Caminhos da formação da coleção Já se vão mais de vinte anos de colecionismo. Ainda me socorre a memória o dia em que vim a adquirir a primeira peça sacra. Tratava-se de uma Nossa Senhora da Conceição de aproximadamente um palmo de altura, peça mineira, do final do século XIX, despretensiosa à luz de uma visão mais técnica, porém que teve decisiva influência no que viria a acontecer. Comprei-a de um “catador”, linguagem usual deferida àqueles que costumam recolher as peças sacras em cruzeiros, figuras estas que ao longo dos tempos foram desaparecendo paulatinamente. Hoje, este catador, meu querido amigo apelidado de Zito, já não se encontra mais entre nós. Entretanto, deve de alguma forma estar surpreso com a evolução verificada nestas duas décadas. Dedicar-se à formação de uma coleção, em qualquer seara que se ingresse, é algo complexo, de que só tomamos plena consciência depois das amarras estarem suficientemente sólidas a ponto de não mais poder recuar. Particularmente quando se concentra o foco no terreno da arte sacra, a magia deste universo - responsável pelo monopólio quase que pleno do movimento artístico brasileiro nos primeiros séculos de sua colonização - é fator revigorante e confirmador do caminho a ser trilhado, cujo trajeto é recheado de agruras e desafios que serão seguramente recompensados. Evidente que, à medida que a coleção toma corpo expressivo, surge paralelamente a necessidade de compartilhamento das obras com público mais abrangente. Neste contexto, a idéia de exposição de coleções particulares me parece ser o instrumento mais adequado. Não se pode olvidar que o povo sempre foi e será o destinatário final de qualquer produção artística.
Creio que todos os colecionadores deveriam trilhar este caminho, pois, na realidade, acabam por executar importante papel na conservação do acervo artístico religioso, bem como trazem, fruto do contato diuturno com as obras, contribuições sistemáticas relevantes para que o conhecimento se amplie e seja difundido a contento. Outro ponto a se considerar diz respeito á escolha das peças que irão compor o universo a ser exposto. Neste diapasão, em sintonia plena com o curador Percival Tirapeli, entendeu-se por bem centrar o foco nos oratórios aliados à imaginária paulista e mineira dos séculos XVII e XVIII, permitindo adotar linguagem histórico - evolutiva dos conceitos manipulados. As diversas semânticas conceituais destes pequenos templos, em suas diferentes vertentes, classificados como oratórios de viagem, esmoleiros, oratórios de alcova, oratórios de salão, até se alcançar a expressividade máxima com as ermidas, nos remetem ao culto devocional doméstico que extravasou as fronteiras dos conventos e das igrejas. Num país com dimensões inigualáveis e distâncias impercorríveis, estes objetos tornaram-se cúmplices da esperança, devoção e crença de todo um povo por centenas de anos. No que tange à imaginária, dois aspectos relevantes merecem ser frisados. O primeiro deles diz respeito à plasticidade imprimida às peças pelos hábeis santeiros que esculpiam as obras. Porém, não é só. Em perfeita simbiose, o segundo aspecto resulta na observação de que estas mesmas peças viriam a se tornar instrumento de veneração dos fiéis que buscavam conforto e respostas às suas aflições. O compartilhamento da beleza singular de tais obras com o público é, portanto, maneira de transcender todo o significado histórico, artístico, religioso e devocional que cada peça traz em sua gênese. Finalizando, agradeço a todos aqueles que de alguma forma contribuem pela conservação, estudo e valorização da arte brasileira, estando convicto de que assim o fazendo se resgata a dignidade e respeito pela nossa história. Ary Casagrande Filho
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