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CONCLUSÃO
from “Pra matar preconceito eu renasci”: O samba como uma ferramenta de emancipação em Direitos Humanos.
CONCLUSÃO
Desde o início desse trabalho, me propus analisar o samba como um processo cultural, especificamente, o processo protagonizado por mulheres sambistas no Rio de Janeiro que, atualmente, possuem em comum um discurso politizado nas suas composições. Além disso, pretendi verificar se esses sambas poderiam ser uma ferramenta de emancipação em direitos humanos.
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Analisar o samba e o protagonismo das mulheres negras poderia ter sido a ocupação de um lugar de fala que não é meu. Desta forma, tornou-se imprescindível que eu compreendesse minha branquitude e meus privilégios, e não buscasse realizar uma análise a partir da diáspora negra, mas sim do samba como resistência à imposição da branquitude como modelo social hegemônico. Além disso, as dificuldades de uma pesquisa crítica no direito tornaram este trabalho um compromisso político com as mulheres sujeitas da pesquisa, buscando no discurso delas suas compreensões sobre a luta por direitos humanos. Por isso, trouxe o conceito de Joaquin Herrera Flores (2009) para delimitar o que, neste trabalho, se entende por direitos humanos. Para o autor, direitos humanos são todos os processos de luta provisórios pelos bens materiais e imaterias para se alcançar uma vida digna. Compreendi ser necessário debater o que entendemos por direitos humanos porque existem várias concepções equivocadas, além de, o que se entende por direitos humanos, majoritariamente, ainda estar vinculado a uma discussão estabelecida no fim da II Guerra Mundial, com o surgimento do Estado de Bem Estar Social. Hoje, contudo, o contexto histórico é outro, em que o neoliberalismo se impõe como modelo global e a questão sobre os direitos humanos precisa, logo, também ser contextualizada. Nesse sentido, o neoliberalismo, como modelo capitalista vigente, se mostra racista, machista, homotrasnfóbico e capacitista, e se impõe como metodologia de ação social hegemônica. Por conseguinte, os debates entre universalismo versus relativismo são superficiais diante da realidade complexa em que vivemos, na qual existem diversos modelos de ser e estar no mundo, e não somente esse que nos é compelido. Para compreender essas questões, busquei novamente em Herrera Flores (2005b) o conceito de processo cultural a fim de dar conta do samba como algo além do ritmo erigido a símbolo nacional. Entender o samba como processo cultural faz com que olhemos para as relações que se desenvolvem ao seu redor – as relações do povo negro consigo mesmo, para com o Estado e a branquitude – as reações que estas produzem – as situações de opressão e
subjugação, mas também de resistência – , bem como novos signos e símbolos, que passam a intervir, explicar e interpretar novamente aquelas relações, construindo outras maneiras de ser e estar no mundo, outras metodologias de ação social. Esse circuito de reação cultural ao qual Herrera Flores (2005b) se refere, e desde o qual analisamos o samba, é constante e provisório, resultante das disputas na qual o samba se insere, como vimos no decorrer do trabalho. Por isso que o processo cultural regulador, ou ideológico, que sofreu o samba no momento inicial de seu surgimento, se opõe ao processo cultural que demonstrei viver o samba nas últimas décadas, com a maior participação das mulheres na indústria cultural, mas, principalmente, a partir da agenda política que essas mulheres tem protagonizado nos seus discursos.
Os processos culturais reguladores aos quais essas mulheres sambistas estão sujeitas, e os processos culturais emancipadores dos quais elas são protagonistas, bem como a identificação de resistências à imposição da branquitude, ficaram evidenciados no discurso das letras de samba analisadas.
Investiguei as letras de música compostas por ou em parceria com mulheres da roda de samba ÉPreta – projeto composto pelas sambistas Marina Iris, Nina Rosa, Simone Costa, Maria Menezes e Marcelle Motta – desde a teoria da Análise de Discurso de inspiração francesa trazida para o Brasil por Eni Orlandi, e usando, para isso, a autora Monica Graciela Zoppi-Fontana como marco metodológico. A análise de discurso realizada propôs olharmos para o lugar de fala dessas sujeitas que, atravessadas pelas categorias de gênero, raça e classe, usam desse lugar para agir politicamente e fazer resistência. Ao utilizar essas categorias na análise dos discursos das letras das músicas apresentadas das sambistas do ÉPreta, demonstrei como as compositoras e cantoras se expressam como sujeitas politicamente feministas, artisticamente engajadas na luta por direitos humanos. Percebemos, com a análise do discurso, como questões como a ancestralidade, o racismo, a luta das mulheres negras, apresentam outra maneira de ser e estar no mundo, e que a generalização e a imposição de modelos é herança do colonialismo e da imposição da branquitude. A luta por direitos humanos protagonizada pelas mulheres sambistas é uma luta criativa na qual o samba é um instrumento para buscar alternativas à realidade de um país machista, racista, homotransfóbico e excludente. Isso também ficou claro na entrevista realizada com Marina Iris que apontou a diversidade de mulheres presente na roda de samba ÉPreta como um fator humanizador. Do mesmo modo, ao afirmar o papel de compositora das mulheres como uma questão de empoderamento destas, já que tomam pra si a contação da história, assim como o amplo
alcance que o samba possui, a cantora ratifica a possibilidade do samba ser uma ferramenta de emancipação em direitos humanos. Entendo, portanto, o movimento das mulheres negras sambistas, desde suas canções politicamente engajadas, como uma possível ferramenta de emancipação em direitos humanos, a partir da compreensão de que a emancipação só é possível com a tomada de consciência dos contextos histórico, social, político e econômico em que os sujeitos se inserem. E o samba, como processo cultural, sempre esteve inserido nesses contextos, pois surge nas classes populares, e passa por processos culturais reguladores que tentam controlálo – como o racismo, a criminalização da vadiagem e do curandeirismo e a apropriação capitalista –, mas que, como cultura popular, acaba trazendo em si toda a complexidade das disputas sociais.