
6 minute read
3.4.4 A dimensão da escuta: a carnavalização da história
from “Sou da negritude, o fruto e a raiz”: os sambas afro brasileiros da Nenê de Vila Matilde como recurs
fonte ativa e presente dentro do processo de ensino, e não um enigma histórico em que o aluno tem que descobrir a sua “utilidade”. A música, portanto, deve proporcionar um prazer de escuta, antes de tudo, para que surja empatia e contato com a letra, além de uma maior relação de diálogo entre aluno e professor, proporcionando um aprendizado produtivo e horizontal ao analisar o que diz cada canção. Essa interação e entendimento da letra antes e depois da escuta, bem como o conhecimento do professor sobre o tema, propicia um aprendizado que não será artificial, mas, contextualizado.
3.4.4 A dimensão da escuta: a carnavalização da história
Advertisement
Carnavalizar, como vimos, é uma definição bakthiniana de inversão da ordem e do sentido em sociedade. Se tomarmos os sambas enredos escolhidos para análise, veremos que a visão empregada pela escola recai quase sempre em um aspecto de carnavalização da história, em uma ótica da existência de outra história, recaindo sempre em uma resolução do problema. Vimos o poder que a música possui no processo de ensino, que nos faz questionar não só o seu conteúdo, como os seus processos de construção e origem. Assim, pensamos que o samba enredo da Nenê de Vila Matilde de temática afro-brasileira, nos seus distintos eixos e significados, podem romper as ideias fixas de visualizar o negro, sua cultura e história, criando a possibilidade de mudanças de “sentimentos, auxiliando-os no desenvolvimento e no equilíbrio de sua vida afetiva, intelectual, social, contribuindo enfim para a sua condição de ser pensante” (SEKEFF, 2007, p. 128). Oposição de conhecimentos e da cultura como um todo, em uma carnavalização no modo como analisar o currículo e a história. Acreditamos e defendemos o uso do samba enredo como recurso e possível material didático na sala de aula, pois é uma linguagem ampla, que gera reação, envolve ou invoca uma experiência estética além da musical, que se encontra na composição de nossa teia cultural urbana e que está sempre em mudança. O samba enredo possui uma função cultural importante, já que é uma obra que se encontra em um tempo específico, com aspectos e pensamentos de uma época e que marcam o seu processo de visualização do passado e do presente, tornando-se, assim, um documento para pesquisa em sala de aula. Isso faz do samba enredo uma experiência “de sentimentos pretéritos e presentes de uma época, pela percepção de como o compositor diz o que diz”
(SEKEFF, 2007, p. 133), possibilitando ao estudante reconhecer tempos e anseios de outras épocas descortinando “novas possibilidades de que ele sinta e se reconheça, pois, a maneira de vivenciá-la é exclusivamente pessoal, é exclusivamente função do receptor” (SEKEFF, 2007, p. 133). O uso do samba enredo possibilita questionar outros tempos, que nem sempre são oficiais, ou que se tornam histórias periféricas, mas que, no carnaval, possuem centralidade e protagonismo. A Nenê de Vila Matilde é uma narradora do passado negro, sempre produzindo e recriando a sua própria narrativa da ancestralidade negra, que, em paralelo aos movimentos sociais, inseriu o negro no cotidiano e na sociedade, assim como diversas escolas de samba. Quando a agremiação se volta para sua raiz racial, ela se torna uma vigilante de um passado que se materializa no desfile e no samba enredo. Possibilita, então, o reconhecimento de outras culturas e da cultura do aluno. Perceber o samba enredo em sua carnavalização da história é destacar os três aspectos da canção popular apresentados por Miriam Hermeto (2012): presença e exposição da realidade; realidade ausente; e reconstrução da realidade. Nos ateremos ao último aspecto. A reconstrução da realidade seria o a reconstrução por meio de utopias, de propostas novas, ou seja, de colocar um novo sentido ou até mesmo um outro fim, como nos sambas enredo de 1978 ou de 1997, com fins sobre uma ótica de otimismo de uma sociedade que atinge a igualdade nas diferenças raciais, ou, até mesmo, o samba sobre Zumbi dos Palmares, que apresenta um novo final para a luta do herói negro. O compositor Jangada, do samba de 1982, comenta sobre o modo de construção do refrão do samba: “olha o tombo (quer dizer, está chegando um samba duro), e samba de congo (ou seja, de raiz), e tem dendê (que também tem mistério), chegou novo quilombo (refúgio de negros), e o seu nome é Nenê” (TAIAR, 1982). Portanto, os sambas-enredo de temática afro-brasileira têm um papel documental para se entender diversos aspectos de uma escola de samba, por isso, se tornam um recurso ao professor e ao livro didático. Pensando com Miriam Hermeto (2012), a música, incluindo o samba enredo, possui uma identidade do documento, que, dentro de diversas dimensões, compõe uma particularidade que lhe é própria, independente de outros temas ou abordagens parecidas. Hermeto (2012) aponta algumas formas de se pensar a didatização da música: a dimensão descritiva do documento, analisando o tema e o objeto da letra e do discurso; isso possibilitaria analisar a narrativa histórica que o samba enredo armazena na sua composição e acontecimentos descritos; quais os sujeitos da ação. A dimensão explicativa, a construção da narrativa de um tema em questão de modo que a visão do compositor seja posta em pauta, o
que mostra a interpretação que compõe o seu espaço de ação, “alguém que ler e o interpreta, de acordo com a sua inserção numa rede de relações sociais e de poder” (HERMETO, 2012, p. 146). Pensar o samba nesse aspecto possibilita ver como a visão do negro foi mudando ao longo do tempo e com o passar dos diferentes tipos de compositores pela escola de samba, o que fomenta ainda mais sedimento no processo de análise histórica, possibilitando questionar o samba na história. E, finalmente a dimensão dialógica, pensar na metalinguagem da música e textos e referências escritas, incluindo o livro didático. É um procedimento interessante, pois compara uma linguagem abstrata, de um conhecimento cotidiano, com a linguagem do conhecimento acadêmico e escolar, o que gera um conhecimento “novo” sobre o conteúdo ao aluno. “O exame dessa dimensão pode facilitar a percepção de que uma narrativa não se produz solitariamente, mas sempre em dialógica com outros” (HERMETO, 2012, p. 147), o que mostra que qualquer documento é permeado por contextos de seu presente. A dimensão dialógica é a que mais se aproxima daquilo que estamos discutindo ao longo do capítulo, o que nos faz pensar em outra dimensão que chamaremos de dimensão carnavalizada do documento. A análise do samba enredo perpassa o aspecto da carnavalização, em que o samba surge de duas forças: do enredo da escola e da finalidade do desfile, que interfere na composição do compositor, que produz seguindo duas forças: o conteúdo do enredo e outras fontes em sua criatividade e vivência. Dessa maneira, para entendermos o samba enredo, precisamos compreender que sua dimensão é forjada dentro de uma interpretação de um carnavalesco sobre a história (um pensamento carnavalizador dentro da sinopse), que se transforma em um samba enredo com um aspecto descritivo e pedagógico, originado da pesquisa e criatividade do compositor da obra. Assim, as capacidades que conseguimos nessa dimensão carnavalizada são as mesclas das dimensões descritiva, explicativa e dialógica, porém, nos direcionando para os aspectos singulares que compõem a canção de carnaval, desta forma, seria interessante para compreender o samba enredo:
Identificar o que o enredo propõe (sua temática, seu conteúdo), quem é o sujeito que está presente no samba e como ele se apresenta na letra; Entender o contexto histórico do enredo e como o samba consegue recriar e colocar uma carnavalização no seu contexto; Analisar como o compositor está inserido no samba enredo, bem como se a construção do samba foi uma junção de mais outros sambas, se foi por meio de uma eliminatória