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INTRODUÇÃO
from Meu Itinerário Espiritual - Compilação de relatos autobiográficos de Plinio Corrêa de Oliveira vol 1
by Nestor
Os senhores me pediram para lhes descrever a minha mentalidade. Colocado diante desse pedido, como fundador de nossa família de almas, não poderia subtrair-me de atendê-lo. Se a vocação dos senhores é seguir os meus passos, hei de lhes dizer para onde meus passos correm23 . Digo mesmo que, debaixo de certo ponto de vista, até se impõe que eu entre neste assunto. E dou-lhes, portanto, toda a razão em inquirir-me sobre a minha pessoa e a minha mentalidade. *
Quando se analisa a vida de um homem desde a sua mais remota infância, o que mais interessa é a gênese de sua mentalidade: como esta se formou, que dificuldades e que fatores favoráveis encontrou, que esforços foram necessários para a conservar ou para a melhorar. Nesta tarefa, somos obrigados a fazer a distinção entre o interesse muito pequeno de certos episódios, e o significado que esses episódios tiveram na formação espiritual, intelectual e moral da pessoa, significado este muito grande. Assim sendo, o que julgo poder interessar aos senhores na minha vida é o relato de como se formou em mim o espírito ultramontano24 , de que elementos se compôs, que dificuldades encontrou25 . Estes são temas que nunca considerei de frente, por julgar que a opção preferencial pela humildade deveria me levar a isto. E o fiz com certa ferocidade, por saber que a agressão do orgulho e da vaidade no homem é mais feroz do que todas as ferocidades que possam haver em nós. É preciso, portanto, um redarguir também feroz a essa agressão.
23 CSN 17/8/85 24 Ultramontano era a designação dada no século XIX à corrente de católicos franceses defensores do Primado Pontifício e militantemente contrários aos católicos liberais.
Como Roma estava além dos Alpes, dizia-se então que esses católicos eram ultra (além) montanos (dos montes). O termo depois se estendeu a outras nações, sempre para designar os católicos antiliberais. 25 SD 4/8/73
Então repito: no momento histórico em que chegamos, justifica-se que eu26 faça para os senhores uma espécie de autobiografia espiritual27 . É justo que queiram saber o que se passa na cabeça do fundador de uma organização a que os senhores dedicaram toda a sua vida28 . *
A minha história não é a de uma conversão, mas de uma perseverança. Perseverança que se exerceu de algum modo contra todos, contra todas as dificuldades, em todas as lutas29 . No curso dessa história, terei de referir-me a episódios de minha vida. Mas não me permitiria a mim mesmo tomar o tempo dos senhores dando reminiscências de caráter meramente pessoal. O que irei expor é, insisto, a gênese do ultramontanismo na minha cabeça30. Cada cabeça tem suas complicações e suas simplicidades. Pretendo, portanto, “desmontar” a minha, para tentar explicar como funciona o meu processo mental interior31 . Para quem não é brasileiro e não vive no ambiente brasileiro, o mais interessante será saber como, nesse ambiente brasileiro, o ultramontanismo pôde nascer32 .
Debruçando-me sobre os tempos longínquos em que tinha a idade dos senhores, tive evidentemente de lutar com problemas parecidos com aqueles que os senhores têm de enfrentar nos dias de hoje. Os homens eram outros, os problemas se formulavam certamente em termos diversos, mas tais problemas não eram diferentes. No fundo, eram os mesmos, apenas com aspectos diferentes33 . Se, pela bondade de Nossa Senhora, o que haverei de dizer for elogioso, não ocultarei, nem me farei acusações sem propósito, nem direi:
26 MNF 2/12/88 27 MNF 17/11/94 28 Chá SRM 13/11/90 29 CSN 27/9/86 30 Conferência 11/8/54 31 CM 6/5/90 p. 5 32 Conferência 11/8/54 33 SD 13/11/76
– “Não, sou ‘un petit vermisseau et misérable pécheur’, um ‘vermezinho e miserável pecador’. Não procurem em mim virtudes porque não há”... Não me prestarei a esse papel de falsa humildade. Narrarei as coisas objetivamente como elas são34. Seguirei, neste ponto, o exemplo d’Aquele do qual não se pode apenas dizer que é perfeito, mas é a própria Perfeição, Nosso Senhor Jesus Cristo, que em várias circunstâncias da sua vida terrena falou de si mesmo, e possantemente a respeito de si mesmo. Também na vida de São Paulo, e igualmente na vida desse ou daquele santo, encontramos episódios que nos mostram como deve proceder um apóstolo quando, coagido pelas circunstâncias, se vê obrigado a falar de si mesmo: agir com toda a naturalidade, seguindo o exemplo daqueles que fizeram o mesmo35 . Na verdade, fazer de mim mesmo um autoelogio não me valerá de nada, porque o que receberei em paga da parte do mundo serão pedradas. Isto porque, eu me elogiando, candidato-me a pedradas, e não a flores nem a louvores. Aliás, analisando a minha história, os senhores verão que os louvores e as flores não correm atrás de mim.
Permitam-me uma expansão. A minha impressão é de que, se os senhores conseguirem formar um mapa exato do meu subconsciente e do meu consciente, isto lhes poderá abrir um panorama cuja consideração terá como efeito facilitar a própria vida espiritual. No entanto, fica-me a dúvida sobre se esse desejo, o de procurar compreender o ponto mais profundo de minha alma, produz mesmo esses efeitos. Entretanto, como não vejo nada de reprovável dentro desta tentativa, estou disposto a andar por este caminho36 .
34 Chá SRM 18/9/94 35 Chá SRM 27/6/93 36 MNF 17/11/94
32 MEU ITINERÁRIO ESPIRITUAL