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1.5.2 Medição do risco de crédito

quando é mal aplicado ou mal compreendido, certamente pode ser enganoso. Por exemplo, o VaR é muitas vezes referido como o “pior caso de perda”. Este termo pode ser enganoso. Por definição, há uma probabilidade de que as perdas sejam piores que o VaR. Na realidade, o VaR é pensado como resultado que, embora fora do comum, ainda é razoavelmente provável e não como possibilidade de “pior caso”. É uma medida da cauda da distribuição, mas porque há grande variabilidade e incerteza em eventos de cauda, o VaR deve ser usado com cuidado especial, particularmente quando a probabilidade é baixa. Eventos de cauda são por natureza raros e, portanto, difíceis de medir, e quanto mais longe se vai na cauda, mais raros eles se tornam.

Qualquer estimativa de volatilidade ou do VaR é baseada em como uma carteira de ativos se comportou sob certas condições históricas. Um número com base histórica pode não prever como se comportará no futuro. Consequentemente, o VaR e a volatilidade são frequentemente criticados por estarem virados para o passado; mas compreender como a carteira se comportou em determinadas circunstâncias, fornece informações valiosas. Entender o passado, é o primeiro passo para entender o que pode acontecer no futuro.

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A volatilidade e o VaR têm os seus pontos fortes e fracos. A volatilidade usa todas as observações, uma coisa boa. É particularmente útil quando a distribuição é simétrica, e o foco situa-se principalmente na parte central da distribuição, e os extremos nas caudas são “bem-comportados” ou sem interesse primário. A volatilidade será menos útil para uma distribuição assimétrica ou se o foco estiver particularmente nas caudas da distribuição.

O VaR concentra-se especificamente nas caudas da distribuição, o que é uma coisa boa. É bem aceite como medida de risco precisamente porque fornece um resumo sucinto de grandes perdas (eventos de cauda) de uma maneira simples de entender e explicar. Mas essa simplicidade também é a sua maior fraqueza. O risco pode nunca ser totalmente resumido por um único número. Além disso, como já mencionado, os eventos de cauda são particularmente difíceis de medir, e quaisquer estimativas, inerentemente imprecisas. Uma vantagem do VaR é que captura a assimetria de uma distribuição, concentrando-se na cauda inferior, mas haverá distribuições para as quais o VaR não é ideal. Portanto, como qualquer medida de risco, devemos ter cautela, aplicando o senso comum. A volatilidade ou o VaR dirão algo sobre a distribuição, mas, como acontece com qualquer medida sumária, pode ocultar ou revelar informações.

O risco de crédito está presente na maioria das transações e nos instrumentos financeiros, incluindo os contratos derivados. Podemos observá-lo quando existe uma probabilidade de que a parte devedora pode entrar em incumprimento. Se esta não tiver recursos suficientes para pagar, ou se o credor não puder reclamar ativos do devedor que não estejam

relacionados com o negócio em que o crédito foi concedido, o credor pode sofrer uma perda2 . O credor pode recuperar parte da perda, fazendo com que o devedor venda ativos e pague parte do crédito.

O risco de crédito tem duas dimensões, a probabilidade de incumprimento e a taxa de recuperação associada. Qualquer transação baseada em crédito contém uma determinada probabilidade de que o devedor incumpra; no entanto, quando ocorre o incumprimento, o credor frequentemente recupera pelo menos parte do crédito e, como tal, é necessário avaliar a taxa de recuperação para compreender a totalidade do risco de crédito.

Analisar o risco de crédito não é diferente de analisar qualquer risco que surge noutra parte do negócio de uma empresa. No entanto, as características particulares do risco de crédito significam que as técnicas de mensuração e gestão do risco de crédito são por vezes diferentes e mais complexas do que para o risco de mercado:

– A maioria dos riscos de crédito não é negociada e os preços de mercado não estão disponíveis, o que exige modelos de análise complexos. – A informação pública sobre a qualidade e as perspetivas dos riscos de crédito é frequentemente escassa. Essa falta de dados torna a análise estatística e a calibração de modelos difícil. – A distribuição de ganhos e perdas para os riscos de crédito é muitas vezes distorcida, com caudas gordas e uma probabilidade relativamente grande de grandes perdas.

Tal assimetria é difícil medir, mas é particularmente importante porque o capital económico necessário é sensível à probabilidade de grandes perdas. – A dependência entre os riscos numa carteira de ativos impulsiona a assimetria da distribuição do risco de crédito e é difícil de medir com precisão e modelar.

Para o risco de crédito, a distribuição por vezes deve ser construída a partir do zero, usando dados limitados e modelos complicados, cada um com a sua própria metodologia. Um dos maiores desafios na implementação prática de qualquer sistema de risco de crédito é a tarefa de desenvolver um banco de dados eficaz tanto dados externos como internos.

Embora estejam disponíveis alguns dados estatísticos, as taxas de recuperação históricas podem não ser confiáveis. Além disso, pode ser difícil prever o valor de venda dos ativos em caso de falência.

A exposição ao risco de crédito deve ser vista temporalmente em duas perspetivas: o risco associado a eventos de crédito atuais (risco de crédito atual) e o risco associado a eventos

2 Os bens pessoais dos proprietários da empresa estão protegidos dos credores pelo princípio da responsabilidade limitada, que também pode ser aplicado a sociedades.

futuros. Por exemplo, existe o risco de incumprimento de um pagamento com vencimento imediato, mas assumindo que o devedor está solvente e que fará o pagamento atual, permanece o risco de que entre em incumprimento numa data posterior. Esse é o risco de crédito potencial e pode diferir do risco de crédito atual. Uma empresa com dificuldades financeiras momentâneas poderia, com tempo suficiente, resolver os problemas e apresentar-se em melhor condição financeira posteriormente. Portanto, um credor deve avaliar o risco de crédito em diferentes momentos.

Outro elemento do risco de crédito, é a possibilidade de um devedor entrar em incumprimento num pagamento atual a um credor diferente. Alguns contratos, nomeadamente em financiamentos concedidos por entidades financeiras, contêm uma cláusula que estipula que se um devedor entrar em incumprimento em dívidas pendentes, o devedor estará em incumprimento com todos. Neste caso, os credores podem agir rapidamente para mitigar as perdas.

É útil destacar algumas diferenças entre o risco de crédito e o risco de mercado.

– O prazo avaliado é frequentemente mais longo para risco de crédito do que para o risco de mercado. Este prazo mais longo é principalmente resultado da iliquidez da maioria dos produtos de crédito. Os empréstimos são o exemplo clássico e têm sido tradicionalmente mantidos até ao vencimento. Eventos de crédito tendem a desdobrar-se num horizonte de tempo mais longo do que os eventos de mercado – semanas e meses em vez de minutos e horas. Portanto, para o risco de crédito, a distribuição de ganhos e perdas é medida em um ou mais anos. – Assimetria do risco de crédito: A distribuição de perdas e ganhos para os riscos de crédito é muitas vezes assimétrica, com uma cauda inferior gorda. Qualquer que seja a causa da assimetria, é mais prevalente no risco de crédito do que o risco de mercado e torna-o mais difícil de medir. – Dados e questões legais: Em primeiro lugar, há o problema de que não há histórico sobre o próprio evento, pois a análise de crédito, para ser útil, é realizada antes de um determinado empréstimo ou incumprimento do devedor, não depois. Essa situação contrasta com o risco de mercado, onde os movimentos nos preços de um determinado ativo são relativamente fáceis de medir. Como resultado, todos os tipos de dados auxiliares sobre a qualidade de crédito e as perspetivas das contrapartes e outras exposições de crédito devem ser usados para estimar a probabilidade de incumprimento. Mas muitos dos dados auxiliares são difíceis de obter porque os dados públicos sobre os riscos de crédito muitas vezes não estão disponíveis.

Também há desafios na obtenção e gestão de dados que são internos à empresa. Esses dados incluiriam detalhes sobre quem são as contrapartes de uma empresa e outras exposições. Esses dados internos estão sob o controlo da empresa, por isso assumem que são acessíveis, mas esses dados estão frequentemente espalhados por diferentes unidades de uma

organização, recolhidos e armazenados por motivos alheios à análise de risco de crédito, e muitas vezes inacessíveis e inutilizáveis na forma original. Além disso, esses dados podem ser complexos e difíceis de recolher.

As questões legais são importantes para a avaliação do risco de crédito: A organização legal das contrapartes, detalhes dos contratos e garantias e prioridades e local em caso de falência, são críticos. Tais questões geralmente não importam para o risco de mercado, que geralmente decorre de mudanças nos preços de ativos em vez de detalhes de contratos legais.

Vejamos alguns exemplos de sistemas de medição de risco de crédito que procuram quantificar o risco de perdas por incumprimento da contraparte. A distribuição do risco de crédito pode ser vista como um processo composto pelas variáveis seguintes:

 Incumprimento: o devedor está em incumprimento ou não; isso ocorre com uma probabilidade de default (PD).  Exposição ao crédito (CE): é o valor do crédito sobre o devedor.  Perda por incumprimento (LGD): representa a percentagem do incumprimento.

Por exemplo, consideremos uma situação em que o incumprimento resulta numa taxa de recuperação de 25%. Então, a perda por incumprimento (LGD) é 1 – 25% = 75% da exposição. Esta é uma aproximação razoável para créditos sob a forma de empréstimos, mas não para o risco de crédito de derivados ou outros. Se o devedor deve dinheiro, apenas uma fração deste é recuperável.

As ferramentas desenvolvidas para medir o risco de mercado são úteis na avaliação do risco de crédito, não obstante as diferenças entre os riscos de mercado e de crédito anteriormente descritas.

O risco de crédito cria uma distribuição enviesada para a esquerda, porque na melhor das hipóteses, o devedor faz o pagamento em falta e não há perda; mas na pior das hipóteses, perde todo o valor em dívida. O horizonte temporal também é diferente, pois enquanto o tempo necessário para a cobertura ou atuação corretiva é relativamente curto no caso do risco de mercado, é muito maior para o risco de crédito. Ao nível de agregação, os limites de risco de mercado podem ser aplicados a uma unidade de negócios e, eventualmente, a toda a empresa. Os limites de risco de crédito devem ser definidos ao nível do devedor, para todas as posições assumidas pela empresa. Além disso, as questões legais são importantes no caso do risco de crédito como já referimos.

Para medir o risco de crédito como efeito do incumprimento devemos considerar as perdas de crédito. A distribuição de perdas de uma carteira de crédito de N créditos pode ser descrita assim:

N Perdas de crédito = bi × CEi × (1–fi)

i=1

em que:

 bi : variável aleatória que assume o valor de 1 se ocorrer incumprimento e 0 no caso contrário, com probabilidade pi tal que E[bi] = pi;  CEi : exposição ao crédito no momento do incumprimento;  fi : taxa de recuperação, ou (1 – fi) = perda, dado o incumprimento.

Assumindo-se que a única variável aleatória é o indicador de incumprimento bi, então o valor esperado das perdas é dado por:

E(Perdas esperadas–CL)= E(bi) × CEi × (1–fi)

N

i=1

N = pi

i=1 × CEi × (1–fi)

EXEMPLO 18. Perda de crédito esperada

Suponhamos uma empresa que atribuiu crédito a um cliente sem garantias no montante de 1000 000 euros com reembolso num único pagamento. A empresa tem 5% de probabilidades de incumprir e os cálculos indicam que, se tal ocorrer é possível recuperar metade do crédito em tribunal. Qual a perda esperada?

Perda esperada (ECL) = CE × p × (1 – f) = 100 000 × 0,05 × (1 – 50%) = 2 500 euros.

Um outro aspeto a considerar é a possibilidade de um incumprimento em conjunto de dois eventos de crédito (C1 e C2), o que depende das probabilidades marginais e correlações.

Se os eventos forem estatisticamente independentes, a probabilidade de qualquer evento conjunto é dada pelo produto dos eventos individuais: p (C1 e C2) = p(C1) × p(C2).

Se os dois eventos estiverem perfeitamente correlacionados (ρ

C1,C2 = 1):

p(C1 e C2) = p(C2 | C1) × p(C1) = 1 × p(C1) = p(C1).

De forma mais geral, a probabilidade de um incumprimento é:

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