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projeto ÉPreta é um antiessencialismo, bem como a reafirmação de processos criativos constantes e provisórios, como também afirma Paul Gilroy:
A música e seus rituais podem ser utilizados para criar um modelo pelo qual a identidade não pode ser entendida nem como uma essência fixa nem como uma construção vaga e extremamente contingente a ser reinventada pela vontade e pelo capricho de estetas, simbolistas e apreciadores de jogos de linguagem. A identidade negra não é meramente uma categoria social e política a ser utilizada ou abandonada de acordo com a medida na qual a retórica que a apoia e legitima é persuasiva ou institucionalmente poderosa. Seja o que for que os construcionistas radicais possam dizer, ela é vivida como um sentido experiencial coerente (embora nem sempre estável) do eu [self]. Embora muitas vezes seja sentida como natural e espontânea, ela permanece o resultado da atividade prática: linguagem, gestos, significações corporais, desejos (GILROY, 2012, p. 209).
Com isso, o autor busca ressaltar que a identidade é vivenciada, independentemente, de interesses que possam utiliza-la ou abandona-la no seu discurso. O que ocorre é que ela não é fixa, ou permanente, ou constante. Logo, “o problema não reside na luta pela identidade, mas sim no essencialismo do étnico ou da diferença” (HERRERA FLORES, 2009, p. 159), pois não existem formas puras. Também não podemos esquecer das contradições que o samba traz, já que como produto cultural, permanece em constante disputa. Porém, vale usar dessas contradições para criar diálogos e espaços de lutas pelos direitos humanos. O que se quer é buscar no samba produzido pelas mulheres negras uma outra forma de entender a realidade, a partir de feminismo antirracista e anticapitalista, inspirado no discurso delas, como constataremos a seguir. 3.2.
O samba como um processo cultural emancipatório feminista
A participação das mulheres nos processos de produção do samba como produto cultural, como vimos, foi e é atravessada pelas diferentes metodologias de ação social que se sobrepõe, dependendo do contexto histórico e social em que vivemos. A valorização, ou desvalorização, dessa participação e dos papéis ocupado por elas, assim como sua (in)visibilização, é atravessada/perpassada pela divisão sexual do trabalho e pelo racismo que estruturam o modelo patriarcalista e colonial da sociedade brasileira. Esse modelo tem como base o pensamento moderno, no qual a razão purificada e descorporificada cartesiana, orienta-se “(...) por uma análise do conhecimento genuíno como se este fosse alcançado livre de influências e determinações externas” (LONGINO, 2008, p. 514). Esse afastamento do sujeito do corpo e a crença numa razão pura estão presentes em