MARANHAY 52 - revista lazeirenta - DEZEMBRO 2020

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MARANHAY (REVISTA DO LÉO)

REVISTA LAZEIRENTA EDITADA POR

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ Prefixo Editorial 917536

NUMERO 52 - DEZEMBRO 2020 SÃO LUIS – MARANHÃO


A

presente obra está sendo publicada sob a forma de coletânea de textos fornecidos voluntariamente por seus autores, com as devidas revisões de forma e conteúdo. Estas colaborações são de exclusiva responsabilidade dos autores sem compensação financeira, mas mantendo seus direitos autorais, segundo a legislação em vigor.

EXPEDIENTE MARANHAY REVISTA LAZERENTA Revista eletrônica EDITOR Leopoldo Gil Dulcio Vaz Prefixo Editorial 917536 vazleopoldo@hotmail.com Rua Titânia, 88 – Recanto de Vinhais 65070-580 – São Luis – Maranhão (98) 3236-2076

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ Nasceu em Curitiba-Pr. Licenciado em Educação Física (EEFDPR, 1975), Especialista em Metodologia do Ensino (Convênio UFPR/UFMA/FEI, 1978), Especialista em Lazer e Recreação (UFMA, 1986), Mestre em Ciência da Informação (UFMG, 1993). Professor de Educação Física do IF-MA (1979/2008, aposentado); Titular da UEMA (1977/89; Substituto 2012/13), Convidado, da UFMA (Curso de Turismo). Exerceu várias funções no IF-MA, desde coordenador de área até Pró-Reitor de Ensino; e Pró-Reitor de Pesquisa e Extensão; Pesquisador Associado do Atlas do Esporte no Brasil; Diretor da ONG CEV; tem 14 livros e capítulos de livros publicados, e mais de 350 artigos em revistas dedicadas (Brasil e exterior), e em jornais; Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão; Membro Fundador da Academia Ludovicense de Letras; Membro da Academia Poética Brasileira; Sócio-correspondente da UBE-RJ; Premio “Antonio Lopes de Pesquisa Histórica”, do Concurso Cidade de São Luis (1995); a Comenda Gonçalves Dias, do IHGM (2012); Premio da International Writers e Artists Association (USA) pelo livro “Mil Poemas para Gonçalves Dias” (2015); Premio Zora Seljan pelo livro “Sobre Maria Firmina dos Reis” – Biografia, (2016), da União Brasileira de Escritores – RJ; Diploma de Honra ao Mérito, por serviços prestados à Educação Física e Esportes do Maranhão, concedido pelo CREF/21-MA (2020); Foi editor das seguintes revista: “Nova Atenas, de Educação Tecnológica”, do IF-MA, eletrônica; Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, edições 29 a 43, versão eletrônica; editor da “ALL em Revista”, vol. 1 a 6, eletrônica, da Academia Ludovicense de Letras; Editor da Revista do Léo, a que esta substitui (2017-2019). Condutor da Tocha Olímpica – Olimpíada Rio 2016, na cidade de São Luis-Ma.


MARANHAY – REVISTA LAZEIRENTA – 2020 VOLUME 52 –DEZEMBRO – 2020

VOLUME 51 –NOVEMBRO – 2020 https://issuu.com/home/published/maaranhay_-_revista_lazerenta_51__2020b/file VOLUME 50 – OUTUBRO – 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_50_-_2020b VOLUME 49– SETEMBRO - 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_49_-__2020_VOLUME 48– AGOSTO - 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_48_-__2020_bVOLUME 47– JULHO - 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_47_-__2020_VOLUME 46– JULHO - 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_46_-__2020_VOLUME 45– JULHO - 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_45_-__2020_-_julhob VOLUME 44 – JULHO - 2020 https://issuu.com/leovaz/docs/maranhay_-_revista_lazerenta_-_44_-_julho__2020 VOLUME 43 – JUNHO /SEGUNDA QUINZENA - 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_43_-segunda_quinzen VOLUME 42 – JUNHO 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_42_-junho__2020/file VOLUME 41-B – MAIO 2020 https://issuu.com/leovaz/docs/maranhay_-_revista_lazerenta_-_41-b_-_maio___2020 VOLUME 41-B – MAIO 2020 https://issuu.com/leovaz/docs/maranhay_-_revista_lazerenta_-_41-b_-_maio___2020 VOLUME 41 – MAIO 2020 https://issuu.com/leovaz/docs/maranhay_-_revista_lazerenta_-_41_-_maio__2020 VOLUME 40 – ABRIL 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_40_-_abril___2020.d VOLUME 39 – MARÇO 2020 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_maranhay__39-_mar_o___2020 VOLUME 38 – FEVEREIRO DE 2020 – EDIÇÃO ESPECIAL – PRESENÇA AÇOREANA NO MARANHÃO https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_maranhay__39-_fevereiro___2020


A PARTIR DESTE NÚMERO, CORRIGIDA A NUMERAÇÃO, COM SEQUENCIAL, DOS SUPLEMENTOS E EDIÇÕES ESPECIAIS:

VOLUME 28 – JANEIRO 2020 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_maranhay__28_-_janeiro____2020b VOLUME 29 – FEVEREIRO 2020 https://issuu.com/home/published/revista_do_leo_-_maranhay__29-_fevereiro___2020b

REVISTA DO LÉO NÚMEROS PUBLICADOS

VOLUME 1 – OUTUBRO DE 2017 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_1_-_outubro_2017 VOLUME 2 – NOVEMBRO DE 2017 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_2_-_novembro_2017 VOLUME 3 – DEZEMBRO DE 2017 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_3_-_dezembro_2017 VOLUME 4 – JANEIRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_4_-_janeiro_2018 VOLUME 5 – FEVEREIRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_5_-_fevereiro_2018h VOLUME 6 – MARÇO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_6_-_mar__o_2018 VOLUME 6.1 – EDIÇÃO ESPECIAL – MARÇO 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_especial__faculdade_ VOLUME 7 – ABRIL DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_7_-_abril_2018 VOLUME 8 – MAIO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_8_-_maio__2018 VOLUME 8.1 – EDIÇÃO ESPECIAL – FRAN PAXECO: VIDA E OBRA – MAIO 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_8.1_-__especial__fra VOLUME 9 – JUNHO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_9_-_junho_2018__2_ VOLUME 10 – JULHO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_10_-_julho_2018 VOLUME 11 – AGOSTO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_11_-_agosto_2018 VOLUME 12 – SETEMBRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_12_-_setembro_2018 VOLUME 13 – OUTUBRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_13_-_outubro_2018


VOLUME 14 – NOVEMBRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_l_o_-_numero_14_-_novemb VOLUME 15 – DEZEMBRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revisdta_do_l_o_15_-_dezembro_de_20? VOLUME 15.1 – DEZEMBRO DE 2018 – ÍNDICE DA REVISTA DO LEO 2017-2018 https://issuu.com/…/docs/5ndice_da_revista_do_leo_-_2017-201 VOLUME 16 – JANEIRO DE 2019 https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__16_-_janeiro_2019 VOLUME 16.1 – JANEIRO DE 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: PESCA NO MARANHÃO https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__16_1__-_janeiro__20 VOLUME 17 – FEVEREIRO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_17_-_fevereiro__2019 VOLUME 18 – MARÇO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__18_-_mar_o_2019 VOLUME 19 – ABRIL DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__19-_abril_2019 VOLUME 20 – MAIO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__20-_maio_2019 VOLUME 20.1 - MAIO 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL – FRAN PAXECO E A QUESTÃO DO ACRE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__20.1_-_maio_2019_-_ VOLUME 21 – JUNHO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__21-_junho_2019 VOLUME 22 – JULHO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__22-_julho_2019 VOLUME 22.1 – JULHO DE 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: CAPOEIRAGEM TRADICIONAL MARANHENSE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__22-_julho_2019_-_ed VOLUME 23 – AGOSTO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__23-_agosto_2019 VOLUME 23.1 – AGOSTO DE 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: AINDA SOBRE A CAPOEIRAGEM MARANHENSE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__23.1-_agosto_2019_VOLUME 24 – SETEMBRO DE 2019 – LAERCIO ELIAS PEREIRA https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__24_-_setembro__2019_-_edi__o_espec VOLUME 24.1 – SETEMBRO DE 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: IGNÁCIO XAVIER DE CARVALHO: RECORTES E MEMORIA https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__24_-_setembro__2019_-_edi__o_espec VOLUME 25 –OUTUBRO DE 2019 – https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__25_-_outubro__2019 VOLUME 26 –NOVEMBRO DE 2019 – https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__26_-_novembro__2019 VOLUME 27 – DEZEMBRO DE 2019 –

https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__27_-_dezembro___2019 VOLUME 27.1 – DEZEMBRO DE 2019 – suplemento – OS OCUPANTES DA CADEIRA 40 DO IHGM

https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__27.1_-_dezembro___2019


VOLUME 30 – edição 6.1, de março de 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_especial__faculdade_ VOLUME 31 – edição 8.1, de maio de 2018 EDIÇÃO ESPECIAL – FRAN PAXECO: VIDA E OBRA – MAIO 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_8.1_-__especial__fra VOLUME 32 – edição 15.1, de dezembro de 2018 ÍNDICE DA REVISTA DO LEO 2017-2018 https://issuu.com/…/docs/6ndice_da_revista_do_leo_-_2017-201 VOLUME 33 – edição 16.1, de janeiro de 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: PESCA NO MARANHÃO https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__16_1__-_janeiro__20 VOLUME 34 - edição 20.1, de maio de 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL – FRAN PAXECO E A QUESTÃO DO ACRE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__20.1_-_maio_2019_-_ VOLUME 35 – edição 22.1, de julho de 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: CAPOEIRAGEM TRADICIONAL MARANHENSE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__22-_julho_2019_-_ed VOLUME 36 – edição 23.1, de agoto de 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: AINDA SOBRE A CAPOEIRAGEM MARANHENSE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__23.1-_agosto_2019_VOLUME 37 – edição 24.1, de setembrp de 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: I. XAVIER DE CARVALHO: RECORTES E MEMORIA https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__24_-_setembro__2019_-_edi__o_espec


EDITORIAL

A “MARANHAY – REVISTA LAZEIRENTA” é sucessora da “REVISTA DO LÉO”, e continua em seu formato eletrônico, disponibilizada através da plataforma ISSUU – https://issuu.com/home/publisher. Mes que vem, 45 anos de Maranhão! Vim ao maranhão em janeiro de 1976, para a cidade de Imperatriz, como membro da equipe 49 do Projeto Rondon, para ministrar uma Colonia de Férias naquela cidade. Lá se localizava o Campus avançado da Universidade Federal do Paraná. O Prof. Alberto Milleo Filho era seu diretor. Recem formado, lá permaneci opor ce4rc de 30 dias, quando Milleo convdou aos componentes da equipe, já formados, para dar continuidade ao seu trabalho, pois estava concluindo seu mandato de Diretor. Em Março daquele ano, eu e Marilene Mazzaro desembarcávamos em Imperatriz, para inicar nossa carreira. Fomos contratados pela Prefeitura Municipal para implantr a Educação Física e os Esportes, quando foi criado o Departamento de Educação Física e Recreação; fui o primeiro chefe. No mesmo mês, também fui contratado como professor de Educação Física da Escola Santa Teresinha. Logo em maio, fui contratado pelo Ministério do Interior como PROFIX, por 12 mese, para assessorar a direção do Campus, na área de educação. Em 1977, fui contratado pela Faculdade de Educação de Imperatriz – FEI – como professor de Edcação física, para os Cursos de Licenciatura; havia necessidade de professor formado, para dar prosseguimento ao processo de reconhecimento dos cursos de Estudos Sociais, Ciências e Letras. Foi quando fiz minha prmeiura especialização, em Metodologia do Ensino Superior; não havia necessidade, posto que já aprovado pelo MEC como professor d ensino superior do quadro de professores da FEI apenas quatro havia sido acietos, os demais deveriam fzer uma especialização. Fiz concurso para o Estado, Centro de Ensino de segundo Grau “Graça Aranha”, aprovado. Permaneci em Imperatriz até 1979, quando vim para São Luis, transferido para o Liceu Maranhense, e concurso na então Escola Técnica Federal do Maranhão - depois, CEFET-MA, hoje IF-MA; ingressei na UEMA, quando da incorporação da FEI, e, no Estado fui colocado à disposição da então recém criada Secretaria de Desportos e Lazer SEDEL. Fiz minha segunda especialização, em Lazer e Recreação. Na UEMA, mesmo processo de Imperatriz: reconhecimento dos Cursos de Engenharia Mecânica e Medicina Veterinária – como em Imperatriz, aceito como professor titular, quando do reconhecimento desses cursos... fiz o Mestrado em Ciência da Informação, na UFMG; e iniciei o Doutorado em ciências Pedagógicas, em Cuba (não conclui, por divergências...)...


Desde o início, já na SEDEL, e depois na ETFM/CEFET, interessei-me por documentação, por isso o Mestrado... comecei a publicar revistas dedicadas, índices de revistas dedicadqas, até chegar aqui... Toda essa trajetória está reistrada em monografias de graduação e livros públicos por alguns demeus ex-alunos em Imperatriz... e aqui, nos números da Revista do Leo, hoje Maranhay “águas revoltas contra a corrente”: Pororoca...

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ EDITOR


SUMÁRIO 2 7 9

EXPEDIENTE EDITORIAL SUMÁRIO

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ESPORTE, LAZER, & EDUCAÇÃO FÍSICA A SITUAÇÃO CULTURAL TRAVA O AVANÇO DESPORTIVO? JOSÉ MANUEL CONSTANTINO MANUEL SÉRGIO RECEBE HOMENAGEM. MAS, QUEM É MANUEL SÉRGIO? REMO EM SÃO LUÍS (1911) RAMSSÉS DE SOUSA SIVA

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HISTÓRIA(S) DO MARANHÃO CUXI, A PORQUINHA, E A CEIA DE NATAL CERES COSTA FERNANDES GERÔNCIO FALCÃO - O PREFEITO DEPOSTO NA REVOLUÇÃO DE 30 KISSYAN CASTRO LUÍS MANOEL FERNANDES RAMSSÉS DE SOUZA SILVA A SÍNDROME DA MOURA-TORTA CERES COSTA FERNANDES MAIS UM TERREIRO DE TERECÔ EXTINTO. RAMSSÉS DE SOUZA SILVA SABORES DA INFÂNCIA CERES COSTA FERNANDES O ESPIRITO DE NATAL (De natais pré-COVID) CERES COSTA FERNANDES DA BANALIZAÇÃO DO MEDO CERES COSTA FERNANDES

23 24 26 28 30 31 32 34

NAVEGANDO COM JORGE OLIMPIO BENTO

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FAUSTO: UMA METÁFORA DOS DILEMAS ATUAIS CARTAS À UNIVERSIDADE

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P’ra não dizer que não falei de Poesia... e de Poetas

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MEMORIAL DE PAULO AUGUSTO DO NASCIMENTO MORAES – PARA A COLEÇÃO ‘CRÔNICAS MARANHENSES -’. A VOLTA DO BOÊMIO FERNANDO BRAGA CLARINDO SANTIAGO, O POETA MARANHENSE DESAPARECIDO NO RIO TOCANTINS FERNANDO BRAGA ALMEIDA GALHARDO, DA ESPERANÇA DA NOVA ATENAS AO POETA ESQUECIDO EUGES LIMA O POETA DAS GAIVOTAS ELMAR CARVALHO MANOEL SALLES E SILVA, POETA MARANHENSE. QUEM CONHECE? LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ

MEMÓRIAS & RECORTES LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ FRAN PAXECO – RECORTES & MEMÓRIAS – PARTE XIII

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ESPORTE, LAZER, & EDUCAÇÃO FÍSICA


A SITUAÇÃO CULTURAL TRAVA O AVANÇO DESPORTIVO? JOSÉ MANUEL CONSTANTINO PRESIDENTE DO COMITÉ OLÍMPICO DE PORTUGAL A situação cultural trava o avanço desportivo? Opinião ti Abila José Manuel Constantino A tragédia do desporto nacional é cultural antes de ser política. Pelo que se torna ilusório esperar que a política resolva sozinha o que a cultura desportiva dominante trava. Os portugueses são dos cidadãos da União Europeia com menores taxas de participação em actividades culturais. E são também dos últimos em matéria de indicadores de actividade fisica e desportiva. Resultado da falta de investimento, da fraca aposta na educação, de uma literacia desportiva frágil e de uma agenda política que não prioriza estas frentes no âmbito das políticas públicas. O resultado de tudo isto é uma agenda política pobre do Governo e do Parlamento , um debate público quase inexistente e longe de qualquer convicção quanto os desafios que se colocam a Portugal em matéria de desenvolvimento do desporto. Os esforços deste ou daquele governante, ou deste ou daquele parlamentar, são quase sempre empenhos individuais que não se transformam numa cultura que inscreva o desporto na agenda política não apenas como um direito constitucional, mas sobretudo como urna conquista civilizacional. Naturalmente que para isso concorre um caldo social onde a literacia desportiva não é suficiente para que a situação possa ser alterada. Excepção para muitos autarcas que nas suas comunidades vão conduzindo políticas locais animadas pelo propósito de desenvolver o desporto e através dele cimentar a coesão social e económica das suas comunidades. Uma coisa parece certa: o que sucederá daqui para a frente será um país desportivo com novas assimetrias, que gerará novas desigualdades evidenciando, uma vez mais, que num contexto de crise esta não tocará a todos da mesma maneira. O desporto vai ter de suar muito para não perder algumas das suas, poucas, conquistas. O caminho não é fácil. A desculturalização do desporto na política empurrou a governação do desporto para a sua "tecnocratização" numa tensão permanente entre o direito e as finanças acoplada à gestão das circunstâncias. O desporto acabou sempre a perder. Nada existe que permita afirmar que, no futuro, esta situação se inverta. Neste sentido, o pensamento e o antagonismo próprios do debate político cedem lugar às soluções simples, mesmo para problemas complexos, característicos de um pensamento pós-político, agravando a descapitalização do pensamento político e de ausência de sentido estratégico que permita enumerar um conjunto de objectivos a alcançar e que tornem inteligível o rumo traçado. A democracia digital e a facilidade de acesso à fala pública através das redes sociais, contrariamente ao que seria desejável, não transformaram o aumento de informação em melhor conhecimento e, portanto, o cenário de soluções simples para problemas complexos tende a ressoar na cacofonia digital. Em Portugal, o desporto nunca teve uma vida fácil. Desde os finais do século XIX que viveu de impulsos, mais do que de uma opção politicamente assumida. No Estado Novo, com os antigos Planos de Fomento do Desporto, até aos dias de hoje, com os diversos planos estratégicos para o desenvolvimento desportivo todos jazem no cemitério das boas intenções. Porque o problema esteve sempre menos a montante dos planos de desenvolvimento estratégico (alguns de inegável valor doutrinário) e muito mais nas concretas situações em que ocorrem a construção e decisão politicas.


É a situação portuguesa uma inevitabilidade? Se consultarmos o que neste momento se passa em muitos países europeus, constataremos que existe uma correspondência entre a robustez das medidas politicas para combater a crise pandémica no desporto e os indicadores de consumos culturais e desportivos. A pergunta parece ser legítima: é a nossa situação cultural que trava o avanço desportivo?


MANUEL SÉRGIO

A 20 de novembro, LISBOA homenageou o professor com a medalha Municipal de Mérito Desportivo, pelos ideais que sempre defendeu no desporto. Para Manuel Sérgio "não há jogos, mas pessoas que jogam". E para nós, as medalhas não são dadas, mas sim merecidas pelas pessoas que as recebem. Filósofo, professor e ativista, Manuel Sérgio fundamentou a Ciência da Motricidade Humana e mudou a forma como se pensa o desporto. As suas ideias inovadoras, assentes no lado humano e ético do desporto, influenciaram inúmeros atletas e treinadores como José Mourinho e Jorege de Jesus.

Manuel Sérgio Vieira e Cunha ComIP (Lisboa, 20 de abril de 1933) é um filósofo, professor, educador, ativista e político português. É casado com Maria Helena Cabrita e Cunha (Lisboa, 30 de novembro de 1933). É licenciado em Filosofia pela Universidade de Lisboa e Doutor e Professor Agregado em Motricidade Humana pela Universidade Técnica de Lisboa. A sua tese de doutoramento, intitulada "Para uma Epistemologia da Motricidade Humana", defende a existência da ciência da motricidade humana, de que a educação física é a pré-ciência. É sócio da Associação Portuguesa


de Escritores e autor e co-autor de 37 livros e de inúmeros artigos, em revistas nacionais e internacionais. É professor catedrático convidado aposentado da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa. Foi professor catedrático da Universidade Fernando Pessoa e do Instituto Universitário da Maia. Entre 2001 e 2009, foi diretor do ISEIT (Instituto Piaget Almada). É sócio fundador da Sociedade Internacional de Motricidade Humana e da Sociedade Portuguesa de Motricidade Humana. Foi presidente da Assembleia Geral do Clube de Futebol Os Belenenses e vice-presidente da Direção deste mesmo Clube. Foi também presidente da Assembleia Geral da Associação de Basquetebol de Lisboa e presidente do Conselho Fiscal da Associação de Andebol de Lisboa. Entre 1952 e 1965, foi funcionário do Arsenal do Alfeite (Ministério da Marinha). De 1965 a 1968, foi professor de Português e História na Escola Comercial e Industrial Emídio Navarro e professor de Filosofia no Colégio Padre António Vieira, ambos em Almada. Em 1968, ingressou no Centro de Documentação e Informação do Fundo de Fomento do Desporto e começou por lecionar na Escola de Educação Física de Lisboa, que diplomava instrutores de Educação Física. Era presidente do Fundo de Fomento do Desporto e diretor-geral da Educação Física, Desportos e Saúde o Dr. Armando Rocha. Em 1971, acompanhando os Doutores António Leal de Oliveira, primeiro subdiretor do INEF (Instituto Nacional de Educação Física) e presidente da FIEP (Fédération Internacional d'Éducation Physique) e Celestino Marques Pereira, professor do INEF, participou, em Madrid, no Congresso da FIEP, e passou a ser redator da revista da FIEP, para os países de língua portuguesa. Em 1972, passou a pertencer ao Comité Diretor do Bureau Internacional de Documentation et d'Information d'Éducation Physique et Sport (CIEPS-UNESCO), cargo que deixou em 1978, para seguir a vida universitária. Em 1975, a convite de uma delegação de alunos do INEF que se deslocou a sua casa, com este objetivo, foi convidado para professor do INEF, onde começou a lecionar "Introdução à Política". Seria depois professor no ISEF/UTL das disciplinas de "Introdução à Educação Física", "Filosofia das Atividades Corporais" e, já na Faculdade de Motricidade Humana, "Epistemologia da Motricidade Humana". Em 1976, 1983 e 1985, respetivamente, recebeu convites para ensinar no INEF (Madrid), na Universidade Gama Filho (Rio de Janeiro) e na UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas). A partir de 1977, é colaborador da Editorial Verbo, na sua enciclopédia Polis. É também diretor da coleção "Educação Física e Desportos" da Editorial Compendium - coleção que fundou, na companhia de Noronha Feio. Acedendo a convite de Pierre Parlebas, foi representante, em Portugal, da revista "Motricité Humaine". Em 1980, é equiparado a professor auxiliar convidado, sob parecer dos Doutores João Evangelista Loureiro, Augusto Mesquitela Lima, Henrique de Melo Barreiros e Francisco Sobral Leal. Foi também depois conferencista no I Congresso Nacional de Medicina Desportiva, organizado pela Sociedade Portuguesa de Medicina Desportiva (Lisboa, 22 a 24 de outubro de 1981). Em 1982, foi preletor, no ciclo de palestras “O Desporto e a Sociedade Moderna”, organizado pelo Instituto Nacional dos Desportos. Neste mesmo ciclo de palestras, orientou um colóquio na companhia dos Profs. Doutores José María Cagigal e José Barata-Moura. Em 1983, nos dias 8 e 9 de abril, participou nas I Jornadas Científico-Desportivas da Associação de Profissionais de Educação Física de Braga. Em 1983, de 4 a 6 de junho, participou no XIV Congresso do Grupo Latino de Medicina Desportiva, realizado em Madrid, no Hospital Provincial, a convite do vice-presidente, Marcos Barroco. Em setembro de 1983, visitou pela primeira vez o Brasil, a convite dos Profs. Doutores Laércio Elias Pereira e Lino Castellani Filho (secretário nacional do Desenvolvimento do Esporte e do Lazer do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva), para participar no Congresso do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, de que foi eleito “sócio benemérito”. De então até hoje, tem visitado anualmente o Brasil, designadamente a convite de várias instituições universitárias. Nos dias 23 e 24 de maio de 1984, participou no ciclo de conferências “Motricidade Humana – Ciência e Filosofia”, organizadas pelo Instituto Superior de Educação Física da Universidade Técnica de Lisboa (ISEF/UTL), na companhia de Armando Castro, Luiza Janeira e


Jorge Correia Jesuíno. Apresentou o trabalho “A Investigação Epistemológica, na Ciência da Motricidade Humana”. Em 20 de julho de 1984, foi eleito, em Assembleia Geral do Clube de Futebol “Os Belenenses”, por proposta de Acácio Rosa, “sócio de mérito” deste mesmo clube. Durante o mês de novembro de 1984, proferiu palestras em sete ilhas da Região Autónoma dos Açores, a convite do diretor regional de Educação Física e Desportos, Eduardo Monteiro. Em agosto de 1985, publica no Brasil (Palestra Edições Desportivas, Rio de Janeiro) um opúsculo intitulado “Ciência da Motricidade Humana – uma investigação epistemológica”. Durante o mês de setembro de 1985, visitou o Brasil, a convite da Universidade Federal da Paraíba e do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Em Novembro de 1985, é diretor do I Curso de Treinadores de Futebol de Salão, organizado pela Associação de Futebol de Salão de Lisboa. Em 6 de junho de 1986, defende a sua tese de doutoramento, sob a orientação do Prof. Doutor João Evangelista Loureiro, vice-reitor da Universidade de Aveiro, no ISEF/UTL. Nesta sua tese, defende não só a existência da ciência da motricidade humana (CMH), que integra, no seu entender, o desporto, a dança, a ergonomia e a reabilitação, como também fundamenta, epistemologicamente, a criação da Faculdade de Motricidade Humana que, administrativa e politicamente, se deveu ao Prof. Doutor Henrique de Melo Barreiros, então presidente do Conselho Científico do ISEF/UTL. A tese é antidualista, antipositivista e pós-moderna, dado que se integra numa transição paradigmática e num conhecimento-emancipação (Boaventura de Sousa Santos) e portanto anticolonialista e anti-imperialista. Do ponto de vista epistemológico, a tese é pós-cartesiana, pois rejeita o dualismo “res cogitans” versus “res extensa” (reflexo do dualismo social e político) e até as duas culturas sugeridas por C. P. Snow e aceita a complexidade humana. Manuel Sérgio cria mesmo uma definição nova de motricidade: "a energia para o movimento intencional da transcendência, ou superação”. Trata-se de um “paradigma emergente”, mas que sabe que “o princípio da incompletude de todos os saberes é condição de possibilidade de diálogo e debate epistemológicos, entre diferentes formas de conhecimento” (Boaventura de Sousa Santos, “A Gramática do Tempo - para uma nova cultura política”, Edições Afrontamento, Porto, 2006). A CMH é, para Manuel Sérgio e para a Sociedade Internacional de Motricidade Humana, uma nova ciência social e humana. Para eles, a educação física, epistemologica e ontologicamente, não existe, porque não existe uma educação unicamente de físicos. No entanto, nas aulas e em conversas particulares, já vai chamando também à CMH um “híbrido cultural”, misto de ciência, tecnologia, arte, filosofia e senso comum. De igual modo e de acordo com o que este autor defende, há mais de 20 anos, a própria “preparação fìsica” do desporto altamente competitivo não tem sentido, já que o treino se deve subordinar a um modelo de jogo, onde são trabalhados simultaneamente os vários aspetos do ser humano. Os brasileiros Anna Feitosa (na Universidade do Porto), Ubirajara Oro (na Universidade Técnica de Lisboa), João Batista Tojal (na Universidade Técnica de Lisboa), Vera Luza Lins Costa (na Universidade Técnica de Lisboa), Luciana do Nascimento Couto e Ana Maria Pereira (na Universidade da Beira Interior), a espanhola Ana Rey Cao (na Universidade da Corunha), os portugueses Paulo Dantas e Abel Aurélio Abreu de Figueiredo (na Universidade Técnica de Lisboa) e o chileno Sérgio Toro Arévalo (na Pontifícia Universidade Católica do Chile) fizeram as suas teses de doutoramento fundamentados na CMH, que Manuel Sérgio criou. Outro tanto poderá dizer-se das teses de mestrado dos Mestres Vítor Ló e Carlos Pires (na Universidade da Beira Interior), do Prof. Doutor Gonçalo M. Tavares (na Universidade Nova de Lisboa), da Mestre Fernanda Sofia da Silva Gonçalves (na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro)[1] e do doutoramento de Ermelinda Ribeiro Jaques, doutorada em Ciências da Enfermagem (no ICBAS/Universidade do Porto). Foi professor convidado, durante os anos de 1987 e l988, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp-Brasil). Lecionou nos cursos de graduação da Faculdade de Educação Física e nos doutoramentos da Faculdade de Educação. O convite foi subscrito pelo Reitor Paulo Renato Souza (que seria depois o Ministro da Educação dos governos do presidente Fernando Henrique Cardoso), sob proposta do Prof. Doutor João Batista Tojal, ao tempo diretor da Faculdade de Educação Física da Unicamp. Foi depois conferencista, na 40.ª Reunião Anual da Sociedade


Brasileira para o Progresso da Ciência (S. Paulo, 10 a 16 de junho de 1988). Em 1988, foi patrono, eleito pelos alunos, do primeiro de curso de Educação Física da Unicamp. Em 1989, o ISEF (Instituto Superior de Educação Física) passou a Faculdade de Motricidade Humana, à luz da Ciência da Motricidade Humana (CMH). A propósito, salienta-se que é Manuel Sérgio o primeiro a dizer (em Portugal e não só): que a Educação Física é um cartesianismo; que a CMH é uma ciência humana – tendo provocado uma verdadeira revolução na teoria e na prática do desporto. No livro “Motrisofia – Homenagem a Manuel Sérgio”, José Mourinho refere a importância das ideias de Manuel Sérgio, na sua carreira de treinador (pp. 119/120). Em 1990, Medalha de Mérito Desportivo, concedida pelo Presidente da República do Brasil, José Sarney (Diário Oficial, de 19 de fevereiro de 1990). Em maio de 2013, foi nomeado Provedor da Ética no Desporto. "As Lições do Professor Manuel Sérgio" é uma síntese do seminário realizado no Museu Nacional do Desporto, de 27 a 31 de maio de 2013. Actividade política De 1991 a 1995, foi deputado à Assembleia da República, na VI Legislatura (1991-1995), pelo Partido da Solidariedade Nacional, de que foi o primeiro presidente. O PSN deixaria o parlamento depois das legislativas de 1995 e decairia constantemente a partir de então até finalmente se extinguir depois de fracos resultados nas legislativas de 2002. Condecorações e honras Em fevereiro de 1990, foi distinguido pelo Governo Brasileiro, com a medalha de mérito desportivo. Em 21 de junho de 2007, foi galardoado pelo Governo Português com a Honra ao Mérito Desportivo, durante uma sessão solene presidida pelo Secretário de Estado da Juventude e do Desporto. No mesmo dia, a Presidente da Câmara Municipal de Almada anunciou a atribuição a Manuel Sérgio da Medalha de Ouro desta cidade, que recebeu, em cerimónia pública, no dia 10 de julho do mesmo ano. No dia 14 de setembro de 2007, a Assembleia Legislativa de São Paulo, por proposta do deputado Simão Pedro, líder parlamentar do Partido dos Trabalhadores, homenageou Manuel Sérgio, pela criação da Ciência da Motricidade Humana. Em 21 de março de 2017, foi feito Comendador da Ordem da Instrução Pública, distinção que lhe foi entregue em 5 de dezembro de 2017 em cerimónia presidida pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.[2] Obras Entre o nevoeiro da serra (1963) Para uma nova dimensão do desporto (1974) Para uma renovação do desporto nacional (1974) Desporto em Democracia (1976) A prática e a educação física (1977) Homo Ludicus (1978) Heróis Olímpicos Do Nosso Tempo (1980) Filosofia das Actividades Corporais (1981) Ideário E Diário (1984) Para uma epistemologia da motricidade humana (1987) A Pergunta Filosófica e o Desporto (1991) Motricidade Humana – contribuições para um paradigma emergente (1994) Epistemologia da Motricidade Humana (1996) O Sentido e a Acção (1999) Um Corte Epistemológico: da educação física à motricidade humana (1999) Algumas Teses sobre o Desporto (1999) Da educação física à motricidade humana (2002) Alguns Olhares sobre o Corpo (2004) Para um novo paradigma do saber e… do ser (2005) Textos Insólitos (2008)


Crítica da Razão Desportiva (2012) As Lições do Professor Manuel Sérgio (2013) O Futebol e Eu (2015) Futebol: ciência e consciência (2017)


REMO EM SÃO LUÍS (1911) RAMSSÉS DE SOUSA SIVA A prática do Remo começou em nossa cidade por volta do ano de 1900, às margens do rio Anil. O esporte ganhava mais visibilidade em períodos festivos, em especial nas comemorações da adesão do Maranhão à Independência, em que a elite local participava de competições que se iniciavam nas proximidades do Palácio dos Leões e findavam nas imediações da Praça Gonçalves Dias. Curiosidade: Um dos motivos que colaborou para a falta de sucesso do esporte em nossa cidade foi a presença de tubarões na região.


O REMO E AS REGATAS (DE 1900 A 1929) HTTPS://SAOLUISEMCENA.BLOGSPOT.COM/2010/11/O-REMO-E-AS-REGATAS-DE-19001929.HTML?M=1&FBCLID=IWAR1GXKGPDLKZW7ECX7E-430IMMZS34865F9OWLUMKPUQBNQYV1XG_HMXPYY

Origens Em 1900, os “sportmen” maranhenses tentam implantar mais uma modalidade esportiva - desta vez, voltaram-se para o remo, e a utilização dos rios Anil e Bacanga. É criado o “Clube de Regatas Maranhense”, instalado na Rua do Sol, 36. Manoel Moreira Nina foi seu primeiro presidente: “Club de Regatas Maranhense - Director Presidente - Manoel G. Moreira Nina; Vice Director Presidente - Jorge Brown; Director Secretário - José Carneiro Freitas; Director Thesoureiro Benedicto J. Sena Lima Pereira; Director Gerente - Alexandre C. Moreira Nina; Supplentes: 1º Manoel A. Barros; 2º - Othon Chateau; 3º José F. Moreira de Souza; 4º - Antônio José Silva; 5º Almir Pinheiro Neves; Commissão d’Estatutos: Dr. Alcides Pereira; Eduardo de A. Mello; Manoel Azevedo; Arthur Barboza Pinto; João Pedro Cruz Ribeiro”. (“A Regeneração”, 21 de fevereiro de 1900). Essa iniciativa foi efêmera. Os primeiros passos foram dados, para colocar as coisas no rumo certo, mas faltaram recursos para aquisição das embarcações apropriadas e também faltou apoio do comércio e das autoridades constituídas. 1908 A 13 de setembro voltou-se a falar na implantação do remo chegando a ser organizada uma competição, envolvendo duas equipes que guarneciam os escaleres “Pery” e “Continental”. Os irmãos Santos estavam envolvidos em uma prática esportiva - Nhozinho - como era mais conhecido Joaquim Moreira Alves Dos Santos - como timoneiro e Maneco - Manoel Alves dos Santos - como voga; A. Lima (sota-voga); B. Azevedo (sota-proa); e A. Vasconcelos (proa), na “Pery”. A largada deu-se onde é a ponte do São Francisco, com chegada na rampa do Palácio, sendo vitoriosa a baleeira “Continental”, que tinha no timão, F. Oliveira; como voga, J. M. Sousa; voga, J. Sardinha; sota, Maneco Sardinha; e na proa, Raimundo Vaz. Essas atividades, realizadas no rio Anil, começam a se tornar hábito das manhãs de domingo e feriados, contando com uma boa afluência de público.


1909 Nas comemorações de 28 de julho em São Luis, houve outra prova de remo, tomando parte da mesma militares do 24º BC do Exército e da Marinha (Capitania do Porto e Escola de Marinheiros), sendo utilizado barco a dois remos. A elite maranhense fez-se presente tomando parte ativa, pois atuaram como árbitros da competição: os coronéis Albino Noronha e Carlos, e os doutores João Alves dos Santos, Antônio Lobo, Domingos Barbosa, Viana Vaz foram os juizes de chegada. Na partida, funcionaram Braulino Lago, capitão-tenente Rogério Siqueira, Dr. Armando Delmare, João José de Sousa, Francisco Coelho de Aguiar e o Dr. José Barreto; como juizes de raia, estavam o comandante João Bonifácio, Charles Clissot, Agnelo Nilo e Antônio José Tavares; sendo o diretor de regatas, o tenente Haroldo Reis. A saída deu-se na Rampa do Palácio, tomando parte nos diversos páreos os escaleres: o do comércio tinha como patrão Antônio da Silva Rabelo; o “Fogo”, contava com o mestre João Tibúrcio Mendonça; o “Espírito Santo”, tinha como mestre Manoel Joaquim Lopes; o “Remedinhos”, com Hermenegildo A. de Oliveira; o “Alfândega”, Bernardo de Serra Martins; o “Oriental”, João Romão Santos; o “São José”, Raimundo Alves dos Santos; o “Flor da Barra”, de Carlos Moraes. Participaram ainda, os escaleres “João Lisboa”, “Gonçalves Dias”, “São Luís”, “Nero”, “28 de Julho”, “Correio” e “Bequimão”. O trecho entre a Rampa do Palácio e a Praça Gonçalves Dias estava todo tomado por um grande público. A partir daí, quase todos os anos, no dia 28 de julho, essas competições faziam parte das festividades. Mesmo assim, as regatas foram se arrastando em São Luís, com os abnegados, aqui e ali, aproveitando uma comemoração para realizar uma prova no rio Anil. O “Clube de Regatas Maranhense” chegou a ser fundado novamente, muito embora as condições do rio não apresentassem as ideais, pois não oferecia segurança. O mar, em determinadas épocas, ficava muito agitado, temendo-se que uma virada ou o desequilíbrio de um tripulante pudesse vir a ser fatal, dada a freqüência dos tubarões. 1910-1915 Neste período, a modalidade esportiva de remo entrou em crise no Maranhão, voltando a reviver posteriormente graças ao empenho do cônsul inglês em São Luís, Sr. Charles Clissot. 1916 Mesmo com contratempos, foram promovidas algumas competições de remo em São Luis, sempre no rio Anil, como a deste ano, que tinha como objetivo implantar, definitivamente, o remo, inclusive com a criação de uma “Liga do Remo”. (Martins, 1989, p. 217). Os amantes do “esporte do muque”, como era conhecido, adquiriram no Pará - onde o remo estava plenamente consolidado - duas baleeiras apropriadas, batizadas de “Jacy” e “Alcion”. Devidamente equipadas, eram guarnecidas por empregados do comércio, que se apresentavam bem adestrados no seu manejo. No dia 26 de março as duas embarcações fizeram-se ao mar, realizando um “passeio”. A “Jacy” - equipe branca – tinha como guarnição J. Nava (timoneiro); Júlio Galas e A. Martins (vogas); A. Santos e Nestor Madureira (sota-vogas); Humberto Jansen e A. Cunha (sota-provas); e S. Silva e J. Travassos (proas); já a “Alcion” - trajes azuis -, contava com Humberto Fonseca (timoneiro); A. Paiva e Avelino Farias (vogas); e A. Rosa e M. Borges, como proas. As competições realizavam-se isoladamente, no rio Anil, e não há registro do por que a “Liga do Remo” não se estruturou. Nas manhãs de domingo, as embarcações realizavam passeios, mais como recreação do que como disputa, não obstante os esforços do capitão Melo Fernandes, dos vogas Barão Mota, Agostinho e Manoel Tavares, dos sota-proas Acir Marques e Haroldo Ayres, dos proas Joaquim Carvalho e Francisco Viana e do “crock” Maneco Fernandes. Na Escola de Aprendizes de Marinheiros o remo também era praticado, dispondo de uma guarnição que treinava diariamente. Contava com os vogas Cantuária e Fulgêncio Pinto; como sota-vogas, com Almeida e Abreu; na proa, Belo e Matos; sota-proas, Zinho e Oliveira e o patrão era Fritz. 1917


Neste ano – em plena 1ª. Guerra Mundial -, enchia-se de esperança para os praticantes dos esportes. No Maranhão, dizia-se que dois esportes marcariam presença definitiva para ficar, o remo e o futebol: “Apesar da guerra, das crises financeiras, do alto custo de vida, etc., a mocidade só pensava no futuro, olhos fixos no dia de amanhã, e, por isso, preparava-se fisicamente. Pensar diferente era ir de encontro à lógica dos fatos que se nos apresentavam diariamente, onde se viam rapazes, que eram incapazes de levantar, como dizia o adágio popular, um gato pelo rabo. Era inadmissível e errônea a educação do espírito sem a educação dos músculos, como dizia Müller. De tudo o homem devia saber. Um organismo raquítico nada valia. Era o importante para suportar uma moléstia, comentavam os críticos. Pregava-se o exercício do remo, porque esse esporte era de uma real utilidade. Esperava-se para breve que, na capital do Maranhão, pudéssemos nos rejubilar da existência de um bom futebol e que o remo se tornasse um esporte definitivo, com prática assídua” (Martins, 1989). 1927-1929 Promoveram-se alguns festivais, no rio Anil, em São Luís, sempre com receios de ataques de tubarões, que subiam para desfrutar dos dejetos despejados pelo Matadouro Modelo. Em 28 de julho de 1928, promoveu-se uma regata, em homenagem ao comandante Magalhães de Almeida, tendo a frente os “sportmen” Antônio Lopes da Cunha, sempre envolvido com as coisas do esporte, Cláudio Serra, Hermínio Belo, Benedito Silva e Gentil Silva. As embarcações não eram apropriadas, usando-se botes de quatro remos para a distância de 500 metros, embarcações de pesca à vela e outras de qualquer espécie, desde que não superiores a dez palmos de boca, embarcações com motores de popa ou internos, lanchas à gasolina, etc. As embarcações tinham os mais variados nomes: “Maranhão”, comandada pelo patrão Justo Rodrigues; “Sampaio Corrêa”, com Gino Pinheiro, como patrão; o bote “São José”, com Horácio dos Santos como patrão. A firma Marcelino Almeida & Cia - proprietária do “Loyde Maranhense”-, colocou os vapores “São Pedro” e “São Paulo” à disposição dos convidados especiais. Para as comissões, foram cedidos os rebocadores “Mero”, “Loyd”, e “Satélite”, gentileza da “Booth Line Co.”, do “Loyd Brasileiro” e de “Santos Seabra & Cia”. Naturalmente que o homenageado - Magalhães de Almeida - foi o presidente do Júri de Honra, que contou ainda com as presenças de Dr. Pires Sexto, do comandante Martins, do coronel Zenóbio da Costa, Dr., Jaime Tavares, Major Luso Torres, Dr. Basílio Franco de Sá, Dr. Constâncio de Carvalho e João de Mendonça. A “comissão de chegada” era composta por Clóvis Dutra, Agnaldo Machado da Costa, Dr. Horácio Jordão, Dr. Waldemar Brito, e Sr. Edmundo Fernandes; a “comissão de partida e raia”, contava com Cláudio Serra, Hermínio Belo, Melo Fernandes e Américo Pinto; o cronista, Gentil Serra e o Diretor técnico da Regata, Arnaldo Moreira. Os dois primeiros páreos homenagearam o coronel Zenóbio da Costa, comandante da Força Pública do Estado, a Associação Maranhense de Esportes Atléticos - AMEA -, na pessoa do Dr. Waldemar Brito; o terceiro, foi em homenagem ao aniversariante do dia, o comandante Magalhães de Almeida, então governador do Maranhão; o quarto, foi em homenagem ao Capitão dos Portos, comandante Moreira Martins, com o quinto, sendo homenageado o Prefeito de São Luís, Dr. Jaime Tavares e, finalmente, no sexto páreo, o homenageado foi o major Luso Torres, comandante do 24º BC, do Exército. Dado ao êxito da manhã esportiva, cogitou-se na criação do “Clube de Regatas Atenas”, que teve como incorporadores e fundadores, os esportistas Sílvio Fonseca, José Simão da Costa, Euclides Silva, Herculano Almeida, Carlos Aragão, Dário Gusmão, Anísio Costa, Murilo Viana, Francisco Lisboa, e José Teixeira Rego. Para começar, iria se adquirir uma iole a quatro remos, medindo 11 metros de comprimento - a primeira no gênero a singrar águas maranhenses -; esperando-se que outras fossem “financiadas”. Mas o novo esporte do remo em São Luis feneceu nos anos seguintes. Fontes: Martins, Dejard Ramos. Esporte: Um Mergulho no Tempo. São Luís: Sioge, 1989 Remo no Maranhão, 1900 – 1929 Leopoldo Gil Dulcio Vaz (2005) Foto: Maranhão 1908, Gaudêncio Cunha.


HISTÓRIA(S) DO MARANHÃO


CUXI, A PORQUINHA, E A CEIA DE NATAL CERES COSTA FERNANDES Naquele tempo, meu irmão Lucas andava pelos seus cinco anos, e sua melhor amiga era uma porquinha meiga e gordinha que habitava nosso pequeno quintal citadino. Veio morar conosco quando ainda era uma bacorinha. Gulosa, vivia entrando pela casa adentro à procura de comida Não sei a que linhagem ela pertencia, mas seu Djalma carvoeiro – existia, sim, essa profissão -, dizia que ela era da raça caruncho. A sua carinha amarrotada feito a de um buldogue denunciava isso. Ora, caruncho! Como? Eu me revoltava, pois, Cuxi, esse era o nome da porquinha, tinha o pêlo negro e luzidio e não me parecia nem um pouco carunchada.. Era os quindins da garotada. Usava até laço de fita no pescoço. Atendia pelo nome e seguia Lucas, aonde ele fosse. E a coisa que Cuxi mais gostava era uma boa cócega na barriga: fechava os olhos e ronronava. Porca ronrona? Essa ronronava. Mas, os adultos, que têm olhos diferentes das crianças, perceberam que Cuxi se tornara grande demais para bichinho de estimação. O quintal era pequeno, e ela tinha livre ingresso na cozinha, onde fuçava tudo fazendo um grande estrago nos mantimentos. Era o terror da cozinheira que vivia de vassoura em punho, a expulsá-la. Que fazer com Cuxi?. Ora, aproximava-se o Natal, Cuxi estava roliça, e um porquinho assado, dourado, caramelizado, crocante, perfumado com cravos-daíndia, rodeado de farofa – quem sabe uma maçã na boca -.faria o maior sucesso na mesa da ceia. Decidiram, pois, em segredo, que Cuxi seria a grande estrela da mesa natalina. E as crianças? Ah, essas, um pouquinho de choro, e logo esquecem. Na antevéspera do grande dia deram um jeito de afastar a mim e a Lucas: Dona Edite, nossa vizinha, faria seu famoso doce de goiaba branca e aos meninos presentes seria dado o privilégio de comer as raspas da panela...Lucas voou para lá, e eu também. Ia perder essa? Enquanto isso, no quintal lá de casa, promovia-se uma verdadeira perseguição a Cuxi. Ela corria de um lado para outro, sem se deixar agarrar. Óinc! Óinc! Todos já suados e começando a cansar, quando lembraram do carinho preferido da porquinha, já agora leitoa. Era preciso coçar a sua barriga. Seu Djalma se agacha e acena para Cuxi com os gestos que prenunciavam seu prazer. Lá vem ela confiante. Deita-se e começa a ronronar. Enquanto o carvoeiro, dublê de açougueiro, coça a sua barriga, a cozinheira aplica-lhe uma segura paulada na cabeça. O que vem a seguir não preciso e nem devo contar. Mais tarde, chegamos, eu e Lucas, barriguinhas satisfeitas, e ainda pegamos a arrumação final da carnificina. Não adiantaram as explicações: porca muito grande, o quintal não comportava mais, etc, etc. O que dói mais é a traição à nossa amiga e o uso do nosso afago no ato cruel. Revoltada, grito, estrebucho, conforme meu temperamento agressivo. Lucas, mais tímido e fechado, simplesmente some. Daqui a um pouco, todos o procuram, sem achá-lo. De posse de nossos segredos, saio sem dizer nada e vou até um terreno abandonado, atrás de uma velha fábrica, perto de casa, onde era costume brincar, que crianças desses tempos não viviam engaioladas. Lá encontro meu irmão. Roupinha de casa, sentado numa pedra com uma garrafa d´água e uma lata de manteiga ao lado. Tento consolá-lo. É inútil. Diz que fugiu de casa e não voltará mais. Pergunto-lhe então o que fazia ali, com aquela garrafa e a lata de manteiga. A garrafa d´água até dava para entender, podia ter sede, mas a manteiga?...É pra passar no pão que vão me dar. Minha irmã, explica, você nunca viu que mendigos pedem pão, a gente dá, e ninguém passa manteiga neles? Aquele dia foi um dia rico de experiências. Lucas teve o seu primeiro contato com a dor de uma perda e a insensibilidade do mundo adulto. E me abriu os olhos para a importância do carinho – no caso a manteiga -, adicionado a qualquer coisa que ofereçamos a alguém por caridade, para suavizar a humilhação daquele que é obrigado a pedir. Quanto a Cuxi, foi a grande estrela da ceia natalina, muito apreciada pelo seu sabor e maciez, louvados por todos os adultos


GERÔNCIO FALCÃO - O PREFEITO DEPOSTO NA REVOLUÇÃO DE 30

KISSYAN CASTRO

Gerôncio Bezerra Falcão nasceu em Barra do Corda no dia 19 de março de 1881. Filho do cearense Manoel Ferreira de Melo Falcão e D. Jovina de Sá Forjó. Fez os primeiros estudos em Barra do Corda, no Colégio do professor Manoel Raimundo Nonato de Miranda, ao lado de Maranhão Sobrinho e seu irmão, Raimundo Leonílio Maranhão. Seguindo os passos do pai, dedicou-se desde muito cedo ao comércio, no que muito prosperou. Assim foi que, já no início do século XX, partiu para o Pará, fixando-se em São João do Araguaia, povoado que acumulara muitos dividendos com a exploração da borracha Castillaulei, popularmente conhecida como caucho.Tendo feito bons negócios, regressou ao Maranhão em 22 de abril de 1907, deixando a quantia de cinco mil réis na redação da “Pacotilha” para serem distribuídos entre os pobres[1]. Casou-se, em 22 de junho de 1907, com Adélia Moussalém Falcão, irmã de D. Oadia Moussalém Salomão, esposa do também comerciante Manoel José Salomão. Com este formará a coalizão política e econômica mais influente do primeiro quartel do século XX em Barra do Corda, tornando-se proprietários das únicas empresas de transportes fluviais da região. Teve os seguintes filhos: Maria Amélia Falcão Habibe, que fora esposa do ex-prefeito Clóvis Habibe, José Falcão, médico, Alberto Falcão, comerciante, e Elsa Falcão. Com o crescente desenvolvimento da indústria agrícola local, e, proprietário já de uma usina de beneficiar algodão, resolveu comprar em São Luís uma lancha a que chamou “Laborina”, que fazia a linha Barra do Corda–São Luís, contribuindo para o escoamento dos produtos a serem comercializados não apenas na Capital, como também entre a população ribeirinha, ao longo do percurso, levando crescimento e progresso às regiões menos desenvolvidas. Foi vice-presidente do Diretório da União Republicana Maranhense em Barra do Corda; ajudante do Procurador da República, nomeado em 1919; adjunto da Promotoria e Promotor da Justiça Federal. Exerceu o cargo de Prefeito Municipal por duas vezes, de 1916 a 1918 e de 1928 a 1930, quando chega à cidade o Maj. Euclides Maranhão, armado, invadindo sua residência, confiscando arquivos da prefeitura, exonerando-o do cargo e estabelecendo a ditadura.


Entre as muitas realizações que levou a efeito enquanto chefe do poder executivo, destacamos: do primeiro mandato, a sanção da Lei que restaurou a Comarca de Barra do Corda (Lei nº 0766 de 23.4.1917), e, do segundo mandato, a inauguração, em 8 de dezembro de 1928, da iluminação pública do município com combustores, num total de 8.700 velas[2]. Faleceu repentinamente, quando entrava em sua casa comercial, à rua Frederico Figueira, às 13h do dia 7 de novembro de 1934, aos 53 anos de idade. Pesquisa: Kissyan Castro Fontes: “Pacotilha”, de 18.mar.1930/26.jul.1930/12.set.1930, de “O Imparcial”, de 19.mar.1930/21.abr.1930, que o prefeito naquela ocasião era Gerôncio Falcão. Ele mesmo o afirma no “Notícias”, de 8.mar.1934. Foto: Acervo Casa de Cultura Prof. Galeno Edgar Brandes


LUÍS MANOEL FERNANDES

LUÍS MANOEL FERNANDES e sua esposa, ROSA CÂNDIDA

RAMSSÉS DE SOUZA SILVA

Nascido em 28 de Agosto e batizado em 30 de Agosto de 1828 na Freguesia de São João Batista, Lamares, Vila Real, Portugal. Filho de Manoel Antônio Fernandes e Luiza Maria Gaspar. Emigrou para o Brasil, onde se estabeleceu em São Luís, Maranhão, sendo comerciante de sucesso. Legitimou 3 filhos que teve ainda solteiro com Lucinda Joaquina Rosa, uma ex-escrava: Adelaide Carolina Fernandes, Luiza Adelaide Fernandes e Manoel Antônio Fernandes. Em 1887, aparece como integrante da 17a. Diretoria da Comissão da Praça, atual Associação Comercial do Maranhão. Em 14 de julho de 1877, contrai núpcias com a maranhense Rosa Cândida da Silva Cardoso de Almeida, filha do português Máximo Cardoso de Almeida, natural de Cascais, senhor de engenho e dono do navio "Rosabella". Luís Manoel Fernandes morre em 12 de Setembro de 1881, em Salvador, vitimado por beribéri. Seu corpo foi embalsamado e transladado para São Luís, onde foi sepultado no Cemitério do Gavião num jazigo fabricado pela marmoraria de Moreira Ratto, em Lisboa. Rosa Cândida está sepultada numa carneira na Capela dos Navegantes. Foi proprietário do Sítio Paraíso, no antigo Caminho Grande, atual conjunto residencial Alto Paraíso, no bairro Alemanha. Foi também membro da Maçonaria do Maranhão, sendo obreiro da Loja Maçônica Firmeza e União II. Seus paramentos foram doados por sua bisneta Rosa Machado e compõem o acervo do Museu da Maçonaria do Maranhão. Além de Rosa Machado e Maria Helena Santos, residentes em Portugal, Luís Manoel Fernandes deixou descendentes também em São Luís, alguns deles, residentes no bairro do Felipinho, proprietários do seu jazigo até os dias atuais. Acervo: Rosa Machado e Ramssés Silva


Jazigo mandado fazer em Lisboa, por Luís Manuel Fernandes, Espero que os seus restos mortais, bem como os de seu sogro, Máximo Cardoso de Almeida, lá estejam. Cemitério do Gavião, corredor central, à direita (Rosa Machado)


A SÍNDROME DA MOURA-TORTA CERES COSTA FERNANDES Se você nunca ouviu falar de Moura-Torta, sinto muito, mas nunca foi criança. Nem na infância, nem depois – aliás, tem idade para ser criança? E, em verdade, vos digo bem-aventurados aqueles que cultivam sua parte criança, pois eles jamais sofrerão de ressecamento da alma. Após ter ilustrado os leitores, volto à moura–torta. É um conto de fadas, portador de sabedoria popular, como soem serem as histórias nascidas da tradição oral e repetidas ad infinitum durante séculos, até serem registradas no papel. Recebemos, via Portugal, este saboroso conto do fabulário ibérico, onde a figura da moura como vilã é sempre recorrente, resultante da relação de amor e ódio com a mulher morena, ardente, bela e pagã (ou cristã-nova) vinda da Arábia. Afinal, foram sete séculos de convivência e luta contra a invasão árabe na Península. Resumo parte da história: uma moura velha, feia, torta, enchia seu vaso de barro em um lago. Ao inclinar-se sobre a água, vê refletida a figura de uma jovem linda e loura. Pensando tratar-se de sua própria imagem, levanta-se tomada de indignação contra o trabalho servil que é obrigada a fazer. E, zás, quebra o vaso, lançando-o ao chão, dizendo: “Uma mulher tão linda como eu não pode estar a carregar jarros de barro!” Nesse momento, ouve risadas e percebe uma moça sentada em um galho de árvore, por detrás dela. Logo compreende o engodo em que caiu: a imagem refletida no lago era da jovem. Esfumou-se seu instante de glória: pensou ser bonita, mas continua feia, e, agora, mais pobre e sem seu instrumento de trabalho. Cheia de ódio, parte para vingar-se da que lhe roubou esse instante. Esta parte basta para o desenvolvimento da nossa conversa. Quem quiser saber o resto da história, procure lê-la. Vai se deliciar com isso. Inspirada neste conto, costumo usar, no âmbito familiar, um nome para esse tipo de comportamento: “síndrome da moura-torta”. As vítimas dessa síndrome ficam entusiasmadas com seus 15 minutos de fama – que nem sempre lhe são devidos -, mudam radicalmente de comportamento e, crendo-se um ser diferente, desprezam os seus antecedentes. O triste é que, no final da história, muitos retornam à sua situação anterior em condições ainda mais precárias. Estou fazendo toda essa peroração por causa de uma notícia amplamente divulgada pela TV, há algum tempo: a catadora de lixo, Rosemary, que foi cinderela por um dia. A moça bonita foi descoberta pela equipe da emissora, à cata de assunto para aumentar o ibope, que tomou a si a tarefa de fada madrinha, transformando-a de gata borralheira em cinderela. Rosemary tomou um banho de loja, foi penteada, maquiada, frequentou restaurantes da moda, aprendeu etiqueta e tudo mais. A transformação foi radical. De moura-torta a princesa. A reportagem só não mostra o que aconteceu no “day after”, quando a carruagem virou abóbora e Rosemary teve que retornar à sua lida diária. Sempre questionei essas transformações-relâmpago. Servem para quê? Para melhorar a vida das pessoas ou apenas para elevar o índice de audiência? Há pouco tiraram umas meninas de rua e prepararam-nas para um desfile de modas. Sucesso total. A história de cinderela sempre mexeu com o emocional das pessoas. Depois de feito o auê, mídia e público, esqueceram o fato: a ninguém interessa o seguimento da história, basta o “foram felizes para sempre”. Mas, dia desses, um repórter xereta resolveu meter sua colher torta e foi atrás das “modelos”. Fez a reportagem que ninguém gostaria de ler e descobriu as meninas de volta às ruas e agora também à prostituição e às drogas. O dia de princesa torna insuportável a volta ao velho jarro de barro. Pixote, o menino pobre que ficou célebre da noite para o dia com o filme homônimo, baseado na obra de José Louzeiro, é um forte exemplo. De celebrado e mimado pela mídia, passou a desconhecido. Cresceu, perdeu a graça, outros o substituíram. A máquina de moer gente da fama não para. Não suportando o anonimato e a perda da vida regalada, derivou para a marginalidade para manter a boa vida. Perseguido pela polícia, acabou sendo morto, mal acabada a adolescência.


Oferecer aos despossuídos da sorte uma momentânea imagem de beleza para, logo em seguida, deixá-los com um jarro de barro quebrado nas mãos é perversidade e não abertura de uma possibilidade. A sugestão de mudança sem o devido suporte para garantir a sua continuidade é brincadeira criminosa com o destino das pessoas e deve ser punida. Deve-se investir na transformação oferecendo condições para o seu desenvolvimento e permanência. E, assim, tornar verdadeiro o verso do poeta inglês Keats: “Um instante de beleza é uma alegria para sempre” ( tradução livre).


HOMENAGEM AO PRIOR DO CRATO JORGE BENTO D. António, Prior do Crato (1531 –1595), era filho natural do Infante D. Luís e neto de D. Manuel I. Em 1574 assume o posto de governador da praça de Tânger, e em 1578 acompanha D. Sebastião na campanha em Marrocos. Após o desaparecimento de D. Sebastião, na batalha de Alcácer-Quibir (4 de agosto de 1578), regressa a Portugal e reclama o trono. A pretensão é negada; o país fica entregue provisoriamente ao velho cardeal D. Henrique, seu tio. Este falece a 31 de janeiro de 1580, precisamente quando as Cortes reúnem em Almeirim para designar o ocupante do trono, disputado por diversos pretendentes. Entre estes destacam-se a duquesa de Bragança (D. Catarina), Filipe II de Espanha, e D. António. Filipe II subornou os ‘grandes’ do reino com o ouro vindo das Américas, e eles (como sempre agem os possidentes!) penderam para o seu lado. D. António atrai o povo para a sua causa, à semelhança da situação vivida aquando da crise de 1383-1385. A 24 de julho de 1580 é aclamado rei de Portugal pelo povo, no castelo de Santarém. E também em Lisboa, Setúbal e em numerosos lugares. Um mês mais tarde, a 25 de agosto, as suas forças são derrotadas na batalha de Alcântara pelos espanhóis e seus cúmplices. D. António foge para o Norte, sendo perseguido até Viana do Castelo. Durante 6 meses, abriga-se em mosteiros e em casas de partidários. Em 1581 procura em vão apoio militar na Inglaterra. Em 1582 vai para a ilha Terceira, que havia tomado o seu partido. No continente e na Madeira, o poder era já exercido por Filipe II, reconhecido pelas Cortes de Tomar em 16 de abril de 1581 como Filipe I de Portugal. Chegado a Angra, D. António mandou de imediato reforçar as defesas da cidade, face à iminência de um ataque espanhol e à ação dos corsários. Na Terceira, tinha ocorrido, em 15 de julho de 1581, a primeira tentativa de desembarque dos espanhóis, dando origem à batalha da Salga, sendo os invasores completamente derrotados. Participaram nessa invasão os escritores Miguel Cervantes e Lope de Vega. Finalmente em 1583, quando D. António já não se encontrava no local, forças espanholas muito superiores logram dominar a ilha, após violentos combates. D. António exila-se então em França. Depois de alguns meses, desloca-se à Inglaterra, onde negoceia o auxílio da rainha Isabel I, visando tomar Lisboa. Ataca a capital em 3 de junho de 1589, provocando grande estrago. Porém, a armada inglesa, comandada pelo famoso almirante Francis Drake, é atingida pela peste e retira-se. D. António viu assim gorada a tentativa de tomar a cidade, de resto bem guarnecida pelos espanhóis. Parte novamente para o exílio; até à morte em Paris (26 de agosto de 1595), continuou a lutar pela restauração da independência de Portugal. O fim do domínio filipino consuma-se em 1 de dezembro de 1640, quando D. João, neto da sua prima, a duquesa D. Catarina de Bragança, é aclamado como rei D. João IV. Nesse dia glorioso, Miguel de Vasconcelos, um exemplar dos corifeus e traidores de 1580/81, sofreu a justa punição; e D. António pôde finalmente descansar em paz.


MAIS UM TERREIRO DE TERECÔ EXTINTO. RAMSSÉS DE SOUZA SILVA Genealogia Maranhense (História, Genética e Nobiliarquia)

Embora se tenha notícia que o primeiro toque de Terecô tenha acontecido em 4 de dezembro de 1794 às margens da Lagoa do Pajeleiro na zona rural de Codó. O Terecô permaneceu séculos a ser tocado na clandestinidade nas matas virgens na região dos Cocais maranhenses. O Terecô de Codó só apareceu na zona urbana da cidade por volta do final dos anos 40, com a instalação do terreiro de Euzébio Jansen no formato como temos até hoje, nos dias atuais, anexado do lado ou atrás da Casa dos seus fundadores. O terreiro do então Pai de Santo Eduardo de Dona Moura, ele Eduardo, tendo que mudar-se repentinamente para a cidade de São Paulo, ficando na liderança do seu terreiro o seu Pai Pequeno Júlio que logo ficou conhecido como Júlio de Ogum Xoroquê, assim que foi iniciado pelo próprio Eduardo no Candomblé na capital paulista. Com a ausência de ambos em Codó, assume como guia do terreiro minha tia biológica, irmã de minha mãe, Maria Filomena Muniz, chamada carinhosamente pelos os familiares e os amigos íntimos da família por "maninha fulorzinha" O terreiro era localizado no pé do Morro da televisão no bairro do São Francisco. Com a morte de maninha a 20 anos atrás o terreiro entra em decadência e atualmente se encontra extinto, suas ruínas no canto da Rua Rio de Janeiro é cortar o coração. Mais um triste episódio para a memória da religiosidade afro-codoense.


SABORES DA INFÂNCIA CERES COSTA FERNANDES O cheiro de carne-de-sol assando na brasa me devolve à casa da minha avó, em busca de um tempo perdido. E, num segundo, vêm misturar-se a este odor, outros cheiros e gostos da minha infância, trazendo com eles as figuras de vovó Adriana, D. Malvina e D. Odete Heluy, eméritas quituteiras, para sempre ligadas às minhas sensações olfato-gustativas. Além dos quitutes, me fascinava a satisfação, a quase beatitude, que emanava delas quando nos ofereciam os produtos de sua arte. De onde me vem ao bestunto a idéia de que as pessoas que gostam de cozinhar tendem a ter empatia com as que comem com grande prazer e vice-versa. Na verdade, uma precisa da outra para sentir-se realizada. Tentarei demonstrar aqui essa complexa e instrutiva tese, apresentandolhes as minhas musas das gostosuras. Musa um: vovó Adriana, pequenina e valente, cuja forte personalidade bastaria para ser lembrada, me deixou deliciosas recordações. No café da manhã de sua casa (invariavelmente com leite condensado) tínhamos, cada um dos oito netos presentes, a tigela de coalhada com o nome de cada um pintado. As torradas com manteiga, transparentes de tão delgadas, faziam par à mesa com os beijus finos e crocantes, que ela não deixava ninguém mais fazer. A sua família merecia a perfeição. Esses deliciosos beijus me trazem uma recordação dolorosa: meu pai, quando doente e inapetente – nada mais lhe sabia – os desejou no leito de hospital, pouco antes de morrer. Voltemos às amenidades, as gostosuras do café repetiam-se no lanche -, e aí ,podia também ter bolo de massa d’água. Mas o quitute máximo da minha avó era o bife de carne-de-sol. Deixo-lhes aqui a receita – embora duvide que saia gostoso como o dela: tome uma carne macia, abra-a em bifes finos e bata-os bem; pendure os bifes ao sol, por umas duas horas. Depois de ficarem bem escuros, coloque-os na grelha sobre brasas, sem outro tempero que fartas pinceladas de manteiga Real. Come-se com arroz branco quentinho e farofa torrada ou com pirão de leite. Ah, havia ainda o batidinho de carne com verduras e a farofa passada no fundo da panela preta de ferro com o restinho do molho ferrugem da carne assada. Pra comer com banana, é claro. Já velhinha, vovó não cozinhava mais, mas quando eu a visitava, ela ia, logo, carinhosamente, buscar a lata das torradas amanteigadas. Musa dois: D. Odete Heluy. Vizinha dos meus pais na rua de Santana, me introduziu no mundo das comidas árabes. Sua casa bem que podia ser o Jardim das Delícias de Omar Khayam. Quando eu escapulia para lá, já na entrada, sentia um cheiro gostoso de comida no forno inundando o ambiente. E D. Odete, sempre atarefada, fechando umas esfirras de carneiro, recheando uns quibes com castanhas, escorrendo coalhada para fazer queijo, dizia, come minha filha! E eu comia, claro. E ela me olhava com um sorriso bom. Não contente com isso, com a fartura característica dos da sua etnia, mandava bandejas para a nossa casa. Eram kaftas enroladinhos, pratos de tabule, charutos, doces com gergelim, nozes e mel. Uma loucura. E ninguém tinha medo de engordar. O padrão de beleza era a mulher curvilínea, e minha bisavó Ritinha pontificava: gordura é formosura. Lá em casa comíamos tudo com banha de porco, que era guardada em latas e tirada às colheradas para as panelas. O café era com leite gordo, pão massa grossa com manteiga Real, queijo de São Bento e bolachinhas da padaria Santa Maria. Colesterol? Triglicerídeos? Que coisas seriam estas, palavrões? A minha terceira musa já me pegou mais crescida. Aos onze, estudava em colégio interno no Rio de Janeiro e passava os fins-de-semana na casa de meu tio Alcir. Aí é que entra D. Malvina, a sogra dele. Pequenina, magrinha, parecia um passarinho. Não tinha o biótipo da quituteira, no entanto, que temperos!.. Mas quero primeiro contar do drama de D. Malvina. Vejam só, ninguém em sua casa gostava de comer: o genro sofria de úlcera, a filha comia pouquíssimo e o neto de cinco anos era inapetente como a maioria das crianças. Morto o marido, ela ficou sem ter quem comesse com gosto as bacalhoadas, os tabuleiros de empadinhas, as suas sobremesas divinas. Advinhem quem a salvou da frustração? Pois é, eu mesma. Quando chegava do colégio para o


fim-de-semana, já me esperavam as empadinhas e outras delícias. E ela sentava à mesa comigo e ficava a me olhar embevecida, enquanto eu passava do bacalhau de forno à cuca de banana e a um pudim de claras e ameixas, chamado Ilha Flutuante, todo meu. Creio que, nesse momento, eu a fazia feliz, e ela a mim. Essa empatia entre nós duas perdurou até a sua morte, mesmo quando ela não mais cozinhava. Hoje, comer só nos faz sentir culpa. Culpa por que vamos engordar e ficar abomináveis; culpa, porque estamos ingerindo venenos que vão nos trazer enfarte, derrame, velhice precoce, câncer, gota, artrite, titela caída e arca aberta e, o pior de tudo, culpa porque, enquanto nos abarrotamos, há muita gente que não tem o que comer. Tomando um café descafeínado com adoçante e leite ralo desnatado, roendo um biscoito de fibra com gosto de serragem, fecho os olhos, penso nas minhas musas e tento recuperar os cheiros e gostos da minha infância.


O ESPIRITO DE NATAL (De natais pré-COVID) CERES COSTA FERNANDES O calendário –forma tão exata de marcar o desenrolar de nossas vidas – faz sucederem-se, repetitivos e inexoráveis: Ano Novo, Carnaval, Semana Santa, Dia da Mães, Dia dos Pais, Semana da Pátria, Finados e Natal, dentre os mais votados, a lembrar que mais um ano passou. E, tão rapidinho que, se não fosse o dito cujo, nem perceberíamos a passagem dos fatídicos 365 ou 366 dias E haja máscaras para afivelar aos nossos rostos na obrigação de estar de acordo com cada ocasião: hoje é dia de estar alegre e confraternizar, amanhã é dia de chorar os mortos ou de acender o sentimento patriótico, que anda meio apagado. Liga. Desliga. Ah, meu Deus, será que, inadvertida, coloquei a máscara trocada? A propaganda das lojas nos vem preparando para o Natal, buzinando nos nossos ouvidos a contagem regressiva: faltam “apenas” 90, 60, 30, 15... zero dias para o Natal Além de o ano passar correndo, ainda querem adiantar os eventos. E eu que ainda nem me recuperei das despesas das festas de fim de ano de 2015... Sejamos francos, para a maioria, em que consiste a festa de Natal? É para festejar o nascimento de Cristo ou a chegada de Papai Noel? Façamos uma enquete entre as crianças sobre o assunto e veremos que esta última opção ganha de goleada. No Ano Novo, repetem-se as falácias de confraternização e resoluções de vida nova. Recebemos abraços apertados de pessoas sorridentes que se mordem por dentro e nos morderiam se pudessem; enganamos a nós mesmos com promessas de mudanças mais vãs que aquelas feitas pelos homens quando pretendem as primícias dos favores de uma mulher. O tal espírito natalino, alguém o viu por aí? Se ele for encontrado, deve estar participando de algum "amigo invisível", trocando presentes de 1,99, a se empanturrar de peru com farofa, presunto tender, frutas secas, acompanhadas de vinho barato - pra acordar com uma tremenda azia no dia 25. E a festa familiar do Natal? Nas casas nas quais ainda se cultua o nascimento, fazem breves orações, em outras nem isso. Mas, em ambas, o foco são os presentes e a ceia que se inicia. Lá estamos nós, cheios de uma alegria ensaiada, um ano mais gordos, a comer pavê, em meio àquela decoração anglo-saxônica, equilibrando debaixo do braço mais um presente que nunca vamos usar. E, de repente, na sobremesa sorridente, o bocado engasga. Circulamos o olhar e sentimos a ausência de uma ou mais pessoas queridas, companheiras de tantos natais ensaiados e tantos anos novos sem graça. Um magote de infantes familiares, correndo como que perseguidos por demônios, tromba conosco, pondo em perigo a estabilidade de nosso pavê. A irritação herodiana, que quer assomar, desfaz-se ao vermo-nos reproduzidos naquele menino de bochechas coradas e cabelo repartido, assentado à força com gel ou naquela menina encapetada, que já tirou os sapatos e as meias e cuja ponta do laço do cabelo pende desmanchada em cima do nariz. Uma onda de ternura vinda de recordações gratas desce-nos pela garganta desmanchando o nó. E pensamos: vai ver que os natais-e-anos-novos-sem-graça-passados não eram tão sem graça assim. Discretamente pigarreamos, pra disfarçar que estamos emocionados, e, de esguelha, vemos o safado do espírito de Natal passar sorrindo, já curado do pifão. Alguma coisa boa nos invade, acho que é o tal sentimento de beatitude. Com a alma bailarina, nas pontas dos pés, de sapatilhas e tudo, descobrimos que a robotização do nosso ser não está completa. Há uma brecha que resiste e se alarga, um pouquinho mais, em cada um desses eventos repetitivos, para voltar a encolher nos outros dias do ano. E, assim, bendizemos Cristo por ter nascido, reinar entre nós, e 2017 por chegar. É, deve ser por essa razão que ainda fazemos calendários


DA BANALIZAÇÃO DO MEDO Ceres Costa Fernandes Quando em Beirute, a chamada Paris do Oriente-Médio, no final da década de 70 à de 90, do século passado, os bombardeios estilhaçavam os belos e milenares monumentos e balas de fuzil zuniam em suas ruas, só por ter o Líbano, um destino semelhante ao da Polônia, ponto de passagem entre nações maiores e em perpétua beligerância, nós, aqui na província, tiritávamos de medo ao acompanhar as reportagens em imprecisas imagens de TV, a esperar o estouro, quem sabe da terceira guerra mundial, que calculávamos seguisse o modelo das anteriores. Víamos, também, casais bem vestidos, jovens ou maduros a frequentar cafés e casas noturnas como se nada anormal estivesse acontecendo. Isso nos interessava sobremaneira pelos bons amigos de famílias oriundas do Líbano, que os temos aqui em grande número e qualidade. Como seria isso possível? E chegamos à conclusão que os cuidados das gentes e a vida reclusa não resistem a conflitos contínuos. Outra lembrança, esta em preto-e-branco: crianças vietnamitas, de túnicas claras, sapatos de madeira, em fila indiana, mãozinhas dadas, caminhando rumo à escola. Seria uma cena comum, se não estivessem todas usando enorme chapéu cone, feito de forte e dura fibra trançada, que lhes ensombrava os pequenos rostos. São para protegê-las de estilhaços de granadas, diz o texto abaixo da foto. Podemos imaginar criancinhas se expondo a estilhaços do que quer que seja para estudar? Em cena, imagens da minha ardente imaginação de menina viciada em livros, o Vesúvio, soltando cinzas e fumaça, e os habitantes de Pompeia e Herculano nos mercados, em almoços, resistindo a deixar propriedades e valores, enquanto se aproximava a catástrofe, desacreditada por eles. Nos relatos de Plínio, O Moço, muitos dos que acreditaram no perigo conseguiram refugiar-se em vilas próximas, antes do estrondo fatal. Corte para 2020, número cabalístico, ano em que todas as coisas, a partir de março, quando começa realmente o ano no Brasil, foram sendo adiadas para o mês seguinte: em abril faremos compras; em junho reabriremos as escolas; em julho, quem sabe, voltaremos a viajar; está melhorando, poderemos reabrir o negócio; em agosto, ainda não teremos aulas, talvez em setembro. E o encontro de família para outubro, ora dezembro com certeza... Réveillon, carnaval adiado. Em janeiro, seremos felizes? Lá pelos idos de outubro, a agressividade do Corinavírus19 dá um respiro, nós, os portadores de comorbidades, maiores de 60 com algum juízo que permanecemos em distanciamento social, cativos dentro de nossas casas, privados de todo o convívio físico, exultamos e, sentindo-nos mais seguros, emergimos e nos atrevemos a pequenas audácias, tais como tomar um café em uma casa de chá ao ar livre, voltar, timidamente aos shoppings, mascarados e munidos de álcool em gel, receber e visitar a família, sem abraços. Enquanto isso, outros que tais, como manada após aberta a porteira, desandaram a festejar com se fossem os seus últimos dias sobre a Terra. Aglomerações, festas do bagaço com grandes esfregaesfrega, nada mais importa. E o vírus volta a atacar. Ressalvamos os trabalhadores que não podem evitar os ônibus lotados, as filas, os pequenos empresários que trabalham para o sustento próprio e alheio. Vítimas da manada. A vacina, onde está a VACINA? Talvez em fevereiro, ou maio. Julho? Até o final de 2021 estaremos todos vacinados? Ou será 2021 outro ano que não acontecerá? Enquanto isso, estamos menos para o perigo enfrentado com certas cautelas, como o souberam fazer com as crianças daquela aldeia vietnamita, do que para o frenesi suicida que acometeu Pompeia ou para o desfastio indiferente dos habitantes da Beirute devastada pela guerra civil. cerescfernandes@gmail.com.br


NAVEGANDO COM JORGE OLIMPIO BENTO A consagração do direito a uma vida digna, realizada no caminho de perseguição da felicidade, implica a presença acrescida do desporto, a renovação das suas múltiplas práticas e do seu sentido. Sendo a quantidade e qualidade do tempo dedicado ao cultivo do ócio criativo (do qual o desporto é parte) o padrão aferidor do estado de desenvolvimento da civilização e de uma sociedade, podemos afirmar, com base em dados objetivos, que nos encontramos numa era de acentuada regressão civilizacional. Este caminho, que leva ao abismo, tem que ser invertido urgentemente.


FAUSTO: UMA METÁFORA DOS DILEMAS ATUAIS Durante séculos, desde a antiga Grécia até ao século XIX, Prometeu serviu como símbolo inspirador da Civilização e da Humanidade. Representava o princípio do bem e o progresso libertador da opressão do mal, da ignorância e do obscurantismo. O corajoso filho do titã Jápeto afrontou os deuses e roubou-lhes, para doar aos humanos, o fogo do espírito, as artes, a linguagem e as técnicas. E sofreu duras penas pela ingente façanha. O avanço da Modernidade apeou Prometeu da sua função icónica. Esta foi entregue a Frankenstein, que passa a figurar como referência da sociedade industrial e da aspiração a divindade criadora de uma nova humanidade, através da ciência e tecnologia. A rebelião do homem contra a natureza e da criatura contra o criador engendrou ficções científicas e tecnológicas, que hoje se apresentam como uma mescla de ingenuidade e inovação, de curiosidade e leviandade, propensas a ocasionar o desastre e a queda no abismo. Tornamo-nos aprendizes de feiticeiros, incapazes de controlar o feitiço criado, causador dos problemas centrais da era pós-industrial. Requer-se, pois, uma profunda reflexão acerca das pontes entre a nossa ânsia de poder e as leis da natureza, entre a nossa frágil humanidade e a invasão e apoderamento do nosso ser pela máquina, entre a observância dos limites e a ambição de omnipotência, entre contemplação e hiperagitação, entre a aquisição lenta do saber e a pressa da eficiência, entre a predisposição para a egolatria e a assunção de responsabilidades, entre o finito e o infinito, o tangível e o intangível. Pedem resposta urgente questões sintetizadas nestas perguntas: Para onde vamos? Até onde queremos e podemos ir? Johann Wolfgang Goethe (1749-1832) anteviu os dilemas cruciais e trágicos da nossa era; configurou-os na fascinante obra ‘Fausto’, de cuja elaboração se ocupou durante sessenta anos (1772-1831). Fausto é um génio, tão sequioso de vida plena, de realização absoluta, de quebrar as amarras da finitude, de escapar ao contingente e ocupar o palco do mundo, que não hesita em vender a alma ao diabo (Mefistófeles), visando lograr o seu intento. Obviamente, para atrair Fausto à sua rede e o reduzir a homúnculo, Mefistófeles não assume a figura de diabo, mas a de um sedutor companheiro de aventuras e viagens, com forma esteticamente refinada, que se vai entranhando instintiva e paulatinamente na presa. Tal e qual como a insinuante máquina pós-industrial, semelhante a um mito realizado e ao alcance da nossa mão, que não levanta a suspeita de ser a invenção a controlar o inventor. Porém, com o passar dos anos, Fausto dá-se conta de que a plenitude da vida reside no enfrentamento dos inebriamentos, das tentações, provas e ciladas que Mefistófeles lhe apronta. Pouco a pouco, toma consciência das ambivalências e inquietudes, da tensão permanente entre o frenesim e a volúpia do gozo passageiro e o desejo de ascender a algo duradoiro e perene, no qual se reconheça e sinta de bem consigo próprio. Este impasse de Fausto é o dos dias atuais, de uma existência maquinal, eivada de convulsão, esquizofrenia e excitação incontidas; e sem aroma, paragem, meditação, serenidade, paz e tranquilidade. Para aproveitar e sobrelevar o estado de máquina, ou seja, o homúnculo de Frankenstein, é necessário avivar e acender o Prometeu, que mora dentro de nós, com a chama do ócio criativo, fomentador de necessidades e atividades qualitativas e performativas, do cultivo da beleza, da convivialidade e espiritualidade, do aprimoramento gestual e moral, interior e exterior, ético e cívico. Isto implica encarar e praticar a ciência com a atitude de missão e humildade, que lhe é peculiar, indagando o que é investigável e respeitando o misterioso, não como fim em si mesma, mas como meio de conferir novos horizontes e sentidos à vida, e de alargar as margens da admiração e compreensão humana, de si e do universo. A fórmula e a via desta reabilitação são similares àquelas a que Fausto, chegado à velhice e cego, recorreu para driblar os ardis satânicos de Mefistófeles, superar o desassossego e a nostalgia,


recuperar a alma e alcançar a salvação eterna: a entrega ao amor e paixão pelo Outro, a empreendimentos de filantropia ecológica e social, drenando pântanos e possibilitando, assim, a milhões de pessoas arar, plantar e colher os frutos da felicidade em campos verdes e férteis. Eis a Cidade da Humanidade, edificada em terreno limpo e habitada por gente livre! A metáfora é evidente: ninguém se salva sozinho, a salvação é coletiva e solidária. Como na Arca de Noé, salvamo-nos conjuntamente, seres humanos e não humanos, os animais e as plantas, a natureza e a sociedade. Salvamo-nos, se deitarmos fora a competitividade e hostilidade agressivas e feias; e, no lugar delas, implantarmos os padrões da verdade e bondade, da estética, da emotividade cativante e da flexibilidade tolerante. Se não ficarmos reféns do aventesma científicotecnológico de Frankenstein, vazio de poética e sensibilidade, fechado na sua proveta e incapaz de abertura e doação, de amar e ser amado, e que se aproveita das sombras do crepúsculo para trair o pai criador. Salvamo-nos, se a ele sobrepusermos o sopro de Prometeu, feito de beleza e sabedoria, de luz e magia, de dias ensolarados e noites de lua-cheia, de galáxias estreladas, de utopias e paisagens oníricas, de equilíbrio, harmonia e rigor, de grandezas unificadoras do espírito do Homem e da Natureza, e constituintes de uma vida deslumbrante. Se disto fizermos a nossa Casa Comum.

DA FELICIDADE E DO CRESCIMENTO DO PIB A Modernidade proclamou o direito universal à felicidade, e a garantia de condições propícias à busca individual da mesma. Após esse, outros direitos tiveram a consagração constitucional e deram origem a programas políticos de estruturação da sociedade, visando supostamente realizar aquele fim. Todos os anos são publicados relatórios e rankings de países, mostrando os índices de satisfação com a vida, em paralelo com o crescimento do PIB. Os dados revelam que a satisfação aumenta com a eliminação das várias formas da pobreza, da injustiça e da corrupção, mas não sobe automaticamente com a acumulação da riqueza. Os bens cruciais para a felicidade (amor e amizade, cuidar dos entes queridos, ajudar os vizinhos e concidadãos, o reconhecimento e a estima dos colegas de profissão, a proteção contra a afronta, o desrespeito e a humilhação), alerta Zygmunt Bauman (‘A Arte da Vida’), não são ‘comercializáveis’ ou ‘negociáveis’. Não estão à venda nas lojas, ao lado dos produtos milagrosos para as depressões e os desvarios da insanidade neoliberal. Ou seja, não figuram no rol dos artigos apreciados pelos edis do mercado. Bauman recorda, a propósito, o ataque lançado por Robert Kennedy, em 18.03.1968, no auge da candidatura a presidente dos EUA, contra a mentira da avaliação da felicidade mediante o PIB ou PNB. Eis uma passagem: “Ele inclui a produção de napalm, de armas nucleares e dos veículos armados usados pela polícia para reprimir a desordem urbana. Ele regista (…) programas de televisão que glorificam a violência para vender brinquedos a crianças. Por outro lado, o PNB não observa a saúde dos nossos filhos, a qualidade da nossa educação ou a alegria dos nossos jogos. Não mede a beleza da nossa poesia e a solidez dos nossos casamentos. Não se preocupa em avaliar a qualidade dos nossos debates políticos e a integridade dos nossos representantes. Não considera a nossa coragem, sabedoria e cultura. Nada diz sobre a nossa compaixão e dedicação ao nosso país. Em resumo, o PNB mede tudo, menos o que faz a vida valer a pena.” Robert Kennedy foi assassinado em 05.06.1968, depois de anunciar um programa de restauração das coisas importantes para a vida. Se ressuscitasse, veria que o mercado goza de autoestradas reais, abertas para roubar felicidade e sentido à existência. Quem sabe, seria novamente morto, se reincidisse na denúncia! Hoje continua em alta a lengalenga da necessidade de ‘crescer’, ‘crescer’, ‘crescer’. De que crescimento se trata? Há mesmo necessidade de ‘crescer’ economicamente? Quais os benefícios disso? À custa do quê e de quem? É tempo de parar esta corrida louca, de repensar o caminho percorrido e a percorrer, de nos tornarmos mestres da arte de viver. O mundo grita por uma nova economia, que tire da gaveta a bandeira da felicidade, e balize com ela o trajeto existencial, o trato inter-humano e o uso da natureza extrínseca e intrínseca.


DA CORAGEM Sem ela, de pouco valem a vontade e as outras virtudes. Sendo necessária em todos os tempos, nesta era, de senso comum e falta de apego à procura e afirmação da verdade, a precisão dela é ingente. Constitui a alavanca para quebrar as amarras do conformismo e oportunismo, o acicate para correr o risco de ser personagem atípico nestes dias de demissão e entrega. Somente com o seu arrimo podemos estar verdadeiramente vivos, cultivar obrigações, memórias e sonhos, despejar chuva benfazeja na aridez axiológica, reacender a chama da espiritualidade e da sagração transcendente. É ela que permite avançar, ao colo da dor e nos braços da esperança, pelas plagas da inquietude cruciante, onde a vida respira em noites e dias de pasmo e em alvoradas de espanto. É dela que tem pavor a besta neoliberal, arrasadora do sentido da existência.

CARTAS À UNIVERSIDADE “Todas as cartas de amor são / Ridículas. / Não seriam cartas de amor se não fossem / Ridículas./ Também escrevi em meu tempo cartas de amor,/ Como as outras, / Ridículas. / As cartas de amor, se há amor, / Têm de ser/ Ridículas. / Mas, afinal, / Só as criaturas que nunca escreveram / Cartas de amor/ É que são / Ridículas. / Quem me dera no tempo em que escrevia / Sem dar por isso/ Cartas de amor / Ridículas.” Álvaro de Campos CARTA PRIMEIRA: POR CAUSA DO AMOR Estou ciente de que não gostas de cartas. Desaprendeste de as escrever e ler. Aprecias mais os ‘papers’; estes não são exigentes no tocante à observância de regras gramaticais e de padrões estéticos, nem é preciso um vocabulário extenso para os redigir. Também sei que não aprecias os velhos. São uns chatos; citam nomes e livros antigos, e falam uma linguagem que te custa a entender. O pior é que fazem isto de propósito, pelo menos assim parece, para te chatear e causar fastio. Têm a mania de invocar coisas arcaicas e carcomidas pela poeira do tempo; nomeiam princípios, sentimentos e valores gastos e ultrapassados, sem préstimo para orientar o presente. O que é isso de ‘amizade’ e ‘fraternidade’, de ‘comunidade’ e ‘convivialidade’, de ‘partilha’, de ‘compromissos’ e ‘projetos comuns’?! Essa joça passou à história. Mas não desisto de ti. Por muito que te sintas incomodada, vou enviar-te uma série de cartas de amor. Não te rias! Nós, os idosos, podemos perder a capacidade de realizar a função, mas amamos cada vez mais com os olhos e o coração. Devias até estar orgulhosa da nossa conduta, porquanto te honramos e não deixamos ficar mal. Sim, não negamos a ciência e a formação intelectual e racional, nem fazemos a apologia da ignorância. Por exemplo, nunca publiquei no Facebook textos a afirmar que o Covid-19 é invenção de interesses obscuros, e outras atoardas. Olha que isto não é de somenos importância. Devias encarar a hipótese de tirar o diploma e o lugar a gente ‘tua’ (mestres, doutores, professores e editores de revistas) que procede assim. Ela é fontela inquinada de descrédito, de desonra e vergonha para ti. Tu não te importas?! Não te abespinhes, pois, com as missivas que vou enviar. São uma prova do quanto te quero. Lê, com atenção, as palavras; não censures e deturpes a intenção que as inspira e determina. CARTA SEGUNDA: AINDA EXISTE A UNIVERSIDADE? Para início de conversa poderia invocar o famoso pregão de Ortega y Gasset (1883-1955): “Eu sou eu e as minhas circunstâncias; se as não salvo a elas, não me salvo a mim.” O ilustre pensador é autor de um livro que continua atualíssimo e te convinha ler: ‘Missão da Universidade’. Todavia, vou proceder a outra proclamação, aparentemente dissonante na forma, mas idêntica na substância: a universidade não tem que


salvar o mundo, tem que se salvar a ela! Porquê? Caiu e apodrece na teia que as circunstâncias lhe armaram. Enamorou-se delas e, assim, perde-se e ajuda a perder o entorno. A partir da década de 80 do século passado, o ensino superior entrou em crise profunda, ocasionada por agendas político-económicas. Os efeitos da dominação da economia pela finança e da política por ambas são assaz visíveis no campo académico. Chamemos as coisas pelo nome: o ultraliberalismo assentou arraiais na organização e orientação dos cursos, da investigação, da burocracia e de tudo. Na universidade tão bem avaliada pelos rankings e ufana de ‘start-ups’, ‘spin-offs’ e ‘patentes’, o livre debate de ideias (não o de ‘achismos’!) encontra-se desincentivado. Quem o cultivar torna-se marginal ao sistema, não é premiado. Desta forma, o ‘produtivismo’ é uma mistificação: multiplica o idêntico, oprime e tritura o diferente e divergente.[1] Ainda pode a universidade contemporânea ser chamada ‘Universidade’? Não, não pode; é uma escola técnica. É por isso que escrevo, em minúsculo, a letra inicial do teu nome. Vejo definhada a razão para continuar a usar a letra maiúscula. Olha-te ao espelho, retira os cremes e vernizes, repara bem na tua figura. Seria bom, se sentisses vontade de fugir do que vês refletido na imagem, e agisses em conformidade. Percebes o que escrevi? Não precisas de ir ao dicionário; recorre ao saber que ainda resta dentro de ti. [1] Byung-Chul Han, no ensaio ‘A Expulsão do Outro’ (Editora Relógio D’Água), caracteriza assim o teor do produtivismo em voga na universidade: “A proliferação do idêntico faz-se passar por crescimento. Mas, a partir de um determinado momento, a produção já não é produtiva, mas destrutiva...”

CARTA TERCEIRA: HORA DA VERDADE Este é o tempo perfeito para mostrares o que vales, para fazeres escolhas e dizeres qual é o teu lado. E para medir a confiança que pode ser investida em ti. Por duas razões: há uma densa circulação de fanatismo, manipulação e mentiras em curso; e não é pequena a onda de angústia, penúria e sofrimento que atinge a maioria das pessoas, acarretando perda da esperança em si mesmas, na sociedade e na democracia, no presente e futuro do país e do mundo. Porque não sais afoita a terreiro com assertivas e inequívocas declarações e tomadas de partido sobre os anseios que inquietam a Nação e a Humanidade? Não ouves o crepitar das labaredas? Não te assustam? Perdeste o pio? Dispões, pois, de uma oportunidade ideal para comprovar a tua valia. Mas para isso não servem subterfúgios, como o ‘decálogo’ divulgado pelos magníficos reitores, há algumas semanas. Aquilo é um ramalhete de floreados inócuos e despidos de autenticidade dos propósitos e desideratos. Ninguém de bom senso cai na esparrela de semelhantes jogos de ilusionismo. Porém teve um mérito: na tentativa de dissimular o desassossego, pô-lo a nu, embora contorne a questão do mal que te corrói as vísceras: preferes a ‘instrução’ e ‘funcionalização’ à ‘Formação’, abjuras e tomas esta por adversária dos teus intentos, desvairados no meu entender. Hoje fico por aqui. A missiva é curta, porém pletórica de recados, requerentes de tempo para ser mastigados e digeridos. Amanhã compensarei a contenção e poupança destas linhas. Prometo que não serei forreta.



CARTA QUARTA: DA NEGAÇÃO E TRAIÇÃO DAS OBRIGAÇÕES Nos dias maus, volto-me para Deus e pergunto, como Florbela Espanca (1894-1930): “Diz-me, por que não nasci igual aos outros, sem dúvidas, sem desejos de impossível?” Nos dias bons, penso exatamente o contrário, coleciono inquietudes e desejos; gosto de me medir com o impossível, como diria Miguel Torga (1907-1995). Hoje é um dia bom: um dia igual aos outros, agitado por desafios morais. Pronuncio-os, num tom relativamente agreste, nada ponderado. Isso deve-se ao facto de não apreciar falinhas mansas, cumprimentos e salamaleques balofos, gente indiferente e hostil para os fracos, subserviente e lambe-botas dos fortes. Não contes comigo para te escrever louvaminhas candidatas a prémios e prebendas. Estou cada vez mais inclinado para o estilo maçador e panfletário. Que hei de fazer? Não consigo esquecer Immanuel Kant! Venho refrescar-te a memória, para ver se avivas a consciência. De tanto te deitares em cama alheia, esqueceste quem és. Talvez até nem reconheças a fisionomia, mesmo que seja espetada diante dos teus olhos. És um Narciso; não tiras a vista da água. Tens a incumbência de cultivar e elevar o nível intelectual da sociedade, bem como de supervisionar os caminhos seguidos por ela. Para tanto és, por definição, uma instituição livre, autónoma e independente, acima de qualquer tutela ideológica ou credo religioso. Hoje faltas clamorosamente a tal obrigação e abdicas do estatuto. Estás abaixo e acuada, domada e submissa, serventuária de corporações, interesses e lóbis ilegítimos. Falas a língua e usas os adereços que albardam e aparelham o mundo. Ademais, sendo poucos os académicos que excedem a permissão da lei, a maioria deles faz muito menos do que a axiologia e a ética exigem. Que nome se dá a isto, minha querida? Não sejas demasiado severa; aplica tão-somente os termos corretos para designar a involução. Presta atenção! Na história da universidade não são parcos os capítulos de negação e traição. Queres exemplos? A Universidade de Berlim, criada por Wilhelm von Humboldt (1767-1835) para servir de padrão da Universidade da Modernidade e para irradiar a luz da ‘Formação’ (Bildung), acomodou-se mais tarde no colo do nazismo e tornou-se um ninho parideiro de quadros nazis. Também temos mazelas caseiras! O Marquês de Pombal decidiu, em 1763, abolir a distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos, acabar com práticas de estigmatização dos primeiros e ordenar a supressão das referências àquela diferenciação nos estatutos e livros de confrarias, concelhos municipais, ofícios públicos, escolas e da universidade. A decisão foi implementada, mas arrostou fortes protestos. Não maginas de quem foi um deles: da Universidade de Coimbra! O passado de traição das Universidades exige, pois, vigilância. Nas últimas décadas tens caminhado para um destino trágico. Cuidado, o hábito faz o monge! Porque não anulas e mudas de rumo?! CARTA QUINTA: DO SER ‘POLITÉCNICO’ Venho falar-te das origens, esquecidas ou ignoradas. És herdeira da Escola ‘Politécnica’, avessa ao levantamento de muros entre a ciência e as artes. Estas fecundam aquela e tudo quanto é criação; e contribuem para derrubar a estultice, para ligar o inseparável, para mostrar a ciência incluída na ‘Politecnia’, na ‘Paideia’ e ‘Arété’. Tens noção do significado de ‘Politecnia’? No Renascimento e nos períodos áureos do Humanismo e do Iluminismo designava-se ‘politécnico’ o indivíduo que, fiel à etimologia do termo, cultivava uma pluralidade de ‘técnicas’ (com o sentido grego de ‘techné’): a anatomia, astronomia, caligrafia, filosofia, geologia, literatura, música, poesia, pintura, equitação, esgrima, dança, enfim, as artes performativas do espírito e do corpo. O sujeito ‘politécnico’ era amante do que está ínsito no conceito de ‘Universidade’: da beleza e da claridade, ativamente empenhado no aperfeiçoamento intelectual e moral, espiritual e corporal, de


sentimentos, atitudes e gestos nobres, universalista, liberto de preconceitos e aberto ao mundo, não murado psicológica e cognitivamente. Hoje o significado do vocábulo está adulterado. É prisioneiro da pobreza simbólica e da ‘tecnicização do mundo’, prenunciada por Martin Heidegger (‘Ser e Tempo’). Ambas montam e encorajam a besta da incultura, da frivolidade e da leviandade; o conjunto é a mais grave ameaça que se abate sobre a Universidade e a Humanidade. São configurações da ‘politecnia’ os formadores e os formandos? Pões as mãos no fogo pela totalidade? Imaginas-te um alfobre de cientistas e ‘inteligentes’. Deviam ser os mais espirituais e transparentes dos humanos, porquanto a inteligência não é matéria. Alguns são escuros, da cor do ‘pantrampismo’ e oportunismo. É mister que desconfiemos deles; não medem os estragos que causam. Seguem os cavaleiros de antanho, que usavam a espada apenas como adorno pendurado na cintura. Fazem o mesmo à palavra; mantêm-na guardada a sete chaves; jamais a empunham e brandem contra a iniquidade. Não gostas que te escarrapachem a verdade na cara: trocaste a formação de quadros ‘politécnicos’ pela diplomação de sujeitos incultos! Fazes de conta que não percebes: na ementa da casa o prato principal é a ‘instrução funcionalizante’. Estás em perda de estrelas no Guia Michelin! Por este andar, não demoras a ficar sem nenhuma. Quem te avisa… CARTA SEXTA: NECESSIDADE DE EXAME GERAL Precisas de fazer um exame geral ao estado da saúde intelectual. É urgente! A tecnociência tomou conta das nossas vidas, de um modo avassalador, a tal ponto que as luzes da cultura, da erudição e da poética, das ‘coisas vagas’ (no dizer de Paul Valéry), se vão apagando, pouco a pouco. Paira no ar o negrume das cinzas, do desalento e do pasmo. A Modernidade e o Iluminismo foram a enterrar; e está proibida qualquer forma de transcendência da realidade e banalidade quotidianas. Na universidade e noutras instâncias, agências e fundações de avaliação, de acreditação e financiamento dos docentes, dos cursos e da investigação, medram ambientes, visões, orientações e regulamentos desvalorizadores e penalizadores dos epistemólogos, dos intelectuais e pensadores. De todos os lados surgem conselhos e vozeirões a dizer aos académicos que, não obstante os gritos e pedidos de socorro oriundos do putrefacto estado do mundo, não devem entregar-se à busca da beleza e do encantamento, à denúncia e rejeição do grotesco. Regrides e aceitas, sem contestação, a imposição do credo único. Tornas-te trituradora da intelectualidade. O engessamento e a falta de respiração das ideias são evidentes. Há demasiada presunção e vanidade, e escassa inquietude; muita gente fechada na redoma das certezas, e pouca aberta à indagação e ao mistério. Ora, o Ser Humano desponta da noção de que pouco ou nada sabe, da visão de incompletude e finitude, da inatingível mas desafiante perfeição. E não é isto que hoje predomina no teu perímetro. Os avanços são assinaláveis no campo do conhecimento das coisas físicas, gerando um contentamento justificado, que devia ser temperado e sublimado. Olvidas que só o natural é passível de verificação empírica. O sagrado, sobrenatural, fantástico, sublime, magnífico, ‘divino’, isto é, o ‘superior’ escapa a tal avaliação; mas existe! E tu propendes a desconsiderá-lo; definha, a olhos vistos, a preocupação de enaltecer esse aspeto. Basta consultar os planos de estudo e o cardápio de objetivos e competências, ponderar a extensão e o peso das matérias atinentes, para registar o destrato e desfazer ilusões. Abandonaste, paulatinamente, essa frente. Apesar do avolumar dos alertas, não se vislumbram sinais de correção do caminho. A generalidade dos discursos oficiais e oficiosos não passa de mero exercício de retórica, estéril de consequências. O que diria Albert Einstein se voltasse ao teu palco? Para ele o sentido do misterioso era a mais profunda e sublime experiência do Ser Humano, e igualmente o princípio básico de todo o


empreendimento sério em arte e ciência. A ausência dessa experiência e da necessidade dela é típica de alguém, se não morto, pelo menos cego. Desculpa a franqueza e radicalidade do diagnóstico. Talvez assim te comovas e aceites a recomendação inicial desta missiva. Não deixes, enquanto é tempo, que as metástases alastrem no teu corpo. Parafraseando Lídia Jorge, não abandones ao relento a forma mais impressiva de falar para o interior daquilo a que, à falta de melhor designação, chamamos alma.

CARTA SÉTIMA: DIVÓRCIO DA TRANSCENDÊNCIA Impeço a carta de hoje com uma citação de Marcel Proust (1871-1922): “A viagem da descoberta consiste não em achar novas paisagens, mas em ver com novos olhos.” És, por vocação, morada da Blimunda e do Sete-Sóis, estaleiro da Passarola e anfiteatro da metafísica. Porém esta transmutou-se; contenta-se com o desvão às escuras, sem curiosidade para captar a maravilha existente por detrás do empiricamente provado, e para cuja compreensão este podia abrir portas e funcionar como intermediário. Eis a deprimente conclusão: a autossatisfação e a soberba emparedaram a inquietação! Aquilo que apregoas e valorizas na avaliação dos méritos e labores dos teus membros expõe a vastidão da perda. Progrides, por um lado, e retrocedes, por outro. Não dás o justo lugar ao transcendente, ampliador da relevância e do significado, e conferidor de mais-valia ao transcendido, à boa, útil e ‘religiosa’ ciência que realizas e prescreve como Ser Humano e decente no relacionamento com os outros e o mundo. Para estares sob os holofotes, nas bocas e na ribalta do firmamento, abandonas o exigido e exigente cultivo da espiritualidade e intelectualidade. O que é um paradoxo e induz a queda na absurdidade e o resvalar para a inutilidade. Decretaste a morte da transcendência; o ‘Processo de Bolonha’ desfaz as dúvidas a esse respeito. Quando será que dirigentes e docentes vão confessar ‘mea culpa’? Os lídimos cientistas filiam a ciência na arte e casam ambas no esforço incessante de nos mostrar limitações e vulnerabilidades, de abeirar das impossibilidades, de encaminhar para o enriquecimento da estesia e da saudade daquilo que ansiamos, ou seja, para a celebração dionisíaca da vida. A Ciência, a Arte e a Poesia são irmãs-gémeas, pertencem à busca imaginativa, malgradro estarem ligadas a distintos domínios do conhecimento. Nenhuma é inferior ou vassala da outra. Os teoremas de Newton, a Vénus de Milo, os poemas de Fernando Pessoa e de outros vates cumprem a mesma missão. O fervor mercadológico não cede espaço a idílios, para ‘pensar fora da caixa’, cantar à chuva, pintar e exaltar o belo, denunciar a fealdade e injustiça. Contudo, precisamos da arte, como de oxigénio, de sol, de flores, frutos, músicas e danças. A ciência pode chegar além da pele, aos ossos e às entranhas, mas não determina a nossa essência. Hoje como sempre, a arte constitui fonte da ilusão e esta da felicidade; e é na aparência que se derramam a claridade e luminosidade capazes de balizar o Humano e de enraizar a ‘essência’. Pois é, tu devias ser um estádio olímpico com a pira prometeica sempre acesa. Ao invés, são mais os dias em que o clarão da razão está apagado e não vês a substância, sita por debaixo da aparência. Andas inebriada numa dança de fogos fátuos, que confundes com o arco-íris. Queres manter o fogo do espírito, mas falta-te e deitas fora a lenha para fazer essa fogueira. É isto que te compraz?! CARTA OITAVA: NEM TUDO O QUE RELUZ É OURO! Muito gostas da imitação e cópia simiescas da ‘novidade’, sobretudo a trazida de fora, não importando de onde! É um vício atávico. Não descansas enquanto não descartas o antigo. Achas que tudo o que reluz é ouro, mas não é.


Lê com atenção a avaliação de Delfim Santos (1907-1966), teu ex-aluno: “Nunca fui tão consciente da insuficiência da nossa Universidade como quando frequentei e trabalhei na Universidade de Viena, Berlim e Cambridge. Cheguei então à conclusão de que, relativamente às nossas, eram essas escolas paradoxalmente antiquadas, isto é, que nelas se conservava muito do que entre nós se destruíra e que valia muito mais do que a estrutura aparentemente renovadora imposta desde o século XVIII. Muito do que se destruiu terá que ser refeito, e destruído muito do que não merece conservar-se, embora mais moderno cronologicamente, mas antiquado relativamente aos valores humanos que a universidade tem por missão cultivar e favorecer.” Ficaste incomodada com o depoimento? Não é caso para isso; é antes para reinstalar o que indevidamente aboliste, efetuar uma limpeza e alijar a sujidade. Ser reconhecida aquém e alémfronteiras exige que entendas o significado do que és: uma instituição ‘semper reformanda’, nunca acabada. Presta atenção às palavras de Leon Tolstoi (1828-1910): “Se queres alcançar o universal, começa por pintar a tua aldeia.” Apetecia-me contar-te cenas ilustrativas da deplorável ‘pedagogia’ da intimidação, da censura e do amedrontamento, que ocorre nas tuas salas. Elas circulam por aí e não são raridade. Todavia, não estás disponível para as ler; sacodes a água do capote. Poupo-te ao desagrado e desconforto. Conheço de ginjeira os teus arcanos; nada em ti é surpreendente. Estamos em 2020, não em 1973! Vejo-te resignada, indiferente à advertência de Honoré de Balzac (1799-1850) de que “a resignação é um suicídio quotidiano.” Cuida da forma, da tua e da nossa, que é a ocupação principal da civilização. Acompanha os atletas de eleição, os meticulosos processos de treino que suportam, os ingentes trabalhos de Hércules em que se metem, para merecer o honroso selo de Homo Viator e Performator. ‘Forma-te’, refunda-te, substitui as roupas relhas e gastas, desbotadas e esmaecidas, deita-as fora, reveste-te de formas chamativas, pintadas com as cores da inconclusa procura do esplendor da Verdade. O teu edifício será então belo e resplandecente. CARTA NONA: CUIDA DE HONRAR OS LEMAS FUNDADORES! Acordei aziago, decidido a perturbar-te com a lembrança de umas quantas velharias. Para quê? Para não te entregares ao desleixo, seres ciosa de aprumo e asseio, poderes passear na rua sem receio de alvejamento com ovos estragados. “Libertas perfundet omnia luce – a liberdade ilumina todas as coisas.” Estás obrigada a este mandamento! Acresce o que foi estabelecido por Wilhelm von Humboldt: “Primado da verdade sobre a utilidade.” E aqueloutro inscrito na frontaria da Universidade de Heidelberg: “Ao espírito vivo.” Estes princípios e lemas estão moribundos, se é que não os enterraste já. Em seu lugar, salta aos olhos o seguinte: • Subjugação aos interesses ultraliberais e à lógica do mercado, acarretando perda de autonomia, burocratização, pauperização e proletarização dos docentes. • Substituição da ‘formação’ por instrução. • Abandono da visão humanista e da reflexão filosófica. • Menosprezo do pensamento e da razão. • Deslustre dos títulos e graus académicos, resultante do onzeneiro Processo de Bolonha: valem cada vez menos, cultural, social e economicamente. A dura realidade desdiz o engano ledo e quedo que persistes em difundir. Sim, perdeste o amor pelos tradicionais emblemas; estes não são mais intocáveis e caros. Obviamente, é reconfortante ler a divisa da Faculty of Education, Kasetsart University, Bangkok: “To educate graduate who are striven for intellectual competence and moral excelence – formar graduados que se esforcem por atingir competência intelectual e excelência moral.” Infelizmente, este é um distintivo do qual te afastas a passos largos.


Como sabes, o défice de seriedade moral supera e origina o financeiro; tende para uma desordem existencial, que convida a achar tudo ‘normal’ e a encolher os ombros. O investimento no progresso científico e tecnológico é de aplaudir. Mas precisamos, quiçá mais, de investir no progresso consciencial, cívico, ético, estético e comportamental. Não constitui isto um assunto estratégico? Não são da tua alçada a pronunciação sobre o tema e a intervenção no respetivo campo? Porque te manténs calada e ausente dele, como o diabo da cruz? Não desconheces qual é a doença do mundo; e não contribuis para a debelar pela raiz. Adoras os paliativos! Estes rendem chorudos dividendos e linhas de pesquisa que não se cansam de reproduzir o ululante e sobejamente conhecido. Destarte a enfermidade não sofre o mínimo abalo e prossegue a saga, e tu acumulas ganhos. És espertalhona! Não continues a atirar areia para os olhos e a poluir o ar com cantilenas de treta. O rei vai nu! Cresce o número dos que se apercebem disso e veem os teus podres à mostra. Não queres que os aponte? Ordenas que tome cicuta e abra as veias dos pulsos? Como se fosses Nero, e eu Séneca! CARTA DÉCIMA: ONDE METESTE AS CAUSAS E UTOPIAS? Albergas a representação intemporal da divina comédia. Os atores mudam. As causas caducam, outras surgem para preencher o vácuo e suscitar o empenhamento. Ora, pareces desinteressada de querer ser um habitat propício ao plantio de utopias iconoclastas, do cultural e humanisticamente sólido e duradoiro, do esteticamente belo e sublime, do eticamente edificante e irrepreensível. Subvertida pelo economês e financês, a ‘sabedoria’, que exalas, só retém o que não vale a pena. Desta forma coadjuvas na instauração da ‘idade das multidões’, obliteradora da individualidade, entendida como capacidade de julgamento racional. Sim, demites-te da formação de identidades e individualidades. Finges ignorar que não se herdam; são obra do caráter e das escolhas porfiadas e transpiradas entre as ofertas da caminhada, da sorte ou do acaso. Dedicas-te à produção em série de ‘mentalidades infantilizadas’ e ‘menorizadas’, de ‘subjetividades abstratas’, frágeis e ocas de conteúdo substancial e simbólico. Vendes gato por lebre, um amplo ror de promessas fantasiosas e delirantes; todos podem ser e ter a rodos o que queiram congeminar: astros e estrelas cintilantes, artistas, empresários, inovadores, investigadores etc., com sucesso pleno e garantido. A tara da ‘sucessoína’ deixa-os à mercê da manipulação sem escrúpulos. Podias e devias ser o local ideal de florescimento e frutificação do ‘Humanismo secular’, fundado na razão crítica, visando respostas para as questões humanas mais importantes e prementes. Porém faltas à obrigação; tens como infrene paixão as três pragas, que Friedrich Nietzsche (1844-1900) tanto deplorava na sua época: ‘Moment’ (momento), ‘Meinungen’(opiniões) e ‘Moden’ (modas). Vagueias ao sabor dessa epidemia, entregue a uma litania sintonizada com os cânones, as bulas, cantatas e receitas da doutrina neoliberal. Afinas pelo diapasão das estratégias de comunicação, que modelam as mentes para a abulia e aceitação passiva do que lhes é imposto. Estás convertida em ‘centro contabilístico’, em ‘empresa econometrista’ (hipermercado) do ‘hic et nunc’, de créditos e ‘saberes’ contáveis, efémeros, facilmente descartáveis e substituíveis, dispensadores das aulas e do estudo do livro. É precisa e fulminante a apreciação de Edgar Morin: a Universidade está a sofrer uma “pressão superadaptativa que força a conformar o ensino e a pesquisa às demandas económicas, técnicas, administrativas do momento, a se conformar aos últimos métodos, às últimas receitas no mercado, a reduzir o ensino geral, a marginalizar a cultura humanista. Ora, sempre na vida e na história, a superadaptação a condições dadas foi, não signo de vitalidade, mas anúncio de senilidade e morte, pela perda da substância inventiva e criadora.” Admito que os termos desta carta são excessivos e exagerados. O ‘excesso’é um dos traços do humano. E o exagero é germe e método de aprendizagem, mediante o choque que provoca. Não


pretendo tirar-te o sono; aflige-me que te afundes e percas nele, nas distopias e vielas que não deverias seguir. Acorda, escuta o repicar do sino da cultura! CARTA DÉCIMA PRIMEIRA: NOÇÃO DA ‘FORMAÇÃO’ ADOTADA A toda a hora enches a boca e atroas os ouvidos com a propaganda de que ofereces uma ‘formação de excelência’. Estás mesmo convencida disso? Não é mais uma proclamação desmentida pelos factos? A aspiração de ‘formar’não é soterrada pela encomenda de ‘funcionalizar’? Que conceito de ‘formação’adotaste e consomes? Até um míope consegue enxergar! O lema ‘time is money’ invadiu e conspurcou o ‘locus’ universitário. Aceitaste ser estruturada para laborar em velocidade acelerada e fabricar, o mais rapidamente possível, ninhadas de quadros. Transformada em ‘escola-turbo’, encaras os estudantes como ‘sprinters’. Transmites-lhes o conhecimento e ‘cultura’ (?!) convenientes para a ‘ordem’ mercadológica vigente e não para a sua sólida formação humana. Deprecias o que tem fins para além do lucro e requer muito tempo. Cortas os laços entre cultura ou formação e política; a despolitização dos jovens está bem à vista, com sequelas terríveis para a sociedade. Digo sem papas na língua, a ‘formação’ em vigor é ‘hemiplégica’; arremeda a finalidade primeira da ‘Formação’: a autonomia, autodeterminação e emancipação do sujeito e o uso da razão (bitolas caras a Kant e outros Iluministas). A ‘Formação’ foi substituída por má instrução, prenhe de entendimento utilitarista, inspirada nos concursos televisivos, na banalidade e na perversa habituação à eliminação e exclusão. Vivemos em ‘dieta de formação’. Impera a ‘formação bulimista’, reflexo desta era volátil, inconstante e mesquinha, marcada por monolitismo, palidez e paralisia do pensamento, pela inépcia e inibição de questionar o real e os poderes factuais, de exercer e exercitar a consciência crítica, de ver e aceitar como familiar a Outridade, o diverso e estranho, de lobrigar contornos e pormenores. Enfim, não se respira o espírito da liberdade. Deste rápido sobrevoo extraio e ponho à tua consideração ‘perguntas inquietantes’: Que formação almejas para a jovem geração? Que projeção de Homem tens em mente? A tua opção é a ‘personalização’ ou a ‘reificação’, a ‘qualificação’ou a ‘degradação’ das pessoas a coisas, a entes moralmente irresponsáveis? Conformas-te ao rebaixamento a escola técnico-profissional? Não leves a mal, mas até duvido se percebes o interrogatório e sabes usar o raciocínio lógico para responder. Por conseguinte atrevo-me a dar-te explicações; são gratuitas! A ‘Formação’ subentende a capacidade para diferenciar, distinguir, qualificar, valorar coisas e factos. A ‘instrução’ vê tudo igual, como um alcoólico a quem todas as bebidas sabem ao mesmo, conquanto contenham álcool. A instrução instituída é uma contrafação, eivada de ‘anorexia ética’, precisamente o contrário do que este tempo carece como de pão para a boca. Daniel Goeudevert não podia ser mais incisivo na acusação: “A instrução (graduação académica) sem formação leva ao conhecimento sem consciência.” Julgas-te afrontada, mas é a verdade. Estamos a viver um período de ‘moral perdida’ e desmoralização. O mundo está sem bússola moral; o grito por socorro não ressoa dentro das tuas escolas. Porque é que não aderes a um modelo formativo voltado para acudir ao naufrágio? A versão de instrução, que praticas, quiçá sem dares conta, formata criaturas gordas e obesas de informações superficiais, magras e esqueléticas de lucidez, sabedoria, humanidade, inquietude e transcendência. Tudo isto se traduz em: • Esvaziamento do cerne humanista e iluminista da formação. • Animosidade contra a espiritualidade e a erudição. • Aprisionamento e imbecilização da mente. Afinal, o feitiço volta-se contra o feiticeiro: atinge em cheio a tua integridade. A sentença de Abel Salazar mantém a validade. Não sentes o soco no estômago? Perdão por me ter alongado em redundâncias; a didática autorizou a violação da regra!


CARTA DÉCIMA SEGUNDA: ‘LÓGICA’ OU MENTALIDADE DE FÁBRICA Retomo a carta de ontem. Já ia longa; se lhe acrescentasse uma belga, poderias invocar um motivo para não a ler. Portanto, venho dar continuidade à conversa. Esta era parece apostada em impor a prevalência do ‘homo faber’ e ‘eficiens’ sobre todas as outras facetas do Humano. Os indivíduos nascem, crescem e são ‘educados’ como máquinas robotizadas. O tempo para a criatividade, espiritualidade, convivialidade e o ócio criativo experimenta uma acentuada recessão. E isto acontece até nas instituições ditas ‘melhores’ (como gostas de te classificar e gabar). Para te picar, recordo a afirmação de Mark Twain (1835-1910): “Para aqueles que têm apenas um martelo como ferramenta, todos os problemas parecem pregos.” Isto não te sussurra nada? A ‘instrução’, que patrocinas, promove o ‘recurso humano’ (que horrível designação!), exautora a Pessoa e favorece a obediência cega. Assegura o aplaudido e ‘recomendável’ entontecimento no interesse da ‘funcionalidade’. Logo, carecemos de uma ‘Formação’ que contrarie este envenenamento e danificação, e tenha como estrela de marear: • Ver o mundo com outros olhos. • Tomar decisões fundamentadas, assumir responsabilidade. • Questionar o sentido das coisas e dos factos. • Reforçar a substância da personalidade. • Capacitar a pessoa para estabelecer uma ordem consigo e com o mundo. • Fomentar a empatia, solidariedade e preocupação com a alteridade. • Firmar a paz com a Natureza. • Servir de fermento da coragem para dizer NÃO. • Encorajar a reclamar ‘matérias’ que elidam a indigência espiritual e estimulem o progresso intelectual e moral. Necessitamos de uma ‘Formação’ que atenda a imploração de Eckhart von Hochheim (c. 1260 - c. 1327): ‘Deus, livrai-me de deus!’ Isto é, que livre dos deuses menores e rasteiros agora venerados. Claro, a formação humanista não é tudo; no vazio dela tudo é nada. O ‘achismo’, o ‘se calhar’ e a ‘obesidade mental’ sentam-se na tua mesa-de-jantar, e não medes as consequências. No teu seio há gente mais atafulhada de preconceitos do que hidratos de carbono, intoxicada de lugares-comuns, de estereótipos, juízos apressados, pensamentos tacanhos e slogans ao sabor da onda. Muitos opinam sobre tudo; não conhecem e tampouco sabem nada. A cultura é espezinhada. Sem ela não há ‘política’, comprometimento com o fado e devir da Pólis. Como afirmado em carta anterior, a despolitização da juventude é teia urdida para gerar a sociedade perdida. Há nisto exagero da minha parte? Não hesites em desmontar a injúria, em propiciar-me a oportunidade de emendar a mão. Serei lesto a expressar gratidão.

CARTA DÉCIMA TERCEIRA: DESAFIOS E REFLEXÕES IRRECUSÁVEIS “Às instituições científicas cabe a responsabilidade pelo enriquecimento da cultura moral da nação”, proclamou Wilhelm von Humboldt. Não discordas, pois não?! Prepara-te então para o que vem. Henri-Louis Bergson (1859-1941) disse o óbvio: “O olho vê apenas o que a mente está preparada para compreender.” A este lembrete junta-se o reparo de Bernardo Teixeira de Carvalho, escritor brasileiro: “A gente só enxerga o que está preparada para ver.”


Como não sentir desencanto com a miopia, que veiculas, com a cegueira face a um estilo de vida dominado pela obsessão da instantaneidade?! ‘Formar’ é, no dizer de Jean Guitton (1901-1999), tornar os indivíduos “mais aptos para a profissão de Homem”. Segundo o sociólogo Alain Touraine, o seu fito é o de preparar “indivíduos dissidentes”, que estranham e inquirem a sua cultura ideológica e buscam a transformação da situação. Por isso cabe interrogar-te: estás a formar os estudantes para a liberdade, a dignidade e a felicidade, traves-mestras da condição humana? Não andas a formatar, como escreveria Max Weber (1864-1920), “especialistas sem espírito, sensualistas sem coração”?! Tomo por boa e estimulante resposta o dito de Jules Renard (1864-1900): “O homem livre é aquele que não receia ir até ao fim da sua razão.“ Abusando da tua paciência, recomendo que atentes neste excerto das ‘Propostas do Serviço Nacional da Pastoral do Ensino Superior’, formuladas em Fátima em 27.03.2012: “Reiteramos a necessidade de não excluir do ensino a dimensão humana, ética e axiológica, porque corre-se o risco de um ensino exclusivamente técnico, perdendo a força ontológica do próprio ensino - ser superior no sentido crítico, intelectual e espiritual.” Entendes as ilações desta propositura? Se não ofereceres um ensino com elevado teor crítico, intelectual e espiritual, então ele não é ‘superior’; é inferior, e tu uma criatura do mesmo jaez! Não desprezes o agudo alerta do Papa Bento XVI, lançado no ‘Encontro com Jovens Professores Universitários’ (Madrid, 19.08.2011): “Às vezes pensa-se que a missão dum professor universitário seja hoje, exclusivamente, a de formar profissionais competentes e eficientes que satisfaçam as exigências laborais de cada período concreto. Diz-se também que a única coisa que se deve privilegiar, na presente conjuntura, é a capacitação meramente técnica. Sem dúvida, prospera na atualidade esta visão utilitarista da educação mesmo universitária, difundida especialmente a partir de âmbitos extrauniversitários. Contudo vós, que vivestes como eu a Universidade e que a viveis agora como docentes, sentis certamente o anseio de algo mais elevado que corresponda a todas as dimensões que constituem o homem. Como se sabe, quando a mera utilidade e o pragmatismo imediato se erigem como critério principal, os danos podem ser dramáticos: desde os abusos duma ciência que não reconhece limites para além de si mesma, até ao totalitarismo político que se reanima facilmente quando é eliminada toda a referência superior ao mero cálculo de poder. Ao invés, a genuína ideia de universidade é que nos preserva precisamente desta visão reducionista e distorcida do humano. Com efeito, a universidade foi, e deve continuar sendo, a casa onde se busca a verdade própria da pessoa humana.” Não ponho mais na carta de hoje. Ela leva matéria de sobra para te desafiar. Cuida de a ler várias vezes, da frente para trás e do final para o começo. Far-te-á bem, se a soberba não oprimir a humildade. CARTA DÉCIMA QUARTA: ACORDA DA DORMÊNCIA! Andas a diplomar papagaios, tagarelas e caixas-de-ressonância das aldrabices e onzenas ultraliberais. Duvidas disso? Então ouve o que falam, lê o que escrevem e observa o que fazem! É cria tua a súcia de vigaristas (políticos, economistas, magistrados, advogados, comentadores, jornalistas, etc.) que realiza negócios sujos, destrói bancos, enxameia e delapida a Nação. Não poucos alcoviteiros, caloteiros, farsantes, javardos e lapantins exibem diplomas concedidos por ti! Conheço de cor e salteado a máxima ‘quod natura non dat, Salamantica nos praestat’ ou ‘o que a família não dá, Coimbra não acrescenta’. Ela não iliba o fingimento e o lavar-as-mãos de Pilatos. Tens a estrita obrigação de habilitar e qualificar quadros propensos a abordar e lançar um olhar limpo e lúcido sobre as nojices do mundo. Não, não estou a colocar a fasquia num plano utópico! Respaldo-me em Michelangelo Buonarroti (1475-1564): “O nosso maior risco não é que as nossas aspirações sejam demasiado altas e não as consigamos concretizar, mas que sejam demasiado baixas e as alcancemos.” Não defendo o regresso do passado, nem pretendo carpir lágrimas por ele. Porém é necessário aprofundar e construir outra ‘ágora’. É imperiosa uma remissão discursiva e prática de normativos


cívicos, éticos e estéticos, que balizem a evolução do mundo e dos sujeitos e restrinjam a ‘subjugação técnica’, mercantilista e contabilística. Volto sempre ao tema da ‘Formação’. Não serve a que está em vigor. Se almejas ser um credível protagonista da mudança, opta por outra que interpele a realidade e indique patamares de excelsitude; e enraíze o apreço por obras supratemporais, inacabadas e permanentes. Quais os seus pilares? · Uma ‘revolução axiológica’ e ‘investida ética’, orientadas para a compaixão ou paixão pela Humanidade e pelo Outro, avessas ao estigma, à humilhação e à hipocrisia da caridade. • O reconhecimento da necessidade de ‘superação e transcendência’, de abertura e disponibilidade para a admiração, a altura, a contemplação, a espiritualidade, a ‘arte’, a criação, a estética, a excelência, a ‘performance’, o encantamento, o empolgamento, o espanto, o ilimitado, o integral, o sagrado, o supramundano. Tens o dever irrecusável de enfrentar os apologistas de um mercado desumanizado que te apouca e perverte, transforma paradigmas em ‘paradogmas’ e substitui a razão pela teologia e a lucidez pela aberração. É dificultosa e penosa a tarefa? Inspira-te no mineiro Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas): “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.” Não tens desassombro e arrojo para defrontar os reptos hodiernos? Pede auxílio a Millôr Fernandes (1923-2012): “Nunca tive medo, gente /Se onde há perigo /Alguém vai na minha frente.” À tua frente refulgem causas, ideais e princípios. Não os vês, tropeçaste no esquecimento. E olvidas que a ‘ambrosia’é o alimento dos deuses, e a ‘liberdade’ o sustento do Ser Humano. Isto não são penduricalhos! Os sujeitos livres não têm a consciência à venda, nem a boca afeita à mordaça. Atenta no testemunho do imperador Júlio César (101-44 a.C.): “Os cobardes morrem muitas vezes antes de morrerem de facto.” Apenas vive quem ousa viver contra a corrente. Estás viva de facto ou já morreste antecipadamente no conceito de quem te rodeia? Responde, por favor, sem manigâncias e rodeios!

CARTA DÉCIMA QUINTA: DO ‘MAGNÍFICO’ REITOR Esta epístola é longa. Vais despender meia-hora na leitura. Será perda de tempo?! Não antecipes o desfecho e enfado; guarda-os para o final. In illo tempore, o dirigente máximo da Universidade era o Reitor, eleito por uma vasta assembleia, representativa de todos os corpos da academia. Agora a universidade tem o Conselho Geral (mais o Conselho de Curadores), integrado por conselheiros afins a senhores feudais; ele nomeia o reitor à maneira do CEO de uma empresa. O escolhido presta vassalagem a quem o escolhe; quiçá, pertence ao clã. Isto obriga-me a falar-te da espécie extinta, do seu perfil. Qual o intuito de mexer no passado e agitar a memória? Confio na tua perspicácia. Um Reitor é servidor incondicional da grei. Não encara os ‘hilotas’ como números de um ficheiro Excel, mirrados de alma e vontade. Não fala o linguajar pervertido (excelência, competitividade, eficiência, etc.), nem anseia controlar tudo e todos com o cetro de rei de um inferno burocrático. Se não estivesse com a Universidade, estaria ao serviço do quê e de quem? Acede ao cargo pela porta das causas intrínsecas, não para submeter a alma mater a ditames extrínsecos. Um Reitor lidera individualidades autênticas e frontais (é suposto que assim sejam os académicos). Evita que as divergências gerem conflitualidade e faz delas janelas abertas para ampliar os horizontes. Quer-se ‘magnífico’ na mestria do diálogo, das diferenças e da colegialidade, de maneira tão natural como é a de respirar. A Universidade é instituição amalgamada pela passagem dos tempos. Portanto espera-se que não confunda melhoria com mudança, que se solte da eventual ânsia reformista e deite fora a arrogante


tentação de mudar tudo. Ele é eleito para outro fim. Para que a comunidade académica escreva e adicione mais um capítulo feliz à história, e corporize, no mais alto grau, a aristocracia de valores de que é depositária. Isto só é possível com a mobilização e a valorização dos obreiros. O Reitor é primus inter pares. É em orquestra que se entretecem, tocam e cantam as peças, óperas e sinfonias da sublimidade. ‘Magnífico Reitor’ é uma personalidade sintonizada com a comunidade académica. Fala por ela e para fora dela, sobre as consumições da Sociedade e da Humanidade. É um ‘intelectual’ fidedigno, na aceção de Foucault, Bourdieu, Zygmunt Bauman e de tantos que os antecederam. Para isso não tem que dominar os autores clássicos, modernos e contemporâneos, embora tenha muitíssimo a ganhar e nada a perder com eles. Mas tem que beber nessa nascente e honrar o legado civilizacional e humanista, outorgado à Universidade. Para o ofício de Reitor são imprescindíveis convicções bem alicerçadas, para que o barco não ande ao sabor das marés. Dele exige-se que use o humilde ponto de interrogação, em vez das bazófias. Que elabore o relatório da Universidade não só com a enumeração de publicações e outras coisas (por mais relevantes que sejam), mas sobretudo com o modo como nela se vive: a harmonia, a justiça, o empenhamento e as relações humanas que nela reinam, a democracia que nela se pratica. Para tanto, ocupa-se com a criação de um clima de ‘honestidade alimentar’ e ‘elementar’, propício à frutificação da cultura do estar-bem, expressa pela prevalência da cooperação sobre a rivalidade, das atitudes morais sobre a imoralidade, da confiança e a emulação sobre a desconfiança e anulação do outro, da doação sobre a egolatria, da ação coletiva sobre o agir isolado, dos fins institucionais sobre as fixações individuais, do desenvolvimento sobre o arcaísmo, da realização pessoal sobre a falácia e frieza da eficácia. Um ‘Magnífico’ Reitor defende a autonomia e a independência da Universidade face a qualquer potentado, príncipe, magnata, igreja, seita ou corporação. Não para a fechar sobre si mesma, mas para observar o inalienável imperativo de intervir e agir na apologia do bem público. Defende-a dos agentes do empobrecimento espiritual e intelectual, da alienação e escravidão do espírito e da vida. Afirma-a como acrópole da ‘arété’. É pertinente sublinhar que a Universidade do Porto tem no logotipo a imagem de Minerva. Isto não é um ‘pormenor’! Pelo contrário, constitui um quadro de obrigações. Hegel (1770-1831) situa a função da filosofia no mito da coruja de Minerva, cujas asas abrem e levantam voo ao entardecer, ao lusco-fusco, quando a escuridão, o desespero e a desídia invadem a mente e o coração das pessoas. Logo, o magistério do Reitor tem que avocar e revigorar a missão de alumiar nas densas e medonhas noites de breu. A universidade (com letra minúscula), para legitimar o uso da grafia maiúscula, precisa de repor um Reitor apto a ver a neblina e cerração em que vegeta, sensível à urgência de eleger outra via. Precisa de um Reitor dotado de verbo certeiro e possante, ao serviço da preservação da Universidade como entidade cuidadora da Comunidade Universal, obrigada a denunciar o aviltamento e descaso a que esta é sujeita. Um Reitor não nasce feito, nem vai pronto para a função. Faz-se, aprendendo a ser um genuíno ‘pontífice’, construtor de pontes que ponham pessoas e áreas em contacto, sem concessões às combinações e máscaras da falsidade. Fiel às insígnias da honorabilidade, pastoreia a academia com atitudes de desprendimento e simplicidade. Se assim atuar, encontrará a paga na satisfação do dever cumprido, conforme apontou Shakespeare (1564-1616): “Bem pago está quem por satisfeito se dá”.E como anunciou o Padre António Vieira (1608-1697) no Sermão da Terceira Quarta-Feira da Quaresma, pregado no ano de 1669: “Quem fez o que devia, devia o que fez: e ninguém espere paga de pagar o que deve. Se servi, se pelejei, se trabalhei, se venci, fiz o que devia ao rei, fiz o que devia à Pátria, fiz o que me devia a mim mesmo: e quem se desempenhou de tamanhas dívidas, não há de esperar outra paga.” Conheci vários Reitores ‘Magníficos’; e lidei de perto com alguns. Percebes de loiça? Eles eram porcelana da Vista Alegre! No entretanto foram ostracizados. O molde do fabrico está abandonado num vão de escada ou esquecido no poeirento e bafiento sótão de um museu. Se o trouxeres de volta, terás um ganho incalculável: receberás mil por um!


CARTA DÉCIMA SEXTA: SAUDADE DO FUTURO A grande deusa lusíada é a saudade. Não do pretérito, mas do que há de vir. “O futuro é a aurora do passado”, proclamou Teixeira de Pascoaes (1877-1952). Para onde te levam os ventos desta era? Que fará de ti o grande escultor que é o tempo? Creio que continua a haver em ti bom senso; mas anda escondido, com medo do senso-comum. Não me sinto bem com o rumo que te impuseram e aceitas impavidamente, como se a rota seguida não tivesse nada de ruim. Não seria sensato abrirmos o Livro do Desassossego, mesmo sabendo que “há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer”? Isto pede correspondência nas determinações e ações. São a qualidade, a alma, a paixão e a emoção dos professores que fazem a diferença na habilitação dos estudantes. Tais grandezas não se medem; sentem-se. Os números não servem para avaliar a função e a proficiência pedagógicas. Liberta-te da insensibilidade e insanidade dos burocratas, contabilistas e gestores que se instalaram na cabine do comando e matam, nos docentes, discentes e funcionários, os genes da dedicação, motivação, inovação e criatividade. Coloca no centro da agenda as questões do ensino e da formação. O balanço, por mais que desejasse, não logra ser risonho. Ele constitui o hemograma do inconformismo obrigatório e do pessimismo realista no tocante ao antes, ao agora e ao porvir. Recorro a Miguel Torga (Diário VII) para o fundamentar: “É fatal nesta pobre terra começarmos todos por ser revolucionários e acabarmos todos em académicos (…) Cada geração que chega vem, naturalmente, possessa de desígnios subversivos. Mas como daí a pouco tempo verifica que também ela não fez nada, que falhou, que envelheceu, acomoda-se e põe-se a justificar o que a princípio combatia. Mudam-se os sinais aos manifestos de outrora, e os ímpetos juvenis passam a mesuras senis.” Eis a descrição perfeita, tecida como luva, da atitude prevalecente numa larga fatia do povo universitário! Sócrates (ca. 469-399 a.C.), o filósofo da maiêutica, afirmou que não ensinamos nada a outrem; o melhor que conseguimos é tentar ensiná-lo a pensar. A isso acrescentou que a vida sem reflexão não vale a pena ser vivida. Sublinhe-se que uma vida refletida não é pera doce; é um fruto colhido por poucos. Essa tarefa dignificante da docência é impossível de ser cumprida por quem não sabe, nem gosta de pensar. Tal e qual como confiar à raposa a guarda do galinheiro! A aversão à reflexão, ao pensar e compreender, e a recusa em ver a forca, erguida à sua frente, são confrangedoras e fechadas à esperança de ressurreição. A academia inclina-se mais para a cumplicidade do silêncio e omissão do que para o protesto e intervenção. Não se afigura disponível para erguer o pendão das exigências e da responsabilização. Prefere ser distraída e entretida. O deixa-andar e a espera de um salvador expressam a conduta interiorizada. Para desgraça geral, a ‘coisa’ está feia, o céu carregado de nuvens e o sol encoberto. Não há luz no horizonte! Annah Arendt (1906-1975) acusa e corta com fio de espada: “Em nome de interesses pessoais muitos abdicam do pensamento crítico (…) Abdicar de pensar também é crime.” Os académicos estão obrigados à responsabilidade social. Porquê? Porque, assevera Noam Chomsky, têm condições para denunciar as maquinações, mentiras e intenções ocultas dos governantes e poderosos. Do que se trata? É deveras simples! Não devem imitar Mefistófeles, celebrar pactos com o diabo, renunciar a nobres sentimentos (amor, compaixão, solidariedade, tolerância), assistir quedos e mudos à incubação da serpente do mal, aceitar o exercício efémero do poder terreno e a danação eterna, a satisfação de ambições a qualquer preço, incluindo a queda nos tenebrosos abismos da perdição. Tinha atravessada na garganta esta espinha; acabei de a retirar. Alivei o coração e a alma, e desobriguei a consciência. Disse-te o que vejo, com toda a franqueza. Sinto-me apaziguado e tranquilo. Semeio as mágoas no vento de dezembro, para que as espalhe e delas floresçam camélias. Quem sabe, Jano trará um 2021 com cara auspiciosa!


Não deites fora estas cartas. Peço-te que pares e reflitas um pouco. Se o fizeres, mesmo que não me respondas, o intento valeu a pena. CARTA FINAL: VOTOS DE DESPEDIDA Chegou a hora de encerrar o namoro. Colocamo-lo entre parêntesis, por umas semanas; havemos de o retomar, quando o desejo seja irreprimível. A paixão cala-se, porém nunca morre; o mesmo não pode dizer a razão. Podia silenciar e lucrar com a cobardice; ao longo da carreira não fui capaz de adquirir essa competência. Como Florbela Espanca, “trago no olhar visões extraordinárias, de coisas que abracei de olhos fechados.” Isto compromete-me até ao tutano, não consente que atire para debaixo do tapete o aviso de Cornelius Castoriadis (1922-1997): “É preciso escolher: ou descansamos ou somos livres.” E muito menos o de Michel de Montaigne, 1533-1592): “A cobardia é mãe da crueldade.” Sabes o que te desejo? Que sejas ‘UniverCidade’, interveniente e com posições claras, partilhadas e públicas sobre as agruras e o destino da Pólis, da Cidade, da Sociedade e do Mundo. Queria que cumprisses o desígnio delineado por Raquel Varela: “Tempos houve em que a Igreja ocupava o lugar central das cidades. Hoje esse lugar é ocupado por um banco. Espero que um dia seja ocupado por uma universidade (…) A palavra escola tem a sua origem na palavra ócio, que para os gregos era o contrário de negócio. Ócio não era preguiça, era tempo de reflexão (…) Uma universidade – e este é o âmago da questão – não pode ser uma instituição que produz a formação da força de trabalho para o mercado. Ela é uma instituição de contrapoderes, seja à Igreja, ao Estado, aos partidos ou ao mercado. A sua função – temos que quebrar este tabu – não é adaptarse ‘ao que o mercado necessita’. O mercado, ou seja, a forma como hoje vivemos, produzimos e reproduzimos a sociedade, é que tem de vir com urgência à universidade para ser criticado, no lugar onde se produz conhecimento, onde se questiona o óbvio, onde se desafia, com coragem, o senso comum.” Vou concluir. Peço só mais um poucochinho da tua atenção! Moveu-me a intenção de discorrer à volta de assuntos multipolares, que se agigantam e ressoam, sobremaneira, no fundo das minhas apreensões. Perdi-me no trajeto da exposição, não atingi a meta da assertividade clarividente. Desculpa, remove o acessório e secundário, concentra-te no essencial e fundamental! Isto não é querer-te mal, pois não?! Continuo teimosamente enamorado de ti. És capaz de alcançar muito além e acima do lugar onde estás, do papel que andas a desempenhar. Lembrei-te os erros, porque são um tesouro; a confissão e a decantação deles acrescem o haver. Isso é propriedade de quem se reconhece falível e imperfeito. Tu existes para sobrepujar o chão, para iluminar a rasura com o clarão da altura. Fica bem, confortada e estimulada pelo avisado conselho de Marco Aurélio (121-180): “Nada de desgosto, nem de desânimo; se acabas de fracassar, recomeça.” E pelo suave remate de Álvaro de Campos: “Talvez, acabando, comeces…”

DO ANTICONFORMISMO OBRIGATÓRIO Sim, a sociedade atual é muito melhor do que há 100 anos. Todavia, não esgotou a possibilidade e necessidade de ser melhorada. Sim, os humanos têm limitações inatas, mas também dispõem de aptidões de melhoria ilimitada do seu saber e conduta. Sim, o ‘paraíso’ capitalista trouxe acréscimo de bens; porém está pejado de agudos problemas, de indecências, indignidades e injustiças inaceitáveis. Sim, a democracia é o melhor de todos os regimes; contudo está longe de ter conseguido a configuração real correspondente ao ideal. Não é vaca sagrada ou entidade conclusa, fechada à discussão. Todas as suas instituições são aperfeiçoáveis.


Sim, ainda não logramos criar um modelo de organização e governo da comunidade que concretize, de maneira harmoniosa, as profundas aspirações da maioria dos cidadãos. Tudo isto é factual. Não podem, pois, calar-nos os poderes que intimam à conformação e omissão, a desistir de causas e utopias e de pugnar por mudanças e avanços, a aceitar e não interferir no curso ‘espontâneo’ do mundo. Foi essa a estratégia dos possidentes ao longo dos séculos. O progresso civilizacional não é dádiva deles; é uma conquista devida aos utópicos, persistentes e resistentes, aos que tiveram a lucidez e a coragem de afrontar os pregadores e senhores do imobilismo. Jesus de Nazaré nasceu e viveu em oposição à situação encontrada. A história não acabou. A Humanidade não atingiu o cume da perfeição. Hoje é apenas a alvorada de outro 'imperfeito' porvir, que legará aos vindouros uma infinidade de coisas por fazer.


P’ra não dizer que não falei de poesia... e de poetas


MEMORIAL DE PAULO AUGUSTO DO NASCIMENTO MORAES – PARA A COLEÇÃO ‘CRÔNICAS MARANHENSES -’. A VOLTA DO BOÊMIO FERNANDO BRAGA in prólogo para o livro no título acima anunciado, enfeixado também em ‘Conversas Vadias’, antologia de textos do autor.

[Paulo Augusto do Nascimento Moraes, São Luis-Ma, 23.11.1912 – São Luís-Ma, 11.9.1991]. Por incrível coincidência, as coisas naturais só se nos fazem ratificar a assertiva de que nada acontece por acaso, daí a sincronicidade de há muito estudada por Karl Jung. Refiro-me ao quarto centenário de São Luís, fundada em 12 de setembro de 1612, pelo fidalgo francês Daniel de La Touche Monsieur de La Ravardière, ao tempo do Rei-Menino Luís XIII, com o centenário de vida de Paulo Augusto Nascimento Moraes, nascido em 23 de novembro de 1912, o cronista que cantou nossa Cidade com seus gestos de amores por ela e, que, também, por ela chorou lágrimas de dores e saudade. Enquanto São Luís era fundada sob a égide de uma monarquia européia, trezentos anos depois, nascia no seio de uma aristocracia de professores, egressa do sentimentalismo escravo, Paulo Augusto do Nascimento Moraes. Assim, tanto São Luís como Paulo nasceram ligados por um mesmo espírito; a Ilha o inspirava, e ele escrevia ‘O Retrato da Cidade’. E morreu abraçado àquela paisagem de amores e poesias, feliz por não a ter decepcionado, porque dalgum lugar onde se achava, voltava sempre para encontrá-la, como aquele estroina que partira um dia... A incrível coincidência que aqui me refiro, cabe ao fruto do amor do talento de Paulo Moraes e da bondade e querença maternal de Emília, sua mulher pela vida inteira, a educarem ambos, Paulo de


Tarso, único filho do casal, o qual era ainda um garoto, como o Rei-Santo de França, quando saí de São Luís; um menino dedicado aos estudos, sem fugir à tradição da sua família. Paulo de Tarso fez-se professor de português e consultor dessa nossa ‘Última Flor do Lácio inculta e bela’, cujo idioma Camões cantou o gênio audaz do lusitano na epopeia maior d’Os Lusíadas’, enquanto, à noite, nas soturnas ruas de Lisboa, no apogeu do século XVI, pedia esmolas... e Paulo de Tarso com o faro do pesquisador, vindo, por certo, do atavismo do seu tio Nascimento Moraes Filho (José) reuniu em livro que intitulou de ‘A Volta do boêmio – Crônicas Maranhenses’, escritos do pai, para presentear a São Luís de agora, o cronista, o articulista e o poeta que foi Paulo Nascimento Morais, a par com o boêmio, com o esbanjador de talento, com o orador e, sobretudo, com o humanista, reconstrutor nas últimas décadas do século passado, em São Luís, de uma outra “Belle Époque” que todos nós vivemos intensamente, como a viveu no passado, o velho mestre Nascimento Moraes, seu pai, no começo daquele mesmo século, quando escreveu várias obras de fôlego, dentre elas ‘Vencidos e degenerados’, que a crítica o tem, como trabalho sociológico, o topofísico, em síntese, de ‘O Mulato´, de Aluízio Azevedo. na quietude daquela São Luís de seu tempo, de ares burgueses e de convivência intelectual européia, a respirar da cidade o purismo brilhante dos jovens da época que formavam a plêiade d’Os Novos Atenienses’. Orgulho-me em ter tido Paulo Morais como companheiro querido em minhas andanças literárias, em tê-lo tido do meu lado, e recebido dele uma amizade recíproca e um amor paternal, e com ele aprendido muitas lições de vida, e com ele declamado pelas madrugadas da Cidade poesias que se foram com os ventos marítimos que varrem a Ilha, a nossa velha e querida Ilha... Era no poeta que Paulo Nascimento Moraes, em si, mais existia: “Meus versos / tenho-os impressos e nítidos, / na doçura de um riso de criança / ou na expressão dolorosa de um cego / sob o batismo de um Sol-poente”. Neste livro vivencia-se apenas o jornalista brilhante, a escrever seus textos em formas de artigos onde seu lirismo se limita com o emocional que sempre gritou em seu peito, ou então em artigos onde a coerência e o bom senso de suas análises transcendiam, quase sempre, para a política internacional. Certa vez, Paulo Augusto Nascimento Moraes, o cronista, o poeta, o articulista, o orador e, principalmente o humanista, sem querer, mas levado pela insistência do irmão Nascimento Morais Filho (José) e de alguns amigos, como Erasmo Dias e Fernando Viana, reuniu todas suas emoções em ‘Aquarelas de Luz’, o qual, a ser publicado, arrancou do poeta, lá do fundo de sua alma, esse canto de adeus que ele emoldurou dizendo: “Aquarelas de Luz ilumina-me na velhice com teu Azul vestido de pássaros eternamente voando, banhado de Ocaso. Não te pude guardar, como dantes. Agora, tu te libertas de mim para curiosidade dos outros. E eu te ficarei olhando neste bater de asas”. Paulo Augusto do Nascimento Moraes, como seu pai, José Nascimento Moraes e Nascimento Moraes filho, seu irmão, pertenceu à Academia Maranhense de Letras, onde ocupou a Cadeira 16, patroneada por Raimundo da Mota d’Azevedo Correia e fundada por Raimundo Correia de Araújo. Este é Paulo Augusto do Nascimento Moraes que me legou um dia o luar dos seus cabelos, envolto em saudades e em noites de abusão a cair sobre a nossa cidade de São Luís, e a nos deixar em ‘Aquarelas de Luz’, além dos belos versos, sua imagem impressa de corpo inteiro e de alma extensa, como se me segredasse: “És tu, Fernando, que irás dizer isso um dia... E disse! _________________ Ilustração: Foto instantânea do poeta Paulo Augusto do Nascimento Moraes.


CLARINDO SANTIAGO, O POETA MARANHENSE DESAPARECIDO NO RIO TOCANTINS FERNANDO BRAGA

Quem primeiro me falou de Clarindo Santiago foi Franklin de Oliveira, em casa de seu irmão Heitor Franklin da Costa, na Rua de Santa Rita, onde o brilhante autor de ‘A Morte da Memória Nacional’ se hospedava em São Luís. E isso se deu numa das muitas e longas divagações literárias que motivavam a minha admiração e o meu querer bem por esse mestre do senso estético. E diziame ele, com aquelas metáforas tão bem colocadas e com encaixes precisos, ser Clarindo Santiago um poeta de estilo e forma elegantes e de sensibilidade bem apurada, arrematando, naturalmente, sem descer a detalhes, sobre os golpes incicatrizáveis que o poeta recebera ao longo de uma atribulada vida. Nessa mesma linha de ideias, o meu mui querido e saudoso amigo e compadre José Matos Carvalho, ex-governador do Maranhão, médico ilustre como Clarindo também o fora, chegou-me a dar de presente, nas minhas constantes visitas a seu apartamento, vizinho de quadra do meu, em Brasília, cópias de sonetos e poemas que Clarindo escrevera, dedicando os originais, a ele, Matos Carvalho, quando ambos em plantões no Pronto Socorro de São Luís, eram tocados pelas visagens sombrias da Rua do Passeio, onde se localizava aquele centro de atendimento a politraumatizados, evidentemente em calmas madrugadas, mais propícias ao extravasar de lúcidos espíritos do que ao remendo de mutilados corpos. E as cópias desses sonetos e poemas que já me tinham proporcionado certa intimidade, também foram dadas por Matos Carvalho, pelos mesmos abrandamentos de afeto, ao também querido amigo, escritor, advogado e político Sálvio Dino, o qual, num laivo bem-aventurado, os fez resgatar neste “Clarindo Santiago, o Poeta Maranhense Desaparecido no rio Tocantins”, a memória do nosso poeta, o que me levou, por tais motivos, a escrever estas anotações engendradas numa das minhas noites de vigília. Nas frias sombras da arte os fantasmas do verbo ‘Clarindense’ se assim posso adjetivar, manifestam-se em correlações multifacetadas de subjetiva harmonia entre os significados das palavras e os seus símbolos.


Essas relações dificilmente transcendem a percepção dos menos atentos, mesmo que tais paralelas sejam ou estejam estabelecidas numa comunicação contagiosamente estética. De certo - e não há sobre isso nenhuma dúvida -, a existência de um encantamento pelo subjetivismo exercido pelo poeta é extremamente visível, que o faz, indefeso pela magia, viajar nas simples repetições de sons e embrenhar-se em espaços às vezes tão ou não tão regulares, por períodos rítmicos que os seus poemas imprimem. Vislumbram-se, ainda, nos versos oníricos de Clarindo Santiago os balanços de acentuações cadenciais com marcação nos tempos tônicos que os fazem interagir com a diversidade dos valores fonêmicos caracterizados pelo nosso idioma, na significação de um linguajar usual, fazendo-os, naturalmente, que alguns sejam pausados e com instintivas frequências rítmicas. São esses, a princípio, os traços com que Clarindo Santiago erigiu o seu sacrário poético, onde o poema se mostra inteiriço, mirificamente energizado pela rima e pelo ritmo que se não distanciam, formando, quase sempre uma santíssima trindade nas bênçãos de talento que são esbanjadas por esse poeta, o qual, no entendimento crítico de Rossini Corrêa, foi, além de ter influenciado a juventude maranhense, “o redescobridor e intérprete da obra poética de Sousândrade e quem aconselhou a Franklin de Oliveira a ler tudo, até mesmo anúncio de jornal”. Creio que assim, Sálvio Dino entregou à história literária do Maranhão, esse resgate valioso sobre alguma coisa da vida, da poesia e da morte de Clarindo Santiago, a usar neste seu depoimento lampejos de quem também faz versos, geminados a nuances de ensaísta, como na composição metodológica deste estudo, a emblemar, ainda, o jornalista do dia-a-dia, quanto à narrativa noticiosa dos atos e os registros fotográficos de grande importância, levando, por fim, Sálvio concluir o trabalho com o bom senso do jurista, onde o discernimento da lógica e do entendimento cientifico, atestam suas contrarrazões ao afirmar que Clarindo fora realmente estrangulado pela descomunal força do Tocantins, o qual, apesar de impiedosamente tê-lo morto, ainda lhe deu, como jazigo perpétuo, talvez apiedado pela tragédia que cometera, a serenidade de suas traiçoeiras águas e as profundezas abismais do seu silêncio.


ALMEIDA GALHARDO, DA ESPERANÇA DA NOVA ATENAS AO POETA ESQUECIDO

por EUGES LIMA (historiador) Almeida Galhardo era um dos mais promissores poetas de sua geração, foi membro fundador do Centro Cultural Gonçalves Dias (1944), agremiação que congregava e representava a nova geração da intelectualidade maranhense que pretendiam movimentar o cenário cultural de São


Luís. Faziam parte dessa associação cultural nomes como Nascimento Morais Filho, Ferreira Goulart, Lago Burnett, Vera-Cruz Santana, Reginaldo Teles, João Lima Sobrinho e tantos outros jovens poetas maranhenses que começavam a despontar nos anos de 1940. Galhardo, era natural de Tutóia, nascido em 2 de dezembro de 1922. Veio para São Luís aos 14 anos para o Seminário Santo Antônio para ser padre e realizar o desejo dos pais, porém, percebeu que não tinha vocação para o sacerdócio e deixou a vida clerical, iniciando sua carreira como jornalista, cronista esportivo, poeta e aviador. Infelizmente, numa tragédia que gerou muita comoção e abalou São Luís em 8 de agosto de 1948, "o poeta das Gaivotas" , que tanto cantou a liberdade do vôo das gaivotas e o azul infinito do céu, que adorava voar, tragicamente e ironicamente, aos moldes dos poetas românticos, morreu jovem, aos 26 anos, em consequência de um acidente de avião no então povoado da Forquilha. Galhardo teve sua vida, sua obra e seus sonhos interrompidos, no auge de sua juventude e carreira promissora, era muito querido pelos seus amigos e companheiros de trabalho e deixou uma enorme lacuna nas áreas que militou. Várias homenagens foram publicadas nos jornais após sua morte. Embora muito jovem e em início de carreira, deixou uma obra e uma história, que há muito esquecida, merece ser revivida e registrada. Segundo Nascimento Morais Filho (1948): “Almeida Galhardo é incontestavelmente, um dos autênticos representantes da nova geração maranhense e o astro mais arrojado e o mais audacioso que possuímos nos últimos tempos”.





O POETA DAS GAIVOTAS ELMAR CARVALHO HTTP://WWW.AMAPI.ORG.BR/O-POETA-DAS-GAIVOTAS/ Tomei conhecimento da existência do poeta Almeida Galhardo no ano de 2014, através do livro Constelação de Sonhos – lindas e inesquecíveis poesia, que me foi gentilmente presenteado pelo juiz de Direito Édison Rogério Leitão Rodrigues, maranhense de Pedreiras, mas radicado no Piauí, onde exerce a judicatura há muitos anos, do qual tenho a honra de ser amigo. Trata-se de uma monumental antologia, tanto pelo seu avantajado tamanho (formato 18cm x 25cm) como por suas quase oitocentas páginas, e sobretudo pela escolha de magistrais poemas de grandes poetas do Maranhão, do Brasil, de Portugal e do mundo. A seleta foi organizada por Benedito Lemos e Geraldo Melo. Para mais tornar atraente e valorizado o mimo, o Édison Rogério conseguiu a dedicatória do primeiro autor, datada do ano acima indicado. Em face do meu apreço por Constelação de Sonhos, mandei, para melhor protegê-la, revesti-la de bela capa dura azul, adornada por letras douradas. Pois foi nesse florilégio poético que encontrei o nome e dois lindos sonetos de o Poeta das Gaivotas, um justamente titulado Gaivotas, de que lhe adveio o epíteto literário, e o outro, Cruz de Ouro. Impossível saber se o vate, se vivo estivesse, gostaria desse cognome; sei que Raimundo Correia, chamado o Poeta das Pombas, detestava tal designação, embora o soneto, que lhe rendeu essa alcunha, seja considerado um dos mais belos do Brasil. No livro, antecedendo os dois poemas, constava apenas o nome Almeida Galhardo e o registro: “P. S. Biografia desconhecida”. Tendo ficado curioso, por causa de um de seus sobrenomes, que associei ao seresteiro Carlos Galhardo, e pela qualidade dos poemas escolhidos, tratei de ligar ao velho amigo Antônio Gallas Pimentel, jornalista, escritor e poeta, meu confrade na Academia Parnaibana de Letras, em virtude de ser ele um grande conhecedor da literatura maranhense e de haver estudado em São Luís (MA), dita a nova Atenas, mas também hoje conhecida como a Jamaica brasileira, por causa de seus talentosos “regueiros”. Gallas, entre outras coisas, me disse que o poeta era seu conterrâneo de Tutoia, falecido em um desastre aéreo, ao pilotar uma pequena aeronave, creio que um teco-teco. A minha imaginação voou alto, e começou a fantasiar. Fiquei com a (falsa) impressão de que o poeta fora visitar sua cidade natal e, como as gaivotas de seu soneto, fizera algumas coreografias aeronáuticas, e terminara por colidir contra uma bela e grande duna, que ornaria a orla oceânica de sua então bucólica Tutoia. Mas, assim não foi, conforme mais tarde fiquei sabendo, e adiante explicarei. Alguns anos depois das informações recebidas (e que repassei ao magistrado Édison Rogério), mais precisamente no dia 09 de outubro deste ano (e sei disso com precisão por causa da dedicatória), o Antônio Gallas me telefonou e me disse que se encontrava em Teresina; que conduzia a obra Almeida Galhardo – o Poeta das Gaivotas, para me ofertar. Combinamos onde nos encontraríamos, e imediatamente fui recebê-la. O livro contém a biografia do poeta e alguns poucos poemas a que o autor teve acesso. Foi escrito pelo tutoiense José Carlos Ramos, após demorado e cansativo trabalho de investigação e pesquisa, recorrendo a escassas e esconsas fontes documentais e à história oral, em que entrevistou alguns conterrâneos e contemporâneos do poeta, como Antônio José Neves, exprefeito de Tutoia, que conheci no final da década de 1970, como empresário em Parnaíba, proprietário da bucólica e aconchegante Churrascaria Cajueiro, que frequentei algumas vezes, inclusive no lançamento de um dos números do jornal literário Querela, dirigido pelo advogado e escritor Fernando Ferraz, de que fui colaborador. José Carlos Ramos (nascido em 17.12.1949 e falecido em 21.08.2017, em Tutoia), não teve a felicidade de ver a publicação de sua obra, que só foi dada à estampa em 2018. No primeiro


prefácio, da lavra de Moisés Abílio, poeta, jornalista e crítico literário, membro fundador da Academia Pedreirense de Letras, encontro a seguinte assertiva: “A obra de José Carlos é um livro que ousa traçar um real retrato do poeta Almeida Galhardo, que em alguns fugazes instantes se confundem com dados da própria biografia do Maranhão.” Nessa importante obra biográfica, consta que Galhardo mergulhou na sombra de injusto esquecimento, consoante é confirmado no exíguo registro de Constelação de Sonhos, que acima transcrevi. Tanto isso é verdade que, no livro Zoomorfismo Literário, João Mendonça Cordeiro, ao chamar Galhardo de “gaivota esquecida”, chega mesmo a dizer que ele “é o mais esquecido” poeta maranhense, que somente é lembrado em Tutoia, onde nasceu, às duas horas da tarde do dia 2 de dezembro de 1922. O seu nome não consta nos compêndios de história da literatura maranhense e nem nas antologias. O livro de José Ramos, portanto, servirá para o reconhecimento e renascimento literário do grande vate esquecido. Sem uma legítima vocação sacerdotal, aos 14 anos de idade, ingressa no Seminário Santo Antônio, de São Luís, para atender desejo de seus pais. Ainda como seminarista, em suas visitas à terra natal, foi acometido por forte paixão, ao que parece um tanto platônica, por Eloísa, dita Isinha. Mais ou menos na mesma época, foi visitado por uma nova paixão, desta feita por uma normalista ludovicense, o que parece revelar a sua inapetência para o clero e para os votos definitivos de castidade. Não desejava ele, decerto, seguir o mesmo destino de Junqueira Freire, que, monge e grande poeta, se tornou um amargurado na vida monacal e, talvez, arrependido pelos votos de castidade que fizera, já que perpetrou alguns poemas líricos e mesmo sensuais. Seja como for, em 1943, aos 21 anos, o poeta abandona o seminário, o que, segundo o seu biógrafo, provocou profundo desgosto em seus pais, que muito o desejavam ver de tonsura e batina, como era usual na época. Passou a ser jornalista e fez curso e treinamento, para seguir sua vocação profissional, no Aeroclube de São Luís. Tornou-se piloto do Estado do Maranhão. No Aeroclube, foi colega, entre outros, de José de Ribamar Galhardo e de Augusto Alberto Fontoura Chaves. Suponho que do primeiro colheu o sobrenome Galhardo, que, juntamente com Almeida, compôs o seu nome literário; o segundo foi seu companheiro no seu último e trágico voo, que ceifou a vida de ambos. O seu poema Gaivotas parece lhe revelar a vocação de aeronauta e de amante dos voos, seja na poesia, seja nas asas de um avião. Cruz de Ouro, poema lírico, mas com algum timbre de erotismo, como aliás ocorre em outros textos poéticos de sua autoria, é uma prova de que ele não tinha nenhuma vocação para o sacerdócio, e mormente para professar voto de castidade. José Carlos Ramos transcreve vários versos, em que, no seu entendimento, o vate demonstraria ter uma premonição de sua morte precoce, em virtude de acidente aeronáutico. Nesse ponto ele se assemelha ao grande poeta piauiense, um dos maiores do Brasil, Mário Faustino, que tinha infausto e semelhante vaticínio, e, com efeito, terminou morrendo em trágico acidente aéreo, também jovem como ele, conforme se pode verificar nos seguintes versos claramente premonitórios: Sinto que o mês presente me assassina, Corro despido atrás de um cristo preso, Cavalheiro gentil que me abomina E atrai-me ao despudor da luz esquerda Ao beco de agonia onde me espreita A morte espacial que me ilumina. Francisco das Chagas de Almeida Soares, seu nome completo, faleceu no dia 8 de agosto, mês considerado aziago, por muitos, do ano de 1948, aos 26 anos incompletos, quando sobrevoava o povoado Forquilha, em companhia do amigo Alberto Augusto Fontoura Chaves. O avião, velho e sem boa manutenção, pertencente ao deputado estadual Januário Figueiredo, veio a cair numa


roça. Segundo depreendo do livro de José Carlos, o motivo desse voo baixo era uma espécie de homenagem ao “pai de belas moças que Galhardo e Betinho bem conheciam”, que morava nessa comunidade. Ambos receberam honras fúnebres da Assembleia Legislativa do Maranhão e da Câmara Municipal de São Luís. Foram velados na casa de Fontoura Chaves, que ficava perto de uma fábrica de velas; quiçá algumas delas tenham iluminado os féretros dos dois amigos. Galhardo foi sepultado no Cemitério do Gavião, cujo voo majestoso, rápido, seguro e certeiro o vate das Gaivotas sem dúvida procurara imitar. Nesse campo santo, tocadas de leve pelo vento, as casuarinas talvez tenham acenado na hora do sepultamento, e, ao pôr do sol, farfalhando, entoaram chorosa nênia. Poetas e escritores como Lisoca Nunes, Malazarte, Lauro Cardoso e Lago Burnett dedicaram ao poeta morto belas e magoadas elegias e proferiram comoventes palavras. À beira de seu túmulo, em altissonantes apóstrofes, Fernando Lopes o chamou de cigarra, de formiga e de condor. E formiga ele o foi, porque mourejou na imprensa e na aviação; cigarra, cantou seus temas em belos e imortais versos; condor, a grande ave dos andes, poderá haver sido, em alguns momentos da aeronáutica e da poesia, ele que talvez tenha desejado ser apenas uma gaivota – “gaivotas do azul, veleiros do infinito”. Agora, com a edição desse livro de José Carlos Ramos, Almeida Galhardo deixará de ser a “gaivota esquecida”, “o mais esquecido” poeta do Maranhão, para ganhar as grandes altitudes do reconhecimento público, como na soberba planação de um condor, ou na elegância do voo de uma gaivota, aves que povoam os seus belos e imperecíveis poemas e sonetos. *** DOIS SONETOS DE ALMEIDA GALHARDO (*) Gaivotas Gaivotas do azul, veleiros do infinito, Que possuis o adeus nas asas de alabastros. Da saudade vós sois os luminosos rastros, Perdidos na amplidão que extasiado eu fito! Calmas, singrais os céus entre a espuma dos astros, Velas pandas de amor – pampeiros do meu grito… Poesias trazeis como divinos lastros, Nos rêmiges de luz mais fortes que o granito! E vós singrais os céus, sem rota e sem destino, Beduínas vós sois do belo auridivino, Enchendo a amplidão de versos e de mitos; Saúdo-vos daqui… da tenda do meu sonho, Sentindo-me feliz por vos fitar risonho, Gaivotas do azul, veleiros do infinito!…

Cruz de Ouro Sobre o rendado ebúrneo do teu seio, Arfar sentindo o peito alabastrino, Pendia um crucifixo de puro ouro fino, E em minha dor eu sem querer fitei-o. Fatal inveja me feriu, notei-o, Ao ver o Cristo pequenino, Roçar esse teu peito, altar divino, E a ideia de ser Cristo então me veio. Pequei, bem sei, em desejar ser tanto, Em ser o Cristo divinal e santo,


Que em teu colo puríssimo se via… Se nesse Cristo eu me tornar pudesse, Seria o Nazareno da tua prece, E minha madalena eu te faria!…

(*) Copiei os dois poemas dos livros Constelação de Sonhos e Almeida Galhardo – o Poeta das Gaivotas. Fiz rápido cotejo entre os dois para tomar uma decisão sobre as várias divergências que encontrei. Ainda me vali de uma versão encontrada no Suplemento Cultural (nº 15) do Diário de São Luís, edição de 12/09/1948, na página em homenagem ao poeta, que encontrei na internet. Entretanto, reconheço, apenas a verificação atenta dos originais poderia solucionar os vários conflitos encontrados.


MANOEL SALLES E SILVA, POETA MARANHENSE. QUEM CONHECE? LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ Academia Ludovicense de Letras Academia Poética Brasileira Instituto Histórico e geográfico do Maranhão

Ao pesquisar sobre Fran Paxeco, meu patrono da Academia Ludovicense de Letras, deparei-me com o lançamento de um livro de poesia de título “Padrões”, obra póstuma, que fora prefaciada por Fran... Informa, ainda, que estavam sendo publicados artigos que apareceram em diversos jornais de São Luís. Fiz a tradicional pesquisa na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional e encontrei apenas dados sobre seu percurso estudantil, desde o ensino secundário até seu ingresso na Faculdade de Farmácia do Pará, compreendo os anos de 1900 até 1910. Desse mesmo ano, as notas de seu falecimento, e as missas rezadas. O lançamento desse primeiro livro aparece também em jornais do Rio de Janeiro, e indicação de Leitura de Domingos Perdigão, em 1929: “O que há para ler” na Biblioteca Benedito Leite. Na BPBL, não se encontra nada, no acervo... Quem conhee??? Manoel Francisco Salles e Silva nasceu em 1892, provavelmente em São Luís, filho de Manoel Francisco da Silva Junior (falecido em 09 de fevereiro de 1904) e de Bibiana Cunha Salles e Silva; foi estudante do Externato São Sebastião, obtendo vários prêmios por dedicação e conhecimento. Seu pai era calafate. Autor de Vala Comum, versos; e de Padrões, versos, além de vários artigo publicados no Pará, onde estudava Farmácia, e em São Luis. PACOTILHA, 13 DE FEVEREIRO DE 1913 ‘PADRÕES – recebemos os “Padrões’, a obra póstuma de Salle e Silva, o jovem poeta tão cedo roubado as letras. [...] A obra foi andada imprimir pela família do malogrado moço, como uma carinhosa homenagem á sua memória. [...] Não faremos a crítica dos versos de Salles e Silva. Tão cedo ele morreu e tantas esperanças a sua morte ceifou, que, lendo as composições reunidas em volumem pelas mãos, que desde o berço vinham abençoando, a gente, longe de ser levado à crítica, pensa nisto a que ele mesmo chamou ‘a libertação, que também sonhou Buda”, o selo “esteril do Norvana” [...] o volume traz um prefacio de Fran Paxeco e fecha com os artigos publicados na “Pacotilha” e “Diário do Maranhão”. [...] agradecemos o exemplar que nos foi enciado. E em O Imparcial, do Rio de Janeiro: “Livros Novos S. Luis – Appareceu também o livro de poesias posthumas do malogrado jovem Manoel Salles Silva, intitulado “Padrões” o livro traz uma carta-prefácio do publicista Fran Paxeco. E no A Noite, também do Rio de Janeiro: O MARANHÃO LITTERÁRIO – Poesias e história : Appareceu também o livro de poesias posthumas do malogrado jovem Manoel Salles Silva, intitulado “Padrões” o livro traz uma carta-prefácio do publicista Fran Paxeco.

Morador da Rua dos Afogados, sua mãe possuía várias residências no anil, haja vista que era cobrado o imposto devidos de sua mãe DIÁRIO DO MARANHÃO, 20 DE AGOSTO DE 1904


DIÁRIO DO MARANHÃO, 28 DE ABRIL DE 1909


DIÁRIO DO MARANHÃO, 31 DE DEZEMBRO DE 1909

Numa busca mais acurada, encontrei em A Pacotilha o seguinte material:


A TUA BOCA Boca, boca archangelica, divina, Boca talhada em mármore de Paros, Tens tu incrustações a ruis rros, Boca ligeira, breve e pequenina. Boca de linha delicada , fina, Da brancura dos mármores mais caros, Boca impecável sem esses reparos Que soem ter outras bocas; canta e trina, Vejo, dentro de t, sem que o impeças, O goso desenfreado, em febre loca, Boca cheia de sonhos e promessas... Meu desejo é morrer – ve que desejo! – Lábio a esse lábio, boca a essa boca, Na contensão tetânica de um beijo Janeiro, 1910

A PACOTILHA, 15 de janeiro de 1910 A ADULTERA Todos a olham com ódio. O mundo, a sociedade Encare-a com desdém, encare-a com despreso; Num sorriso imbecil misto de ódio e maldade – Commentam seu viver, por um ntigo veso. Todos lhe votam ódio, um ódio vivo, acceso, Dizem-no sem temer, dizem-no por crueldade E ella curva a cerzir, sozinha, seu peso Brutal, esmagador de uma grande verdade. Pobre degenerada, o mundo que condenam Teu olhar, teu adar, tuavida, te riso, Sem piedad, sem dó, sem compaixõ, sem pena, Simula, que nõ sabe, entro frio iria, Que cedes impulsiva, impudica, sem siso, Ao imperioso poder de uma synphoni. Do livro Padrões) Salle e Silva


DIÁRIO

DO

MARANHÃO

17

DE

JANEIRO

DE

1910



DIÁRIO DO MARANHÃO, 27 DE JANEIRO DE 1910



DIÁRIO DO MARANHÃO, 28 DE JANEIRO DE 1910

DIÁRIO DO MARANHÃO , 9 de junho de 110


Pacotilha LOUCOS Dois loucos somos nós, minha louca / Mal desce Longe, mui longe noite, e já estas nossas almas Juntas, doida de amor, perenemente calmas, Voam azul em fora, onde o amo não fenece. E lá as duas se vão, sempre juntas, e cresce Not e vem o dia, e llas, as nossas almas, Juntas, doidos de mor, perenemente calmas, Inda entoam de amor, sorrindo, a mesma prece. Dois loucos somos nós, minha louca! Em desleixo Teus cabelos, no pasmo assim em que te deixo, Es a louca ideal e que a versejar me induz E eu, u sou outro louco, eu, que sou o teu poeta, Quem teu olhar decanta, o teu riso interpreta, Em dithyrambos de oiro, em poermas de luz. Salles e Silva

OXYGENIO Oxygenio que inspiro a longo hausto – oxygenio Que, em novelos de luz, brinca pel athemosphera... Fdomas com o azoto o a, a agua e o hydrogenio, A vida com o carinho, o sangue mau da fera! Tudo fazes viver – plstidula, monera E cylode, á riblla erma deste proscênio Que é a terra! E a Materia enquanto regenera A matéria tu, ó das transformações gênio, Fazes eterna a Vida, a Dor fazes eterna! Tu me ences os pulmões, no meu sangue rutillas, Rubro, rubro de luz, de uma luz eviteroa. Principio genitor que aviva a Grande Lida! Es que dá luz á lu! Oxygenio! Scintillas Como o X. colossal dest equação a Vida Salles e Silva


DIÁRIO DO MARANHÃO, 15 E JUNHO DE 1910

Em A Pacotilha de 15 de junho de 1910 uma nota informa que ‘aparecerá em breve o segundo volume de versos do jovem poeta Salles e Silva. Chama-se ‘Padrões’, impresso nas oficinas da tipografia Teixeira.’ Um segundo volume? Diário do Maranhão, 8 de julho de 1910


A PACOTILHA SOL DE MARÇO Sol de março. Porpureo e bello alampadario, Sagrada ostia de luz, Breviario de Amargura, Tu lembras muito bem a historia do Calvário Essa drama de dor, da magua e da tortura! Flos sanctorium de luz, de lagrimas sacrário, Lembras Christo a subir, radiante de ternua, A viella da Dor... o fúnebre, o mortuário Lençol da noite atroz que fez a terra escura. Sol – fornalha de luz, gerando, imenso braseiro, Tu es o ultimo olhar do Christo no madeiro Crystalizado em luz! Enia, sol-elegia, Purpurco alampadario. Única chaga exangue, Lagrimas de coral dosmolhos de Maria! Salles e Silva Dos Padrões

Então, a 3 de outubro de 1910 a notícia de sua súbitamorte: NECROLOJIA: Sucumbiu hoje, inopinadamente, o jovem poeta Salles e Silva, que hontem via chegado, enfermo, do Pará. O malogrado moço publicou um volume de versos – Vala comum e preparava outro, em que decerto se reafirmaria a u promisora intelijencia. Enviamos as ossas sentidas codolencias a su familia

Ao registrar os óbitos ocorridos, informa-se que teve morte, aaos 18 anos, por acesso pernicioso, sendo sepultado em 4 de outubro de 193. Seu nome completo era Manoel Francisco Salles e Silva. 8 de outubro, nota fúnebre, de missa, sabe-se o nome de sua mãei: Bibiana da Cunha Sales e Silva, e que tinha irmãos.


DIÁRIO DO MARANHÃO, 03 DE OUTUBRO DE 1910



DIÁRIO DO MARAANHÃO, 04 DE OUTUBO DE 1910


DIÁRIO DO MARANHÃO, 06 DE OUTUBRO DE 1910


DIÁRIO DO MARANHÃO, 18 de outubro de 1910


Diรกrio do Maranhรฃo, 18 de janeiro de 1911


Na edição de A Pacotilha de 9 de outubro de 1911 sai a seguinte nota:



Pacotilha, 30 de outubro de 1911, ficamos conhecendo outros familiares:


LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ

FRAN PAXECO:

recortes & memórias

SÃO LUÍS – MARANHÃO – 2020 PARTE XIII


“Chronica (do latim) é termo que indica narração histórica, ou registro

de fatos comuns, feitos por ordem cronológica; como também é conjunto das notícias ou rumores relativos a determinados assuntos.” (DICIONÁRIO AURÉLIO, 1986, p. 502)

1913 JANEIRO, 02 –A PACOTILHA


PACOTILHA, 03 DE JANEIRO DE 1913


PACOTILHA, 08 DE JANEIRO DE 1913



JANEIRO, 09 – No Jornal do Recife saem algumas notas:

A PACOTILHA, 09 DE JANEIRO DE 1913


PACOTILHA, 15 DE JANEIRO DE 1913



PACOTILHA, 22 DE JANEIRO DE 1913



PACOTILHA, 24 DE JANEIRO DE 1913



PACOTILHA, 27 DE JANEIRO DE 1913



PACOTILHA, 28 DE JANEIRO DE 1913



PACOTILJA, 31 DE JANEIRO DE 1913




Ano 1913\Edição 00027 (1) – 1º fevereiro 1913


PACOTILHA, 3 DE FEVEREIRO DE 1913





FEVERERIO, 06 – Em A Época, do Rio de Janeiro:


PACOTILHA, 13 DE FEVEREIRO DE 1913

13/02 – No Correio da Manhã, do Rio de Janeiro


E O Imparcial, do Rio de Janeiro:


E no A Noite, tambĂŠm do Rio de Janeiro:



PACOTILHA, 18 DE FEVEREIRO DE 1913



MARÇO, 15 – A Época, Rio de Janeiro:


PACOTILHA, 28 DE FEVEREIRO DE 1913



PACOTILHA, 03 de marรงo de 1913


PACOTILHA, 10 DE MARÇO DE 1913



PACOTILHA, 14 DE MARÇO DE 113



PACOTILHA, 17 DE MAÇO DE 1913



PACOTLHA, 1 DE MRÇO DEE 113



PACOTILHA, 22 DE MARO DE 113



JUNHO, 13 – No Correio da Noite, do Rio de Janeiro:

PACOTILHA, 26 DE MARÇO 1913




PACOTILHA, 07 DE ABRIL DE 113


PACOTILHA, 08 DE ABRIL DE113



PACOTILHA, 08 DE ABRIL

PACOTILHA, 12 DE ABRL


PACOTILHA, 14 DE ABRIL



PACOTILHA, 14 DE ABRIL

PACOTIHA, 17 DE ABRIL

V



PACOTLHA, 18 D ABRIL

PACOTILHA, 22 DE ABRIL


PACOTILHA, 29 DE ABRIL



PACOTILHA, 3 DE MAIO

V


PACOTILHA, 6 DE MAIO




PACOTLA, 8 DE MAIO

PACOTILHA, 13 DE MAIO




PACOTILHA, 16 DE MAIO



PACOTILHA, 19 DE MAIO

PACOTILHA, 21 DE MAIO




PACOTILHA, 24 DE MAIO

PACOTILHA, 28 DE MAIO


PACOTILHA, 30 DE MAIO



Ano 1913\Edição 00128 (1) 2 de junho



PACOILHA, 3 DE JUHO



Pacotilha, 5 de junho


Pacotilha, 6 de junho

Pacotilha 9 de junho




PACOTILHA, 13 DE JNHO DE 113









PACOTILHA, 1 DE JUNHO





PACOTLHA, 20 DE JUNHO




PCOTILHA, 23 DE JUNHO


PACOTILA, 26 DE JUNHO



PACOTILHA, 26 DE JUNHO



PACOTILA, 30 DE JUNHO DE 1913





Ano 1913\Edição 00152 (1) -1º de julho de 1913




Paottilha, 03 dee julho de 1913




PACOTILHA, 0 DE JULHO DE 1913




JULHO, 13 – O Jornal Pequeno, do Recife, acusa o recebimento, para a Biblioteca da Câmara, de diversas obras de Fran Paxeco:1

PACOTILHA,14 DE JULHO DE 1913

1

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=800643&pesq=Fran%20Paxeco&pasta=ano%20190




PACOTILHA, 16 DE JULHO



PACOTILHA, 22 DE JULHO DE 1913






PACOTTILHA, 24 DE JULHO


PACOTILHA, 28 DE JULHO



PACOTILHA, 30 DE JULHO



JULHO, 31 – No Jornal Pequeno de Pernambuco, acusando o recebimento de vários livros de Fran Paxeco pela Câmara


Ano 1913\Edição 00181 (1) PACOTILHA, 4 DE AGOSTO DE 1113

AGOSTO, 13 – O Século, do Rio de Janeiro,


PACOTILHA, E GOSTO DE 1913




PACOTILHA, 22 DE AGOSTO



PACOTILHA, 25 DE AGOST


PACOTILA, 8 DE SETEMBRO


PACOTILHA, 19 DE SETEMBRO


26/08 – O jornal O Século, do Rio de Janeiro2, faz referência às comemorações da revolução portuguesa de 1820, realizadas em São Luís, com a presença do Consul de Portugal, Fran Paxeco:

PACOILHA, 4 DE OUTUBRO

2

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=224782&pesq=Fran%20Paxeco&pasta=ano%20190


PAVCOTIHA, 6 DE OUTUBRO


V



PACOTILHA, 8 DE OUTUBRO




V



PACOTILHA, 9 DE OUTBRO






PACOTILHA, 10 DE OUTUBRO







POCOTILHA, 13 DE OUTUBRO

PACOTILH, 14 DE OUUBRO



PAOTILHA, 17 DE OUTUBRO


PACOTILHA, 20 DE OUTBRO


Ano 1913\Edição 00264 (2) 08 DE NOVEMBRO

PACOTILHA, 13 DE NOVEMBRO



PACOTILHA, 8 DE DEZEMBRO

NOVEMBRO – 1914 - está no Rio de Janeiro, chamado pelo primeiro Embaixador de Portugal no Brasil, Bernardino Machado (1851-1944), para secretariá-lo.


PUBLICA - O Maranhão. São Luís do Maranhão, 1913. As normas ortográficas, na Revista da Academia Maranhense. São Luís do Maranhão, 1913. PACOTILHA, 17 DE DEZEMBRO DE 1913



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