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Quem sou eu
from Não Saia Agora
Quem sou eu Jennifer Galmon
Fui acordada com um balde de água gelada e um soco no estômago. As pedras de gelo acertaram meu rosto e a água ardia minha pele. Desperta, o frio estendia até minha espinha e meu coração estava queria sair pela boca. Não sei o que está acontecendo e muito menos quem eu sou. O homem grande, esquisito com cigarro na boca ria enquanto me dava tapas no rosto para me despertar completamente. Minha vista embaçada foi retornando aos poucos e então pude visualizar um homem gordo, careca, com barba a fazer e um balde nas mãos. Jogou água em mim mais uma vez. Eu gritei de frio. — Bom dia, criança... — disse uma voz doce. Quando a água dos meus olhos se dissipou eu pude enxergar um homem loiro, olhos azuis e um rosto que misturava melancolia, desdém e satisfação. — Qual é seu nome? — perguntou o loiro com um tom mais doce e calmo.
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Meu nome? Eu comecei a ficar ofegante, eu não conseguia me lembrar quem eu era e muito menos o que eu estava fazendo aqui. Minha mente estava uma bagunça e por mais que eu tentasse lembrar, os cacos das memórias se misturavam e tudo parecia desconexo e sem sentido. Uma casa, uma mulher, um cachorro, meu Deus, soldados. Nada fazia sentido... — Eu... eu não... não sei... — balbuciei enquanto tentava juntar os pedaços. — Ótimo, bom começo. Tenha calma, no seu tempo. Não vamos nos ater a detalhes. — O homem tirou um chocolate do casaco branco, abriu e deu uma mordida.
A partir de hoje você vai se chamar Pérola. Salvamos você do mundo externo, a pandemia destruiu 70% da nossa atmosfera e você foi salva pela nossa tecnologia. Estava com a COVID-19 A30 e quando a encontramos você estava numa pilha de corpos. Ou seja, não sabemos quem é você de verdade, e muito menos da onde você veio. Agora você precisa saber que você é uma paciente importante e está de quarentena.
— Água gelada, pedras de gelo na minha cabeça, soco no meu estômago, estou amarrada numa cadeira. Pra mim isso tem outro nome... — Perfeito! Sua memória cognitiva está ótima. — O loiro bateu palma. — Acho que a doença atingiu apenas sua memória. Você será tratado no nosso núcleo de salvação intensiva. — Salvação...
Mal terminei de pensar e levei um choque. Tudo se apagou, mas eu ainda os escutava num som abafado. A última coisa que ouvi foi a voz doce do loiro ordenando: preparem a transfusão. Essa é minha...
Trabalhar para núcleo rebelde não tem sido fácil, os dias acordados e os momentos de tensão, me obrigam a tomar café cada vez mais. Eu nunca sei quando vou parar com uma bala na cabeça ou no fundo de um poço enquanto arrancam minhas unhas. Tudo ficou difícil depois que descobrimos a cura. O governo nos atacou como se fossemos o próprio diabo e a morte rondava cada corredor dos laboratórios. O vírus da COVID-19 tomou o mundo deixando nosso planeta em estado de Pandemia Mundial. E o mais assustador foi que esse evento avançou a biotecnologia de uma forma nunca vista antes, trinta anos em três. As pessoas contaminadas foram morrendo aos montes e com o tempo o vírus teve diversas manifestações de transmutação ficando impossível a cura e enquanto isso a biomedicina ia avançando e os virologistas mais importantes e sagrados. Era julho, muito frio, e estávamos na 30ª mutação, a chamamos de COVID-19 A30. A mutação mais perversa do vírus, morte cerebral com máxima capacidade motora. Ou seja, o individuo morria em três dias, mas continuava andando e sobrevivendo. Os resquícios de memória faziam o corpo continuar vivendo até que o cérebro apagava e as pessoas andavam a vagar como mortos-vivos. Nesse estado vegetativo o vírus se alastrava tão rápido que agora ele podia passar pelo ar. Por isso desenvolvemos as máscaras de carvão aditivado com uma propriedade de pureza e nano máquinas que conseguiam neutralizar o vírus antes de atingir os pulmões. No entanto, a máscara tinha um prazo de três horas de funcionamento. Foi o último objeto que eu entreguei para aquela jornalista antes dela desaparecer em Amparo, uma cidadezinha destruída do interior de São Paulo. Além da máscara ela estava com todas
Não Saia Agora
as pesquisas e os relatos de dias memoráveis quando tudo isso ainda estava começando. Eram casos, diários e contos de dias onde o vírus ainda era um bebê. Por sorte localizamos a jornalista em um dos armazéns dos militares em Campinas, pelo visto, a pequena Amparo não foi uma boa protetora e aquela mulher foi pega.
O primeiro esquadrão explodiu a entrada principal e entramos com cautela para averiguar a situação. O ar lá dentro estava 100% puro, então nos dividimos para diminuir os danos nas estruturas e evitar que o ar de fora entrasse. É nessas horas que me arrependo de ter sido cientista pelo governo. Ser um soldado e intelectual é muito cansativo. Então fiquei sozinho com meu grupo, éramos em dez pessoas. Quando eu entrei em um dos laboratórios, fiquei muito assustado. Os médicos e militares estavam sem máscaras e não pareciam estar infectados. Os tiros ecoaram por todos os lados, não podíamos poupar ninguém, a não ser a nossa jornalista. Destruímos quase todos naquele laboratório, mas tivemos muitas perdas e no final éramos eu e mais dois.
Explodimos a porta de uma sala cirúrgica, então a descobrimos. A nossa jornalista estava no meio de uma transfusão junto do general das forças armadas de uma base principal do estado. Ambos sem máscara alguma, isso me intrigou. Tiramos o general da maca e o levamos conosco. A jornalista estava bem, testamos negativo para a COVID-19 A30. Então pedi para testarem em alguns corpos e, por incrível que pareça, nenhum deles estava com o vírus. Salvamos a jornalista e então descobrimos toda a verdade.
Há um ano os militares descobriram uma 31ª mutação. Eles conseguiram descobrir pessoas assintomáticas onde o vírus se mutou e se transformou num poderoso anticorpo livrando o individuo de qualquer tipo de doença existente. Foram chamados de “Limpadores”. Nossa jornalista era uma dessas. Estava saudável e estável. Mesmo ela testando positivo para a COVID-19, seu corpo não tinha nenhum sintoma e seus níveis de vitaminas estavam excelentes. Achamos mais quatro pessoas presas consideradas assintomáticas. Eles eram a cura. Pelos registros dos militares, uma transfusão de sangue limpava o vírus no indivíduo infectado e, ao mesmo tempo, criava super anticorpos que deixava as pessoas imunes de inúmeras doenças. Foram mais de oitocentas doenças testadas. Aquelas pessoas eram os ratos de laboratório do governo e também eram a vacina contra a COVID-19. Isso não podia sair dali.
De modo inacreditável, as quatro pessoas que encontramos presas eram tipo sanguíneo A- e somente a jornalista era O+. Por isso essa pobre coitada tinha sido caçada nesse tempo todo. Então eu precisava fazer isso. Eu isolei a área e fiz com que os rebeldes se escondessem todos no centro da fortaleza. Com a ajuda de um outro amigo, explodimos tudo com uma bomba de núcleo superaquecido C754, destruímos todo mundo lá dentro. Não sobrou ninguém. Não dá pra sobreviver no calor do núcleo do sol, 27 milhões de graus. O mapa de campinas terá que ser remodelado futuramente.
Onde estou? Bem, acho que a verdadeira pergunta é: Quem eu sou?