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Sonia Fernandez 43 a

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Jane Barreto 65 a

Jane Barreto 65 a

Foto: MarcelloCasalJr - EBC fazendo seu papel, colocando o dedo na ferida ou emulando com a vida, às vezes com adiantamento, às vezes com atraso. O leitor, por sua vez, pode fazer da obra de arte - o texto - sua arma de superação. Só precisa atentar para suas configurações, pois, cada grito coletivo ou pessoal contém a massa de traumas e ações contidas e reprimidas que uma boa leitura é capaz de fazer emergir e levantar. De tal modo, o acaso que me colocou diante da canção de Gonzaguinha interpretada por Badi Assadi e, principalmente, diante do refrão “Você merece” que me faz pensar, justamente, nos ecos que estendem os gritos da “Ode ao burguês”, declamada no Teatro Municipal de São Paulo, com o mesmo propósito de sacudir a “pasmaceira grossa” dos brasileiros (nas palavras de Mário de Andrade), até a letra de “Comportamento Geral”, na qual a indiferença é aclamada por meio das palavras ”cerveja”, “samba” e “carnaval”. Três ícones da displicência do brasileiro disputam com as “aristocracias cautelosas”, o “burguês-funesto”, as “mesmices convencionais” que motivaram o “Fora! Fu! Fora o bom burguês”, da Ode. Nesse sentido, essa chave-de-ouro que encerra o poema tem a força comparável à do refrão da canção. Paralelismos a advertir o leitor. Além disso, o “Você merece”, repetido ao longo da letra, dramatiza o silêncio que dominou os quase cinquenta anos que separaram um texto do outro, pois, enquanto, os que “algarismam os amanhãs”, amplamente desqualificados na ”Ode ao burguês” seguiram agindo abertamente ou à ocultas, os famintos não saíram de sua impassibilidade, nem entre 1922 e 1973 e nem entre 1973 e 2022.

Denúncia, por um lado, protesto, por outro. Até que outros ecos daqueles gritos e ressonâncias expressos enfaticamente no refrão fossem ouvidos, como afinal aconteceu na canção “Ode ao burguês” (2019), de Revolta MC, no mais autêntico espírito de paródia, tão ao gosto do Modernismo. Acaso? Não. Seu Zé acabou por vocalizar seu próprio ódio ao burguês. Tal qual a vida, a arte tem seu próprio tempo de incubação e de explosão.

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Observador da vida alheia

Laerte Temple Doutor em Ciências Sociais Relações Internacionais

Após abandonar a 3ª faculdade e ser reprovado em concursos pela enésima vez, Armando Benz, o Mandô, só quer um trabalho que lhe garanta o sustento. Não procura algo corporativo ou acadêmico, tipo prêmio Nobel, mas o suficiente para uma vida modesta: muita grana, um belo apê, casa na praia, viagens, carrão e Chateauneuf du Pape toda noite. Coisa simples. Só isso! Criativo, cínico, crítico e sarcástico, fala o que vem à cabeça e sempre arruma confusão. Enquanto procura uma carreira, trabalha como impressor na gráfica da mãe, Aida Benz, para quem ele não leva jeito para tocar o negócio. Certa vez errou na diagramação e imprimiu um trabalho péssimo, com várias páginas manchadas e encadernadas de ponta cabeça. Aida Bens não o deixou reimprimir e o cliente desistiu. Mandô Benz entendeu o pensamento de Aaron Burns: “Não há uma segunda chance para uma boa impressão.” Fez vários cursos on line, tentou trabalhar como personal isso, personal aquilo, influenciador digital, harmonizador facial, terapeuta vibracional e outras profissões da moda, mesmo sem saber do que se tratavam. Nada deu certo.

Fanático pelas redes sociais, posta comentários venenosos no seu blog “Complexamente Simples”, onde critica a família, vizinhos, parentes, políticos e celebridades, sem filtro e sem compromisso com a verdade. A popularidade do blog chamou a atenção do editor de um grande jornal e ele ganhou uma coluna diária que logo se tornou a mais lida e comentada do país. O sucesso meteórico rendeu uma equipe exclusiva à sua disposição: secretária, designer gráfico, revisores e pesquisadores. O Complexamente Simples também virou programa de TV, líder de audiência. Sempre convidado para eventos, debates e entrevistas, a nova celebridade instantânea viu seus ganhos saltarem de merreca, na gráfica da

magazine 60+ #34 - Abril/2022 - pág.47

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