaradamente lésbica, ouvia sua companheira reclamar sobre a amizade que ela tinha com seus colegas homens no trabalho. Lírio soltava palavrões e insinuava que existia algo a mais entre eles. Durante as discussões, a mulher alegava ser insegura, e por isso a “protegia tanto”.
6 Fonte:<https://www.brasil247.com/pt/saude247/saude247/270300/Belas-e-perigosas-Cuidado- -com-as-flores-venenosas-elas-podem-matar.htm>
Enquanto fala da relação, a moça lembra de um episódio em que estava conversando com outra mulher em uma rede social, Lírio começou a contestar: “O que é isso? Quem é essa? Por que você está conversando com ela? E a gente?”.
Rosa tinha muito claro que sua ‘ficante’ tinha outros casos, mas esse direito era negado quando se tratava dela.
A flor explica que as crises de ciúme de Lírio logo partiram para o físico. Neste momento, durante a entrevista, Rosa tirou a blusa que cobria seu pescoço e colo e, próximo ao seu ombro esquerdo, havia um pequeno roxo. “Essa marca é de uma mordida dela; isso não some e já faz muito tempo”, enfatiza. “Ela me olhava torto, me puxava de canto quando alguém vinha me cumprimentar; ela me pegava pelo braço e chegou até a me chutar”, completa. Para Lírio, a agressão parecia trivial. Rosa lembra que muitas vezes disse à companheira que não estava feliz com aquele comportamento. Durante as críticas, Lírio parecia arrependida, fazia-se de vítima e, em um curto espaço de tempo, parava. Mas logo voltavam as ‘pequenas’ agressões, que, segundo Rosa, eram corriqueiras e constantes.
Como consequência das atitudes de Lírio, a moça passou a usar roupas que cobriam seus braços por inteiro, para que os roxos não ficassem visíveis. “Eu tinha, quase sempre, um roxo na frente dos braços e quatro atrás; eram as marcas dos dedos dela”.
Rosa relembra de uma discussão em que Lírio começou a socar suas pernas por baixo da mesa, descontroladamente. “Eu sou muito próxima da minha irmã mais nova e sempre trocamos de roupa no quarto, sem vergonha uma da outra. Lembro que depois disso, eu fiquei quase um mês me escondendo dela, com medo que ela visse os roxos nas minhas pernas”, lembra.
Rosa afirma que passou boa parte dos oito meses de relacionamento sob coação. A moça dizia que a amava, mas que Rosa não era sua prioridade. Sobre o sentimento que sentia por Lírio, Rosa reconhece “eu não a amava, sei disso. Amar é uma coisa muito boa e fácil e o que tínhamos era complicado e pesado”.
Para Rosa, o ápice das agressões foi quando Lírio a feriu com uma faca de plástico no refeitório da empresa em que trabalhavam. Indicando o lugar onde havia a cicatriz, ela explica o que aconteceu.
“Estávamos discutindo e ela simplesmente me cortou com a faca. No momento da agressão, um amigo meu estava junto e ficou parado, olhando para a minha cara, me perguntando se eu não faria nada. Fiquei muito desesperada; ela começou a se fazer de vítima, dizendo que não era a intenção”, pontua, tensa.
Em alguns momentos, a flor achava que não poderia se livrar da mulher. Ao mesmo tempo em que não queria estar naquela relação abusiva, sentia que precisava ficar. “Eu não sei porque voltava, parecia que tinha alguma coisa me empurrando. Chegou a um ponto que se ela falasse um ‘a’, tudo desmoronava. Parecia que havia uma sombra preta nas minhas costas que me seguia o resto do dia; era horrível”.
Por manterem um relacionamento aberto, Lírio se envolvia frequentemente com outras mulheres e, em determinado momento, firmou um compromisso sério com uma delas. Rosa entendeu e aceitou bem essa condição, e devido às circunstâncias, decidiu se afastar de Lírio. No entanto, a sensação de alívio causado por esse afastamento foi temporário, já que ela continuava a importunar Rosa, numa tentativa de mantê-la sob controle.
Certa vez, Rosa conheceu uma moça de Campinas-SP em um aplicativo de relacionamento. Entusiasmada com a mudança de ares, convidou-a para passar um final de semana com ela, em Sorocaba- -SP, onde a moça queria conhecer uma casa noturna. “Eu levei ela para lá, nós ficamos juntas e eu a beijei, claro. Em um momento da noite, vi a Lírio, com uma garota que não era a namorada dela, me observando; eu fingi não ver e ignorei”.
No final da noite, Rosa e sua acompanhante esperavam pela carona para casa, foi quando Lírio se sentou próximo às duas, junto com uma outra mulher, na intenção de ouvir a conversa que Rosa mantinha com a moça de Campinas.
“Uma semana depois, eu fui almoçar e a Lírio estava no refeitório. Começou a perguntar da minha vida amorosa; eu só concordava com as acusações dela. No mesmo dia, ela foi até mim, em horário de trabalho, e disse ‘a gente vai conversar’”. A flor conta que começou a argumentar que não tinha nada para conversar, mas ela insistiu, partindo para a agressão. “Você vai sentar aqui e vai ouvir o que eu
tenho para falar”, forçou, puxando-a pelo braço.
Com insultos sobre a mulher que a acompanhava na balada, Lírio passou cerca de uma hora afirmando que Rosa pertencia a ela. “Eu não quero que você saia com ninguém. Não quero que você fique com ninguém”, repetia.
Sobre a namorada de Lírio, Rosa sentia um misto de pena e culpa. “Eu me perguntava se ela agredia a T. da mesma forma que me agredia. Não sei o porquê, mas eu sabia me defender, mas a via [namorada] tão Indefesa, sabe? Pensava coisas como ‘será que ela a belisca também?’, ‘será que ela dá socos e chutes nela?’. Quando o namoro entre Lírio e T. acabou, Rosa decidiu conversar com T. e, depois de um tempo, acabaram se tornando amigas, unidas pelo momentos abusivos que passaram com Lírio.
Questionada sobre se a história teve um fim, Rosa sorri e responde secamente: “Ela me contatou anteontem falando que me amava, que eu sou um monstro por abandoná-la. Quando penso que ela seguiu a vida dela, ela volta, sempre volta. Estou saindo com um novo alguém e, como temos amigos em comum, ela sempre fica sabendo”, desabafa. Hoje, a flor não se sente mais dependente de Lírio. Embora saiba que ela ainda está ali, hoje prefere dar prioridade a si mesma. “Desejo que ela siga sua vida, porque estou fazendo isso”, conclui.