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Emotividade sem vibrações
from Meu Itinerário Espiritual - Compilação de relatos autobiográficos de Plinio Corrêa de Oliveira vol 1
by Nestor
Eu era muitíssimo afetivo e cheio de apegos à minha família, em todos os graus possíveis45 .
Emotividade sem vibrações
Sou talvez o menos vibratório dos homens46. Assim, diante das coisas, sinto em mim mesmo o que sentiria um espelho diante daquilo que nele está projetado: as coisas que se passam diante de mim não me causam particular emoção. Já internamente, pela razão e pela vontade, posso gostar muito ou excluir muito. Isto dá em truculência47 de aplausos ou de porrete. E se traduz em tudo, até na minha inflexão de voz. Mas na hora do porrete ou na hora do aplauso, o meu temperamento está átono, sem vibração48 . E assim pode acontecer que uma alma como a minha, muito expansiva, muito comunicativa, muito afirmativa, muito ativa ad extra, seja ad intra uma alma muito tranquila, muito serena, muito estável. De maneira tal que, mesmo as coisas grandes que se passam dentro dela, se passam com uma serenidade de quem está navegando num rio que não tem agitações. Os senhores me viram em todas as situações possíveis. Viram-me em momentos de muita alegria, viram-me até no dia da morte de Dona Lucilia. Mas devem ter notado que a minha reatividade não está em proporção com o que se teria o direito de achar que é de acordo com a ordem das coisas. Por exemplo, na nossa viagem à Europa em 1988, notava que minhas manifestações exteriores eram muito menores do que aquilo que eu estava achando. E notava que era por um mecanismo interno qualquer que não sei exprimir. Em Chambord, por exemplo. Estava encantado com Chambord, mas o que se refletia na minha fisionomia era muito menos do que o comentário que faria de Chambord depois. Ad intra, eu me achava numa relativa imobilidade, numa relativa atonia. A parede entre a minha alma e o que lhe é exterior não dava a entender o que se passava parede adentro. E isto se dá comigo em quase todas as coisas, mesmo naquelas que mais seriam próprias a arrancar de mim exclamações49 .
45 Jantar EANS 4/5/92 46 RR 20/8/73 47 Dr. Plinio costumava empregar esta expressão em seu sentido não pejorativo, para exprimir a afirmatividade de sua posição enquanto católico. 48 CSN 21/3/81 49 CSN 7/11/81
Ao pé da letra, propriamente o que me emociona – mas com que calma – são dois gêneros de coisas. A primeira, a Igreja globalmente tomada, mas especialmente nos aspectos que têm mais relação com a minha vocação. Isto verdadeiramente me emociona, mas é a tal emoção não emocionada50 . Uma pessoa me disse certa vez: “O senhor, à noite, quando está sozinho, deve chorar pela Igreja”. E disse: Meu caro, sozinho, nunca verti uma lágrima pela Igreja, e à noite cuido conscienciosamente de ir dormir. Faço as minhas orações e durmo. Porque sei que devo dormir tanto quanto possível para, no dia seguinte, lutar pela Igreja”. A pessoa poderia ainda objetar como ser possível uma pessoa ver a Igreja Católica nessa crise, e ver a operação feita para desfigurá-la e lhe tirar todo o aspecto divino do unum, bonum, verum, pulchrum; além do mais, tirar isto de toda a ordem temporal e de toda a ordem social, de toda a ordem humana; como é possível a uma pessoa que sabe como são essas coisas, por mais fleumática que seja, não chorar ao olhar isto? Respondo: não precisa chorar. E teria vontade de acrescentar: “Não chore: estale. É muito melhor do que chorar”. Como é possível não estalar, se temos o hábito de ver a crise da Igreja? Não é nem chorar, nem fazer drama, mas é estalar. Outros terão o dom das lágrimas, eu não tenho. Mas mesmo sem ter o dom das lágrimas e sem ser emotivo, podemos estalar. O que então eu entendia que se devia fazer? Era manter-me na maior das calmas e tratando das coisinhas: tomando um café, encontrando uma pessoa de pouco voo e conversando com ela sobre o champignon que está comendo, e está acabado. Compreendia que, se fosse da glória de Nossa Senhora, era sobre isso que se devia conversar51 . *
Muitos dos senhores já me viram rezar em várias ocasiões: na igreja do Sagrado Coração de Jesus, diante da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, ou no Convento da Luz, onde gosto tanto de ir; ou em qualquer outro lugar. Os senhores hão de notar que não me emociono. Posso rezar com muita atenção, com o espírito muito fixo nas minhas orações, e querendo muito o que quero. Emocionar não. Não me emociono. Cada um é de determinado modo.
50 CSN 21/3/81 51 CEP 6/5/67
O que sinto nessas ocasiões? É certa consonância muito profunda com aquele ambiente, a qual dá uma espécie de felicidade e de bem-estar que, curiosamente falando – não sei como descrever –, não toca a sensibilidade epidérmica. Aquilo é calmo e por algum lado mais acentuado do que a sensibilidade epidérmica de muitos. Mas, de outro lado, é em mim uma como que insensibilidade.
A segunda coisa que me emociona são as muitas coisas que tocam a mamãe. Estão também nessa linha. As cartas que escrevi para ela eram literalmente transbordantes, e o meu modo de tratá-la era também literalmente transbordante52 . Os senhores dirão: “E o Grupo?” O Grupo está por demais ligado a mim e eu a ele para que sinta a alteridade que sinto, por exemplo, em alguma medida com a Igreja, em medida maior com mamãe53 . Assim, em relação a coisas de nossa causa, às quais dei e me dou muito mais do que a mamãe, a minha reatividade externa é de uma placidez desconcertante54 . De tal maneira me reflito no Grupo e reflito de algum modo o Grupo, que é um pouco como se perguntassem a um homem se ele se emociona a propósito de si mesmo. Não tem sentido. Vejo que muitos outros não são assim, não têm essa estabilidade. E noto que esta estabilidade possa passar por sem-graçês, por insipidez. Não me posso fazer outro, sou assim. Não colide com a lei de Deus e, portanto, não há razão para me alterar. Tenho que me conservar como sou e carregar o fardo até o outro lado do caminho. Quero bem crer que no Céu haja lugar para almas assim. Às vezes fico até sem saber o que dizer a pessoas que esperam de mim reações tristes ou alegres muito fortes, por notar que a reação que o outro esperava eu não estou tendo. Posso ter uma reação assim: “Darei meu sangue por isso”. Ou: “Farei tudo quanto possa, dentro da lei de Deus e da lei dos homens, para acabar com isso”. Mas isto não se refletirá na minha aparência. Na realidade psicológica profunda as águas não se movem.
52 CSN 7/11/81 53 CSN 21/3/81 54 CSN 7/11/81
O meu raciocínio será: “É preciso acabar com isto? Está bom. Qual é a primeira providência? Vamos lá. É preciso, pelo contrário, defender? Pois não. Qual é a providência? Vamos ver”. A emoção em mim é, portanto, tão pobre de repercussão nervosa, que é igual ao índice zero55 .
Da parte das gerações que vieram depois da minha, noto uma espécie de utilização do sentir como elemento para agir. Então, uma captação ávida do que se sentiu para motivar a boa atuação, a boa ação. Para mim, as emoções muito fortes são desgastantes. E o que, na minha idade, possa haver de seiva, de vitalidade, vem de uma forma de placidez na qual cabem enfaticamente todos os sentires, mas sem trepidação, sem vibração. Por esta forma, quando acontecem certas coisas, fico não com a preocupação de sentir tudo aquilo que logicamente é sensível, mas de me conservar na placidez suculenta que a mim facilita a ação. São sistemas de mobilização de recursos pessoais diferentes. Por exemplo, os acontecimentos previstos por Nossa Senhora em Fátima, eu os espero avidamente. Quando esses acontecimentos chegarem, a principal preocupação é evitar os grandes sismos psicológicos e tomá-los com a placidez de quem encosta com a mão na água e diz “é ela”. Mas não é uma atitude tomada com uma frieza calvinista, que detesto. Nem é por uma espécie de recusa do valor do sentimento como uma riqueza da alma humana. Não é nada disso. Mas é algo em mim que me faz ver que, agindo assim, procedo de acordo com peculiaridades minhas56 . *
Nossa Senhora talvez tenha obtido de Deus para mim uma grande alteridade pela qual sou muito outro em relação a tudo quanto é “torcida”57 , não me deixando penetrar por aquilo que eu chamaria, numa linguagem empolada, as câmaras mais interiores do meu ser. Isto é uma forma de renúncia, de abnegação, de alteridade calma, plácida, que faz com que o lado intelectivo se desenvolva enormemente. Porque esta é a própria definição da distância psíquica.
55 CSN 21/3/81 56 Chá ENSDP 10/6/83 57 MNF 26/11/86