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o despertar de lótus

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a tulipa e a adaga

a tulipa e a adaga

Em uma mesa afastada da cafeteria, Lótus engata uma conversa leve e acolhedora. A jovem de 20 anos chama a atenção pelo seu carisma, sorriso e longos cabelos negros. Emotiva, suas palavras são ditas com muito cuidado. Mesmo quem a conhece, não imagina que traços de sua personalidade tenham aparecido após um trauma que sofreu em 2015.

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Era um sábado de abril, o dia estava ensolarado e Lótus desfrutou disso para fazer compras no centro da cidade, e então, ir até a casa de seu namorado na época. “Eu estava com um shorts por estar um calor de 30 graus e ninguém merece ficar de calça”, explica sobre sua vestimenta, que é sempre questionada a vítimas de abuso sexual. “Eu fui para o terminal para pegar um ônibus e ir para a casa do meu ex-namorado, precisava andar cerca de um quarteirão para chegar até o condomínio dele, e essa rua, de um lado é o condomínio e o outro é um matagal”, conta.

Lótus fez o seu caminho habitual, desceu do ônibus, passou por um posto de gasolina, por uma padaria, e por fim, virou a esquina que dava acesso à rua de seu destino final. Essa esquina, no entanto, era escondida e pouco movimentada, ainda mais em um sábado a tarde.

Quando chegou naquele ponto, Lótus relata que se deparou com um homem apoiado em uma moto. Ele vestia uma jaqueta de couro preta e mexia tranquilamente em seu celular. Lótus também estava entretida com o seu aparelho, mas, quando passou pelo homem, foi surpreendida quando ele a abordou, forçando a garota a lhe dar o celular. Ela entregou, sem questionar, com medo de reagir. Tentou seguir caminhando, mas foi impedida de continuar, visto que o assaltante precisava de sua senha para desbloquear o aparelho.

Ela tentou enganá-lo, dizendo que não se lembrava da senha por conta do nervosismo. Durante todo esse conflito, Lótus se sentia angustiada e esperava que algum conhecido a avistasse. “Eu achava que nesse meio tempo, a minha ex-sogra ia passar, mas ela não passava, pois já estava em casa. Então isso fez com que eu ficasse mais

tempo lá com ele enquanto me fazia perguntas e outras coisas comigo”, relata, lembrando que toda a ação demorou mais de uma hora.

Lótus conta que ele começou a importuná-la com perguntas pessoais e de cunho sexual. “Ele fazia perguntas do tipo, qual era o tamanho do órgão genital do meu namorado, qual posições eu fazia, se eu era virgem, inclusive, disse que não era mais, mesmo sendo, com medo dele se excitar e querer tirar a minha virgindade, eu tive que pensar nisso na hora. Ele perguntava sobre posições e eu não sabia falar sobre isso e também não queria”, conta, desconfortável com a lembrança.

A moça se abraça, revivendo o medo que passou naquela tarde. “Ele sempre falava que estava armado, a arma geralmente fica na cintura, mas ele dizia que estava dentro da jaqueta. Só que eu tinha 16 ou 17 anos, não sabia que arma costuma ficar na cintura. Ele podia estar blefando, mas também poderia não estar; ou até ter uma faca. Se eu saísse correndo ou qualquer outra coisa, ele poderia me alcançar até a entrada do condomínio. Ele tinha uma moto”, explica angustiada.

Além da arma, ele também dizia ter todas as informações dela em seu celular. “Ele perguntou sobre a minha família, ele falava: “Olha, eu tenho todas as suas informações nesse celular, tenho o número da sua mãe, do seu pai, do seu irmão. Então se você fizer alguma coisa, você sabe que tenho o contato de todo mundo”.

Apesar do desconforto, o que Lótus sofreu naquela tarde não ficou apenas no verbal. Depois que o homem finalizou a série de perguntas, forçou um beijo. “Ele me beijou umas duas vezes, dizia que se eu não beijasse, ele não ia me liberar, e sempre envolvia tudo aquilo do matagal, que se ele fizesse algo comigo, ninguém iria ver. Que ele poderia me estuprar, me levar embora ou qualquer outra coisa. E ele falou: ‘Agora eu quero te beijar, mas é um beijo, não um selinho’”, conta, entre lágrimas.

Com bastante dificuldade, a jovem adiciona, em tom mais baixo que o habitual, que “ele também tocou em mim, ele tocou nos meus órgãos genitais. Ele fez isso”, diz com a voz trêmula, “ele tocou em mim”.

Não suficiente, o assaltante ainda se masturbou em sua frente,

forçando Lótus a assistir. “Ele encostou na moto dele, de costas para a rua e começou a se tocar e me obrigava a olhar para ele enquanto fazia esses atos obscenos”.

Com tudo isso, a garota, ainda virgem, teve mais dificuldade em ter relações com seu namorado. “Mesmo namorando por dois anos, eu nunca senti vontade de ter relações com o meu ex, nunca foi algo que para mim importasse. Mas também, tem toda aquela coisa dele estar sempre cobrando, então esse assalto aumentou essa minha falta de vontade de fazer qualquer coisa com ele, não queria fazer absolutamente nada”, desabafa.

“Era questão de atravessar a rua e andar 10 passos, e a gente já estava no matagal”, salienta, lembrando do tempo que passou com o homem, ela conta que sentia muito medo de que ele a levasse para o matagal e em seguida a estuprasse. “Eu seria capaz de tudo para ele me liberar. Para poder ir embora viva, sem ser estuprada. Só dele não colocar o órgão genital dele em mim, eu era capaz de fazer qualquer coisa, só queria ir embora”, assume, perturbada pela lembrança.

Após o homem forçar o último beijo e a tocá-la, Lótus foi surpreendida pela figura de seu sogro voltando do trabalho. “O meu ex-sogro buzinou para mim e o cara perguntou ‘você conhece aquele homem que passou de carro?’, eu falei ‘não, não conheço’. Então ele me liberou, eu não sei se foi por ele ter medo da pessoa ou se ele realmente estava satisfeito com tudo que ele já tinha feito comigo”.

Após ser liberada, a garota correu sem olhar para trás, e, enquanto corria, lembra de ouvir o homem subindo em sua moto e partindo dali. Lótus entrou no carro de seu sogro e conta que não conseguia parar de tremer, tremia tanto ao ponto de ouvir o barulho das duas pernas balançando. “O cheiro dele ficou na minha mente”, admite

“Eu comecei a tremer e a gritar, dava para o condomínio inteiro me escutar gritando de desespero porque eu queria sair daquele lugar. Lembro que eu cheguei lá na casa do meu ex namorado e eu tremia tanto que não conseguia ficar em pé. Eu simplesmente tive que ser carregada para fora do carro”, desabafa, dizendo que não sentia firmeza em suas pernas. “Meu namorado teve que me carregar e ninguém estava entendendo nada do que estava acontecendo”. A garota ressalta o quão horrível se sentiu após o acontecimento. “Eu

senti muito nojo de mim, eu só não queria ter aquele corpo, eu não queria estar em mim”.

Ela admite que naquele dia, não conseguiu contar o real motivo de seu estado. A jovem escondeu o que o homem fez com ela, apenas informando que havia sido assaltada. “Quando eu cheguei na casa do meu ex, ele pegou o carro e foi atrás do cara, aí a mãe dele ficou preocupada e eu também”, lembra.

Mesmo sem saber do motivo completo, a família do rapaz foi muito compreensíva com Lótus, mas ela estava tão traumatizada que não conseguia realizar ações simples. “Eu lembro que não conseguia tirar a roupa para tomar banho depois do assalto, eu não conseguia, eu só chorava” desabafa tristemente. “Eu parecia uma criança, eu só sentia que precisava muito ir embora daquele lugar”. Ela ainda relembra que após esse acontecimento, sempre que precisava passar naquele local, isso a fazia reviver o trauma.

O que mais entristeceu a garota na época foi não ter tido o apoio de sua família para denunciar quando teve coragem de se abrir. “Eles não me apoiaram em denunciar, porque ficaram com muito medo, mas acho que ficaram com vergonha também, talvez, eu não sei, mas eles não me apoiaram”, diz com pesar. A moça acrescenta que não sentia que eles se importavam com o trauma que ela havia passado. “Eles não conversaram sobre isso comigo e nunca me perguntaram, nem meu ex-namorado, porque ninguém se importa, ninguém se importa. É muito banalizado e as pessoas já se acostumaram com isso”, diz aos prantos, deixando claro que isso é o que mais dói. “Inclusive, meu irmão perguntou a roupa que eu estava usando e se eu estava com o celular na mão. E aí vemos como as pessoas nos desapontam”, acrescenta com um suspiro.

Após esse assalto, a garota conta que passou por momentos intensos causados pelo estresse. “Eu perdi muito cabelo por estresse e nervosismo, e eu estudava em um lugar muito difícil, então foi um tempo extremamente pesado. Eu tive que tomar remédio para parar de cair o cabelo e só depois de um ano eu comecei a fazer terapia, demorou muito”, admite. A terapia ajudou bastante, mas por muito tempo, Lótus teve receio de ficar perto de homens, temendo que o abuso acontecesse novamente.

Quando questionada sobre o que sente, Lótus demonstra solidariedade com todas as mulheres que, infelizmente, estão sujeitas a passar por situações como essa todos os dias. “Eu sinto que eu sempre vou evitar que isso aconteça com uma mulher, se estiver ao meu alcance”, desabafa, deixando claro que a ocasião a despertou para um sentimento de proteção com as pessoas à sua volta. “Só quero que as mulheres cheguem bem em casa”, finaliza.

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