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3.2. O samba como um processo cultural emancipatório feminista

projeto ÉPreta é um antiessencialismo, bem como a reafirmação de processos criativos constantes e provisórios, como também afirma Paul Gilroy:

A música e seus rituais podem ser utilizados para criar um modelo pelo qual a identidade não pode ser entendida nem como uma essência fixa nem como uma construção vaga e extremamente contingente a ser reinventada pela vontade e pelo capricho de estetas, simbolistas e apreciadores de jogos de linguagem. A identidade negra não é meramente uma categoria social e política a ser utilizada ou abandonada de acordo com a medida na qual a retórica que a apoia e legitima é persuasiva ou institucionalmente poderosa. Seja o que for que os construcionistas radicais possam dizer, ela é vivida como um sentido experiencial coerente (embora nem sempre estável) do eu [self]. Embora muitas vezes seja sentida como natural e espontânea, ela permanece o resultado da atividade prática: linguagem, gestos, significações corporais, desejos (GILROY, 2012, p. 209).

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Com isso, o autor busca ressaltar que a identidade é vivenciada, independentemente, de interesses que possam utiliza-la ou abandona-la no seu discurso. O que ocorre é que ela não é fixa, ou permanente, ou constante. Logo, “o problema não reside na luta pela identidade, mas sim no essencialismo do étnico ou da diferença” (HERRERA FLORES, 2009, p. 159), pois não existem formas puras. Também não podemos esquecer das contradições que o samba traz, já que como produto cultural, permanece em constante disputa. Porém, vale usar dessas contradições para criar diálogos e espaços de lutas pelos direitos humanos. O que se quer é buscar no samba produzido pelas mulheres negras uma outra forma de entender a realidade, a partir de feminismo antirracista e anticapitalista, inspirado no discurso delas, como constataremos a seguir.

3.2. O samba como um processo cultural emancipatório feminista

A participação das mulheres nos processos de produção do samba como produto cultural, como vimos, foi e é atravessada pelas diferentes metodologias de ação social que se sobrepõe, dependendo do contexto histórico e social em que vivemos. A valorização, ou desvalorização, dessa participação e dos papéis ocupado por elas, assim como sua (in)visibilização, é atravessada/perpassada pela divisão sexual do trabalho e pelo racismo que estruturam o modelo patriarcalista e colonial da sociedade brasileira. Esse modelo tem como base o pensamento moderno, no qual a razão purificada e descorporificada cartesiana, orienta-se “(...) por uma análise do conhecimento genuíno como se este fosse alcançado livre de influências e determinações externas” (LONGINO, 2008, p. 514). Esse afastamento do sujeito do corpo e a crença numa razão pura estão presentes em

todas as formas de conhecer e todos os conhecimentos do mundo ocidental. Mas, na verdade, há uma ideologia masculina inconsciente que legitima epistemologicamente o conhecimento, disfarça a subjetividade de objetividade, e leva a crer que a neutralidade seja possível. O feminismo, então, se propõe a questionar como o conhecimento adquiriu gênero e como pode ser desprovido de gênero, e como os conceitos de verdade, racionalidade, objetividade, certeza, entre outros, devem ser repensados livres de sexismo, já que aquele “sujeito purificado que emerge da negação do corpo é um sujeito europeu, masculino e branco” (LONGINO, 2008, p. 515). As mulheres sambistas têm, então, proposto outro modelo de ser e estar no mundo, um modelo que tenha como base o feminismo e a luta por direitos humanos, através do samba como processo cultural, visto que:

Os “processos culturais” se apresentam, pois, como a construção de determinadas e concretas metodologias – e conteúdos – de ação social, isto é, como a generalização social, individual e institucional de um conjunto de chaves formais e materiais sob as quais canalizamos nossa ação no mundo. Chaves que constroem a agenda a partir da qual serão realizadas ações políticas, econômicas e sociais (HERRERA FLORES, 2005b, p. 65)54 .

Nesse sentido, a música “Virada” trata sobre uma outra maneira de se relacionar –sendo que podemos pensar nos relacionamentos que temos conosco mesmos, com os outros e com o ambiente ao nosso redor:

VIRADA (Marina Iris e Manu da Cuíca – Cedro Rosa)

1 Virá da gente 2 Um outro jeito de partir 3 Bem diferente desse que tá aí 4 Querendo tanto a quem se gosta 5 Sem pôr crachá 6 Nem se amarrar ou amordaçar 7 Essa é a nossa resposta 8 Quando o amor é libertação 9 Cheio de verdade no peito 10 Sem nenhuma chave na mão 11 E depois vou lembrar cada chão 12 Dessa estrada

54 Tradução livre. No original: “Los “procesos culturales” se presentan, pues, como la construcción de determinadas y concretas metodologías – y contenidos – de la acción social , es decir, como la generalización social, individual e institucional de un conjunto de claves formales y materiales bajo las cuales encauzamos nuestra acción en el mundo. Claves que construyen la agenda a partir de la cual se llevarán a cabo las acciones políticas, económicas y sociales”.

13 Se daquele amor não sobrou nada 14 Escrevo um samba em 15 Página virada

A música faz referência ao amor, que podemos entender não só o amor romântico, mas do amor como uma teia de cuidados (WARAT, 2000, p. 113) que devemos ter para conoscos mesmos, para com os outros e para com o ambiente, sendo que esse é o amor libertação (linha 8) ao qual a música refere. Ela propõe “Um outro jeito” (linha 2), “Bem diferente desse que tá aí” (linha 3), de se relacionar, que “Virá da gente” (linha 1), do sujeito do discurso, que pode ser compreendido como as mulheres negras. Além disso, o título da música, “Virada”, sugere uma reviravolta, uma mudança brusca e radical. Como demonstra Helena Theodoro:

No Brasil, a cultura negra usa estratégias próprias de resistência de uma parte da população que não tem outras armas a não ser sua própria crença na vida, no poder de realização, no seu axé, criando com o seu imaginário papéis fundamentais para as mulheres, apresentados em mitos e rituais, mas vividos na comunidade (THEODORO, 1996, p. 64).

As mulheres negras, então, buscam na sua ancestralidade e nas formas de resistência construídas desde a imposição da branquitude, outros signos, significados, símbolos e representações para intervir nas relações que possuem consigo mesmas, com os outros e com a natureza. Elas apresentam diferentes formas de se relacionar com os estados de fato, posto que a metodologia de ação social hegemônica vigente busca oprimi-las e subjugá-las, colocando-as na base da pirâmede social. Quando a música afirma que a “resposta” (linha 7) é “Sem pôr crachá” (linha 5), “Nem se amarrar ou amordaçar” (linha 6), infere a um modelo em que não haja a posse, o controle e o silenciamento, um modelo que seja diferente do modelo capitalista onde o sujeito é aquele que possui e que consome. Refletir os relacionamentos que temos conosco mesmos, com os outros e com o meio ambiente em que nos inserimos é necessário também dentro do circuito de reação cultural proposto por Herrera Flores. São as reações quanto a essas relações que proporcionam os processos culturais, que produzem símbolos, signos, representações e significados que buscam intervir, explicar e interpretar o entorno dessas mesmas relações, fazendo a volta no circuito, mas mantendo-o aberto porque “o processo cultural supõe sempre esse caminho de ida e volta entre as relações culturais – individuais e coletivas – e as redes de relações que as provocam” (HERRERA FLORES, 2005b, p. 132)55. A partir disso podemos entender que o

55 Tradução livre. No original: “El proceso cultural supone siempre ese camino de ida y vuelta entre las reacciones culturales –individuales y colectivas- y las redes de relaciones que las provocan”.

samba como um processo cultural emancipador, visto que abre os circuitos de reação cultural, possibilitando a compreensão de outras metodologias de ação social e negando a existência de uma única maneira de perceber e agir no mundo. Pensar o samba como um processo cultural feminista possibilita criar outros signos, significados, símbolos e representações para intervir, explicar e interpretar as relações que mantemos conosco mesmos, com os outros e com a natureza, diferente do modelo capitalista em que vivemos. A partir do samba do ÉPreta, apresenta-se uma visão dinâmica da realidade, em que analisamos as relações de poder que condicionam o acesso aos produtos culturais, entendendo as diferentes e plurais formas de reações frente ao mundo (HERRERA FLORES, 2005b). O discurso da música “Virada”, bem como de todas essas músicas compostas por ou em parceria com mulheres do projeto ÉPreta apresentam um discurso do samba feminista, que questiona o papel de gênero da mulher, que critica o controle social imposto à mulher, denuncia a violência, a objetificação e preza pela liberdade. Esses sambas, então, com seu alcance nacional e internacional e sua linguagem direta e clara, podem ser uma ferramenta na luta pelos direitos das mulheres e pela igualdade de gênero e de emancipação em direitos humanos.

Nesse sentido, o samba é uma possibilidade de existência pública de sujeitos invisibilizados, e constitui-se como um meio de circulação dos valores e da cultura de sujeitos sempre tido na periferia do conhecimento. Isso porque, como afirma Herrera Flores, todos temos a mesma autoridade para falar, narrar e intervir ideologicamente na realidade, sendo que “somente então avançaremos no sentido de construir espaços de igualdade e democracia ou, o que é o mesmo, espaços sociais ampliados de interseção, complemento e oposição entre o instituído e o instituinte” (HERRERA FLORES, 2005a, p. 166).56 Sobre o alcance do samba, Marina Iris fala que:

O samba é um gênero popular pra caramba, e que alcança as pessoas, e que ele é, ele é... um gênero que promove, na verdade ele não promo... promove encontros, e também é, ele alimenta os encontros, enfim. Então nas reuniões de família, reuniões... ocupações de espaço público, o samba tem muita ligação com isso. Então, é uma possibilidade, o samba tem um potencial muito grande de alcançar muitas pessoas. Mesmo na diversidade. É isso o que eu acho que é mais interessante. Porque assim, uma música que esteja 'estorada' na rádio vai alcançar muita gente. E o samba ainda tem essa capacidade independente de estar no seu momento ápice, no seu auge, ou não. Né?! Porque vai ter uma coisa de circular pela cidade, da rádio-

56 Tradução livre. No original: “Sólo entonces iremos avanzando em el sentido de construir espacios de igualdad y democracia o, lo que es lo mismo, espacios sociales ampliados de intersección, complemento y oposición entre lo instituido y lo instituyente”.

roda, né?! Das rodas que tão por aí, muitas músicas que estouram na... “Pra matar preconceito”, que é uma música que eu lancei com Nina Rosa, é... a música debate a questão racial e principalmente, critica a fetichização da mulher negra. Então “Pra matar preconceito” é uma música que estoura nas rodas muito antes de ser gravada. Então... essa, esse é o barato da coisa, assim. Isso pra nós cria, além de um reconhecimento do trabalho, pra além da questão profissional, eu acho que cria uma onde mesmo de, de, de... fortalece a questão do empoderamento, cria uma onda em que as mulheres, o olhar, sabe?! Identificação, identificação assim (pausa). Muitas mulheres procuraram, passaram a procurar a gente, passaram a cantar, foram as mulheres que fortaleceram essa música na roda. Então... Não foram os homens. Né?! As mulheres que passaram a ir pra beira da roda quando essa música tocava, quando alguém cantava, entendeu? Então acho que esse já é uma, um fato novo, né?!

Ao se referir ao samba como um gênero musical amplamente ouvido, que se faz presente nos encontros de família, nas ocupações do espaço público, que alcança as pessoas “mesmo na diversidade”, Marina reitera papel do samba como uma ferramenta de emancipação em direitos humanos, como um processo cultural emancipador. Ela afirma que ao tocar nas rodas de samba a música “Pra matar preconceito”, ocorre uma identificação entre as mulheres que ali estão, fortalecendo seu empoderamento, sendo que esse empoderamento, como vimos na análise dos discursos das músicas, tem como pauta a inequívoca “(...) contestação do capitalismo monopolista como o maior obstáculo para a conquista da igualdade” (DAVIS, 2017, p. 24). Joice Berth lembra da figura de Tia Ciata como exemplo de empoderamento:

Para citar um exemplo mas conhecido, podemos falar de Tia Ciata e sua atuação fundamental dentro de sua comunidade, acolhendo e criando meios e fortalecimento, além de transformar o espaço que ficou conhecido como a “Pequena África”, no Rio de Janeiro, em uma resistência cultural e exaltação religiosa (BERTH, 2018, p. 7778).

Como afirmam Melino e Berner, “é por meio da arte, muitas vezes, que pessoas que não acessam os espaços institucionalmente reconhecidos de conhecimento expressam seus descontentamentos e reivindicações para melhora na qualidade de suas vidas” (MELINO; BERNER, 2016, p. 1877). As mulheres no samba, então, marcam a ocupação de um espaço público que sempre lhes foi negado dentro de uma lógica de capitalismo patriarcal de públicoprivado. Ainda que as mulheres negras sempre estivessem nesse espaço público como corpos objetificados e mão de obra barata, com o samba elas passam a ocupar esse espaço como sujeitas produtoras de conhecimento. Isso porque seus discursos, suas letras de samba, suas narrações, tradicionalmente consideradas como alheias ao político, passam a ser consideradas “matrizes produtoras que definem (instituem) o social e o fazem disponível como um objeto

de e para a ação transformadora” (HERRERA FLORES, 2005a, p. 165)57 Dentro de uma lógica descolonial essas mulheres sempre produziram conhecimento, porque são a base fundamental do cultural negro. O samba produzido por essas mulheres, então, se apresenta como um processo cultural emancipatório de reação ao pensamento hegemônico do que é arte e do que é cultura e possibilita pensar outras metodologias de ação social que possam ser mais inclusivas e respeitem as diferenças. Isso porque:

O processo cultural aparece assim como a reação humana que visa articular globalmente os discursos aparentemente incomensuráveis de política, arte, filosofia, economia e/ou religião. O processo cultural, como um conjunto de artifícios, mitos, lendas, construções científicas, artísticas, políticas ou econômicas, supõe o arcabouço, o âmbito onde todos esses discursos e narrativas encontram uma forma de expressão e comunicação. Mas cuidado, nem o cultural é separado da realidade em que vivemos, nem, claro, é toda a realidade que nos rodeia (HERRERA FLORES, 2005b, p. 90)58 .

O samba como um processo cultural feminista surge, assim, como um novo meio, uma nova ferramenta de democracia apta a propiciar o diálogo do direito com a realidade. É imprescindível a construção de uma nova consciência social a respeito dos direitos humanos, perpassando por instâncias que vão muito além do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, já que o sistema de justiça não possui em si a capacidade de alterar estruturas sociais e políticas de forma positiva. Nessa perspectiva:

Falar em democracia, para o mundo de hoje, implica em apelar para o novo. A democracia para este momento precisa inventar novos estilos de convergência entre os processos de participação social e os forçosos mecanismos de delegação de poder, de que necessitam para impulsionar a dinâmica do todo social (WARAT, 2000, p. 139).

Por isso, precisamos criar novas categorias que possam construir uma realidade social de igualdade e respeito às diferenças, uma sociedade de afetos e cuidado. Precisamos pensar o direito como “(...) fantasia da esperança: um saber que estimule a criação de novos vínculos e valores”59 (WARAT, 1994, p. 89), usando a perspectiva feministas antirracista para repensar o

57 Tradução livre. No original: “(...) matrices productivas que definem (instituyen) lo social y lo hacen disponible como un objeto de y para la acción transformadora”. 58 Tradução livre. No original: “El proceso cultural aparece así como la reacción humana que pretende articular globalmente los discursos aparentemente inconmensurables de la política, el arte, la filosofía, la economía y/o la religión. El proceso cultural, como conjunto de artificios, mitos, leyendas, construcciones científicas, artísticas, políticas o económicas, supone el marco, el ámbito donde todos estos discursos y narraciones hallan una forma de expresión y de comunicación. Pero ¡cuidado!, ni lo cultural está separado de la realidad en la que vivimos, ni, por supuesto, es toda la realidad que nos rodea”. 59 Tradução livre. No original: “(...) fantasía de la esperanza: un saber que estimule la creación de nuevos

que entendemos como direito. A compreensão do samba como um processo cultural feminista faz com que se compreenda que “o direito, a cultura e a democracia precisam ser vividos permanentemente como territórios de conquista e não como resultados” (WARAT, 2000, p. 135). Vale ressaltar que:

A arte, então, como a arma básica de uma cultura criativa, coloca em nossas mãos a possibilidade de atuar hereticamente no contexto dos conteúdos da ação social que nos são impostos nos lugares e tempos em que nascemos e vivemos. Por essas razões, as tiranias, que sempre souberam do poder da palavra e da imagem, dedicaram tanto esforço para controlá-las e reconvertê-las em suas formas particulares de legitimação. Contra estas tendências totalitárias sempre se levantaram as vozes daqueles que optaram por um sentido emancipatório do humano (HERRERA FLORES, 2005b, p. 31)60 .

O samba pode ser tido como um processo cultural feminista, pois a essência do processo cultural é reagir de um modo criativo frente ao conjunto de relações sociais, psíquicas e naturais na qual os sujeitos se inserem (HERRERA FLORES, 2005b, p. 32). É a reconstrução das realidades a partir da criatividade, pensar meios diferentes de se relacionar, criar espaços de visibilidade das diferenças. As mulheres no samba marcam a estreita relação entre teoria e prática, apresentando a partir de sua narração essas outras realidades possíveis. Além disso, Angela Davis afirma que:

Devemos começar a criar um movimento de mulheres revolucionário e multirracial, que aborde com seriedade as principais questões que afetam as mulheres pobres e trabalhadoras. Para mobilizar tal potencial, devemos desenvolver ainda mais aqueles setores do movimento que estão se ocupando dos problemas que atingem as mulheres pobres e da classe trabalhadora, como empregos, equidade de salários, licença-maternidade remunerada, creches com subvenção federal, abortos subsidiados e proteção contra esterilizações forçadas (DAVIS, 2017, p. 18).

É o caso das mulheres da roda de samba ÉPreta, diante do que foi analisado nos discursos das suas letras de músicas, e em face dos processos culturais que atuam sobre o samba. As mulheres negras foram e são oprimidas e subjugadas diante da metodologia de ação social hegemônica caracterizada pelo patriarcalismo. Ainda assim, são essas mesmas mulheres que buscam, através da sua ancestralidade e do cultural negro, outras maneiras de

vínculosy valores”. 60 Tradução livre. No original: “El arte, pues, como arma básica de una cultura creativa, nos pone en las manos la posibilidad de actuar heréticamente en el marco de los contenidos de la acción social que se nos imponen en los lugares y los tiempos en que nacemos y vivimos. Por estas razones, las tiranías, que siempre han sido conscientes del poder de la palabra y la imagen, han dedicado tantos esfuerzos por controlarlas y reconvertirlas en sus particulares formas de legitimación. Contra estas tendencias totalitarias se han levantado siempre las voces de los que han apostado por un sentido emancipador de lo humano”.

compreender a realidade, isto é, outras metodologias de ação social que possam ser menos excludentes e desiguais. Elas buscam, através do cultural, levantar o debate sobre um feminismo antirracista e anticapitalista, para que, então, se possa buscar políticas públicas e ações como as citadas por Davis61 . Não podemos esquecer, como ressaltou bell hooks, que a conscientização faz com que as mulheres confrontem o sexismo internalizado, sua fidelidade a pensamentos e ações patriarcais e se comprometam à conversão feminista (hooks, 2018, p. 31). Do mesmo modo, “a conscientização feminista para homens é tão essencial para o movimento revolucionário quanto os grupos de mulheres” (hooks, 2018, p. 30). A autora ainda destaca que “movimentos feministas futuros precisam necessariamente pensar em educação feminista como algo importante na vida de todo mundo” (hooks, 2018, p. 46). Isso porque o empoderamento só ocorre quando há consciência dos sujeitos acerca dos processos de opressão e subjugação, ou de privilégio, ao qual eles estão submetidos e dos quais são sujeitos. A partir da discussão trazida nas letras de samba analisadas, percebemos que é:

(…) urgente começar a repensar uma nova cultura de direitos humanos que supere os supostos positivistas (os direitos humanos como textos jurídicos) e as exposições idealistas e jusnaturalistas (os direitos humanos como produtos de uma “condição humana” descontextualizada que se vem se implementando ao longo da evolução da humanidade, pelo menos, para o Ocidente, desde a Grécia clássica ao novo Império da Globalização neoliberal). Acreditamos ser urgente a tarefa de construir uma cultura de direitos em que se prime pela indignação frente as injustiças e a exigência de uma práxis alternativa às situações que constituem as causas da exploração e da marginalização da grande maioria dos habitantes do nosso planeta. Para isso, tal cultura de direitos humanos deverá se nutrir das categorias de responsabilidade e de dever com os que sofreram as opressões, injustiças e explorações, as quais têm sua origem nas posições subordinadas que ocupam grande parte da humanidade nos processos de divisão social, sexual, étnica e territorial do fazer humano (HERRERA FLORES, 2005b, p. 6-7)62 .

61 Nesse sentido, posso citar a atuação de Marielle Franco, Mônica Francisco, Áurea Carolina, Talítira Petrone e

Renata Souza, entre tantas outras políticas feministas negras que buscaram e tem buscado atuar na legislação e implementação de políticas públicas que busquem a igualdade material para mulheres negras, bem como políticas públicas em direitos humanos no geral.

62 Tradução livre. No original: “(...) urgente comenzar a repensar una nueva cultura de derechos humanos que supere los supuestos positivistas (los derechos humanos como textos jurídicos) y los planteamientos idealistas o iusnaturalistas (los derechos humanos como productos de una “condición humana” descontextualizada que se viene desplegando a lo largo de la evolución de la humanidad, por lo menos, para

Occidente, desde la Grecia clásica al nuevo Imperio de la Globalización neoliberal). Creemos urgente la tarea de construir una cultura de derechos en la que prime la indignación frente a las injusticias y la exigencia de una praxis alternativa a las situaciones que constituyen las causas de la explotación y la marginación de la gran mayoría de los habitantes de nuestro planeta. Para ello, tal cultura de derechos humanos deberá de nutrirse de las categorías de responsabilidad y de deber con los que han venido sufriendo las opresiones, injusticias y explotaciones, las cuales tienen su origen en las posiciones subordinadas que ocupa gran parte de la humanidad en los procesos de división social, sexual, étnica y territorial del hacer humano”.

O processo cultural emancipador feminista que as mulheres sambistas no Rio de Janeiro protagonizam hoje viabiliza a construção dessa outra compreensão de direitos humanos a qual Herrera Flores se refere. A responsabilização pelas situações de opressão e subjugação, assim como o empoderamento dos grupos marginalizados, permite pensarmos outra metologia de ação social que torne a realidade menos desigual e injusta para a maioria das pessoas. E o samba se apresenta como uma ferramenta que torna possível essa mudança.

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