Direção de arte: Anelise Precoma, Carolina Nivoloni, Marina De Nadai e Rosicler Curti Curadoria de conteúdo: Carolina Nivoloni Curadoria de redesign: Marina De Nadai Diagramação: Anelise Precoma, Carolina Nivoloni, Marina De Nadai e Rosicler Curti Conselho editorial: Fabiana Grassano e Flávia Almeida Fábio Revisão final: Marina De Nadai Rosicler Curti Capa: Anelise Precoma Colaboradores: João Antonio Buhrer Celso Masson Marcelo Azevedo Daniella Turano Produção Gráfica: Gráfica Klimtec
MATÉRIAS Theatro São Pedro anuncia três óperas para o segundo semestre - Site Concerto, p.8 Óperas de Erik Satie e Darius Milhaud, p.9 Violoncelista gaúcha é eleita conselheira da Associação de Instrumentistas de Música de Câmara nos EUA - Site Concerto, p.10 Ópera “Na boca do cão” ganha nova versão e é exibida na internet - Site Concerto, p.11 Na cultura pop - Google Arts and Culture, p.12 Beethoven Haus em Bonn, p.18 BTHV2020 - DW, p. 20 Um grito ao mundo - Estadão, p. 22 Ensaio visual - Negra 40, p.26 250 anos - Veja, p. 42 Um aniversário cheio de obstáculos - DW, p. 48 Infográfico: linha do tempo musical p. 54 Beethoven e a surdez, p. 60 Guia sinfônico da Nona Sinfonia - The Guardian, p. 64 Meu anjo, meu tudo, meu próprio ser (Amada imortal) - CPR, p. 70 O encontro com Goethe - Estadão, p. 72 Sturm und Drung - Classical Musical, p. 74 Beethoven e Bonaparte - History Today, p. 80
CARTA AO LEITOR
E
sta revista foi criada a partir da disciplina de Projeto Editorial Impresso II, da Pós Graduação em Design Gráfico da UNICAMP, ministrada pelas professoras Fabiana Grassano e Flávia Almeida, sem fins comerciais, tendo como proposta central o redesign e a música, tendo como proposta central o redesign e a música. Para o redesign, escolhemos a revista Qualis, que, apesar das poucas edições, contemplou diversos temas musicais. Optamos pela música clássica por duas razões: primeiro, a relevância do estilo; segundo, o desafio de mesclar um design contemporâneo com um estilo que surgiu há mais de 300 anos. Por meio de contato com Celso, diretor executivo, Marcelo, diretor criativo, e Daniella, redatora, que passaram pela Qualis, coletamos o material necessário para compreensão da essência e da história da revista. Pudemos ter acesso às revistas físicas graças ao João, colecionador que tem em seu acervo algumas das edições. A Qualis foi criada em 1991 para acompanhar as faturas de cartões de crédito da época e apenas na 4ª edição passou a ser comercializada por assinatura. Seu diferencial era o leque de assuntos abordados, como música erudita, jazz, mpb, enquanto as demais publicações presentes no mercado eram mais voltadas para o pop e rock. A Qualis tratava de assuntos polêmicos e importantes para aquele tempo e buscava um design elegante e adulto. Depois de 25 anos, nós trazemos a Qualis de volta para você. Para essa retomada, o escolhido foi Ludwig van Beethoven, que completaria 250 anos em 2020 e é, possivelmente, o nome de imediata associação à música clássica. Esta edição retrata a vida, as conquistas, as dores, as alegrias e a influência atual do imortal músico. Você pode nos ajudar com as próximas edições, sugerindo nomes da música clássica através do e-mail qualis@classic.com.br. Esperamos que goste, Um abraço, Equipe Qualis Classic.
Charge - Quinho, p. 90
4 QUALIS
junho, 2021
PLAYLIST
ASSINE:
Tudo sobre a música clássica em suas mãos.
*Capas meramente ilustrativas
A seleção de música perfeita para você ouvir enquanto mergulha na vida de nosso querido Beethoven está pronta. Aponte seu celular para o QR Code abaixo e divirta-se. Alguns dos albúns que compõem a playlist:
de edições anteriores
Entre em contato através dos nossos meios de comunicação: (00) 0000-0000 qualis@classic.com.br Redes sociais: @qualis
junho, 2021
QUALIS 5
6 QUALIS
Interlúdio Na cultura pop
Prelúdio Theatro São Pedro anuncia três óperas para o segundo semestre
12 18
22
Cadenza 250 anos Linha do tempo musical
A sinfonia gráfica para Beethoven
BTHVN 2020
08
Um grito ao mundo
Beethoven Haus
SUMÁRIO
20 26
42
junho, 2021
junho, 2021
Charge
Gravações, concursos e concertos
Beethoven e Bonaparte
Sturm und Drang
Encontro com Goethe
72
Guia da Nona Sinfonia
Beethoven e a surdez
60 74
Coda
64
As mulheres que poderiam ser a amada imortal de Beethoven
Poslúdio
70
80
84
90
QUALIS 7
PRELÚDIO
Theatro São Pedro anuncia três óperas para o segundo semestre Redação
Ira Levin
Foto: Hermes de Paula
O Theatro São Pedro de São Paulo vai apresentar três óperas no segundo semestre, além de novo espetáculo em parceria com a São Paulo Companhia de Dança. O primeiro título será, em outubro, Ba-ta-clan, de Jacques Offenbach, em produção da Academia de Ópera do Theatro São Pedro, com regência de André dos Santos e direção cênica de Rogerio Tarifa. O segundo, em novembro, com a orquestra do teatro e solistas convidados, será Os sete pecados capitais, de Kurt Weill e Bertolt Brecht. Ira Levin assina a direção musical e Alexandre Dal Farra, a concepção cênica. Denise de Freitas já está confirmada no elenco. Em dezembro, sobe ao palco nova produção de O senhor Bruschino, de Rossini, com Claudio Cruz como diretor musical e Caetano Vilela como diretor cênico. “A programação das montagens escolhidas para 2021 procura abarcar um repertório que têm além de títulos raramente encenados no Brasil aqueles bastante adequados ao perfil
e tamanho do Theatro São Pedro, de modo a oferecer ao público uma diversidade do espectro operístico em um espaço acústico privilegiado para a escuta dessas obras”, diz Paulo Zuben, diretor artístico e pedagógico da Santa Marcelina Cultura. “Nesses últimos anos, procuramos realizar óperas de compositores do século XX como Stravinsky, Busoni, Britten e Janácek, novas encomendas a autores brasileiros, como Flo Menezes e Leonardo Martinelli, conjuntamente com títulos de compositores barrocos e clássicos, como Händel, Haydn, Mozart, Donizetti e Rossini. Entendemos que essas escolhas são essenciais para o desenvolvimento da proposta artística do teatro e fundamentais para a compreensão da importância da ópera como uma linguagem atual. O desafio da pandemia também trouxe restrições para a escolha das obras da programação de 2021 em função da nossa preocupação em atender todos os protocolos exigidos para que as produções possam ser realizadas e o Theatro São Pedro possa receber artistas e público com segurança”, completa. A nova colaboração do teatro com a São Paulo Companhia de Dança estreia em setembro. O espetáculo terá direção musical de Ricardo Ballestero e serão apresentadas coreografias de Esdras Hernández Villar, Jonathan dos Santos e Mônica Proença, para peças dos compositores Heitor Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, Alberto Ginastera e Miguel del Águila.
San Francisco Classical Voice
O Popular
Theatro São Pedro
Foto: Dornicke
A impossibilidade de encenar os chamados grandes títulos do repertório operístico, por conta da pandemia, tem ao menos um lado positivo: a chance de ter sobre os palcos obras menos conhecidas, que oferecem olhares diferentes para o gênero. É o que aconteceu no Theatro São Pedro de São Paulo, que encenou uma dobradinha francesa formada por Sócrates, de Erik Satie, e O marinheiro pobre, de Darius Milhaud. “São duas obras de pequenas dimensões, escritas para orquestras de câmara, com meia hora de duração. Isso mostra que os dois autores escapam da tradição operística do século XIX, que monumentalizou o gênero. O uso de poucos solistas, a reflexão sobre novas dimensões, tudo isso sugere a busca de novas possibilidades de espetáculos cênico-vocais”, afirmou o maestro Gabriel Rhein-Schirato, que assinou direção musical do espetáculo. Em Sócrates, Satie relembra a trajetória do filósofo em uma obra dividida em três partes: na primeira, o retrato dele narrado nos simpósios de Platão; na segunda, o diálogo entre Sócrates e Fedro; e, na terceira, a descrição da morte de Sócrates. Já Milhaud fala, em O marinheiro pobre, da mulher de um marinheiro, que aguarda o seu retorno – e acaba, sem saber, levando sua própria história a um final trágico. O elenco das óperas, que teve direção cênica de Caetano Vilela, foi formado pelo barítono Vinicius Atique, a soprano Gabriella Pace, o tenor Paulo Mandarino, o baixo Eduardo JanhoAbumrad e o contratenor Victor Lucas Bento.
Foto: Darius Milhaud
Redação
Foto: Erik Satie
Óperas de Erik Satie e Darius Milhaud
junho, 2021
QUALIS 9
Peça de teatro Marinheiro
Foto: Heloísa Bortz
Foto: Cristiane Rochol
Marjana Rutkowsky
Foto: Tetraktys
Orquestra Sinfônica de Porto Alegre
10 QUALIS
Violoncelista gaúcha é eleita conselheira da Associação de Instrumentistas de Música de Câmara nos EUA Redação A violoncelista gaúcha Marjana Rutkowsky é a primeira brasileira eleita para o Conselho Diretor da ACMP, Associated Chamber Music Players, de Nova York, nos Estados Unidos, entidade sem fins lucrativos cuja missão é fomentar a música de câmara em todo o mundo. “Meu trabalho junto à entidade tem sido o de conscientizar sobre o impacto social e educacional que ACMP pode ter aqui e na América do Sul”, conta Marjana. “O esforço está sendo bem-sucedido. Ao longo dos anos uma nova dinâmica se criou, regulamentos foram alterados, o que permitiu a inclusão do Brasil para recebimento de apoios financeiros e outros benefícios.” Em novembro de 2020, o Brasil conseguiu um primeiro patrocínio para a realização de um festival on-line em meio aos desafios da pandemia, reunindo alunos de várias idades e níveis de aprendizado. Desde que iniciou as suas atividades, há 70 anos, a ACMP promove o encontro de instrumentistas para a prática de música de câmara. A associação conta com mais de 2.500 membros de todas as partes do mundo. Nos anos 1990 foi criada a Fundação ACMP, que já investiu mais de US$ 4 milhões em bolsas e patrocínios para o apoio de programas voltados para a prática musical amadora, para educação musical de câmara e para o suporte de jovens instrumentistas. O site da organização oferece um mecanismo de busca para a escolha de repertórios e parceiros musicais de acordo com a localidade. Além disso, a associação mantém quatro programas de apoio: Community Music Grants (bolsas para a música comunitária), Chamber Music Workshop grants (bolsas para workshops de música de câmara), Home Coaching para membros e o Just Play micro-grants. A nova conselheira Marjana Rutkovsky iniciouse na música ainda adolescente, ingressando na Orquestra Sinfônica de Porto Alegre aos 17 anos. Mais tarde aperfeiçoou-se em Yale, nos Estados Unidos, permanecendo naquele país por mais de 20 anos. Além do Brasil e Estados Unidos, a musicista já se apresentou em países da Europa, no Canadá e em Israel, e sempre manteve intensa atividade camerística.
junho, 2021
Ópera ‘Na boca do cão’ ganha nova versão e é exibida na internet Redação Aos dois anos de idade, a soprano Gabriela Geluda voltava de uma ida à padaria com seu pai quando um pastor alemão abocanhou sua cabeça. O episódio, ela conta, acarretou uma série de traumas. E, em 2017, virou ponto de partida para uma ópera, Na boca do cão, com música de Sergio Roberto de Oliveira e libreto de Geraldo Carneiro. A peça agora ganha uma versão audiovisual, filmada no Teatro Serrador. A ideia para a obra nasceu pouco depois da morte do pai de Geluda – e a estreia ocorreu semanas após a morte do compositor, vítima de um câncer. Na ocasião, Geluda, especialista na criação contemporânea, falou do sentido da história. “A ópera nasceu do luto. É a flor de lótus: linda e que brotou na lama. Ela parte de um episódio pessoal e se torna um manifesto. Sim, a arte cura, a arte sublima, a arte liberta, a arte transforma e precisamos investir, valorizar, consumir, criar mais”, afirmou. “No início dos ensaios, me dei conta de que o caminho da encenação residia na investigação profunda das memórias de Gabriela e que o espetáculo resultaria inevitavelmente de uma autoexposição corajosa e despudorada da
intérprete”, afirmava em 2017 o diretor Bruce Gomlevsky, também responsável pela nova versão digital do espetáculo. “Entendendo o trauma como ponto de partida da experiência de vida (com foco especial na ideia do desejo), a ópera flutua entre a narrativa dos acontecimentos e a reflexão sobre eles. Mas essa reflexão não é racional - parece fazer-se da intensidade quase física do sentimento, em diálogo com a música de Oliveira. A maneira como ele trata, em diferentes momentos, cada um dos instrumentos, em especial o caráter onírico sugerido pela percussão, esfumaça de maneira dramaticamente eficiente qualquer noção de linearidade. Estamos, afinal, falando de memória, de medos, de contradições e da necessidade, às vezes dolorosa demais, de transformação”, escreveu em 2017 o crítico João Luiz Sampaio sobre a obra.
Gabriela Geluda
Na cultura pop
INTERLÚDIO
Entrevista com o musicólogo Michael Custodis sobre a adoção de Beethoven na cultura pop Por Hartmut Welscher
12 QUALIS
junho, 2021
A música de Chuck Berry Roll Over Beethoven, o filme Clockwork Orange e a história em quadrinhos Peanuts são apenas alguns dos exemplos mais famosos da adoção de Beethoven na cultura popular. No entanto, o debate em torno de Beethoven no pop quase não foi pesquisado até agora. No ano do aniversário, Michael foi curador da exposição Ludwig Lives On! Beethoven no pop (Ludwig lebt! Beethoven im Pop) no rock’n’popmuseum em Gronau. Nesta entrevista, ele fala sobre os clichês de Beethoven e a reticência musical do pop, além de alguns de seus achados favoritos.
[Qualis] Qual é o papel de Beethoven no pop? [Michael] Embora sua música esteja muito mais presente na vida cotidiana do que a música de outros compositores, ela é tratada com menos intensidade nos estilos populares se comparada a Bach, por exemplo, que ainda é muito sampleado no metal e no jazz. [Qualis] Por que é que? [Michael] Primeiro, eu procuraria razões na própria música. A música de Beethoven raramente funciona a partir de uma melodia sozinha, sem pensar no ritmo e como os temas se desenvolvem em conjunto, enquanto a música pop é muito orientada para a melodia. Além disso, as peças de Beethoven são tão autocontidas, a lógica tão polida que, do ponto de vista pop, é difícil extrair delas outra coisa que não uma referência a uma melodia. Para muitos números pop rápidos, certamente seria uma opção, mas músicos como Wynton Marsalis, que conhece Beethoven muito bem, evitam fazer qualquer coisa diferente com a música por respeito e admiração por ela. Mesmo no gênero rock progressivo, poucos artistas ousaram fazer referência a Beethoven diretamente. Para muitos músicos, sua música é muito complexa para ser interpretada em uma canção pop. [Qualis] Roll Over Beethoven de Chuck Berry marca o início da adoção de Beethoven no pop? [Michael] Se definirmos pop como a música que começou depois da Segunda Guerra Mundial e se desenrola em algum lugar entre o rock ‘n’ roll, Elvis e Chuck Berry, então Roll Over Beethoven seria o big bang. Por outro lado, dificilmente seria imaginável sem quaisquer outras referências. Por exemplo, Charles M. Schulz nos trouxe o personagem Schroeder em Peanuts um pouco antes disso. Foi então que ficou claro que o tema existia. Mas depois de Chuck Berry, Beethoven no pop tornou-se algo diferente do que era antes.
Foto: Maxim Abramov
junho, 2021 QUALIS 13
Capa do álbum “Chuck Berry: Roll Over Beethoven” Vídeo: Roll Over Beethoven - Chuck Berry LIVE (YouTube)
Capa da série “Rock’n’ Roll High School - Filmow Vídeo: Rock‘n’roll high school (YouTube)
Fotografia de Jhon Kirby, em “meets Beethoven” John Kirby - Beethoven Riffs On (Symphony 7, mvt 2) (Youtube)
[Qualis] Até que ponto o tema de Beethoven existia durante a época de Chuck Berry? [Michael] Beethoven fazia parte do currículo da escola de classe média. Sua música podia ser ouvida em shows, no rádio e nas escolas. Apenas olhando para os repertórios das orquestras dos Estados Unidos na década de 1950, é evidente o quão proeminente a música europeia era ‒ particularmente as sinfonias de Beethoven. A presença de Beethoven podia ser sentida na vida musical cotidiana. Mesmo Chuck Berry não conseguiu escapar da música ‒ ele mesmo conta a história por meio de sua música, usando o exemplo de sua irmã que monopolizou o piano com sua prática clássica. [Qualis] Isso significa que Beethoven representava simbolicamente as classes médias brancas e educadas, contra as quais os do pop protestavam? [Michael] Eu tive que mudar minha opinião significativamente sobre isso. A princípio, pensei que Beethoven fosse um pano de fundo clássico para a cultura educacional da classe média, da qual as pessoas se dissociavam dramaticamente. Isso realmente existia, especialmente no punk ‒ o filme Rock ‘n’ Roll High School com os Ramones é um exemplo disso. Mas com Beethoven, é mais o caso que aqueles que não gostam dele nunca tentam se familiarizar com sua música, enquanto aqueles que mostram interesse por ele também gostam dele de maneiras diferentes. Isso é o que achei interessante. Beethoven tem muito mais fãs no pop do que eu pensava e muito menos oponentes. [Qualis] O que você diria que são exemplos interessantes de Beethoven sendo adotado no pop que vão além de uma simples citação? [Michael] O Quinto por Ekseption , é claro Rick van der Linden era alguém que realmente amava Beethoven e teve muito sucesso como resultado. Outro exemplo interessante seria Exogenesis: Symphony by Muse no final de seu álbum The Resistance (2009). Matt Bellamy é um músico muito engenhoso - como pianista, ele é realmente apaixonado por Rachmaninoff e Chopin, mas se você ouvir com atenção, a
pequena figura do piano no início da terceira seção de Redenção, que encerra Exogênese: Sinfonia , é o início da Sonata ao Luar na tonalidade maior. Ou Billy Joel’s This Night. O pianista de jazz Hiromi também produziu uma versão maravilhosa de Pathétique em referência a Beethoven como improvisador.
incentivo às jovens mulheres negras. É óbvio que ele está ciente das associações com a peça ‒ elas correspondem ao tema de sua canção.
[Qualis] No mundo do cinema, A Clockwork Orange de Kubrick é um exemplo que se destaca por sua brincadeira com os clichês de Beethoven. [Michael] Absolutamente, ele nega o quão óbvio [Qualis] Enquanto isso, os clichês de isso é. Então, como você descreveria o Beethoven Beethoven foram reproduzidos mais de Kubrick? Não há uma resposta fácil para isso. O amplamente no pop: Beethoven o titã, interessante é que sempre houve momentos Beethoven o gênio e o louco, Beethoven o decisivos em como Beethoven personagem de é visto, geralmente perto dos temperamento quente, seus aniversários. Uma data Beethoven e as mulheres e importante foi 1970 ‒ é aí que assim por diante. Mas com Beethoven, é mais [Michael] Sim, quando você o caso que aqueles que não entra Kubrick, mas também o filme experimental de olha para as caricaturas e a gostam dele nunca tentam Mauricio Kagel, Ludwig van: literatura do século XIX, nota se familiarizar com sua Um Relatório. que esses estereótipos música, enquanto aqueles costumam ser derivados da que mostram interesse por [Qualis] Beethoven também própria vida de Beethoven. ele também gostam dele era constantemente visto Essas abreviações de maneiras diferentes. Isso como nacionalista. Isso persistiram, mesmo é o que achei interessante. desempenha um papel no parcialmente, na pesquisa Beethoven tem muito mais pop? Existe uma associação sobre Beethoven, incluindo, fãs no pop do que eu com o Rechtsrock (uma forma infelizmente, a noção de pensava e muito de música white power), por Beethoven e o nacionalismo. menos oponentes. exemplo? No pop, é fácil descobrir o [Michael] Dificilmente, e por que os expoentes de mais que Beethoven tenha Beethoven sabem sobre ele. sido rotulado de nacionalista, Eles caem na armadilha seu rótulo nacionalista foi questionado com a desses clichês ou omeçam a brincar com eles. mesma frequência. Sempre há quem diga que Beethoven é deles, mas sempre há quem diga o [Qualis] Por exemplo? contrário: que Beethoven é de todos. Por exemplo, [Michael] Eu posso pôr Nas é um exemplo Wagner e Beethoven foram representados por inteligente. Ele pega For Elise (Für Elise), uma muito tempo nos teatros franceses. Como parte de peça didática de piano que arquetipicamente representa o tema de Beethoven e as mulheres, suas arquirrivalidades com a Alemanha, especialmente após a guerra de 1870/71 e a e o inverte. Na época de Chuck Berry, Primeira Guerra Mundial, os franceses e outras Beethoven representava o tema clássico das nacionalidades negaram à Alemanha o direito de classes brancas e educadas. Se eu queria ser falar por Beethoven de forma independente. alguma coisa, tinha que ser como os brancos. Disseram que Beethoven era um bem cultural No vídeo de I Can, no entanto, uma garota europeu e que, por meio de suas ações agressivas, negra se senta em frente a um piano os alemães perderam o direito de reivindicar desafinado e toca o início de For Elise, então Beethoven para si. Algo semelhante aconteceu Nas interrompe com seu próprio som, com o lendário maestro Arturo Toscanini, que reorganiza a melodia e coloca outros sons por fugiu dos nacional-socialistas para os EUA em 1937 baixo. É também sobre empoderamento e junho, 2021 QUALIS 15
Sound
INTERLÚDIO
e liderou a Orquestra Sinfônica da NBC, que havia sido fundada para ele. Ele tocaria Beethoven e Wagner uma e outra vez com sua orquestra porque se recusou a abrir mão da soberania da interpretação sobre a música alemã para Hitler. Capa do single NAS I CAN Clound Vídeo: Nas I Can (YouTube)
Scream & Yell
[Qualis] Quais são suas descobertas favoritas quando se trata da adoção de Beethoven na cultura popular? [Michael] Uma mistura de melodias de Beethoven e Beyoncé que a Juilliard School produziu junto com Sam Tsui, que é surpreendente e original. Também há alguns destaques que podem ser encontrados na publicidade. Mas o melhor para mim são as referências anteriores no jazz, como Beethoven Wrote It, But It Swings (1939) de Dolly Dawn, Beethoven Bounce de Al Donahue e sua orquestra de 1940 e Beethoven Riffs On, uma homenagem à Sinfonia nº 7 de John Kirby & His Orchestra de 1941. São números cômicos brilhantemente escritos que evocam Beethoven e permitem que sua música continue a balançar atemporalmente.
Imagem do filme Laranja Mecânica, 1971
Foto: Anna Overmeyer
Scream & Yell
Músicolo entrevistado: Michael Custodis
16 QUALIS
junho, 2021
Dia 7 de julho, às 19h No YouTube Acesse para assistir
BEETH OVEN
HAUS
INTERLÚDIO
EM BONN
Seguindo os passos do famoso compositor em sua cidade natal e museu dedicado Redação
Em 1895, Magdalena Perger, presenteou Beethoven com o piano de cauda Conrad Graf de 6 oitavas com 5 pedais.
18 QUALIS
Bonn é uma cidade de mais de 2000 anos localizada no estado de Nordrhein-Westfalen (Renânia do Norte-Vestfália) no oeste da Alemanha. Apesar de não ser um dos destinos mais conhecidos da Alemanha, Bonn tem muito a oferecer e é uma das cidades mais importantes da história alemã, pois além de ser muito antiga, foi a capital da Alemanha Ocidental logo após a Segunda Guerra Mundial até 1990, pouco tempo após a queda do muro de Berlim. Bonn, a antiga capital alemã, não é conhecida como a cidade da música à toa. É o local de nascimento do famoso compositor alemão Ludwig van Beethoven. Ele entrou no mundo pela primeira vez na casa Bonngasse em dezembro de 1770, onde sua família morava em um dos apartamentos. Durante seus 57 anos de vida, Beethoven se tornou um dos compositores mais importantes da história da música. Hoje o visitante pode seguir seus passos e ver com os próprios olhos o local de nascimento do compositor, que hoje é um museu. A atmosfera histórica leva os visitantes do museu de volta ao século XVIII e o museu oferece uma visão mais profunda da vida e obra do grande compositor. O museu abriga a maior coleção de junho, 2021
Casa de Beethoven em Bonn, museu e instituto cultural, fundado em 1889 pela associação Beethoven-Haus.
Horário de funcionamento: 1 de abril a 31 de outubro: Diariamente, das 10:00 h às 18:00 h De 1 de novembro a 31 de março: de segunda a sábado: 10:00 h às 17:00 h Fins de semana e feriados: 11:00 h às 17:00 h
Beethoven do mundo, usando documentos autênticos impressionantes para retratar vividamente a vida e obra de Beethoven. Vagando pelas doze salas do museu, os visitantes podem ver 150 peças originais que oferecem a oportunidade de refletir sobre como Beethoven pensava, sentia, trabalhava e agia. As exposições autênticas incluem manuscritos, fotos, cartas, móveis e outros objetos do cotidiano da vida de Beethoven, bem como instrumentos musicais e memorabilia,
incluindo peças famosas, como o último piano de cauda de Beethoven, feito pelo fabricante de pianos vienense Conrad Graf, e valiosos manuscritos originais , como o de Moonlight Sonata. Além da exposição permanente, o museu de Beethoven também realiza regularmente exposições temporárias, que também abordam temas relacionados com o famoso compositor no seu contexto histórico.
junho, 2021 QUALIS 19
INTERLÚDIO
Em 2020 completou-se 250 anos do nascimento de Beethoven. Importantes entidades alemãs prepararam um megaevento de âmbito nacional, com a DW como parceira de mídia. Foco foram os primeiros anos do compositor, em Bonn. Por Elizabeth Grenier / Heike Mund Ludwig van Beethoven (1770-1827) é, sem dúvida, um superstar entre os compositores de música erudita. Suas obras são mais executadas do que as de qualquer outro músico clássico, com a Nona sinfonia – ou pelo menos o coral do movimento final, a Ode à Alegria – no topo das paradas de sucesso. Em 2020, quando comemorou-se os 250 anos de seu nascimento, o som beethoveniano estava mais presente do que nunca. Os planos para as festividades estavam a pleno vapor, especialmente na cidade natal, a renana Bonn, no oeste da Alemanha. “Beethoven está muito vivo, sua música une muita gente porque ele é tocado e adorado por todo o mundo” afirmou a ministra alemã da Cultura, Monika Grütters, ao apresentar o logotipo oficial e o novo site para o jubileu do compositor. A apresentação transcorreu na representação em Berlim do estado da Renânia do NorteVestfália, que promoveu esse projeto cultural
20 QUALIS
de grande escala juntamente com o governo federal e a municipalidade de Bonn.
Beethoven antes de Viena Grütters parte do princípio que “o ano Beethoven 2020 certamente trouxe eventos musicais que ultrapassaram todas as fronteiras”. “A música de Beethoven é a acepção da humanidade. O último movimento da Nona sinfonia se transformou no hino da União Europeia. O manuscrito da Nona conta entre os documentos do Patrimônio Cultural da Humanidade da Unesco”, salientou Também Malte Boecker, diretor da casa de nascimento, a secretária de Cultura da Renânia do Norte-Vestfália, Christina Kampmann, o prefeito de Bonn, Ashok-Alexander Sridharan, e a diretora-geral do Beethovenfest, Nike Wagner, apresentaram em Berlim planos detalhados para o ano de homenagens, projetado como um evento cultural de âmbito nacional.
junho, 2021
Selos especiais com o tema Beethoven
A abertura do jubileu foi em 16 de dezembro de 2019, e as comemorações se estenderão até outubro de 2021. O foco foi os primeiros anos em Bonn – na vida do compositor que aos 22 anos se mudou para Viena e lá passou seus anos de maturidade criativa e onde permaneceu até a morte.
BTHVN 2020
Em “BTHVN 2020”, a exclusão das vogais confere ao nome célebre um toque contemporâneo, numa época de abreviaturas e hashtags. No entanto, a versão partiu do próprio músico, que assinou assim algumas de suas composições. “Para Beethoven, era uma questão de economia: ele simplesmente não tinha vontade de ficar assinando sempre o nome inteiro”, especula Boecker, da Beethovenhaus. “Beethoven é uma verdadeira marca”, comenta Uwe Hecker, diretor da agência de publicidade Jung von Matt, que desenvolveu o logo para o ano de jubileu. “Achamos importante lhe dar uma imagem bem moderna.” BTHVN 2020 é agora uma marca registrada que já foi testada no mundo inteiro: da China à Polônia, não houve quem deixasse de decifrar imediatamente o nome do compositor. Por trás das letras garrafais, vislumbra-se um dos mais famosos retratos de Beethoven, da autoria de Karl Joseph Stieler. Parceira de mídia no ano de jubileu, a DW apresentou em Berlim um vídeo sobre a criação do logo oficial. No portal de internet BTHVN2020.de (no momento apenas em alemão), os interessados também podem se informar sobre o estado atual dos preparativos para 2020. O site é, ainda, concebido como uma plataforma onde quem quiser pode contribuir com ideias.
UM GRI INTERLÚDIO
ao mundo Por Alvaro Siviero
Testamento de Heiligenstadt “Ó homens que me tendes em conta de rancoroso, insociável e misantropo, como vos enganais. Não conheceis as secretas razões que me forçam a parecer deste modo. Meu coração e meu ânimo sentiam-se desde a infância inclinados para o terno sentimento de carinho e sempre estive disposto a realizar generosas acções; porém considerai que, de seis anos a esta parte, vivo sujeito a triste enfermidade, agravada pela ignorância dos médicos. Iludido constantemente, na esperança de uma melhora, fui forçado a enfrentar a realidade da rebeldia desse mal, cuja cura, se não for de todo impossível, durará talvez anos! Nascido com um temperamento vivo e ardente, sensível mesmo às diversões da sociedade, vi-me obrigado a isolar-me numa vida solitária. Por vezes, quis colocar-me acima de tudo, mas fui então duramente repelido, ao renovar a triste experiência da minha surdez! Como confessar esse defeito de um sentido que devia ser, em mim, mais perfeito que nos outros, de um sentido que, em tempos atrás, foi tão perfeito como poucos homens dedicados à mesma arte possuíam! Não me era contudo possível dizer aos homens: “Falai mais alto, gritai, pois eu estou surdo”. Perdoai-me se me vedes afastar- me de vós! Minha desgraça é duplamente penosa, pois além do mais faz com que eu seja mal 22 QUALIS
julgado. Para mim, já não há encanto na reunião dos homens, nem nas palestras elevadas, nem nos desabafos íntimos. Só a mais estrita necessidade me arrasta à sociedade. Devo viver como um exilado. Se me acerco de um grupo, sinto-me preso de uma pungente angústia, pelo receio que descubram meu triste estado. E assim vivi este meio ano em que passei no campo. Mas que humilhação quando ao meu lado alguém percebia o som longínquo de uma flauta e eu nada ouvia! Ou escutava o canto de um pastor e eu nada escutava! Esses incidentes levaram-me quase ao desespero e pouco faltou para que, por minhas próprias mãos, eu pusesse fim à minha existência. Só a arte me amparou! Pareceu-me impossível deixar o mundo antes de haver produzido tudo o que eu sentia me haver sido confiado, e assim prolonguei esta vida infeliz. Paciência é só o que aspiro até que as parcas inclementes cortem o fio de minha triste vida. Melhorarei, talvez, e talvez não! Mas terei coragem. Na minha idade, já obrigado a filosofar, não é fácil, e mais penoso ainda se torna para o artista. Meu Deus, sobre mim deita o Teu olhar! Ó homens! Se vos cair isto um dia debaixo dos olhos, vereis que me julgaste mal! O infeliz consola-se quando encontra junho, 2021
ITO uma desgraça igual à sua. Tudo fiz para merecer um lugar entre os artistas e entre os homens de bem. Peço-vos, meus irmãos assim que eu fechar os olhos, se o professor Schmidt ainda for vivo, fazer-lhe em meu nome o pedido de descrever a minha moléstia e juntai a isto que aqui escrevo para que o mundo, depois de minha morte, se reconcilie comigo. Declaro-vos ambos herdeiros de minha pequena fortuna. Reparti-a honestamente e ajudai-vos um ao outro. O que contra mim fizestes, há muito, bem sabeis, já vos perdoei. A ti, Karl, agradeço as provas que me deste ultimamente. Meu desejo é que seja a tua vida menos dura que a minha. Recomendai a vossos filhos a virtude. Só ela poderá dar a felicidade, não o dinheiro, digo-vos por experiência própria. Só a virtude me levantou de minha miséria. Só a ela e à minha arte devo não ter terminado em suicídio os meus pobres dias. Adeus e conservai-me vossa amizade. Minha gratidão a todos os meus amigos. Sentir-meei feliz debaixo da terra se ainda vos puder valer. Recebo com felicidade a morte. Se ela vier antes que realize tudo o que me concede minha capacidade artística, apesar do meu destino, virá cedo demais e eu a desejaria mais tarde. Entretanto, sentir-me-ei contente pois ela me libertará de um tormento junho, 2021
sem fim. Venha quando quiser, e eu corajosamente a enfrentarei. Adeus e não vos esqueçais inteiramente de mim na eternidade. Bem o mereço de vós, pois muitas vezes, em vida, preocupei-me convosco, procurando dar-vos a felicidade. minha morte, se reconcilie comigo. Declaro-vos ambos herdeiros de minha pequena fortuna. Reparti-a honestamente e ajudai-vos um ao outro. O que contra mim fizestes, há muito, bem sabeis, já vos perdoei. A ti, Karl, agradeço as provas que me deste ultimamente. Meu desejo é que seja a tua vida menos dura que a minha. Recomendai a vossos filhos a virtude. Só ela poderá dar a felicidade, não o dinheiro, digo-vos por experiência própria. Só a virtude me levantou de minha miséria. Só a ela e à minha arte devo não ter terminado em suicídio os meus pobres dias. Adeus e conservai-me vossa amizade. Sede felizes!” Heiligenstadt, 6 de outubro de 1802. Ludwig van Beethoven.
QUALIS 23
O sofrimento, muitas vezes, não é o problema. O problema está no modo como o encaramos. Há aqueles que se deprimem, cheios de desmotivação. Há outros que se fortalecem, transformando-se em gigantes de liderança e decisão. Estes amadurecem. Aqueles azedam. Beethoven é o segundo filho de uma família de sete irmãos. O primeiro deles, assim como o quinto, sexto e sétimofaleceram. Detalhe: antes que falecesse o último dos filhos, faleceu sua mãe. Nestas circunstâncias, aos dezesseis anos de idade, Ludwig van Beethoven transforma-se em arrimo de família, cuidando de seus dois irmãos menores sobreviventes, Kaspar e Nicolaus. O sonho de empreender sua carreira musical em Viena teve que ser postergado. O pai, um alcoólatra inveterado, criou com o passar dos anos uma espessa crosta de separação com os filhos. Como se já não bastasse, poucos anos após, para este grande compositor que deveria ter a audição como referência absoluta de perfeição, inesperadamente, vem a surdez. E é em Heiligenstadt, um subdistrito de Viena,belo e arborizado, que Beethoven encontra a solidão necessária para se esconder de todos, para absorver esse novo drama e, acima de tudo, para verter sua alma em uma de suas páginas mais emocionantes já escritas: o Testamento de Heiligenstadt. Escrito em 06 de outubro de 1802 aos seus dois irmãos menores, esta carta ficou guardada em sua escrivaninha, nunca tendo sido enviada aos destinatários. Faz poucas semanas estive nesta casa, hoje um pequeno museu. E foiali que, sentado em um banco, li com vagar esse desabafo dramático de um ser humano no limiar do desespero final. Após essa breve explanação, acredito eu, já existem elementos suficientes para nos colocarmos no lugar do autor, vivendo cada uma de suas palavras. Atenho-me a um último detalhe, entre outros que omiti: o primeiro filho – o irmão mais velho de Beethoven, falecido – chamava-se também Ludwig, o que significou para Beethoven ter que carregar durante toda sua vida alembrança de seu primeiro irmão. Tarefa nada fácil. Mas Beethoven optou por se fortalecer e amadurecer, mesmo tendo todos os motivos humanos para desistir de sua vocação musical. Copiemos o exemplo. Nós também podemos compor uma “Nona Sinfonia” com a nossa vida: deixemos de olhar para o limão, e olhemos mais para a limonada.
Busto de Beethoven por Hugo Hagen
24 QUALIS
junho, 2021
junho, 2021 QUALIS 25
INTERLÚDIO
SINFONIA GRÁFICA PARA BEETHOVEN Por Maria Fortuna
26 QUALIS
junho, 2021
Se tudo estivesse normal, o mundo comemoraria os 250 anos de Ludwig van Beethoven com concertos e eventos para milhares de pessoas. Em tempos de pandemia de Covid-19, as celebrações serão bem mais modestas. Mas não menos charmosas. Uma das homenagens em curso vem do coletivo de artistas Negra40, da cidade de Mar del Plata, na Argentina. O grupo convidou criadores dos quatro cantos do planeta para festejar o compositor alemão ‒ nascido em 16 de dezembro de 1770, na cidade de Bonn, na Alemanha, mas batizado apenas no dia seguinte ‒ por meio de cartazes. — Queríamos que as pessoas se divertissem e pusessem a cabeça em algo que não fosse a pandemia, o distanciamento social e o corona ‒ diz Martín Virgili, integrante do grupo. ‒ E Beethoven é uma figura paradigmática, que reúne duas forças simultâneas: o caráter de universalidade e a aparência de subjetividade em sua música e sua pessoa.
Designers gráficos do Canadá, Rússia, França, Estados Unidos, Sérvia, Espanha, Marrocos, países da América Latina, entre outros lugares, foram convidados. O resultado é uma sinfonia de criatividade, cores e formas. Uma das criações é do brasileiro Felipe Taborda. Com 30 anos de carreira, Taborda é autor de capas de discos clássicos da MPB e de cartazes marcantes de eventos, como o da Eco-92. — No meio disso tudo, nos agarramos ao humor e ao otimismo para seguir ‒ afirma ele. ‒ Se Beethoven fosse vivo, não daria ouvidos ao festival de bobagens musicais, políticas e sociais que a humanidade está experimentando. Especialmente em nosso país. A coleção completa está exposta no site do grupo desde a última terça-feira (16). Uma exposição está prevista para 2021, no Museo de Arte Contemporaneo de Mar del Plata, assim que o “coronga” deixar.
junho, 2021 QUALIS 27
Antonio Castro
Eduardo Barrera Arambarri / Reprodução negra40
Felipe Taborda
Fabián Carreras
Maria Mercedes Salgado
Lautaro Hourcade
Fernando Katz
Marcela Rivera Prudencio
Adali Faiçal
Alvaro Caldeas
Pepe Serra
Mariana Campo e Gabriel Mahia
Jose Manuel Morelos
Helmut Langer
Beethoven em retrato de 1820 do pintor Karl Stieler
42 - QUALIS
O mundo celebra o aniversário do maior compositor de todos os tempos. Tão heroica e impetuosa quanto ele, sua arte é um legado imortal para a humanidade
F
oi como se os deuses pagãos acordassem e decidissem sacudir a Europa inteira. Os revolucionários franceses se insurgiram contra o poder divino, cortaram a cabeça de seu rei, espalhando o medo pelas demais monarquias do continente e levando a guerra até elas, inclusive à Áustria, lar da dinastia Habsburgo. Viena, a capital austríaca, tremeu com os tambores da Revolução de 1789 e viria a estremecer ainda mais com os canhões de Napoleão Bonaparte, o republicano que se tornaria o maior déspota daquela geração. No entanto, a cidade conheceu a verdadeira fúria da natureza humana, aquela que realmente importa, quando um germânico de tez escura, longa cabeleira e gestos grosseiros passou por seus portões sem disparar um único tiro. Em dezembro, o mundo celebra 250 anos do desse homem. Ele é Ludwig van Beethoven. Alguns musicólogos dizem que, se existisse um cetro da música, ele deveria ser repartido entre Bach, Mozart e Beethoven. Outros só concordam com essa repartição se a
Pintura de Die Sammlung alter Musikinstrumente
Por Sergio Figueiredo
Museu Kunsthistorisches, Viena
Pintura de Karl Rud
Imagem mais famosa do mestre alemão – Roger-Viollet/AFP
O gênio furioso da música
Baseado em um original de A [dolf] Volkhofen jr.
junho, 2021 QUALIS 43
CADENZA
coroa for apenas para Beethoven. Bach já havia morrido quando ele nasceu na cidade de Bonn em 17 de dezembro de 1770. A data exata, assim como toda a vida do compositor, é cercada de disputas, mas esse foi o dia registrado. Ele comemorava seu aniversário, só que desconhecia a própria idade, pois seu pai, Johann ‒ abusivo, alcoólatra e músico medíocre ‒, mentia dizendo que o filho tinha dois anos a menos. Johann ouvira que o pai de Mozart ganhava dinheiro exibindo o filho prodígio e queria fazer o mesmo com seu Ludwig ‒ então espalhava que ele tinha 6 anos, quando já tinha 8. Se o pai era um patife, que acordava o filho de madrugada para tocar, pelo menos teve a sensatez de entregar os estudos do rapaz a mestres melhores. Beethoven teve aulas com professores renomados, incluindo Joseph Haydn, figura importante também na vida de Mozart. Mas, quando se estabeleceu em Viena, já com a Revolução Francesa em andamento, o gênio rompeu com a estética de todos para trilhar o próprio caminho. Troncudo, baixo, com o rosto marcado pela varíola que o acometeu na infância, Beethoven possuía uma fúria dentro de si, criativa e emocional, que mexia com todos à sua volta. Não à toa ele é o músico adorado por Alex, o personagem do filme
44Julius QUALIS Pintura de Schmid
junho, 2021
Pintura de Rudolph Eichstaedt
“Beethoven ao amanhecer no estudo” (1899)
Laranja Mecânica, que comete crimes ao som das sinfonias do gênio alemão. Não que Beethoven tivesse propensão para a violência, mas seu desprezo pela nobreza e pela Igreja, das quais na verdade dependia para viver, abalava Viena tanto quanto sua magnífica obra, cujas sonatas e sinfonias são hoje pilares da cultura universal. O maestro Paavo Järvi, da Filarmônica de Câmara de Bremen (confira o artigo especial para VEJA sobre o compositor na pág. 90), lembra que Beethoven rebatizou de Eroica sua Terceira Sinfonia, que deveria ter se chamado Bonaparte, antes de apresentá-la em 1804. Seu herói, em quem ele depositava a esperança do fim do absolutismo, havia se autoproclamado imperador naquele ano. A Eroica seria um dos destaques da programação de junho, 2021
250º aniversário se não fosse pela pandemia, que dissolveu o calendário das melhores orquestras do mundo, inclusive o da Sinfônica do Estado de São Paulo, que interrompeu suas apresentações em março. A Osesp divulgou que oito das nove sinfonias de Beethoven serão apresentadas em janeiro e fevereiro de 2021, sob a batuta de seu novo regente, o suíço Thierry Fischer. Ficou de fora apenas a Nona Sinfonia, já executada recentemente pela antecessora dele, a maestrina americana Marin Alsop. A Nona Sinfonia, a primeira da história a utilizar coro, foi concluída em 1824, quando Beethoven já não ouvia nada, a não ser as reverberações do piano. A surdez começou a dar sinais quando ele tinha menos de 30 anos. Apesar de não existir prova irrefutável, acredita-se que QUALIS 45
Theatre an der Wien em Viena
a causa da perda de audição tenha sido a sífilis, contraída nos bordéis de Viena. A mesma doença talvez seja a explicação para Beethoven nunca ter se casado. Teve inúmeras paixões platônicas por mulheres da nobreza que nunca poderia desposar, uma vez que era plebeu, e então concentrou toda a sua fúria romântica em sonatas que violinistas menos experientes enfrentam até hoje dificuldade para tocar. Tão importante quanto a habilidade para executar suas obras é ter talento para conduzi-las: não é fácil marcar o tempo apropriado, 46 QUALIS
com uma centena de músicos à frente e uma plateia cinco vezes maior às costas. Fischer, maestro da Osesp com mais de trinta anos de experiência, falou a VEJA sobre o aniversariante: “Beethoven é como um romance de Proust. Toda vez que você faz uma releitura, descobre novos símbolos, cores, conceitos e territórios não explorados”. Um dos grandes regentes do século XX, o austríaco Herbert von Karajan, admirava tanto Beethoven que só endossou o CD como a mídia dominante para as gravações da Filarmônica de Berlim, nos anos 80, junho, 2021
Por Hadi Karimi
quando lhe afiançaram que a Nona Sinfonia, cuja duração é de mais de setenta minutos, caberia na íntegra em um único disco (ao contrário do que ocorre nos LPs). Depois de dois séculos e meio, outro mistério ainda cerca a vida do gênio irascível. Entre os documentos que chegaram à posteridade, havia uma carta que ele escreveu à “amada imortal”. A correspondência foi devolvida ou ele decidiu não enviá-la. Um filme de 1994 suscita a possibilidade de ser a esposa de seu irmão, cujo filho ele lutou pela guarda — hipótese descartada por biógrafos. Seria mais um devaneio sobre uma mulher idealizada que ele, no fundo, sabia que jamais poderia conquistar? A resposta fica no ar, mas um fato é indiscutível: de seu nascimento à sua morte, em 26 de março de 1827, o único amor imortal de Beethoven foi a música.
Retrato 3D ultra-realista
junho, 2021 QUALIS 47
MATÉRIA DE CAPA
Um aniversário cheio de obstáculos Por Brenda Haas
O
rquestras, coros e solistas de todo o mundo planejaram concertos especiais para celebrar o ano do jubileu de Beethoven em 2020. Mas, devido à pandemia do COVID-19, as salas de concertos tiveram que ser fechadas e os concertos foram cancelados, adiados ou apresentados digitalmente em um palco virtual. No entanto, concertos ao ar livre e apresentações para pequenos públicos ainda eram possíveis na Alemanha, até o final do verão. Foi assim também que a pianista Susanne Kessel conseguiu realizar alguns concertos como parte de
48 QUALIS
seu projeto internacional, intitulado 250 peças para piano para Beethoven. Apenas uma estreia mundial não pôde ser encenada. Kessel pediu a compositores selecionados de vários gêneros para compor uma saudação musical de aniversário para Beethoven. A pianista de Bonn então executou cada peça ela mesma e convidou os respectivos compositores para assistir. “Em mais de 200 shows, mais de 150 compositores de 47 países compareceram pessoalmente aos shows”, disse Kessel à DW. “Beethoven pode se orgulhar de ter deixado para trás algo que ainda inspira tantos compositores hoje”.
junho, 2021
Foto: David Kremser
Susanne Kessel tocando no ‘Beethovenhaus’ em Bonn, onde o músico nasceu
Salas de concertos fechadas, turnês mundiais canceladas Muitas orquestras e solistas famosas também novamente até setembro”, disse ela à DW. quiseram homenagear o compositor executan- O maestro estoniano Paavo Järvi também não do suas obras para piano, música de câmara ou conseguiu realizar seu planejado Ciclo Sinfônico grandes sinfonias. de Beethoven com a Orquestra Filarmônica de A violinista Anne-Sophie Mutter estava em Câmara Alemã de Bremen. “Isso foi, é claro, uma turnê mundial tocando as sonatas de vio- bastante inesperado. Esperávamos que ainda lino mais famosas de Beethoven. Depois de seu pudéssemos executar as sinfonias em uma data show no Japão, porém, ela teve que encurtar posterior, mas também não funcionou”, disse sua turnê. “Em março, contraí COVID-19. Me Järvi à DW. “Talvez devêssemos pensar tamsenti cansada e tive que ficar em quarentena bém em dar mais destaque às peças raramente tocadas de Beethoven. Mas ainda não temos por duas semanas”. Consequentemente, seus shows foram colo- nenhuma ideia de como voltar para a indústria cados no gelo. “Isso se transformou em uma da música. No momento, as coisas não parecem longa pausa. Eu não comecei a me apresentar muito boas lá”.
junho, 2021 QUALIS 49
Mais Beethoven do que o esperado Os concertos realizados em países com baixas taxas de infecção, como a Tailândia, eram quase exclusivamente organizados por músicos que moravam lá. Sob regulamentações de higiene mais rígidas, um festival internacional de Beethoven foi realizado em novembro em Yekaterinburg, na Rússia, afinal. Em Bonn, local de nascimento de Beethoven, o Festival de Beethoven foi cancelado devido à pandemia COVID-19. Mas, apesar de todos os obstáculos, ocorreram mais eventos do que os organizadores do aniversário de Beethoven esperavam inicialmente. A Sociedade do Aniversário de Beethoven (BTHVN) saudou o Projeto Pastoral Global como um grande sucesso em junho, apesar da ausência de uma audiência ao vivo. Concebido como um projeto digital desde o início, foi baseado na Sexta Sinfonia de Beethoven, também conhecida como Sinfonia Pastoral, que enaltece a natureza e o idílio rural. Artistas e performers de todo o mundo foram convidados a compartilhar suas idéias sobre nosso meio ambiente e enviar seus vídeos para uma plataforma. Apenas 20% dos projetos BTHVN foram cancelados ou adiados para uma data posterior. Por exemplo, uma versão da 10ª Sinfonia que foi concluída com a ajuda da inteligência artificial não será ouvida até 2021. O Ano Beethoven, sob o patrocínio do presidente alemão FrankWalter Steinmeier, foi estendido na Alemanha até setembro de 2021.
50 QUALIS
Foto: DWFleischer
Paavo Järvi
CDs em vez de shows Dez anos atrás, a orquestra havia estudado meticulosamente e regravado todas as nove sinfonias do Projeto Beethoven, DW acompanhou esse processo diante das câmeras. Para superar o período de restrições relacionadas ao coronavírus, a orquestra lançou agora as Nove Sinfonias junto com as aberturas de Beethoven em uma caixa de aniversário de CD. A orquestra ainda não sabe como e quando compensar o Ciclo de Beethoven interrompido em 2021. “No momento, há tantos atrasos de todos os projetos que não puderam ser realizados que temos que esperar para ver o que ainda pode ser alcançado nas organizações individuais”, diz Järvi. “Isso será decidido nos próximos meses.”
junho, 2021
Beethoven se torna híbrido e digital Foto: DWFleischer
Marin Alsop
Ode à Alegria Global All Together, da maestra americana Marin Alsop, deveria ter sido um dos destaques do Ano Beethoven. Alsop é a diretora musical da Orquestra Sinfônica de Baltimore e da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, entre outras. Ela planejava reger a Nona Sinfonia de Beethoven pelos cinco continentes com orquestras na Nova Zelândia, Estados Unidos, Brasil, Inglaterra, Áustria, Austrália e África do Sul. O coro final com a Ode à Alegria de Schiller seria cantado nas línguas locais dos povos indígenas. Era para ser um sinal de fraternidade entre diferentes culturas.
Os Institutos Goethe de todo o mundo também homenagearam o compositor por meio do projeto The Other Beethoven. Concertos e exposições foram planejados em países árabes, africanos e asiáticos. A ópera Fidelio de Beethoven , por exemplo, é sobre a ideia de liberdade. O musical Fidelio wo bist du? (Fidelio, onde você está?) não pode ser apresentado na Romênia, então o Goethe-Institut decidiu fazer um projeto de filme que foi exibido pela primeira vez em novembro e deve ser compartilhado em todo o mundo. No Iraque, a abertura Egmont de Beethoven faz parte do repertório padrão da orquestra nacional. Artistas alemães e iraquianos queriam criar uma música contra a violência, mas o projeto está em espera.
O show de abertura em São Paulo conseguiu acontecer, mas todos os demais shows foram adiados. “Pensamos em que formato digital o projeto poderia assumir”, explica. Isso resultou no Global Ode to Joy (Ode à Alegria). O vídeo, apresentando a Ode à Alegria global tocada pela Orquestra Sinfônica da Rádio Austríaca e cantada por 1.000 cantores nas telas, também será apresentado no grande especial digital de aniversário da BTHVN, que será transmitido de Bonn para o mundo em 16 e 17 de dezembro de 2020.
junho, 2021 QUALIS 51
POSLÚDIO
“Nestes tempos difíceis que estamos vivendo agora, em que estamos isolados, ainda existem pessoas fazendo seu trabalho gentilmente e ajudando”, diz Alsop no vídeo. “Acho que Beethoven ficaria maravilhado com o fato de sua Ode à Alegria ser uma mensagem que está nos conduzindo por esses tempos difíceis.”
Assista ao #GlobalOdeToJoy através do código abaixo:
“Fotografia da estátua de Beethoven, em Bohn, usando máscara”
52 QUALIS
R. Unkel
junho, 2021
junho, 2021
QUALIS 53
POSLÚDIO
COMO BEETHOVEN COMPÔS SE ELE ERA SURDO? Nos últimos três anos minha audição tem ficado cada vez mais fraca. Posso dar uma ideia dessa surdez peculiar quando devo dizer que no teatro tenho que chegar muito perto da orquestra para entender os intérpretes, a distância não ouço as notas agudas dos instrumentos e as vozes dos cantores ... Às vezes também quase não ouço pessoas que falam baixinho. O som que ouço é verdadeiro, mas não as palavras. No entanto, não posso aturar quando alguém grita.
60 QUALIS
O jovem Beethoven era conhecido como o músico mais importante desde Mozart. Ele havia estudado com Haydn, compositor austríaco e primeiro classicismo vienense, e por volta dos 20 era celebrado como um pianista virtuoso e brilhante. Quando completou 30 anos, ele compôs alguns concertos para piano, seis quartetos de cordas e sua primeira sinfonia. Tudo parecia muito bom para o cara, com a perspectiva de uma carreira longa e de sucesso pela frente. Então, ele começou a notar um zumbido em seus ouvidos - e tudo estava prestes a mudar. Por que Beethoven ficou surdo? A causa exata de sua perda auditiva é desconhecida. As teorias vão da sífilis ao envenenamento por chumbo, tifo ou, possivelmente, ao seu hábito de mergulhar a cabeça em água fria para se manter acordado. A certa altura, ele afirmou ter sofrido um ataque de raiva em 1798, quando alguém o interrompeu no trabalho. Tendo caído, disse ele, levantou-se e descobriu-se surdo. Em outras ocasiões, ele culpava os problemas gastrointestinais. “A causa disso deve ser o estado de minha barriga que, como você sabe, sempre foi péssima e está piorando”, escreveu ele, “já que estou sempre com diarréia, o que causa uma fraqueza extraordinária.” Uma autópsia realizada depois que ele morreu revelou que ele tinha um ouvido interno distendido, que desenvolveu lesões com o tempo. A famosa Sinfonia nº 5 de Beethoven, escrita em 1804, tem o tema de abertura referido como “o destino batendo à porta”; a cruel perda de audição que ele temia o afligiria pelo resto de sua vida. Quantos anos Beethoven tinha quando começou a ficar surdo? Por volta dos 26 anos, Beethoven começou a ouvir zumbidos em seus ouvidos. Em 1800, aos 30 anos, ele escreveu de Viena a um amigo de infância que era médico em Bonn, dizendo que vinha sofrendo há algum tempo: junho, 2021
Ludovic Alleaume
“Nos últimos três anos minha audição tem ficado cada vez mais fraca. Posso dar uma ideia dessa surdez peculiar quando devo dizer que no teatro tenho que chegar muito perto da orquestra para entender os intérpretes, a distância não ouço as notas agudas dos instrumentos e as vozes dos cantores ... Às vezes também quase não ouço pessoas que falam baixinho. O som que ouço é verdadeiro, mas não as palavras. No entanto, não posso aturar quando alguém grita.” Beethoven tentou manter a notícia do problema em segredo das pessoas mais próximas. Ele temia que sua carreira fosse arruinada se alguém percebesse. “Por dois anos evitei quase todas as reuniões sociais, porque é impossível para mim dizer às pessoas ‘Sou surdo’”, escreveu ele. “Se eu pertencesse a qualquer outra profissão seria mais fácil, mas na minha profissão é um estado assustador.”
Por dois anos evitei quase todas as reuniões sociais, porque é impossível para mim dizer às pessoas ‘Sou surdo’”, escreveu ele. “Se eu pertencesse a qualquer outra profissão seria mais fácil, mas na minha profissão é um estado assustador.
Certa vez, Beethoven saiu para um passeio pelo campo com o colega compositor Ferdinand Ries e, enquanto caminhavam, viram um pastor tocando uma flauta. Beethoven teria visto no rosto de Ries que havia uma bela música tocando, mas ele não conseguia ouvi-la. Diz-se que Beethoven nunca mais foi o mesmo depois desse incidente, já que ele enfrentou sua surdez pela primeira vez. Beethoven aparentemente ainda podia ouvir um pouco de fala e música até os 42 anos, mas aos 44 anos ele era quase totalmente surdo e incapaz de ouvir vozes ou os sons de sua amada região rural. Deve ter sido devastador para ele. Que tratamento Beethoven procurou para sua surdez? Tomar um banho morno de água do Danúbio pareceu ajudar os problemas de estômago de Beethoven, mas sua surdez piorou. “Estou me
junho, 2021 QUALIS 61
Trombetas de Beethoven. Foram feitas para facilitar o contato do compositor com o mundo exterior
sentindo mais forte e melhor, exceto que meus ouvidos cantam e zumbem constantemente, dia e noite.” Ele experimentou uma variedade de aparelhos auditivos, como trombetas auditivas especiais, mas após 1822, aos 52 anos, ele desistiu de buscar tratamento para sua audição. Se ele não conseguia ouvir, como escreveu música? Beethoven tinha ouvido e tocado música nas primeiras três décadas de sua vida, então ele sabia como os instrumentos e vozes soavam e como eles funcionavam juntos. Sua surdez era uma deterioração lenta, ao invés de uma perda repentina de audição, por isso ele sempre podia imaginar em sua mente como suas composições soariam. As governantas de Beethoven lembravam que, à medida que sua audição piorava, ele se sentava ao piano, colocava um lápis na boca, encostava a outra ponta na caixa de ressonância do instrumento, para sentir a vibração da nota. A surdez de Beethoven mudou sua música? Sim. Em seus primeiros trabalhos, quando Beethoven podia ouvir toda a gama de frequências, ele fez uso de notas mais altas em suas composições. Como sua audição falhou, ele começou a usar as notas mais baixas para que pudesse ouvir com mais clareza. Obras incluindo a Sonata ao Luar, sua única ópera Fidelio e seis sinfonias foram escritas durante este período. As notas altas voltaram a suas composições no final 62 QUALIS
de sua vida, o que sugere que ele estava ouvindo as obras tomarem forma em sua imaginação. Beethoven continuou a se apresentar? Continuou a se apresentar até que batia nos pianos com tanta força para ouvir as notas que acabou os destruindo. Depois de assistir a Beethoven em um ensaio em 1814 para o Trio Arquiduque, o compositor Louis Spohr disse: “Nas passagens fortes, o pobre surdo batia nas teclas para as cordas soarem, e no piano ele tocava tão suavemente que grupos inteiros de notas foram omitidos, de modo que a música era ininteligível, a menos que se pudesse olhar para a parte do piano. Fiquei profundamente triste com um destino tão difícil. “ Quando chegou a hora da estreia de sua maciça Nona Sinfonia, Beethoven insistiu em reger. A orquestra contratou outro maestro, Michael Umlauf, para ficar ao lado do compositor. Umlauf disse aos artistas que o seguissem e ignorassem as instruções de Beethoven. A sinfonia recebeu aplausos entusiasmados que Beethoven não pôde ouvir. Reza a lenda que a jovem contralto Carolina Unger se aproximou do maestro e o fez virar-se para ficar de frente para o público, para ver a ovação. É assim que o momento deve ter parecido, com Gary Oldman interpretando Beethoven no filme, Amada Imortal.
junho, 2021
GUIA SINFÔNICO
NONA SINFONIA
LUDWIG VAN BEETHOVEN O guia de sinfonia de Tom Service conclui com o que é indiscutivelmente a obra de arte central da música ocidental, a sinfonia para encerrar todas as sinfonias.
64 QUALIS
junho, 2021
N
icholas Cook coloca bem: “De todas as obras do repertório mainstream da música ocidental, a Nona Sinfonia parece mais uma construção de espelhos, refletindo e refratando os valores, esperanças e medos daqueles que buscam entendê-la e explicá-la … Desde sua primeira apresentação [em Viena em 1824] até os dias atuais, a Nona Sinfonia inspirou interpretações diametralmente opostas ”. Essas interpretações incluem aqueles ouvintes e comentaristas anteriores que ouviram e viram nele evidências de que Beethoven o havia perdido em termos de composição; que a peça, com sua escala incompreensível, demandas técnicas quase impossíveis e, acima de tudo, seu idealismo humanista loucamente utópico no cenário coral de Ode à Alegria de Friedrich Schiller em seu último movimento, chegou à loucura. Por outro lado, Hector Berlioz pensava que era o “culminar do gênio de seu autor”.
junho, 2021
QUALIS 65
POSLÚDIO
celebrações do Hogmanay e do Ano Novo em A Nona Sinfonia é indiscutivelmente a únitodos os lugares, da Alemanha ao Japão, e é um ca peça que inspirou a metodologia da análise evento anual do PROMS tradicionalmente na musical, uma disciplina de leitura musicolópenúltima noite da temporada. Alguns acham gica forense da partitura que tentou provar o que Beethoven foi simplesmente muito bemquão unificada e coerente esta sinfonia real-sucedido em crever uma melodia que realmente é, por baixo de sua superfície caoticamente pudesse ser cantada por toda a humanimente diversa. É considerada a obra central da dade, e que sua visão de fraternidade universal música clássica ocidental tanto por aqueles que (ou quase - vou falar nisso!) é kitsch na melhor a imaginam como o ne plus ultra da imaginadas hipóteses, ou politicamente perigosa em ção e do domínio sinfônico, técnico e composipior. O maestro Gustav Leonhardt, cional, quanto por aqueles que falando sobre o final, disse simquerem dizer que a música plesmente: “Aquela ‘Ode à Alegria’, clássica pode abraçar o mundo fala sobre vulgaridade! E o texto! fora do sala de concertos, bem “A Nona Sinfonia é Completamente pueril! ” como dentro dela, e que a peça Portanto, a questão é: dado que é um sino de mudança social, indiscutivelmente a a Nona Sinfonia pertence a todo o de esperança emocional e única peça que inspirou mundo, e agora é a soma total de tomesmo de reforma política. a metodologia da das essas imaginações dos últimos Mas essas reflexões e refrações sobre e da Nona Sinfonia análise musical, uma 190 anos, e sua miríade de apresentatambém devem abranger as disciplina de leitura ções e interpretações, o que realmente é? Existem muitas tentativas coramaneiras pelas quais a peça musicológica forense josas por aí para mostrar como a peça foi usada como um verme de da partitura que tentou une a sala, para domar suas desconouvido manipulador por regimes menos que saborosos. A provar o quão unificada tinuidades e diversidades perturbaouvindo-a como uma revelamelodia da Ode à Alegria - que e coerente esta doras, ção constante do tema Ode à Alegria. Beethoven compôs como um sinfonia realmente é.” Essa melodia definidora é, de fato, mote para o mundo inteiro leconsistentemente prefigurada em var ao seu coração, para se tortodos os três movimentos anterionar um hino nacional da próres, e você pode ouvir o finale como pria humanidade, algo muito o ponto final lógico desse processo. maior em seu impacto até do Beethoven ainda torna essa jornada absolutaque os hinos de estados-nação que surgiram no mente explícita no início do finale, já que os vioinício Século XIX - foi adotado como lema tanloncelos e baixos em suas explosões recitativas to de ditaduras quanto de democracias. Como rejeitam a música dos três movimentos anteriodiz o mais recente biógrafo de Beethoven, Jan res como inadequada para o propósito maior do Swafford, “como alguém via a Nona ... depenfinale (um processo encerrado pelo solo de baidia de que tipo de Elísio se tinha em mente, se xo, que canta as próprias palavras de Beethoven: todas as pessoas deveriam ser irmãos ou se to“Ó amigos, esses sons não!”); esse destino é revedos os não irmãos deveriam ser exterminados”. lado na melodia que invade e assume o controle (O livro de Esteban Buch, Beethoven’s Ninth - A da orquestra, e é cumprido quando os solistas Political History tem mais sobre esse lado ese o coro se levantam para cantar as palavras de pecífico da história da sinfonia.) Hoje, a Ode à Schiller para o tema Ode to Joy. Alegria é o hino da União Europeia e o som das
66 -QUALIS QUALIS 66
junho, 2021
ruidosamente, alegremente, esmagadoramenEssa trajetória musical é paralela à narrativa te; bem como seu contraponto virtuosístico, sua emocional da sinfonia, começando com o enpolifonia sensual e sua escrita coral semelhante terro do antigo ideal heróico, como sugere Jan a uma cantata - mas terrivelmente desafiadora. Swafford, no primeiro movimento. Lembre-se No entanto, é precisamente por causa do poder da Sinfonia Eroica: bem, o primeiro movimenda realização de Beethoven dessa visão sinfôto da Nona representa o enterro do grande henica, dramática e social (dimensões nas quais roísmo militar que a sinfonia anterior celebra: Beethoven está trabalhando simultaneamena marcha fúnebre no final do primeiro movite e simbioticamente nesta peça) que ele faz mento da Nona põe o prego no caixão do sotantas perguntas que ressoam, não resolvidas, nho napoleônico , que coalhou de forma tão após qualquer apresentação. Um é devastadora e produziu as resobre o texto; mesmo se você não pressões políticas sob as quais tiver que ir tão longe quanto Gustav Beethoven estava vivendo e Leonhardt, você tem que reconhetrabalhando quando estava cer que nem todos estão realmente escrevendo a Nona Sinfonia “...à medida que os incluídos nesta irmandade utópino início da década de 1820. indivíduos se unem em ca. Isso está implícito nas falas de Em seguida, vem a energia Schiller: “Sim, se alguém se mantibucólica irônica do scherzo alegria e amor: uma ver em manter / Apenas um coração e a visão Arcadiana do movi- comunidade de coro, todo seu / Deixe-o se juntar a nós, mento lento, a música lírica solistas vocais e músicos ou então chorar / Roubar de nosmais opulenta de Beethoven, que não é liderada por so meio, desconhecido”. Como diz um idílio que sonha com um Theodor Adorno: “Inerente ao mau novo tipo de heroísmo no final grandes homens ou coletivo está a imagem do solitário, de sua pastoral arrebatadora, mesmo por Deus, mas sim e a alegria deseja vê-lo chorar ... Em quando aquelas fanfarras de construída sobre os laços tal companhia, o que será das solmetais repentinamente apateironas, para não falar das almas recem em meio premonições entre ‘irmãos’ do poema dos mortos? ” Beethoven compõe harmônicas da música mais de Schiller.” os versos castigadores da solidão visionária do finale. Esse mode Schiller, no meio da exposição vimento final em si é então do tema Ode à Alegria, com um esuma encenação de uma vitória tranho diminuendo, cantado pelos para a humanidade, à medida solistas e depois pelo coro, um momento de dúque os indivíduos se unem em alegria e amor: vida em meio a um fomento de afirmação. Um uma comunidade de coro, solistas vocais e múdetalhe talvez, mas um lembrete de que messicos que não é liderada por grandes homens mo essa sociedade utópica universal tem suas ou mesmo por Deus, mas sim construída sobre trevas, seus cidadãos excluídos. A ironia é que o os laços entre “irmãos” do poema de Schiller, à próprio Beethoven, enquanto sonhava em sua medida que esse novo e verdadeiro heroísmo da música daquela conexão alegre e amorosa com humanidade cria seu próprio destino e modela outros seres humanos, buscou, mas raramente o mundo em que Beethoven queria viver. Esse encontrou, essas conexões em sua própria vida: mundo inclui simbolicamente diversidades gesua música tornou-se o que ele não conseguia. ográficas e étnicas, assim como abarca o secular Aí está o “peido” no final. Não minha palavra, e o sagrado, na marcha turca que interrompe mas a descrição do maestro Roger Norrington o finale e com a qual toda a sinfonia termina
junho, 2021 QUALIS QUALIS- 67 67
POSLÚDIO
da humanidade com a frieza e a vastidão do da intervenção do contrafagote, dois fagotes cosmos, colocando-nos, ouvintes, em contato e bumbo, na tonalidade errada, em uma nova com nossa futilidade microscópica como indivelocidade, e no que você logo percebe é a bavíduos e até mesmo como humanidade coletida errada do compasso, um momento bativa diante das profundezas da criação. O que tético que vem logo após o coro ter invocado acontece a seguir - logo após Beethoven criar uma visão de Deus com algumas das músicas uma paisagem sonora celestial em um acorde poderosamente reveladoras da sinfonia. Este de 9ª dominante vertiginosamente antecipatópetardo musical ergue um acompanhamento rio que cintila e pulsa com estranhos tremolos e para um soldado bêbado - cantado por um tenor que engole hélio, é claro! - hino registros, o coro contemplando ao “heroísmo conquistador”, enaquele “pai além das estrelas” quanto Beethoven exalta os velhos - é que a música é arrancada de volta à terra para o início da ideais do grande militarismo, com coda surpreendentemente jubimúsica de banda turca, janízaro, losa da sinfonia, e o tema Ode emprestada e exagerada da ópera to Joy salta em uma explosão de mais popular de Mozart durante três vezes. sua vida, O Rapto do Serralho. E Mas essa justaposição climáexatamente do extremo oposto, há “...no contexto da a música que vem logo após esse sinfonia como um todo, é tica entre o cosmos e a celebração terrena está apenas entre as hino de louvor do privado irritado (aliteração - a forma mais baixa de uma música de contraste mais extremas das dezenas de poesia, desculpas!), O cenário sudramático extremo, um contrastes que definem o finale blime do último verso do poema oásis mágico fora do caos em particular, e a sinfonia como um todo. Pense na imagemde de Schiller, uma visão do abraço de ao seu redor”. abertura do plasma musical a “Vocês milhões”, o “beijo de todo partir do qual as melodias do o mundo”, e um criador “moranprimeiro movimento rastejam e do além do dossel das estrelas”. caem na existência, ou mais tarNa música que soa chocantemende no movimento de abertura, te lenta e econômica após a fuga o acorde de primeira inversão dupla do inferno e a versão triunmaior de som mais dissonante falista da melodia de Ode to Joy na música orquestral - o retorno que acabamos de ouvir, Beethoven de Ré maior do primeiro tema, tem trombones, cordas graves e que Jan Swafford descreve apropriadamente vozes masculinas entoando o mais forte dos como o som do herói “semeando ruína” na es“abraços”. Não se trata de conforto espiritutrutura da sinfonia. (Para Susan McClary, em al ou sensual, mas de algo muito mais estraum artigo de 1987, esse momento simbolizou, nho e profundo. O compositor Jörg Widmann em vez disso, a “fúria assassina sufocante de até mesmo descreve essa música como a criaum estuprador incapaz de obter a libertação”, ção de um mundo sonoro “horrível”, em uma outra daquelas diversas interpretações que a música que parece contradizer diretamente o Nona inspirou.) Existem os tímpanos pertursentimento de salvação das palavras. Em vez badores e fora de fase e golpes que perfuram o disso, essa passagem do finale soa o espanto
68 QUALIS
junho, 2021
scherzo, ao lado dos quais os rústicos zangões da seção do trio são chocantemente estáveis e bem-humorados. Em seus próprios termos, a música do movimento lento Adagio molto e cantabile é serenamente lírica, mas no contexto da sinfonia como um todo, é uma música de contraste dramático extremo, um oásis mágico fora do caos ao seu redor. Todos esses cortes cada vez mais severos conforme a sinfonia prossegue podem muito bem estar a serviço do credo composicional de Beethoven, que “mesmo quando estou compondo música instrumental, meu costume é sempre manter o todo em vista” (que decididamente não é o mesmo como um esforço por uma unidade composicional obstinada). No entanto, esse “todo” permanece repleto de questões sobre quem somos como sociedade, sobre qual deve ser o propósito de nossas vidas - e quais podem ser os limites da sinfonia. Ou melhor, a Nona Sinfonia é uma realização das possibilidades ilimitadas da sinfonia, para refletir quem somos, uma caixa de ressonância para ideias e ideologias muito diferentes sobre a música, o mundo e nosso lugar nele. É por isso que a Nona Sinfonia de Beethoven é indiscutivelmente a obra de arte central da música ocidental: é um desafio tanto agora como em 1824 para seus ouvintes, intérpretes e para cada compositor que escreveu uma sinfonia desde então. Mas não é porque esta peça seja um monumento monolítico de certeza; em vez disso, é porque seu gigantesco e irrefutável poder musical é uma fonte de infinitas renovações e possibilidades. Assim como toda a história da sinfonia, você pode dizer...
junho, 2021
QUALIS 69
POSLÚDIO
eu anjo, meu tudo, meu próprio ser As mulheres que poderiam ser a amada imortal de Beethoven Por Ray White
Logo após a morte de Beethoven em 1827, uma carta foi encontrada em uma gaveta secreta de seu apartamento em Viena. Era um rascunho de dez páginas escrito a lápis para alguém que Beethoven chamava de “Minha Amada Imortal”. “Enquanto ainda estou na cama, meus pensamentos correm para você, minha Amada Imortal, às vezes com alegria, outras vezes com tristeza, esperando para ver se o destino vai nos ouvir.” Carta de Beethoven Nem uma vez na carta o destinatário é revelado. Por dois séculos, sua identidade foi debatida. Tem havido muitos contendores. O filme biográfico de 1994 de Beethoven “Immortal Beloved” concluiu que “amada” era a cunhada de Beethoven, Johanna van Beethoven. Essa teoria foi desmentida por quase todo mundo. Ele teve uma batalha amarga pela custódia de Johanna por causa de seu sobrinho depois que seu irmão morreu. Therese Malfatti, filha de um comerciante vienense, também é uma candidata a Amada (embora não entre as duas primeiras). Alguns acreditam que Beethoven homenageou Malfatti com seu famoso “Fur Elise”. Um trabalho de detetive incrível foi feito nos últimos 30 a 40 anos por musicólogos ao redor do mundo para resolver o mistério. Eles analisaram e dataram o papel real da
70 QUALIS
junho, 2021
carta e compararam o diário de Beethoven com seu calendário de compromissos para determinar onde ele estava em períodos específicos de tempo. Eles decidiram que a famosa carta foi escrita em uma estalagem de diligência à beira da estrada na segunda-feira, 7 de julho de 1812. Beethoven tinha acabado de deixar Praga e provavelmente encontrou sua Amada lá. Ele estava fazendo uma escala a caminho da vila termal de Karlsbad, na Boêmia, onde haveria outro encontro. Com essas informações, muitos acadêmicos reduziram seus palpites a duas mulheres. Uma dessas mulheres é Antonie Brentano. Ela era uma herdeira rica que Beethoven costumava visitar, às vezes apenas tocando piano para ela do lado de fora da porta
do quarto e da suíte. Ele amava a família dela e Beethoven era até amigo do marido de “Toni”. Ela é uma possibilidade real, mas alguns supõem que o alto nível moral de Beethoven não permitiria que ele continuasse tendo um caso com uma mulher casada cujo marido era amigo e até mesmo conselheiro financeiro. A outra candidata é Josephine Von Brunswik. Ela entrou e saiu da órbita de Beethoven ao longo dos anos. Muitos em seu círculo social pensaram que os dois deveriam se casar depois que ela ficou viúva em uma idade jovem, mas aparentemente ela recusou porque ele era um plebeu. (Este seria um tema recorrente na vida de Beethoven.) No entanto, eles permaneceram próximos. Em cartas encontradas e publicadas
Fotos: Autor desconhecido, circa 1800; pintura de Joseph Karl Stieler, 1808; Autor desconhecido, séc. XIX, respectivamente
posteriormente na década de 1950, ele a chamava de “Meu Anjo”, assim como na carta de Amada Imortal. A equipe de pesquisa do museu Beethoven-Haus em Bonn, Alemanha (local de nascimento de Beethoven) agora acredita que Josephine é a única. Alguns biógrafos contemporâneos, como Maynard Solomon e Jan Swafford, acreditam que Beethoven e sua amada encobriram seus rastros no que diz respeito ao relacionamento. Provavelmente é seguro dizer que depois de todo esse tempo (a menos que uma versão da carta seja encontrada), a Amada Imortal apenas permanecerá como Amada Imortal.
O encontro com Goethe Por Leandro Oliveira
N
ascido em 1749, vinte e um anos antes do gênio de Bonn, Goethe havia formado seus gostos musicais no ambiente clássico de Carl Phillip Emmanuel Bach, Haydn e Mozart. Ele suspeitava da veemência revolucionária de Beethoven, mesmo reconhecendo-o como o maior compositor alemão vivo. Pouco depois do verão de 1812, Goethe escreveu uma reflexão menos sintética sobre o wwcompositor: “seu talento me surpreendeu; no entanto, infelizmente, ele tem uma personalidade totalmente indomável, não completamente errado em achar o mundo detestável, mas dificilmente o tornando mais agradável para si ou para os outros com sua atitude. Contudo, seu estado suscita alguma empatia e compaixão, pois está perdendo a audição, algo que afeta menos a parte musical de sua natureza do que a social. Ele é naturalmente lacônico, e ainda mais devido à sua deficiência.”
72 QUALIS
junho, 2021
Foto: Samuel Sianipar
O entusiasmo de Beethoven por Goethe era desmedido. O primeiro contato entre os dois mestres se deu em 1811, quando Beethoven enviou a Goethe uma cópia da música incidental para sua tragédia “Egmont”. “Egmont, op. 84” consiste em uma abertura seguida por uma sequência de nove peças para soprano, narrador masculino e orquestra sinfônica. Beethoven escreveu-a entre outubro de 1809 e junho de 1810. A peça foi estreada em 15 de junho de 1810 – o tema que inspira o compositor é a vida e o heroísmo do nobre Lamoral, Conde de Egmont dos Países Baixos. A música foi elogiada por E.T.A. Hoffmann, e o próprio Goethe respondeu calorosamente à partitura, expressando a esperança de que ambos eventualmente se encontrassem.
Em 1814, o poeta teria dito “Beethoven fez maravilhas para combinar sua música com meu texto”. Curiosamente, para além da abertura, hoje a obra é raramente realizada. Ela abrirá a temporada do Theatro São Pedro neste final de semana, no sábado, dia 16, às 20h00 e no domingo, dia 17, às 17h00. O concerto é em homenagem a Heidi Lazzarini. A Orquestra Sinfônica do Theatro São Pedro, sob a direção de Claudio Cruz, executará a rara versão completa de “Egmont” de Beethoven, com a soprano Marina Considera e narração de Luiz Guilherme. O programa contará ainda com o poema sinfônico “Prometeu” de Leopoldo Miguez e a extraordinária “Siegfried Idyll” de Richard Wagner.
junho, 2021 QUALIS 73
74 QUALIS
junho, 2021
Sturm
und Drang The Man on the Rack, 1761, by Giovanni Battista Piranesi. Photograph: liszt collection / Alamy/Alamy
T E M P E STA D E E Í M P E TO Richard Wigmore investiga o mundo de Sturm und Drang, no qual as emoções literárias e musicais do século XVIII se tornaram tempestuosas.
S
turm und Drang - ‘Tempestade e Ímpeto’. Para muitos amantes da música, o rótulo evoca as tempestuosas sinfonias de tonalidade menor que Haydn compôs por volta de 1770: o ‘Lamentatione’ (nº 26), incorporando cantochão gregoriano; o ‘Luto’ (No. 44); ‘La passione’ (nº 49); e o ‘Farewell’ (nº 45), cuja encantadora história associada desmente sua violenta intensidade. Outros compositores da época extraíram uma veia semelhante em meio a resmas de obras mais brilhantes e mais amenas na maior parte. No entanto, Sturm und Drang não é um termo que Haydn ou seus contemporâneos teriam reconhecido. Por um lado, a cronologia está errada. O movimento literário Sturm und Drang recebeu o nome de uma peça de 1776 de Maximilian Klinger ambientada na Revolução Americana. A essa altura, a turbulenta fase de Sturm und Drang de Haydn já havia acabado. E enquanto na música Sturm und Drang era um fenômeno amplamente austríaco, os escritores eram principalmente norte-alemães: um grupo de jovens irados que rejeitaram o decoro rococó e a cultura aristocrática
francesa em favor da emoção desenfreada e dos estímulos de Goethe, o líder não oficial do movimento , chamado de ‘heilig, glühend Herz’ - o ‘sagrado coração brilhante’. A versão em inglês familiar de Sturm und Drang, embora nitidamente aliterativa, é enganosa. Não há problema com ‘Sturm’. Mas ‘Drang’ significa ‘impulso’, ou ‘compulsão interna’ em vez de ‘estresse’. Pode até ter conotações sexuais. ‘Drang’ resumiu o jovem Goethe. Sempre ansioso para aproveitar e intensificar o momento, ele foi visto pelos contemporâneos como “um homem possuído”, “levado por uma torrente”. Ele lançou sua banca teatral, aos 24 anos, em 1773 com Götz von Berlichingen, no qual ele elevou o guerreiro da Francônia saqueadora do século XVI a um rebelde cavalheiresco cujo idealismo é finalmente quebrado por forças sociais implacáveis. Inspirado pelos abundantes dramas históricos de Shakespeare, Götz von Berlichingen foi a primeira salva de uma série de dramas Sturm und Drang que colocaram o sentimento espontâneo contra as rígidas convenções sociais e a
junho, 2021 QUALIS 75
Sinfonia Farewel de Joseph Haydn
injustiça política. Alguns, como o Egmont do próprio Goethe (para o qual Beethoven escreveu sua música incidental em 1809/10) opondo um herói idealista à Realpolitik na Holanda dominada pelos espanhóis e o Die Räuber de Schiller (“Os ladrões”, a fonte do I masnadieri de Verdi), onde o herói barão ladrão Karl Moor se torna um Robin Hood da Boêmia, tenha um cenário histórico. Outros são críticas amargas à sociedade contemporânea corrupta: Der Hofmeister de Jakob Lenz (‘O Tutor’) e Die Soldaten, sobre a ruína da filha de um joalheiro, e Kabale und Liebe de Schiller (‘Intriga e Amor’, a fonte de outra ópera de Verdi, Luisa Miller), onde o amor entre a burguesa Luise e o aristocrático Ferdinand cai em desgraça com o vicioso tribunal ducal. Em 1774, um ano depois de Götz von Berlichingen, Goethe completou o poema por excelência Sturm und Drang Prometheus (cujas palavras foram posteriormente definidas por compositores incluindo Schubert, Wolf e outros), no qual o Titã, que rouba fogo, se torna uma personificação heróica do individualismo e do desafio da tirania teocrática. Nesse mesmo ano, ele causou sensação internacional com o romance epistolar Die Leiden des jungen Werthers (“As dores do jovem Werther”), em que o herói morbidamente introspectivo, apaixonado por uma mulher casada, segue os impulsos de seu “sagrado, brilhante” coração’. O suicídio, como aqueles familiarizados com a ópera de Massenet de 1887 bem sabem, é sua única saída. 76 QUALIS
Em seu último encontro com sua amada Charlotte, Werther recita versos de Ossian com emoção. Ostensivamente um antigo menestrel gaélico, “Ossian” foi na verdade criação de James MacPherson, em uma fraude literária que inicialmente enganou metade da Europa, incluindo Napoleão. Não importa: esses poemas tristes situados entre as brumas e montanhas da Escócia - a epítome da arte “natural” e sem adornos - foram apreciados pelos escritores de Sturm und Drang, assim como La nouvelle Héloïse de Jean-Jacques Rousseau, onde o herói encontra consolo para seu coração dolorido nas belezas selvagens da natureza. Na década de 1760, uma década antes do literário Sturm und Drang, o fenômeno Ossian e a filosofia “de volta à natureza” de Rousseau eram parte de uma reação europeia mais ampla ao refinamento rococó e à etiqueta sufocante da cultura contemporânea dominada por classes. Na Grã-Bretanha, essa moda do primitivo e do anti-racional foi incorporada nas Relíquias da Poesia Antiga do Bispo Percy e na fantasia gótica de Horace Walpole, O Castelo de Otranto: manifestações do que Edmund Burke chamou de “o sublime”, inspiradas por fenômenos naturais como cemitérios, oceanos e montanhas selvagens calculados “para excitar as idéias de dor e perigo” - a antítese do “belo”, que Burke associava à clareza, à razão e à proporção clássica. Na pintura, o Sturm und Drang alemão encontra paralelo nas masmorras góticas de Piranesi (1720-78) e nas visões fantasmagóricas de Henry Fuseli (1741-1825). E música? A verdade junho, 2021
inconveniente é que a onda de apaixonadas obras de tonalidade menor de 1766-1773 de Haydn e seus contemporâneos austríacos, incluindo o adolescente Mozart, já havia diminuído na época em que Goethe estreou Götz von Berlichingen. Nenhum escritor do século XVIII traçou uma conexão entre o musical e o literário Sturm und Drang. Na verdade, não foi até 1909, o centenário da morte de Haydn, que o musicólogo francês Théodore de Wyzewa usou o termo para descrever o surto de angústia em tons menores em sua música Embora o início escaldante Allegro assai da Sinfonia ‘Farewell’ e os finais implacáveis dos números 44 e 52 possam ser paralelos às emoções febris de Götz e Die Räuber, as influências nas obras Sturm und Drang de Haydn não foram literárias, mas musicais. Uma figura chave foi o segundo filho de JS Bach, Carl Philipp Emanuel Bach, cujas sinfonias e concertos - digamos o Concerto para cravo em Ré menor, Wq 23 ou a Sinfonia em Mi menor, Wq 177 - já têm a instabilidade nervosa característica de Sturm und Drang. Crucial, também, foi o chamado Empfindsamkeit (“sensibilidade elevada”) das sonatas e fantasias para teclado do C.P.E., avidamente devoradas por Haydn na década de 1760. C.P.E. em sua forma mais taciturna introspectiva seria a trilha sonora perfeita para um filme de Werther. A turbulência de Sturm und Drang e a emocionante Empfindsamkeit se misturam na Sonata em dó menor de Haydn de 1771, a primeira de uma série de obras-primas em dó menor clássico que culminou na sonata Op. 111 de L.V. Beethoven. Antecipando os escritores de Sturm und Drang, de cerca de 1760 compositores de ópera como junho, 2021
“
Drang resumiu o jovem Goethe. Sempre ansioso para aproveitar e intensificar o momento, ele foi visto pelos contemporâneos como “um homem possuído”, “levado por uma torrente.
“
{
Os escritores eram principalmente norte-alemães: um grupo de jovens irados que rejeitaram o decoro rococó e a cultura aristocrática francesa em favor da emoção desenfreada e dos estímulos de Goethe, o líder não oficial do movimento, chamado de ‘heilig, glühend Herz’ - o ‘sagrado coração brilhante’.
QUALIS 77
POSLÚDIO
“
A Sonata em Dó Menor de Haydn de 1771, a primeira de uma série de obras-primas em dó menor culminou na sonata Op. 111 de L.V. Beethoven.
“
78 QUALIS
Jommelli, Traetta e Gluck rejeitaram os enfeites rococó e o virtuosismo vocal pela verdade emocional inabalável. O Orfeo de Gluck, produzido por Haydn no teatro de ópera Eszterháza, foi o exemplo mais famoso dessa nova estética. Imensamente influente, também, foi o balé revolucionário de Gluck, Don Juan, de 1761, onde Don é arrastado para o inferno em uma torrencial dança em ré menor posteriormente reciclada como “Air de Furies” em o Orfeu francês. Com o objetivo de evocar o medo e o terror, esta música sintetiza o “sublime” de Edmund Burke. Como nas sinfonias e concertos de C.P.E. Bach, muitos dos ingredientes típicos de Sturm und Drang já estão em plena expansão: escalas caindo precipitadamente, síncopes, linhas de baixo fortes, choques harmônicos e, não menos importante, contrastes dinâmicos violentos. O Allegro assai de abertura de “Farewell” de Haydn, na tonalidade outré de Fá sustenido menor, tem todas essas características desestabilizadoras e muito mais. Ele constantemente desafia as expectativas, até a aparência inesperada de um tema flutuante e frágil no desenvolvimento central - um interlúdio de sonho cujo significado só é revelado no encerramento da “despedida” da sinfonia nº 44, a agitação apaixonada é disciplinada e intensificada pelo uso de técnicas contrapontísticas barrocas de Haydn. No primeiro movimento inquieto e fanaticamente concentrado de sua sinfonia mais antiga de Sturm und Drang, nº 39 em sol menor, o ouvinte fica ainda mais desorientado por silêncios bizarros, à la .CP.E. Bach. Para onde Haydn liderava, o adolescente Mozart o seguia. Seu primeiro ensaio sobre Sturm und Drang foi a inflamada abertura em Ré menor de seu oratório La Betulia liberata de 1771. Dois anos depois, com um aceno para o nº 39 de Haydn, sua sinfonia em sol menor, K183 combina urgência dramática com um pathos echt-Mozartiano. As sinfonias Sturm und Drang de Haydn do final da década de 1760 quase certamente influenciaram as dezenas de sinfonias de tom menor apaixonadas pelo
junho, 2021
subestimado compositor boêmio Johann Baptist Vanhal. Em Londres, até o urbano Johann Christian Bach aproveitou o Zeitgeist com uma veemente sinfonia em sol menor que contrasta fortemente com sua galanterie suave usual. Em 1782, o filósofo francês Diderot pronunciou music “le plus violent de tous les beaux-arts”. Uma década ou mais antes, Gluck e Haydn haviam defendido seu ponto de vista. Embora Haydn tenha escrito apenas meia dúzia de sinfonias Sturm und Drang no tom menor, sua intensidade feroz colore várias de suas sinfonias contemporâneas no tom maior, acima de tudo o conturbado e excêntrico nº 46, no tom “extremo” de Si maior . Comum a todas as sinfonias, sonatas e quartetos de cordas de Haydn do período, maiores e menores, é uma lógica musical formidável e poder de desenvolvimento inigualável por qualquer um de seus contemporâneos. O K183 de Mozart e o dó menor de Haydn, nº 52, foram provavelmente as últimas sinfonias de Sturm und Drang. Depois de 1773, Mozart e Haydn evocaram intermitentemente o estilo Sturm und Drang: digamos, na soberba música incidental de Mozart para König Thamos ou, com uma amplitude adicional e sutileza cromática, os coros tempestuosos em Idomeneo e o oratório Il ritorno di Tobia de Haydn. Na sinfonia tardia em Sol menor de Mozart, nº 40, a turbulência de Sturm und Drang é temperada pelo lirismo anseio, mesmo exuberante. Após os extremos emocionais do início da década de 1770, Haydn tendeu a apresentar uma face amável, às vezes jocosa, para o mundo, refinando e aprofundando a linguagem da comédia de costumes. Em suas raras sinfonias pós-1773 em tom menor nº 80, ou ‘La poule’, nº 83 - o menor invariavelmente se resolve em maior: menos uma questão de “alegria” lendária de Haydn do que um reconhecimento do
ideal clássico de reconciliação. Quanto ao literário Stürmer und Dränger, em 1779 Goethe, agora cortesão e administrador em Weimar, deixou para trás as turbulências de Götz e Werther com o sereno Classicismo de Iphigenie auf Tauris. Schiller escreveu sua última peça verdadeira de Sturm und Drang, Kabale und Liebe, em 1784. Nessa época, Lenz estava sofrendo de doença mental, enquanto Klinger, cujo drama criara o termo, ironicamente forjou uma carreira de sucesso como oficial do exército russo. A raiva e a paixão da juventude haviam desaparecido. Mas no século seguinte, o emocionalismo descarado de Sturm und Drang deixaria sua marca na imaginação romântica alemã, tanto na música quanto na literatura.
Retrato de Goethe
POSLÚDIO
Beethoven
O imperador francês foi um herói para o compositor, inspirando uma sinfonia revolucionária. Mas a desilusão logo se seguiria.
E
m abril de 1802, Ludwig van Beethoven deixou Viena para Heiligenstadt, uma vila a cerca de oito quilômetros ao norte. Nas semanas anteriores, ele ficara profundamente deprimido ao perceber que estava ficando surdo; mas ali, rodeado pela natureza, ele recuperou o ânimo e encontrou um novo sentido de propósito musical. Vagando pelo campo, caderno na mão, ele começou a brincar com um tema em mi bemol maior. Em pouco tempo, ele tinha os contornos de uma sinfonia completamente nova - sua terceira - claros em sua mente. Embora inspirado por algumas de suas obras anteriores, especialmente as chamadas Variações Eroica (Op. 35), era diferente de tudo que ele havia escrito antes. Vasto em escopo e surpreendentemente original em estilo, era ousado e até triunfalista. Enquanto Beethoven trabalhava na pontuação, ele decidiu batizar a sinfonia com o nome de Napoleão Bonaparte, então primeiro cônsul da França. De onde veio essa ideia não está claro. De acordo com seu biógrafo e ex-secretário Anton Schindler, ela foi sugerida pela
80 QUALIS
Por Alexander Lee primeira vez por Jean-Baptiste Bernadotte, o embaixador francês na Áustria. Mas, de acordo com Ferdinand Ries, aluno de Beethoven, a ideia era do compositor. Como Ries explicou, Beethoven tinha a “maior estima” por Napoleão e “o comparava aos maiores cônsules da Roma antiga”. Seja qual for o caso, o entusiasmo de Beethoven por Bonaparte era inabalável. Assim que terminou a partitura, no início de 1804, escreveu as palavras italianas ‘Sinfonia intitolata Bonaparte.’ (‘Sinfonia intitulada Bonaparte ‘) na capa e deixou o manuscrito sobre uma mesa para que todos os seus amigos pudessem ver. Mas Beethoven teve uma surpresa desagradável. Pouco depois de dar os toques finais em sua sinfonia, Ries veio até ele com a notícia de que, em 18 de maio de 1804, Napoleão havia se declarado imperador da França. Beethoven ficou furioso. Enfurecido, o compositor gritou: “Então ele não passa de um mortal comum! Agora ele também pisará em todos os direitos do homem [e] se entregará apenas à sua ambição; agora ele se considerará superior a todos os homens [e] se tornará um tirano!” junho, 2021
“Então ele não passa de um mortal comum! Agora ele também pisará em todos os direitos do homem [e] se entregará apenas à sua ambição; agora ele se considerará superior a todos os homens [e] se tornará um tirano!”
Pegando uma caneta, Beethoven foi até a partitura e rabiscou o título com tanta violência que rasgou o papel. A partir daí, a obra seria conhecida simplesmente como Sinfonia Eroica (a Sinfonia ‘Heróica’). Este episódio tornou-se uma lenda, dando origem a uma imagem duradoura de Beethoven como um amante da liberdade, um admirador da Revolução Francesa e - acima de tudo - um republicano. Graças a Schindler e Ries, muitas vezes se pensa que, tendo uma vez admirado Napoleão como a apoteose dos princípios revolucionários, o compositor, fiel às suas crenças republicanas, mais tarde o injuriou por sacrificá-las à sua própria ambição e, após remover o título original da Terceira Sinfonia, manteve o nome ‘Bonaparte’ em desdém desde então. Mas seria perigoso aceitar isso sem questionar. Embora o violento apagamento do título original por Beethoven ainda possa ser visto na capa do manuscrito, os relatos fornecidos por Schindler e Ries são menos confiáveis do que parecem à primeira vista. A versão de Schindler é particularmente suspeita. Sua afirmação de que a ideia de nomear a sinfonia com o nome de Napoleão foi sugerida por Bernadotte é comprovadamente falsa. Embora Bernadotte realmente tivesse servido como embaixador francês na Áustria, ele havia deixado seu cargo em desgraça em 1798 e não tinha voltado desde então. Schindler era, além disso, um conhecido democrata e - tendo destruído ou adulterado muitos dos papéis de Beethoven após a morte do compositor - pode muito bem
ter distorcido sua história para fazer parecer que as opiniões de Beethoven estavam mais de acordo com as suas. Olhando mais de perto, o relacionamento de Beethoven com Napoleão parece ter sido mais sutil do que Schindler e Ries sugeriram. Quando jovem, ele foi, reconhecidamente, atraído pelos ideais da Revolução Francesa. Aos 19 anos, ele assinou um livro de poesia jacobina de Eulogius Schneider e, nos anos que se seguiram, temperou seus escritos com sentimentos revolucionários. Em uma carta a Nikolaus Simrock em 2 de agosto de 1792, por exemplo, ele se declarou um democrata e se opôs vigorosamente a ser chamado de “cavalheiro”. Da mesma forma, ele frequentemente expressava seu desprezo pela religião organizada e raramente perdia a oportunidade de zombar das bobagens supersticiosas vendidas por “pastores”. Quando Beethoven se mudou para Viena para estudar com Haydn, ele carregou essas idéias com ele. Em 22 de maio de 1793, ele escreveu em seu Albumblattque ele ainda amava a liberdade acima de todas as coisas; e em uma carta a sua ‘Amada Imortal’ em 6 de julho de 1801/2, ele disserta que a ‘humilhação do homem diante do homem me causa dor’. À medida que ele começou a construir uma carreira como compositor por seus próprios méritos, no entanto, seu fervor democrático começou a diminuir. Recebido nos salões da nobreza vienense, ele se adaptou aos gostos de seus patronos. Ele assumiu ares aristocráticos, alegou descendência de uma antiga família
junho, 2021 QUALIS 81
POSLÚDIO
Pintura de Delaroche retratando Bonnaparte
baronial e - por um tempo - até adotou a partícula nobiliar ‘von’. Ele também se tornou mais conservador em sua perspectiva. Embora continuasse sendo um defensor apaixonado da liberdade e do secularismo, ele agora acreditava que a Revolução Francesa pode ter ido longe demais. Como tantos de seus nobres amigos, ele olhou para trás no Reino do Terror com horror. Ele ainda não era um monarquista; Foi assim que Beethoven passou a admirar Napoleão. Ele não tinha ilusões; ele sabia perfeitamente bem que, como primeiro cônsul, Napoleão já estava pisoteando os princípios revolucionários e ainda era um idealista romântico o suficiente para reclamar disso. Em 8 de abril de 1802, por exemplo, Beethoven escreveu a seu editor, Franz Anton Hofmeister, para expressar sua decepção por Napoleão ter concluído uma concordata com o papa e, assim, destruir suas esperanças de separação entre Igreja e Estado. Mesmo assim, Beethoven viu Napoleão como um corretivo necessário para os excessos da
Revolução. Mantendo seu conservadorismo recém-descoberto, ele elogiou o cônsul por produzir ordem política a partir do caos e por proteger o povo de si mesmo. Foi por essa razão - e não aquela dada por Schindler e Ries - de que Beethoven tinha Napoleão em mente quando estava escrevendo sua Terceira Sinfonia. Isso não quer dizer que Beethoven teria gostado da notícia de que Napoleão se declarou imperador. Embora não considerasse a monarquia incompatível com a liberdade ou a justiça - como revela sua ópera Fidelio (1804-14) -, ficaria chocado com o desprezo do ex-cônsul pela Constituição do Ano VIII e pela vontade do povo francês. Mas é duvidoso que isso por si só o tivesse convencido a rabiscar o título, muito menos da maneira violenta descrita por Schindler e Ries. Muito mais provavelmente, ele removeu o nome de Napoleão para não perder o patrocínio de um nobre que havia ficado escandalizado com as ações do francês. Embora seja impossível ter certeza, isso é pelo menos sugerido pelo fato de que, após apagar o título original, Beethoven dedicou a Eroica ao príncipe Joseph von Lobkowicz, que lhe dera 400 ducados pelos direitos da música e que mais tarde se tornou um de seus mais fervorosos apoiadores. Certamente, Beethoven não ficou tão horrorizado com Napoleão a ponto de dar as costas ao imperador ou à sua família nos anos que se seguiram. Embora as cartas do compositor estejam repletas de elogios à liberdade, elas também contêm passagens que celebram as realizações de Napoleão; e Beethoven era considerado tão amigo da família imperial que, em 1808, o irmão de Napoleão, Jerônimo Bonaparte, então rei da Westfália, chegou a lhe oferecer uma posição como Kappelmeister em sua corte em Kassel.
Imagem pintada por Delaroche retratando parte da sinfonia
Foi somente depois que Napoleão esmagou a Áustria na Guerra da Quinta Coalizão (1809) que o entusiasmo de Beethoven começou a esfriar visivelmente. Abalado pelo bombardeio francês de Viena e temeroso de ser profissionalmente comprometido por sua associação com os Bonapartes, ele se sentiu obrigado a repudiar Napoleão pela primeira vez. Não havia como voltar atrás. À medida que o imperador percorria a Europa, tornouse difícil para Beethoven considerá-lo outra coisa que não desprezível. Nenhum amigo da liberdade ou da ordem, ele agora era pouco mais que um conquistador. Embora a Áustria tenha sido forçada a se aliar à França por um tempo, a opinião em Viena permaneceu firmemente contra ele.
A derrota de Napoleão na Guerra Peninsular selou a mudança de opinião do compositor. Pouco antes de o imperador partir para o exílio em Elba, Beethoven - que agora identificava a liberdade com o patriotismo germânico - professou estar do lado dos aliados e até escreveu uma curta obra orquestral em comemoração à vitória de Wellington na Batalha de Vitória. A violação foi completa. Talvez fosse inevitável; mas ainda está tingido de tristeza. Quando as melodias crescentes da Sinfonia Eroica são comparadas com as explosões excêntricas de Wellingtons Sieg oder die Schlact bei Vittoria, é difícil escapar da sensação de que a música de Beethoven era mais emocionante quando ele era por Napoleão do que contra ele.
junho, 2021 QUALIS 83
CODA
Gravações LUDWIG VAN BEETHOVEN Concertos para piano
Krystian Zimerman Sir Simon Rattle Orquestra Sinfônica de Londres. Krystian Zimerman, Sir Simon Rattle e Ludwig van Beethoven: três músicos excepcionais e cinco grandes concertos para piano são reunidos para uma gravação marcante. Este lançamento está entre os maiores destaques para concluir nossas celebrações do aniversário de Beethoven. Mais de 30 anos atrás, em 1989, Krystian Zimerman e Leonard Bernstein gravaram os concertos para piano de Beethoven nos. 3, 4 e 5. Eles estavam unidos em sua dedicação total à música - na mente, no coração e na alma - resultando em uma gravação excepcional. Infelizmente, Bernstein morreu antes que o ciclo fosse concluído. Zimerman continuou a reger os Concertos Nos. 1 e 2 restantes no piano em 1991. Agora, 30 anos após suas primeiras gravações, Zimerman retorna aos Concertos para Piano de Beethoven. Ele oferece uma nova
interpretação excepcional gravada com Sir Simon Rattle e a Orquestra Sinfônica de Londres. Este álbum estará disponível digitalmente, como um digipack de 3 CDs, uma caixa de vinil de 5 LP e uma edição exclusiva e limitada da caixa de vinil de 5 LP com um livreto assinado por Krystian Zimerman e será lançado em 9 de julho de 2021.
LUDWIG VAN BEETHOVEN Sinfonia n09 ‘Coral’ Manfred Honeck Orquestra Sinfônica de Pittsburgh Christina Landshamer (soprano), Jennifer Johnson Cano (mezzo-soprano), Werner Güra (tenor), Shenyang (baixo); Coro Mendelssohn de Pittsburgh; Orquestra Sinfônica de Pittsburgh/Manfred Honeck. “Tudo sobre esta performance tem peso, da orquestra aos solistas, com esculturas precisas de Honeck beirando o maníaco, o Finale uma alegre argy-bargy de forças conflitantes, cercada por momentos de beleza transcendente e expressiva.”
84 QUALIS
junho, 2021
PROKOFIEV/SCRIABIN/ STRAVINSKY Daniil Trifonov Valerie Gergiev Orquestra Mariinsky Prokofiev: Piano Concerto No. 2 em sol menor, Op. 16; Sarcasmos, Op. 17; Piano Sonata No. 8 em si bemol maior, Op. 84; Gavotta, Op. 95 No. 2; Scriabin: Piano Concerto em fá sustenido menor, Op. 20; Stravinsky: Serenade em lá; Suíte Pássaro de Fogo; Três movimentos de Petrushka; Daniil Trifonov (piano); Mariinsky Orchestra/Valery Gergiev. ‘Uma coleção da época de ouro de Trifonov, e é admirável que esses dois discos sejam sempre mais sobre a música do que sobre ele, quando como um superastro da gravação ele poderia ter escolhido uma opção mais fácil Se eu fosse escolher um compêndio de obras russas (principalmente) do século XX para piano solo e piano com orquestra, estaria perto. Aprendi
coisas novas sobre cada trabalho aqui, mas a forma como Trifonov faz cada momento ao vivo é simplesmente surpreendente.
LUDWIG VAN BEETHOVEN Martha Argerich Theodosia Ntokou Symphony No. 6 (arr. piano four hands)*; Piano Sonata No. 17 ‘Tempest’ Theodosia Ntokou, *Martha Argerich (piano) Argerich é tão envolventemente espontânea e pianisticamente responsiva como sempre, mas aqui ela toca com requinte requintado, como se destilasse sua essência interpretativa ao seu essencial. Ntokou contrabalança o pianismo inspirado de Argerich com talento cativante, acuidade textural e combinação tonal refinada.
junho, 2021 QUALIS 85
CODA
Concursos 18a COMPETIÇÃO CHOPIN 2 a 23 de outubro de 2021 Devido à pandemia COVID-19, a 18ª Competição Chopin foi transferida para 2021. A Competição acontecerá na Filarmônica de Varsóvia de 2 a 23 de outubro de 2021. O Ministro da Cultura e do Patrimônio Nacional da Polônia, Piotr Gliński, juntamente com Artur Szklener, Diretor do Instituto Fryderyk Chopin em Varsóvia, decidiu mudar o Concurso de outubro de 2020 para outubro de 2021 após consultas adicionais com o Ministério da Saúde da Polônia. Aqui está o que o Professor Piotr Gliński, Ministro da Cultura e do Património Nacional, disse sobre as razões para adiar o Concurso Chopin até 2021: “Todos os ingressos para a Competição Chopin deste ano se esgotaram em apenas três horas! Pessoas em massa de todo o mundo queriam assistir a este grande evento musical. Infelizmente, devido à pandemia, não podemos garantir que em outubro deste ano será possível realizar eventos de grande público. Acho que todos concordamos que o Concurso sem
Seong-Jin Cho vencedor do 17 Concurso Frederic Chopin
público - embora tecnicamente viável - não seria uma boa ideia. As restrições atualmente em vigor em todo o mundo também tornam essencialmente impossível preparar os participantes para as eliminações e a competição adequada. Por essas razões, a decisão de adiar a Competição Chopin até 2021 foi difícil, mas necessária. ” Nas palavras de Artur Szklener: “Não medimos esforços para garantir que o 18º Concurso Chopin seja tão bom como todos esperávamos e que continue a grande tradição forjada ao longo das décadas. O Instituto Fryderyk Chopin está trabalhando intensamente para fazer com que a mudança de 2020 para 2021 seja o mais tranquila possível ”.
COMPETIÇÃO INTERNACIONAL TELEKOM BEETHOVEN- BONN 2 a 11 de dezembro de 2021
Cunmo Yin vencedor do Concurso Telekom Beethoven de 2019
86 QUALIS
“Nosso objetivo declarado é descobrir jovens promissores, pianistas artisticamente excelentes e promover suas carreiras de longo prazo por meio de elogios e suporte adicional fornecido pela Competição Telekom Beethoven.” O júri de cada competição é composto por personalidades destacadas do mundo da música clássica: Nove pianistas e músicos de renome internacional avaliam as atuações realizadas durante a competição e selecionam os participantes considerados dignos de reconhecimento. As decisões dos membros do júri são baseadas em sua excelente experiência em termos de técnica, repertório e profunda experiência como músicos clássicos. Os membros representam uma ampla gama de experiências e carreiras notáveis, os quais contribuem para a diversidade do júri. junho, 2021
4º FULHAM OPERA MEMORIAL ROBERT PRESLEY PRÊMIO VERDI 16 e 17 de outubro de 2021 A competição é operada pela Fulham / Regents Opera. A competição é para cantar Verdi - sem limite de idade. A inscrição é feita por meio de envios de vídeo / áudio. Uma final ao vivo acontecerá em 17 de outubro de 2021, na Royal Academy of Music. Todos estão qualificados para entrar. A submissão da inscrição inicial deve consistir em três clipes de áudio ou vídeo, dois dos quais devem ser de Verdi de obras diferentes. A final ao vivo será realizada no David Josefowicz Recital Hall, Royal Academy of Music, Londres, no domingo, 17 de outubro de 2021. Sir Thomas Allen patrono do 4 Prêmio Verdi Memorial Robert Presley
ARD COMPETIÇÃO INTERNACIONAL DE MÚSICA- MUNIQUE 2 a 17 de setembro de 2021 O 70º Concurso Internacional de Música ARD em Munique está aberto para as seguintes categorias: Piano Duo, Voz, Trompa e Violino, e acontece de 2 a 17 de setembro (incluindo os concertos dos vencedores dos prêmios). A 1ª rodada de todas as quatro categorias acontecerá digitalmente; com base na situação epidemiológica atual, todas as audições da 2ª fase e concertos são abertas ao público.
Participantes do ARD Competição de Música
junho, 2021 QUALIS 87
CODA
Concertos RECITAIS CHOPIN AOS DOMINGOS EM ŻELAZOWA WOLA Julho de 2021 Localizada a 54 quilômetros de Varsóvia, Żelazowa Wola é visitada por inúmeros turistas e amantes da música da Polônia e do exterior. Aqui Fryderyk Chopin nasceu, aqui há um parque e um museu - o local de nascimento de Fryderyk Chopin, onde são realizados concertos cíclicos, iniciados em 1954 pelo Prof. Zbigniew Drzewiecki, o notável pianista e pedagogo polonês. Os Recitais de Domingo Chopin em Żelazowa Wola são uma oportunidade para ouvir as apresentações dos maiores pianistas polacos e internacionais, professores mundialmente famosos e os vencedores das Competições Internacionais de Chopin. Viet Trung Nguyen
ORQUESTRA FILARMÔNICA DE ESTRASBURGO 1º de julho de 2021
Com a regência de Aziz Shokhakimov e Samika Honda no violino, a orquestra faz uma apresentação ao vivo para apresentar a temporada de 2021 com Dvořák, Beethoven, Prokofiev, Bizet, Tomasi, Borodin, Sibelius, Mozart, Brahms, Haydn e Bernstein.
Orquestra Filarmônica de Estrasburgo
88 QUALIS
junho, 2021
HALLÉ ORQUESTRA Julho de 2021
Após o sucesso da temporada de inverno online da Hallé Orchestra, três dos concertos de sua temporada de verão ao vivo e socialmente distanciada no Bridgewater Hall também serão filmados e disponibilizados online, sob demanda, uma semana após cada show. A versão digital especial da temporada contará com as Variações Enigma de Elgar, a Sétima Sinfonia de Beethoven e a Suíte Pássaro de Fogo de Stravinsky, entre outros destaques, com Sir Mark Elder e Tabita Berglund regendo.
Hallé Orquestra
ACADEMIA DE ST MARTIN IN THE FIELDS Agosto de 2021
A orquestra de câmara, Academy of St Martin in the Fields, apresenta uma nova série de concertos online, filmados ao vivo em Londres, com música de Bach, Brahms, Errollyn Wallen e Sally Beamish. Academia St Martin in the Fields
junho, 2021 QUALIS 89
junho, 2021 QUALIS 91