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O Império das Feras
from Não Saia Agora
O Império das Feras Jéssica Cardoso
Eu vou contar a história de como o mundo quase acabou. E ela começa no ano de 2020 quando teve início o que ficou conhecido como a Grande Crise.
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Na 6ª Província, que na época tinha outro nome, surgiu um terrível vírus desconhecido que em cerca de três anos, graças a ignorância e a irresponsabilidade de muitos, aniquilou aproximadamente 50% da população mundial. Simultaneamente a essa situação ocorriam perseguições a determinados grupos, o cenário era de caos.
Em 2027, a situação se agravou, crises políticas que vinham acontecendo há muito tempo ocasionaram golpes de estado por todo o mundo, com passe livre para eliminar qualquer tipo de oposição, foi um banho de sangue.
Em 2029, uma droga que foi muito utilizada na vã tentativa de conter o vírus teve o seu uso disseminado em escala global de forma obrigatória, o pretexto era de evitar possíveis novos surtos de doenças, mas a verdade é que a fórmula dessa droga havia sido alterada causando amnésia naqueles que tomassem e todos aqueles que não tomassem seriam eliminados. Todos os que tomaram a droga apagaram por 3 dias e quando acordaram as lembranças dos dias sombrios que passaram haviam desaparecido, junto ao mundo que eles conheciam. Jornais e revistas? Sumiram. A internet? Não passava de um enorme vazio. As escolas? Não são mais as mesmas, tudo o que se aprende são letras e números. Televisões? Ficaram fora do ar por uma semana e quando voltaram tudo o que passava eram desenhos infantis e o Jornal Real. Continentes? Países? Presidentes? Nada disso existia mais, agora o mundo era dividido em 8 Províncias, cada qual governada por um Rei e todos sob as ordens do Imperador.
O meu conhecimento sobre esse período se deve ao meu pai que, na época, foi um dos que conseguiram burlar o governo e não tomar a droga, ele quer que eu saiba a verdade.
Mas a história que eu vim contar é outra. Tudo começou com mais um dia normal na 3ª Província, estava voltando para casa e, quando cheguei,
a televisão estava ligada no Jornal Real, o que eu estranhei já que o meu pai não assistia aos programas imperiais, mas lá estava ele, sentado em frente à televisão, havia horror em seu rosto. Um estranho acidente havia acontecido na 5ª Província, 3 militares imperiais e 5 médicos haviam desaparecido em um hospital próximo a uma colina, a suspeita é de que eles tenham sido atacados por algum animal selvagem. “Que tragédia!” eu pensei, mas não entendia o porquê meu pai continuava perplexo. — Pai? O que foi?
Mas ele não me respondeu, então eu perguntei de novo e foi como se ele saísse de um transe. — Isso está errado. Não existem colinas em qualquer região habitada naquela província e por que teria um hospital em uma área tão remota? E o que mais me intriga, só havia 5 médicos no hospital? Se sim, por quê? Se não, como ninguém viu um animal grande o suficiente não só para matar, mas para desaparecer com 5 médicos e 3 militares imperiais? A história não bate, querida, tem alguma coisa errada acontecendo.
A princípio, eu achei que era exagero do meu pai devido a tudo o que ele sabia, mas, com o tempo, cada vez mais casos surgiam por toda a 5ª Província e logo também apareceram na 6ª e na 7ª Província e, em pouco tempo, essas 3 províncias estavam em quarentena. Histórias surgiram por toda a parte, havia quem acreditava que isso era obra de Lobisomens, outros do Chupa Cabra, até os Wookiees foram acusados, mas a verdade é que ninguém sabia o que estava acontecendo.
Rapidamente começaram a surgir casos por todas as províncias, a minha foi uma das últimas e eu me lembro até hoje como aconteceu. O Rei não tomou nenhuma medida de prevenção mesmo com casos já na 2ª Província. Nesse dia eu tive que sair mais tarde da escola, já estava anoitecendo, mas, precisei seguir o meu caminho sozinha, foi então que em uma rua próxima a que eu estava, eu ouvi o som mais aterrorizante que eu já ouvi em toda a minha vida, rugidos altos e diferentes de qualquer outro conhecido, carregados de dor e gritos de pânico seguidos por um silêncio ensurdecedor e logo após houve novos rugidos, fiquei completamente paralisada e foi então que eu vi, refletido pela luz da lua, a sombra do que parecia ser um enorme animal, mas que andava sobre duas patas, agora eu entendi a história dos lobisomens.
Corri o mais rápido que pude para a minha casa e entrei gritando ofegante:
Não Saia Agora
— Chegaram! Estão lá fora!
Pude ver novamente o horror nos olhos do meu pai. Naquela mesma noite a minha mãe fez as malas e partiu sem dizer para onde, tudo que ela me disse era que precisava ir. Dois dias depois o mundo inteiro estava de quarentena.
Os números de casos cresciam descontroladamente, portas fechadas por todas as partes, casas vazias e cada vez mais os números se tornavam rostos e nomes conhecidos. Durante todo o dia se ouviam gritos e rugidos, o medo, a insegurança e a incerteza por não se saber o que estava acontecendo cresciam cada vez mais. Passava os meus dias olhando por uma brecha na cortina da janela, meu único contato com o mundo exterior, o pensamento sobre as coisas horríveis que estavam acontecendo e as que a nem sequer sabíamos que estavam explodiam no meu peito a ponto de me sufocar, tentava vislumbrar um futuro, mas tudo o que enxergava era uma névoa de incertezas então o que me restava era continuar esperando que os dias incertos chegassem ao fim, mesmo sem saber quantos faltavam.
Meses depois, um grupo de caçadores conseguiu sedar e capturar uma criatura, descobriu-se então que essas feras eram uma espécie de mutação humana e a verdade começou a aparecer. O clima já vinha tenso entre as províncias há muito tempo, reis queriam se libertar do Império, expandir territórios e começar os seus próprios regimes absolutistas. Isso levou a guerras por todas as partes e à perda de muitas vidas.
Apesar de parecer confiante, o Imperador temia que a situação saísse de seu controle, ele então investiu milhões na criação de um super exército para manter o seu domínio.
O desenvolvimento da chamada poção ocorreu na surdina, mas quando os testes em humanos começaram a situação saiu do controle e o segredo imperial veio a público.
No dia 5 do nono mês, um sargento e dois soldados imperiais foram a um laboratório escondido no alto de uma colina para testarem a poção. Às 21h iniciou o primeiro teste e as mudanças previstas começaram a ocorrer, o sargento ficou muito mais alto e mais forte, e então testaram os soldados, 20 minutos depois um imprevisto aconteceu, o sargento crescia descontroladamente, suas costas se encurvavam, pelos apareciam por todo corpo, os dentes mais pareciam presas e logo o mesmo ocorreu aos soldados, eles começaram a se comportar de forma agressiva, os médicos buscaram
abrigo em outra sala e ligaram para o socorro, porém do outro lado da linha só se escutou gritos, coisas quebrando e o que pareciam rugidos.
Devido sua localização, a ajuda demorou para chegar e tudo que encontraram foi sangue e pedaços de roupas, os médicos e militares haviam desaparecido. Descobriu-se que quando alguém era atacado se transformava no que o atacou, devido ao instinto feroz a situação se agravou rapidamente.
Os covis dessas feras ficavam em pontos escondidos como cavernas e florestas pelo mundo.
Quando a minha mãe saiu naquela noite ela estava indo salvar o mundo. Ela é cientista e foi para a 8ª Província trabalhar com pessoas que assim como ela e o meu pai não tomaram a droga e agora estavam atrás de respostas para o que estava acontecendo. Devido à 8ª Província ser congelada era o local mais seguro para que trabalhassem. Grupos de expedições foram atrás de respostas e, apesar de algumas perdas, eles conseguiram a localização e as fotos de um dos covis e ainda capturaram uma das feras. Com o material genético obtido criaram um soro capaz de reverter a mutação e salvar a vida do hospedeiro. Outro grupo de expedição foi enviado para capturar mais uma fera para testarem a cura.
No dia 2 do mês sete, ocorreu o primeiro teste e 30 minutos depois a reversão já acontecia, uma hora depois tínhamos o primeiro curado, logo o segundo teste foi realizado e também foi um sucesso. A cura foi descoberta! Agora o problema era como espalhar a cura em larga escala para pacientes que não sabíamos onde estavam. Foi aí que o meu pai entra em cena, ele é cartógrafo e alguém de confiança para descobrir potenciais covis e assim terem informações suficientes para irem a público com a solução do problema.
Meus pais viajaram até a Capital, na 1ª Província, para uma reunião com o Imperador, mostraram todas as evidências e depois de horas o convenceram e elaboraram um plano. O plano era de que 100 mil aviões sobrevoassem o mundo por 3 dias espalhando a cura e depois grupos de militares levando equipamentos com o soro iriam em todos os covis. E foi o que fizeram.
Nos dias que seguiram ao fim da missão nenhum caso foi registrado e aos poucos o mundo voltava ao normal, ou próximo disso. Os contaminados recuperados foram reintegrados à sociedade.
E essa é a história de como o mundo foi salvo das feras, de nós mesmos.