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2.1. Cultural e processos culturais

diferenciados justamente por conta da divisão sexual do trabalho e dos papéis de gênero, sendo que, quanto às mulheres negras, há uma atuação ainda mais forte desses processos culturais reguladores, como veremos adiante nesse capítulo.

2.1. Cultura e processos culturais

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A cultura tem sido entendida, com o passar dos tempos, como costumes, tradição, etnicidade, como regras implícitas a serem seguidas, bem como tem sido usada como justificativa para diversas ações bélicas, quando essas na verdade são impulsionadas por interesses econômicos e políticos. As relações que entendemos como cultura são, na verdade, a maneira como escolhemos agir no mundo, que pode ser padronizada ou marginalizada. Se compreendermos o padrão hegemônico imposto, qual seja, o padrão europeu, branco, cisheteronormativo, judaico-cristão e não deficiente, em outras palavras, um padrão colonialista, toda a cultura popular e que contrarie esse padrão, incluindo o samba, estará marginalizada. Luis Alberto Warat infere que temos “(...) um complexo repertório de relações e significações estandardizadas que, como um rio que deságua em si mesmo, legitima como cultura um patrimônio significativo altamente intolerante” (WARAT, 1994, p. 133). Isto é, somente o que segue uma racionalidade universal dentro do padrão referido, que é altamente preconceituoso, é aceito e recepcionado como cultura. O autor busca a quebra desses padrões de comportamento – institucional, afetivo e pessoal – através da carnavalização, com a qual questiona essa racionalidade hegemônica que seleciona o que é ou não é cultura, justamente porque ela é baseada nesse modelo europeu, branco, cisheteronormativo e capitalista. A carnavalização é apresentada primeiramente por Bakhtin, e pode ser lida como a superação da relação contraposta entre uma cultura popular vulgarizada e a alta cultura, cultura da elite (HALL, 2013, p. 378). A ideia de cultura como sinônimo de cidadania, de polidez e bons modos, ligada à elite burguesa, remonta à Europa no período do Iluminismo e tem forte caráter colonialista. Como afirma Terry Eagleton:

Aqueles que proclamam a necessidade de um período de incubação ética para preparar homens e mulheres para a cidadania política incluem os que negam aos povos coloniais o direito à autodeterminação até serem suficientemente «civilizados» para o exercício das suas responsabilidades. Ignoram o facto de a melhor preparação para a independência política ser, de longe, a independência política. Ironicamente, então, uma tese que avança deliberadamente da humanidade para a cultura e desta para a política trai, pelo seu próprio preconceito político, o facto de o verdadeiro movimento ser no sentido contrário — de serem os interesses políticos

que normalmente governam os culturais e, ao fazê-lo, define uma determinada versão de humanidade. Assim, o que a cultura faz é destilar a nossa humanidade comum dos nossos sectários eus políticos, redimindo o espírito das sensações, arrancando o imutável ao temporal e extraindo unidade da diversidade (EAGLETON, 2003, p. 18-19, grifo meu).

Considerar a cultura desde um padrão civilizatório europeu nada mais é do que colonizar outros modos de ser e estar no mundo, sendo que há um interesse muito mais político do que cultural por trás dessa normalização de comportamentos. Por isso, falar em cultura não é falar em tradição, nem mesmo em etnicidade, mas também não é somente falar sobre a carnavalização, em que haveria a superação da oposição entre duas formas de ser e estar no mundo. Para Terry Eagleton, a cultura é uma das palavras mais difíceis de determinar na língua inglesa, que remonta seu significado no cultivo agrícola, de “culturas” alimentícias, mas que foi sendo apropriada conforme o desenvolvimento urbano, pela transformação do trabalho, que deixou de valorizar o trabalho manual e passou a enaltecer o trabalho intelectual. O autor considera que:

A ideia de cultura significa, então, uma dupla recusa: do determinismo orgânico, por um lado, e da autonomia do espírito, pelo outro. Trata-se de uma recusa simultânea do naturalismo e do idealismo, insistindo contra aquele em que existe algo na natureza que a ultrapassa e destrói, e afirmando contra o idealismo que até a actividade mental humana mais elevada tem as suas humildes raízes na nossa biologia e no ambiente natural. O facto de a palavra «cultura» (tal como «natureza», aliás) poder ser simultaneamente descritiva e apreciativa, significando quer o que na realidade evoluiu como o que deveria ter evoluído, é relevante para esta recusa simultânea do naturalismo e do idealismo (EAGLETON, 2003, p. 15).

O samba foi tido, na sua gênese, como algo a que faltasse cultura, pois tido como vulgar, sujo e pobre, ligado às camadas mais inferiores da sociedade carioca, mãos de obra barata e não capacitada, a quem faltava a intelectualidade e a superioridade racional – o que muito tem a ver com o racismo e a colonização perpetuada na sociedade brasileira, como vimos no tópico anterior. “Criminalizado” por ser associado à vadiagem, o carnaval – umas das maiores expressões do samba carioca – passou a ser proibido. O samba somente passa a ser aceito a partir da sua institucionalização pelo Estado e capitalização pela indústria cultural. Ou seja, o samba passa a ser uma “cultura popular”, quando passa a estar em disputa entre os povos dos terreiros, das rodas de samba e das comunidades onde se situam as agremiações, e as indústrias culturais que buscam capitalizar aquilo que nesses lugares é produzido. Isso porque, uma “cultura popular”, como ensina Stuart Hall, tem como essencial “as relações que colocam a ‘cultura popular’ em uma tensão contínua (de relacionamento,

influência e antagonismo) com a cultura dominante. Trata-se de uma concepção de cultura que se polariza em torno dessa dialética cultural” (HALL, 2013, p. 85). Por isso o autor também afirma que “não existe uma ‘cultura popular’ íntegra, autêntica e autônoma, situada fora do campo de força das relações de poder e de dominação culturais” (HALL, 2013, p. 281). Para Stuart Hall, “a cultura popular é um dos locais onde a luta a favor ou contra a cultura dos poderosos é engajada; é também o prêmio a ser conquistado ou perdido nessa luta. É a arena do consentimento e da resistência” (HALL, 2013, p. 291). O autor se refere às relações de poder e de dominação cultural como aquelas que são gerenciadas pelo capitalismo, na sua forma mais atual, pelo neoliberalismo, e coloca que “(…) o princípio estruturador do ‘popular’ neste sentido são as tensões e oposições entre aquilo que pertence ao domínio central da elite ou da cultura dominante, e à cultura da ‘periferia’”(HALL, 2013, p. 283-284). Para ele “as culturas, concebidas não como ‘formas de vida’, mas como ‘formas de luta’ constantemente se entrecruzam: as lutas culturais relevantes surgem nos pontos de intersecção” (HALL, 2013, p. 287-288). Joaquin Herrera Flores já apresenta esse conflito de outra maneira. O autor afirma que a cultura se divide entre “o cultural” e “a cultura”, sendo que a cultura é “(...) entendida como um conjunto fechado de produções culturais irremovíveis” (2005b, p. 63)30, enquanto o cultural é “(...) algo aberto que pode ser transformado pela ação humana, pode nos servir para enfrentar o muro e começar sua destruição” (2005b, p. 63)31. Por isso, não podemos entender cultura somente como algo estático, pronto e imutável, mas buscar “(…) um conceito de cultural que vá contra tudo o que diminui nossa capacidade e nosso potencial genérico de criar e transformar o mundo” (HERRERA FLORES, 2005b, p. 07)32. Para o autor, “o cultural pode ser definido, então, como o processo humano contínuo de construção, troca e transformação de signos a partir do qual indivíduos e grupos direcionam suas ações nos ambientes de relacionamento em que vivem” (HERRERA FLORES, 2005b, p. 99, grifos no original)33 . As ideias de Eagleton, Hall, Herrera Flores e Warat se complementam quando

30 Tradução livre. No original: “(...) entendida como un conjunto cerrado de producciones culturales inamovibles”. 31 Tradução livre. No original: “(...) algo abierto que puede ser transformado por la acción humana, puede servirnos para enfrentarnos al muro y comenzar su destrucción”. 32 Tradução livre. No original: “(…) un concepto de lo cultural que vaya contra todo lo que disminuya nuestra capacidad y nuestra potencialidad genérica de crear y transformar el mundo”. 33 Tradução livre. No original: “ Lo cultural puede definirse, pues, como el continuo proceso humano de construcción, intercambio y transformación de signos a partir de los cuales los individuos y los grupos orientan sus acciones en los entornos de relaciones en que viven”.

entendem que aquilo que geralmente é tido como cultura, na verdade, são os produtos culturais impostos, fechados em processos reguladores, que limitam as formas de ser e estar no mundo. Por isso a necessidade de adotar um conceito de cultura, ou de cultural, que seja mais aberto, que compreenda a dialética cultural como um processo provisório, em constante mudança, que englobe as diferenças e aquilo que Herrera Flores entende como a capacidade humana de fazer e desfazer mundos. Desse modo:

Se “o cultural” nos impulsa a atuar criativa e transgressoramente partindo de tal indignação frente às injustiças e às explorações, os direitos humanos prestarão ao fim a via necessária para conectar as diferentes lutas que as plurais e múltiplas formas de vida que povoam nosso mundo tem realizado na busca da dignidade humana. A qual, poderia definir-se em termos gerais como a implantação da potencialidade humana para construir os meios e as condições necessárias que posibilitem o desenvolvimento da capacidade humana genérica de fazer e desfazer mundos (HERRERA FLORES, 2005b, p. 11)34 .

Para Herrera Flores, o cultural, na verdade, são os processos culturais a partir dos quais não se criam somente identidades, “mas também de criação de sentidos, de novos signos culturais, enfim, de novas relações sociais, psíquicas e naturais em contextos concretos e específicos” (HERRERA FLORES, 2005b, p. 33, grifo no original)35. Em outras palavras:

(…) o cultural não é uma atividade passiva que se dedica a representar estaticamente dito conjunto de relações. Ao adquirir meios e instrumentos que nos permitam explicar, interpretar e intervir nos relacionamentos, estamos modificando-os em um sentido regulatório ou emancipatório. (HERRERA FLORES, 2005, p. 132, grifo no original)36

34 Tradução livre. No original: “Si “lo cultural” nos impulsa a actuar creativa y transgresoramente partiendo de tal indignación ante las injusticias y las explotaciones, los derechos humanos prestarán al término el cauce necesario para conectar con las diferentes luchas que las plurales y múltiples formas de vida que pueblan nuestro mundo han realizado en la búsqueda de la dignidad humana. La cual, podría definirse en términos generales como el despliegue de la potencialidad humana para construir los medios y las condiciones necesarios que posibiliten el desarrollo de la capacidad humana genérica de hacer y des-hacer mundos”. 35 Tradução livre. No original: “Es decir, mas que de “cultura” hablaremos de “procesos culturales”, es decir, de un proceso, no sólo de creación de identidad, sino también de creación de sentidos, de nuevos signos culturales, en definitiva, de nuevas relaciones sociales, psíquicas y naturales en contextos concretos y específicos”.

36 Tradução livre. No original: “(...) lo cultural no es una actividad pasiva que se dedique a representar estáticamente dicho conjunto de relaciones. Al procurarnos medios e instrumentos que nos van a permitir explicar, interpretar e intervenir en las relaciones, vamos modificándolas ya sea en un sentido regulador o emancipador. Por esa razón, más que de “culturas”, hablamos de procesos culturales, y más que de humanismo abstracto y metafísico, hablamos de proceso cultural de humanización, el cual nos permitirá, si es que queremos buscar una alternativa al orden de cosas existente, acceder a la realidad de un modo emancipador y solidario”.

Os processos culturais, então, são dinâmicos e provisórios – assim como os direitos humanos quando entendidos como processos de luta. Suas produções e produtos culturais, que reagem frente a uma realidade que nos determina (HERRERA FLORES, 2005b, p. 143), “(...) podem nos proporcionar, pois, um acesso regulador – restritivo, excludente, monológico, “ideológico” – ou emancipador – comprometido com a ampliação do que entendemos por humano, e que seja includente e plural, isto é, “cultural” (HERRERA FLORES, 2005b, p. 139, grifos no original)37 . Portanto, os processos culturais podem ser distinguidos entre processos culturais reguladores/conservadores/ideológicos e processos culturais emancipadores/humanizadores. Nesse sentido:

(…) um processo cultural conservador será aquele que obscureça ou invisibilize o contexto do qual – e para o qual – surge, dando a impressão de que sua metodologia é a metodologia: a base da ação racional e o sustento de suas pretensões de universalidade. Enquanto um processo cultural de corte emancipatório tenderá sempre a ilustrar, a iluminar e a enxergar os mecanismos básicos com os quais os poderes hegemônicos extraem e apropriar-se do valor social que os seres humanos em seu fazer criam (capacidade da qual, geralmente, são despojados), tentando propor em todos os momentos novas formas de produção de valor mais alinhadas com as premissas da criatividade e subversão cultural de tudo o que impede a implementação dessa capacidade. (HERRERA FLORES, 2005b, p. 15-16, grifo no original)38 .

Assim, os processos culturais emancipadores mantêm abertos os processos de reação cultural a realidade, proporcionando outras metodologias de ação social, enquanto os processos culturais reguladores fecham tais possibilidades “em benefício dos interesses e estratégias de acumulação de capital e de poder de outros” (HERRERA FLORES, 2005b, p. 19)39, bloqueando os circuitos de reação cultural, confundindo tais processos como se fossem estruturas já consumadas e imutáveis. Por isso que:

(…) os produtos culturais e as relações sociais, psíquicas e naturais, hegemônicas ou dominantes, serão apresentados como os únicos possíveis, racionais e universais, já

37 Tradução livre. No original: “Los productos culturales pueden proporcionarnos, pues, un acceso regulador –restrictivo, excluyente, monológico, “ideológico” – o emancipador –comprometido con la ampliación de lo que entendemos por humano, y que sea incluyente y plural, es decir,'cultural'”. 38 Tradução livre. No original: “(…) un proceso cultural conservador será aquel que oscurezca o invisibilice el contexto del que – y para el que – surge, dando la impresión de que su metodología es la metodología: la base de la acción racional y el sustento de sus pretensiones de universalidad. Mientras que un proceso cultural de corte emancipador siempre tenderá a ilustrar, a iluminar y a hacer ver los mecanismos básicos con que los poderes hegemónicos extraen y se apropian del valor social que los seres humanos en su hacer crean (capacidad de la que, por lo general, son despojados), intentando proponer en todo momento nuevas formas de producción del valor más acordes con las premisas de creatividad y subversión culturales de todo aquello que impida el despliegue de dicha capacidad”. 39 Tradução livre. No original: “(...) en beneficio de los intereses y estrategias de acumulación de capital y de poder de outros”.

que são a consequência necessária da imposição de uma "causa" de um "sentido" ou de um "fim" transcendental que é perdido na nebulosa da origem do tempo. Com isso, qualquer posição alternativa será relegada à margem, à irracionalidade ou ao particularismo cultural (HERRERA FLORES, 2005b, p. 137, grifos no original)40 .

Os processos culturais reguladores, então, se apresentam como se fossem os únicos, impedindo que outras maneiras de interpretar o mundo sejam possibilitados. Enquanto processos culturais reguladores que mais atuam na sociedade hoje em dia, o racismo e o patriarcalismo bloqueiam as diferenças, impondo um única compreensão de mundo, tida como universal, neutra e racional, negando a marginalidade outras formas que não se encaixem no modelo hegemônico masculino, de classe média, europeu, branco, judaicocristão, cisheterossexual e não deficiente. Tido por Lelia Gonzalez como o sistema de dominação na América, “(...) o racismo, essa elaboração fria e extrema do modelo ariano de explicação, cuja presença é uma constante em todos os níveis do pensamento, assim como parte e parcela das mais diferentes instituições dessas sociedades” (GONZALEZ, 1988a, p. 77), está na cultura brasileira, no embranquecimento do samba e na sua institucionalização, bem como na criminalização de ações associadas a esse processo cultural. Ainda assim, as culturas negras aparecem como processos culturais emancipadores quando buscam compreender e apresentar outras maneiras de ser e estar no mundo. Ou seja:

Não importa o quão deformadas, cooptadas e inautênticas sejam as formas como os negros e as tradições e comunidades negras pareçam ou sejam representadas na cultura popular, nós continuamos a ver nessas figuras e repertórios, aos quais a cultura popular recorre, as experiências que estão por trás delas. Em sua expressividade, sua musicalidade, sua oralidade e na sua rica, profunda e variada atenção à fala; em suas inflexões vernaculares e locais, em sua rica produção de contranarrativas; e, sobretudo, em seu uso metafórico do vocabulário musical, a cultura popular negra tem permitido trazer à tona até nas modalidades mistas e contraditórias da cultura popular mainstream, elementos de um discurso que é diferente – outras formas de vida, outras tradições de representação (HALL, 2013, p. 380, grifo no original).

Não podemos, entretanto, enxergar o samba como a essencialização de uma cultura negra ou da cultura brasileira, como a pureza musical da nacionalidade, pois isso seria uma imposição cultural, já que tudo está em constante mudança e disputa. O samba é um produto da cultura popular, na lógica em que “a cultura popular não é, num sentido ‘puro’, nem as tradições populares de resistência a esses processos [processo de ‘moralização’ das classes

40 Tradução livre. No original: “(...) los productos culturales y las relaciones sociales, psíquicas y naturales hegemónicas o dominantes, se presentarán como las únicas posibles, racionales y universales, ya que son la consecuencia necesaria de la imposición de una “causa” de un “sentido” o de un “fin” trascendental que se pierde en la nebulosa del origen de los tiempos. Con ello, toda posición alternativa se relegará al margen, a la irracionalidad o al particularismo cultural”.

trabalhadoras, de ‘desmoralização’ dos pobres e de ‘reeducação’ do povo], nem as formas que as sobrepõe. É o terreno sobre o qual as transformações são operadas” (HALL, 2003, p. 248249). Por isso, o samba é um produto cultural popular enquanto em constante disputa, em constante mudança, possibilitando-se como processo cultural emancipador. A abertura para diferentes e plurais formas de reação humana frente às relações que mantemos conosco mesmos, com os outros e com o ambiente é que caracterizam os processos culturais emancipadores. Esses processos culturais produzem signos, símbolos, representações e significados que intervem, interpretam e explicam aquelas relações. Esse é o circuito de reação cultural que Herrera Flores denomina, sendo um processo contínuo de construção e transformação (HERRERA FLORES, 2005b). Dentro dessa perspectiva, a metodologia de ação social são as maneiras como utilizamos as ferramentas que os processos culturais nos proporcionam. O samba, logo, pode ser tido como um processo cultural emancipador dentro de uma perspectiva em que apresente outras maneiras de ser e estar no mundo, na qual historicize os fenômenos sociais e apresente contexto para as ações literátias, econômicas, políticas e religiosas. Como processo cultural emancipador, ele proporciona produtos culturais, que colocam em relação os objetos com as ações e a partir delesse constituem as guias que suscitam a ação social (HERRERA FLORES, 2005b). Essa metodologia de ação social se diferencia da importada pelo colonialismo nos diversos processos culturais reguladores que atuaram (e atuam) sobre a sociedade brasileira, pois não tende a regular a realidade, não bloqueia os outros processos culturais que possam vir a surgir.

2.2. Os processos culturais reguladores do samba: controle social e indústria cultural

O racismo e a imposição da branquitude são as metodologias de ação social fundantes da cidade do Rio de Janeiro. Essas guias de ação interviram no surgimento do samba, agindo sobre eles como bloqueios ideológicos e tentando fechar as possibilidades de antagonismo e rebeldia, visto ser o samba um produto cultural de resistência negra nesse espaço urbano. O mito da democracia racial, ainda que questionado, persiste pela afirmação miscigenada de que aqui no Brasil ninguém é branco, afirmando Liv Sovik que, conquanto geneticamente a maioria dos brasileiros não seja branco, a branquitude é um ideal estético que se reitera e predomina culturalmente desde o nosso passado, sendo silenciado publicamente ou na presença da diversidade, mas perpetuado através da mídia (SOVIK, 2009). Por isso, para Kabengele Munanga, “enquanto o racismo clássico se alimenta na noção de raça, o

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