Notícias da Marioneta #10

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NM

ORPHEUS: ENTRE O TEATRO, A ESCOLA E O MUSEU

O que acontece quando a mitologia clássica vai à escola pela mão de um museu e de uma companhia de teatro?

museudamarioneta.pt
Notícias da Marioneta maio 2023 NM10

P4 No mundo das marionetas P5-9 Tema – Orpheus: entre o Museu, Escola, Teatro

P12 Coleção – Calíope e Apolo P13 Outras coleções – Museu Internacional da Marioneta

António Pasqualino P14-15 A vida no Museu

A nova NM está disponível no Museu da Marioneta e em vários locais da cidade. Pode também recebê-la por correio, deixando-nos a sua morada em museu@museudamarioneta.pt

Nas salas do antigo Convento das Bernardas há marionetas e máscaras de várias partes do mundo. A visita ao Museu é como uma viagem por lugares próximos e distantes, em diferentes épocas. Todas as marionetas desta edição fazem parte do acervo do Museu.

Marionetas de Java, Indonésia. Wayang Golek

Máscaras e marionetas da Tailândia, Java e Bali

Sombras. Máscaras e marionetas do Sri Lanka

Marionetas de vara da China, marionetas de fios de Mianmar e máscaras do Japão

Marionetas de água do Vietname

Marionetas da Europa

Sala Sogobò (marionetas e máscaras africanas)

Marionetas e máscaras da América Latina

Bonecos de Santo Aleixo, Alentejo, Portugal

Robertos e marionetas de fios portuguesas

Marionetas de luva portuguesas

Marionetas portuguesas de luva e fios

Marionetas de São Lourenço

Marionetas portuguesas

Marionetas de cinema de animação

Reservas

NM - Notícias da Marioneta – Edição Museu da Marioneta

Direção Ana Paula Rebelo Correia Coordenação editorial Filipa Machado Textos Ana Paula Rebelo Correia, Filipa Machado Documentação Rita Luís Fotografias Ana Rita Mateus, Diogo Maia, José Frade, João Reixa, Magnum Soares Design gráfico BuummDesign Jasão Autor. Helena Vaz Portugal, 1991 Barro, madeira, tecido, plumas, palha

Entramos no mês de maio pela mão de Orfeu e de um dos projetos de continuidade que o Museu desenvolve com escolas de proximidade. O Museu à Medida, foi pensado para Escolas como um projeto aberto às mais diversas ideias e parcerias, tendo como única premissa de base aproximar a escola do Museu, e neste caminho levar os mais jovens à descoberta dos mistérios e emoção da arte e da cultura.

Numa parceria com o Teatro da Cidade, ao longo de três meses, o Museu e o teatro foram à escola e a escola e o teatro vieram ao Museu. Foi nestes encontros de ida e volta, orientados pelo Serviço Educativo, que nasceram, pelas mãos dos alunos de uma turma do 4º ano, os cenários da peça Orpheus, encenada por Nídia Roque. Após um ano com a sala de espetáculos fechada, o Museu reabre assim as portas ao teatro e retoma a sua parceria com o Teatro da Cidade. Nesta aposta do Teatro da Cidade no público mais jovem, abre-se para muitos uma primeira experiência de teatro, e uma primeira experiência de relação entre diversos temas. Texto, mito, criação artística, encenação, museu e teatro, fizeram parte do pensamento e imaginação de 20 alunos ao longo de várias semanas, através da colaboração na produção da peça Orpheus. A estreia é dia 13 de maio e a peça estará em cena também a 18 de maio, Dia Internacional dos Museus.

Teodora Boneva é uma artista plástica que traz ao Museu Redonda, uma instalação de objetos inspirada nos Gabinetes de Curiosidades renascentistas, e baseada na obra de Gertrude Stein (1876-1946) O mundo é redondo, escrita em 1939. Pensada para o público infantojuvenil, esta instalação/performance apresentada pela Teodora nos dias 18 e 19 de maio às 15h30, explora os conceitos de identidade e individualidade, e foi desenvolvida no âmbito de um trabalho

para a Escola Superior de Teatro e Cinema. Fica assim mais um convite para virem até ao Museu da Marioneta durante o mês de maio.

A partir de julho a sala de espetáculos torna-se sala de exposições e assim vai permanecer até final de outubro. Será a ocasião de mostrarmos diversas peças do acervo das Reservas do Museu, entre marionetas de luva, de fios, de sombra e de manipulação à vista. Paralelamente a esta exposição, o Museu propõe as oficinas de Verão, onde o poder da imaginação e da criatividade levará os mais novos ao encontro dos universos de origem destas peças, viajando sem sair do Museu.

Nunca é de mais relembrar que para lá dos destaques da programação, o Museu tem um circuito expositivo permanente que retraça a arte da marioneta do Oriente ao Ocidente, visitas guiadas e oficinas diversificadas pensadas para um vasto leque de públicos, de todas as idades. E uma equipa sempre disponível para o receber.

Bem-vindos ao Museu da Marioneta

Marcelo
Ana Paula Rebelo Correia Diretora

No mundo das marionetas

Portugal

Augusto e Benjamin à procura da Terra do Nunca

Teatro

Com direção artística de Adriana Melo e Magnum Soares, a companhia Universo

Paralelo dedica-se, desde 2020, à criação e difusão de obras originais de teatro de marionetas e formas animadas. Através de uma dramaturgia autoral, exploram-se temas contemporâneos que promovam a reflexão.

Em 2021, em coprodução com o Museu da Marioneta, apresentaram Australopiteco, um espetáculo de teatro para a infância, com encenação e texto de Adriana Melo, no qual se abordam as questões da diferença.

Este ano levam a palco Augusto e Benjamin à Procura da Terra do Nunca, um espetáculo de teatro de marionetas e formas animadas para todo o público.

Nesta peça, aborda-se o encontro geracional, numa narrativa que cruza as vivências do quotidiano com as do imaginário das personagens.

Com estreia marcada para dia 30 de maio no Festival Internacional de Marionetas de Montemor-o-Novo, produzido pela Alma d’Arame.

Festivais de marionetas, dentro e fora de Portugal

FIMFA Lx 23

Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas

18 de maio a 4 de junho

Lisboa

XV Encontro Internacional de Marionetas de Montemor-o-Novo

Alma d’Arame

25 de maio a 5 de junho

Montemor-o-Novo

BIME

Bienal Internacional de Marionetas de Évora

6 a 11 de junho Évora

FIMO

Festival Internacional de Marionetas de Ovar

9 a 11 de junho

Ovar

Les Marionnet’Ic

Festival International Marionnettes en Côtes d’Armor

2 a 6 de maio

Saint-Brieuc, França

National Puppetry Festival

18 a 22 de julho

Minneapolis, Estados Unidos da América

Titirimundi

Festival Internacional de Teatro de Títeres de Segóvia

10 a 15 de maio

Segóvia, Espanha

Fotografia de cena da peça Augusto e Benjamim à Procura da Terra do Nunca Por Magnum Soares.

Num museu de marionetas, o teatro, a narrativa, a imaginação, estão sempre presentes. No Museu tudo isto se faz com várias pessoas, criando-se múltiplas pontes, dentro e fora do museu.

A Escola é onde a descoberta do Museu e gosto pelo Teatro muitas vezes começam. Foi assim que surgiu o encontro entre o Museu da Marioneta, o Teatro da Cidade e a Escola EB1 n.º72, e que se iniciou a viagem conjunta ao encontro da mitologia clássica e da história de Orfeu.

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Orpheus: entre o Museu, a Escola e o Teatro

Projeto de continuidade com proximidade. O Serviço

Educativo do Museu da Marioneta e a Escola EB1 n.º72

O que acontece quando a mitologia clássica vai à escola pela mão de um museu e de uma companhia de teatro? O projeto de continuidade do Museu da Marioneta - Museu à Medida - foi pensado em parceria com o Teatro da Cidade e com a Escola EB1 n.º 72 do Agrupamento de Escolas Padre Bartolomeu de Gusmão.

A equipa do Serviço Educativo do Museu desafiou os 20 alunos da turma do 4ºB a participarem na peça de teatro Orpheus, com a produção plástica dos adereços e elementos cenográficos. Orientados pela Filipa Camacho, do Serviço Educativo do Museu, os alunos, o museu e o teatro trabalharam conjuntamente. Entre descoberta do mito, imaginação e criação, construíram-se os cenários e adereços para a peça, encenada por Nídia Roque. Orpheus é o terceiro espetáculo de uma tetralogia concebida pelo Teatro da Cidade e inspirada nas Metamorfoses, escritas por Ovídio há mais de 2000 anos.

Os dois primeiros espetáculos, Agora que o carro do sol já passou e O voo de Ícaro, foram igualmente produzidos com a colaboração de alunos do ensino básico na criação dos cenários. A peça será apresentada no Museu da Marioneta, desta vez no âmbito do Plano Nacional das Artes, para a Bienal Cultura e Educação 2023.

TEMA - ORPHEUS: ENTRE O MUSEU, A ESCOLA, E O TEATRO

O mito de Orfeu e Eurídice

Orfeu, filho de Apolo, deus das artes, do canto e da música, e de Calíope, musa da poesia, recebe muito jovem uma lira de sete cordas. Apaixonado por música, a sua melodia era tão perfeita que não só os animais, como até as árvores, rochedos e a água dos rios, se uniam para a ouvir.

Orfeu acompanha a viagem dos Argonautas (no nome do barco em que viajam – Argo), e a sua música ajuda-os a ultrapassar inúmeras dificuldades, encorajando os remadores a nunca desistir. É no regresso da viagem que Orfeu casa com Eurídice.

Um dia, Eurídice é mordida no calcanhar por uma serpente venenosa, tendo morte imediata. Inconsolável, Orfeu decide ir às profundezas da terra, ao reino de Plutão, recuperar Eurídice. Enfrenta Cérbero, o cão tricéfalo guardião dos infernos, convence Plutão e Proserpina, e consegue trazer Eurídice para o mundo dos vivos com uma condição: enquanto Eurídice não vir a luz do sol, Orfeu não pode olhar para trás.

Quando estão a sair dos infernos Orfeu olha para trás para verificar que não tinha sido enganado e que Eurídice vem com ele. Não cumprindo o prometido, perde a sua amada para sempre.

Do reino das marionetas ao palco

A viagem da escola foi mais curta do que a de Orfeu. A Escola n.º 72 fica umas ruas acima do Convento das Bernardas. Com sol ou com chuva, a equipa do Serviço Educativo fez várias viagens até à escola, guiada pelo empenho da professora e pelo imaginário dos 20 alunos do 4ºB. Sob orientação da equipa do serviço Educativo, da professora e da encenadora leram-se os textos, pensou-se o mito, puseram-se mãos-à-obra e construíram-se os cenários e adereços.

Entusiasmados, os alunos vieram também ao Museu da Marioneta, numa visita orientada onde ficaram a conhecer marionetas e máscaras de várias partes do mundo e os seus diferentes tipos de manipulação. Reunidas as informações, os alunos apresentaram as suas propostas. E assim como Orfeu convenceu Plutão e Proserpina, também os alunos convenceram os mediadores do Serviço Educativo. Foram assim concretizadas plasticamente todas as ideias, com o objetivo de as levar a palco. Havia também uma condição: confiarem uns nos outros, inspirarem-se uns aos outros, e acreditarem no resultado do trabalho em equipa.

Do mito à produção

Depois de apresentado e analisado o mito de Orfeu, os 20 alunos da turma foram divididos em cinco grupos. Cérbero, o cão tricéfalo guardião do reino dos mortos e a serpente responsável pela morte de Eurídice, foram construídos por um dos grupos em marionetas de sombra articuladas. Jasão, Eurídice, a Morte, Proserpina e o Dragão surgem como adereço de cena num Livro de Máscaras, em que cada personagem foi desenhada pelos alunos. Os restantes dois grupos ficaram responsáveis por ilustrar a viagem dos argonautas, construindo montanhas e rochedos para o cenário.

Em cena há ainda um exército, composto por vinte figuras em silhueta inspiradas nas pinturas “A Dança” (1988) de Paula Rego e “La Danse” (1909-1910) de Henri Matisse.

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Nídia Roque

Licenciada pela Escola Superior de Teatro e Cinema, ramo de interpretação. Trabalhou no Teatro da Cornucópia com Luis Miguel Cintra, nos Artistas Unidos em encenações de Jorge Silva Melo e Pedro Carraca, trabalhou também com João Mota, Ricardo Neves-Neves, Os Possessos, e Bruno Bravo. Em 2016 fundou a companhia Teatro da Cidade onde é criadora e atriz. A partir de 2018 começou a desenvolver projetos com crianças e jovens, incentivando práticas da expressão dramática através da participação em oficinas de interpretação. Em 2018 iniciou uma parceria com o Museu da Marioneta, com o objetivo de aproximar a escola, o museu e o teatro, através de projetos participativos. Este primeiro projeto foi pensado em quatro etapas, formando uma tetralogia inspirada em temas das Metamorfoses, de Ovídio. Este ano, a peça Orpheus entrará em cena no dia 13 de maio.

TEMA - ORPHEUS: ENTRE O MUSEU, A ESCOLA, E O TEATRO
Fotografia por
João Reixa

De onde surgiu o interesse pelos mitos clássicos como tema de teatro para os mais jovens?

A mitologia começou a interessar-me durante a minha formação como atriz, quando estudei o período da Antiguidade Clássica e quando comecei a ler tragédias gregas. Os textos como Hipólito de Eurípides, ou Rei Édipo de Sófocles, A Odisseia de Homero ou as Metamorfoses de Ovídio, comunicam muito comigo, pela beleza de como são escritos, e pelas imagens que transmitem através da escrita, e isso a mim comove-me e inspira-me muitíssimo. Mas a relação da mitologia com o público mais jovem começou só em 2017 quando o Teatro da Cidade fez duas curtas de teatro na mostra Noites Curtas, um festival desenvolvido pelo Projeto Ruínas, em que um dos espectáculos que fizemos se chamava Orfeu e Eurídice. Começámos por ler e explorar o capítulo A Criação, presente nas Metamorfoses, como incitação de leitura para pensarmos noutras temáticas, e acabámos por ir ao encontro do mito de Orfeu e Eurídice. Sentia que tinha sido uma abordagem tão estimulante, que merecia mais estudo, mais pensamento, apetecia-me abordar a mitologia em espectáculos, e queria levar mais longe o contacto que tinha tido com esta obra. Propus assim ao Teatro da Cidade fazermos um espectáculo a partir das Metamorfoses de Ovídio, mas para a infância. Até então nunca tínhamos feito espectáculos para este público, mas tinha a intuição de que era por ali que devia seguir. A partir daí começámos a pensar nesta tetralogia, porque um só espectáculo seria pouco para abarcar esta obra, e fui dirigindo o projeto com a perspetiva de trazer este universo fantástico para a infância.

Ainda que as histórias, a animação, os videojogos, estejam inundados de referências desta herança mitológica, eu quis fazê-lo porque pensava que podia ser um contributo interessante nestas idades, conhecerem-se histórias milenares que fazem parte da nossa identidade cultural e do nosso universo coletivo.

“Como se contam os mitos?” era a pergunta que mais me ocorria. Sendo na sua maioria bastante trágicos e complexos, comecei a questionar-me de que forma os mitos que escolhia comunicavam comigo e com o mundo que me rodeia, com a contemporaneidade e com as pessoas que são o público-alvo destes espectáculos.

Não é muito comum um museu escolher um teatro/uma companhia de teatro para uma parceria e vice-versa. Mas a verdade é que já vamos na terceira peça de teatro feita no âmbito desta colaboração. Pode falar-nos um pouco deste projeto, e da sua importância?

Pessoal e artisticamente é de uma importância gigantesca, e para o Teatro da Cidade também. É a primeira vez que trabalhamos com uma instituição de forma tão continuada, o que por um lado nos permite crescer e desenvolver o nosso trabalho, e por outro, creio que é das sinergias mais interessantes. Temos a possibilidade de conhecer dinâmicas de trabalho diferentes da nossa, de cruzar conhecimentos, e de ter a confiança mútua no objeto artístico final. As equipas conhecem-se, trabalham em conjunto, há um diálogo constante e é tudo mais simples. Ensaiar no lugar onde se vai estrear o espectáculo é muito enriquecedor - por exemplo, de vez em quando vou espreitar a sala de exposições para me inspirar, porque está ali, ao meu alcance – as ideias nascem também do lugar onde se trabalha, e isso é muito rico. E o facto de podermos ensaiar na sala de espectáculos com algum tempo antes da estreia é um privilégio, que faz toda a diferença.

Quando pensámos no Museu da Marioneta para propor estes espectáculos, o desejo era o de precisamente integrar a linguagem e a dimensão cultural do próprio museu com a visão artística que temos do teatro. Poder cruzar as convenções teatrais com o que caracteriza o Museu da Marioneta – o universo das marionetas, do teatro de sombras, das máscaras – era o nosso objetivo artístico também, e isso tem sido possível porque sentimos que temos as portas abertas, onde podemos cruzar estas linguagens com liberdade criativa, que enriquecem os espectáculos, e esta relação só existe porque estas parcerias acontecem. Não pensaria nisto provavelmente de forma tão clara se estivesse num teatro, ou numa sala de ensaios convencional.

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O que a motivou a escolher o mito de Orfeu e Eurídice e o que a orientou na revisitação da história?

É dos mitos mais bonitos de sempre, eu acho. Senti o impulso de o contar porque na verdade me comove muito. Acho que esperei por este capítulo avidamente, para poder falar sobre ele. Depois de abordarmos histórias como o mito de Narciso ou do Minotauro onde me interessava pensar em conceitos como a diferença, o reconhecimento do outro, a relação com o “eu”, agora com o mito de Orfeu e Eurídice desejo abordar a questão da identidade enquanto lugar de metamorfose e do amor como lugar para o espanto. Nesta revisitação do mito, o actor conta-nos o dia em que se metamorfoseou na personagem de Orfeu (referências ao universo de máscaras que habita o museu, e à obra A Metamorfose de Kafka), experiência esta que começa com ele (o actor do espectáculo) a ouvir uma melodia que acaba por o perseguir. É esta melodia que o conduz a viver as aventuras desta personagem mitológica, incluindo a sua relação com Eurídice, que decide resgatar, transpondo o reino das sombras. Esta melodia, na minha imaginação, poderá ser uma metáfora para a intuição, como caminho que desagua nas experiências que desejamos viver.

Ao longo do processo de escrita do texto interroguei-me muito sobre a personagem de Eurídice. Qual terá sido o seu ponto de vista, porque há muita coisa escrita sobre Orfeu, mas sobre Eurídice nem por isso e no entanto, não se pode falar de Orfeu sem Eurídice. E por isso, o resgate desta personagem feminina, foi um dos elementos que mais me motivou a pensar no espectáculo. Elucidou-me pensar nisto quando li o poema Eurydice, de E.D (Hilda Doolittle) e alguns poemas da Sophia de Mello Breyner Anderson, como o Soneto de Eurydice. Contribuíram para a revisitação do mito as pesquisas que fiz ao Orfeu da Conceição de Vinícius de Morais, a poemas do Miguel Torga, a textos da Maria Helena da Rocha Pereira, algumas passagens por As Argonáuticas de Apolónio de Rodes, todos estes materiais me ajudaram a construir e a pensar o espectáculo. O modernismo português, sobretudo algumas pinturas de Amadeo de Souza Cardoso ajudavam-me a pensar na linguagem das sombras, o abstracionismo enquanto movimento, acompanhou-me na imaginação da estética do espectáculo; e há três livros que estão sempre comigo: Metamorfoses, de Ovídio, claro, Os Mitos Gregos

de Robert Graves, e O Dicionário da Mitologia Grega e Romana de Pierre Grimal. Também a composição de Gluck Orfeu e Eurídice, e a Jessye Norman a cantar O Lamento de Dido, em Dido e Eneias de Purcell, acompanharam a escrita do texto, num processo que é sempre muito solitário e que sofre alterações quando começamos os ensaios, mas que enriquece o processo e a revisitação do mito. E porque o espectáculo foi pensado para um actor e uma violoncelista, porque também a música é indissociável de Orfeu e de Eurídice, inspirar-me com a música era inevitável. Conduziram-me outras referências que provavelmente não estou a mencionar, mas enfim...

De que forma teve influência nesta criação a participação de alunos de 9 e 10 anos na construção dos cenários, sendo eles simultaneamente o público-alvo deste espectáculo?

Desde o início deste projeto que tive vontade de estabelecer uma relação com o nosso público-alvo, e pensei que uma maneira disso acontecer podia ser a dos alunos se envolverem na criação, construindo connosco adereços que fizessem parte do espectáculo. Esta relação de proximidade com os alunos e com as escolas com quem temos feito esta parceria é uma relação que tem sido possível graças ao trabalho e cumplicidade do Serviço Educativo do Museu da Marioneta que é a grande ponte e é quem conduz as oficinas com os alunos, em diálogo connosco.

Poder envolver o nosso público-alvo permite-nos ter acesso à espontaneidade do seu pensamento e da sua expressividade na criação dos materiais, o que não existiria se não estivéssemos a fazer isto com eles, alunos. Conversámos com eles sobre os mitos que vamos abordar e a visão deles é riquíssima. Têm muito sentido de humor, e isso é incrível. E levantam muitas questões interessantes para se pensar em conjunto.

Qual foi a reação dos alunos em relação a uma história milenar e à sua adaptação ao teatro?

Ficaram espantados com este final trágico, e perguntaram porque é que o Orfeu olhou para trás. Uns acharam que Orfeu se tinha virado por medo, medo de perder a Eurídice; que teria sido um instinto, como os pais fazem quando

TEMA - ORPHEUS: ENTRE O MUSEU, A ESCOLA, E O TEATRO

as crianças caminham atrás, e os pais se voltam para confirmar que os filhos os estão a seguir; O reino dos mortos, o reino das sombras, o inferno, suscitaram múltiplas interrogações. Alguns alunos acharam que se devia ter definido um limite para Orfeu saber qual o momento em que estava a sair do reino das sombras. Outros imaginaram que Eurídice teria dito alguma coisa que fez com que Orfeu olhasse para trás… todos se identificaram com algo que lhes era próximo… foi surpreendente discutir com eles este mito, e ver as suas reações naturais à história do amor de dois jovens, mesmo com a sua tragédia no final. A parte da reescrita do mito vai ficar para quando eles vierem ver o espectáculo.

Ao longo deste projeto de continuidade desenvolvido com o Museu e com uma escola de proximidade qual o melhor momento que destacaria?

É muito bonito quando os alunos vêm ver o espectáculo e no final conversamos, e há uma cumplicidade em que sentimos que fizemos todos parte do mesmo projecto e da mesma criação, mas se pudesse descrever as reações deles quando contamos os mitos e eles levam as mãos à cabeça e dizem: “Eishhh!...”, como se dissessem “Não acredito!”, sentindo compaixão por estas personagens, seria o que destacaria. As reações são muito engraçadas e percebe-se que os mitos são intemporais, em qualquer época há uma identificação e uma leitura.

Falta uma peça para encerrar esta tetralogia. Continua a acreditar que teatros e museus são úteis e necessários, e trabalhar em uníssono com as escolas é fundamental?

Completamente. Tenho vontade de continuar este diálogo com as escolas e com os alunos. Trabalho com crianças noutros contextos, e as crianças inspiram-me muito a pensar nos espectáculos, seja em contexto de aulas, seja durante as oficinas que temos com os alunos, no contexto dos espectáculos. São pessoas criativas por natureza, e imaginam coisas que, muitas vezes, a mim não me passariam pela cabeça. Não estão fechadas em tantos códigos, como os adultos, e imaginar com elas é abrir horizontes. Esta relação com o público-alvo é fundamental e tenho muita vontade de desenvolver outro género de relação com este público, de aprofundar este contacto,

como por exemplo, ter ensaios assistidos com elas, para que possam estar cada vez mais envolvidas connosco e nós com elas. Perceber também o que gostariam elas de ver em cena, o que as faria ter ainda mais vontade de voltar a um museu ou a um teatro. Tentar que queiram perpetuar a sua relação com a arte, com a fruição da experiência cultural, é uma das coisas em que penso muito. Fala-se tanto da construção de públicos...acho que as crianças são precisamente as pessoas nas quais mais podemos pensar e investir.

Estas parcerias com museus, e com teatros que investem em espectáculos para a infância, com um serviço educativo empenhado, e com uma direcção artística que pensa nos espectáculos para a infância com seriedade e visão artística, cultural, social é muito estimulante e importante. Devolvem-nos, a nós, criadores, a responsabilidade e a vontade de pensar em espectáculos para estas idades e de trabalhar em conjunto, também a partilhar pensamento com as equipas dos teatros e dos museus. A parceria com instituições que trazem outras aprendizagens e outras perspetivas, outras abordagens, permitem abrir caminho, explorar novos conceitos, convenções e códigos artísticos que me interessam continuar a explorar.

Há alguma coisa que gostasse de dizer?

Aproveito apenas para agradecer ao Museu, a toda a sua equipa, em particular à Ana Paula Rebelo Correia, que nos permite continuar este projecto, acreditando nele, de forma tão implicada, à Maria Carrelhas que nos acompanhou muito num ano conturbado para todos, e à Maria José Machado Santos, que nos abriu as portas pela primeira vez em 2018. Esta tetralogia não acabou, e apesar de já sonhar com algumas ideias para o último espectáculo, tenho desde já comigo um sentimento de grande gratidão para com o museu, com toda a sua equipa. Agradeço também a toda a equipa artística que está comigo, alguns desde o primeiro espectáculo, outros que entraram apenas em alguns, artistas incríveis, e pessoas maravilhosas, que confiaram neste projecto e que o têm construído comigo de forma muito bonita e generosa.

Nota: O autor escreve sem acordo ortográfico

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Calíope

Autor: Helena Vaz

Portugal, 1981

Barro, madeira, tecido, palha

Apolo

Autor: Helena Vaz

Portugal, 1980

Barro, madeira, tecido

No trimestre em que se apresenta no Museu da Marioneta a peça Orpheus, pensámos em duas peças da Coleção do Museu, - Calíope e Apolo -, pais de Orfeu. São marionetas de manipulação à vista, criadas por Helena Vaz nos anos 80 do século XX para o espetáculo da Companhia de São Lourenço e o Diabo, A Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pança, baseada na obra homónima de António José da Silva, onde estas figuras mitológicas também tinham o seu papel. Calíope, coroada de ouro, para além de ser mãe de Orfeu, é considerada a mais sábia das nove musas do monte Olimpo. A deusa serve de inspiração na literatura e na ciência. Por isso, Helena Vaz a desenhou assim:

“ é a musa que pela sua enorme inspiração se encontra com a boca desta maneira tão aberta…” Apolo, também habitante do Olimpo, era o deus do sol e da juventude. Costuma ser representado com o seu cabelo encaracolado, apresentando-se, geralmente, nu ou coberto com um manto. Helena Vaz representa-o sério e austero, numa expressão de recolhimento e reflexão.

Helena Vaz é artista plástica e ceramista. As suas marionetas, integralmente feitas por ela, têm corpos de tecido, cabeças em barro cozido e adereços nos mais diversos materiais do quotidiano, como a coroa de Calíope feita em pequenos abanos de palha.

COLEÇÃO
Marionetas de São Lourenço
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Entrar num Museu de Marionetas ou subir ao palco junto delas?

Um museu de marionetas está também cheio de histórias, segredos e narrativas que podemos revisitar através da imaginação.

Há Museus, como o Museu da Marioneta de Lisboa e o Museu Internacional da Marioneta António Pasqualino, onde a visita é feita olhos-nos-olhos com peças fantásticas, que outrora foram protagonistas de palco. Neste Museu da Marioneta de Palermo, em Itália, a visita é quase imersiva. A coleção é composta por 5000 peças, a maior parte delas são Pupi sicilianos, marionetas de vara,

feitas em madeira e metal que chegam a pesar 20 quilos. Na exposição estão perfeitamente integradas nos seus cenários, convidando os visitantes a fazerem parte deles também.

Além destas, a coleção conta ainda, à semelhança do Museu da Marioneta de Lisboa, com marionetas de várias partes do mundo: Vietname, Tailândia, Índia, Sri Lanka, etc. Antonio Pasqualino, deu também nome à praça adjacente ao Museu, foi médico cirurgião e antropólogo, dedicou o seu tempo às artes populares da sua região. Uma das mais relevantes é o Teatro de Marionetas Opera dei Pupi, cujo reportório se baseia nos romances de cavalaria. Pasqualino, em 1965 fundou a Associação para a Conservação das Tradições Populares, que mais tarde, em 1975, veio a ser o então Museu Internacional da Marioneta António Pasqualino.

Atualmente está a decorrer a iniciativa Adotte un Pupo, uma forma curiosa de contribuir para a preservação e salvaguarda desta arte.

OUTRAS COLEÇÕES
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Museu Internacional da Marioneta António Pasqualino Piazzetta Antonio Pasqualino, 5 (trav di Via Butera) - 90133 Palermo museodellemarionette.it

Das Belas-Artes para o Museu da Marioneta

Formada em Belas-Artes a Filipa Camacho trabalha no Serviço Educativo do Museu há quase uma década. As 632 peças expostas, bem como as mais de três mil que se encontram nas reservas não só lhe são muito familiares como são uma fonte de inspiração permanente para as oficinas e outras atividades que concebe e realiza. No seu trabalho quotidiano com públicos a Filipa descodifica a história das peças de várias partes do mundo que se podem ver no Museu. No caso do Museu da Marioneta, poderíamos falar dos mistérios da marioneta e da máscara, que musealizadas, vemos imóveis numa vitrina afastadas da performance para a qual foram concebidas.

Graças ao trabalho da Filipa, tanto em visitas como em oficinas, em projetos de continuidade com escolas e com companhias de teatro, a marioneta reencontra-se com o seu contexto, vai-se revelando, torna-se um ser animado, com uma história, uma existência e uma alma. Aproxima-se assim das pessoas com uma nova familiaridade,

quer se trate de uma peça de Sogobó do Mali, de uma marioneta de fios da Birmânia, de uma marioneta de luva da China, ou das surpreendentes marionetas de manipulação à vista da Helena Vaz (Companhia São Lourenço e o Diabo), entre muitas outras.

Nas oficinas criativas a Filipa orienta os participantes para a construção e criação das peças. É também este o trabalho que desenvolve na parceria do Museu com o Teatro da Cidade e com a escola de proximidade EB1 n.º72. No âmbito de um projeto de continuidade – Museu-Escola-Teatro - os cenários para as peças são realizados pelos alunos sob a orientação artística da Filipa a partir dos textos da encenadora Nídia Roque. Como podemos revisitar formas, figuras, narrativas? Como existiam as marionetas e máscaras antes de habitarem o Museu? Como nos podem inspirar em novas narrativas? São estas questões sempre renovadas e a vontade de criar constantemente pontes entre as pessoas e o que as rodeia que movem os mediadores do Serviço Educativo.

A VIDA NO MUSEU

Espetáculo

Orpheus

Orpheus conta-nos a história de um jovem que, ao ouvir um som misterioso, decide ir à procura da sua origem. Na viagem em busca desta melodia, o jovem transforma-se na figura mitológica de Orfeu. Descobre assim que a sua música tem o poder de encantar todas as coisas animadas e inanimadas, acalmar os mares, os animais ferozes, encantar rochas e árvores, e que é dentro de si que nasce essa melodia.

É neste confronto provocado pela sua metamorfose que surge o conflito da sua identidade: quem sou eu?

Transformado em Orfeu, vive as aventuras de Orfeu. Para resgatar Eurídice do Reino das Sombras confronta-se com uma das missões mais difíceis para os seres humanos: confiar no desconhecido.

A partir da história de Orfeu e Eurídice, inspirado no teatro de sombras, este espetáculo propõe-se revisitar o mito original, explorando o tema da identidade e do autoconhecimento através da narrativa mitológica.

dia 13 de maio, às 16h dia 14 de maio, às 11h30 dia 18 de maio, às 15h e às 20h

dia 19 de maio, às 11h dia 20 de maio, às 16h e às 20h dia 21 de maio, às 11h30

Instalação temporária

Redonda

Concebida por Teodora Boneva, finalista do mestrado em Teatro com especialização em Design de Cena, pela Escola Superior de Teatro e Cinema, Redonda é uma instalação de objetos, inspirada no conceito de Gabinete de Curiosidades. Designa um lugar onde se colecionavam uma multiplicidade de objetos. Este conceito teve origem na época do Renascimento e precede à noção contemporânea de Museu. Baseada na obra O mundo é redondo de Gertrude Stein, esta instalação explora os conceitos de identidade e individualidade com foco no público infantojuvenil.

Dias 18 e 19 de maio, das 10h às 17h, com intervenção performativa às 15h30

Durante as performances alguns dos objetos da instalação serão manipulados.

Projeto

OpenConventos

O projeto OpenConventos resulta de uma parceria entre a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a Câmara Municipal de Lisboa, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e o Patriarcado de Lisboa.

À semelhança de anos anteriores, o Museu da Marioneta associa-se a este projeto. Este ano o Convento das Bernardas acolhe uma mesa-redonda no dia 25, e visitas orientadas nos dias 26 e 27 de maio.

A VIDA NO MUSEU
P15 NM10 maio 2023

Em breve

6 de maio

10h30

De Convento a Museu

Visita Orientada

5,00€ (mediante inscrição prévia)

13 a 21 de maio

Orpheus

Espetáculo

sábado, dia 13 às 16h

domingo, dia 14 às 11h30

quinta-feira, dia 18 às 15h* e às 20h

sexta-feira, dia 19 às 11h*

sábado, dia 20 às 16h e às 20h

domingo, dia 21 às 11h30

*Sessões para escolas

7,50€ / 5,00€ com descontos

18 e 19 de maio

10h00 às 17h00

Redonda

Instalação

Com intervenção performativa

pela autora às 15h30

quinta-feira

dia 18 de maio

Dia Internacional dos Museus

Entrada gratuita

especial dia dos museus

20 de maio

10h30 às 12h30

Museu Andante

Oficina Relâmpago

Atividade gratuita

especial dia dos museus

20 de maio

14h30

À descoberta das marionetas

Visita Orientada

5,00€ (mediante inscrição prévia)

28 de maio

das 10h30 às 12h30

Marioneta em Metamorfose

Manhã Criativa

6,00€ (um adulto e uma criança + 6 anos)

Mediante inscrição prévia

Mais informações, marcações e reservas museu@museudamarioneta.pt museudamarioneta.pt / museu_marioneta

Museu da Marioneta Direção Ana Paula Rebelo Correia (diretora) Maria Carrelhas (adjunta de direção) Comunicação Filipa Machado Centro de Documentação Rita Luís Serviço Educativo Ana Rita Mateus , Filipa Camacho, Joana Braz, Margarida Archer, Pedro Valente, Rafael Alexandre Secretariado Filipa Machado Loja/Bilheteira Diogo Ferreira, Sara Gertrudes Produção, Luz e Som Rui Seabra especial dia dos museus

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