Introdução
O
s senhores me pediram para lhes descrever a minha mentalidade. Colocado diante desse pedido, como fundador de nossa família de almas, não poderia subtrair-me de atendê-lo. Se a vocação dos senhores é seguir os meus passos, hei de lhes dizer para onde meus passos correm23. Digo mesmo que, debaixo de certo ponto de vista, até se impõe que eu entre neste assunto. E dou-lhes, portanto, toda a razão em inquirir-me sobre a minha pessoa e a minha mentalidade.
* Quando se analisa a vida de um homem desde a sua mais remota infância, o que mais interessa é a gênese de sua mentalidade: como esta se formou, que dificuldades e que fatores favoráveis encontrou, que esforços foram necessários para a conservar ou para a melhorar. Nesta tarefa, somos obrigados a fazer a distinção entre o interesse muito pequeno de certos episódios, e o significado que esses episódios tiveram na formação espiritual, intelectual e moral da pessoa, significado este muito grande. Assim sendo, o que julgo poder interessar aos senhores na minha vida é o relato de como se formou em mim o espírito ultramontano24, de que elementos se compôs, que dificuldades encontrou25. Estes são temas que nunca considerei de frente, por julgar que a opção preferencial pela humildade deveria me levar a isto. E o fiz com certa ferocidade, por saber que a agressão do orgulho e da vaidade no homem é mais feroz do que todas as ferocidades que possam haver em nós. É preciso, portanto, um redarguir também feroz a essa agressão. 23 CSN 17/8/85 24 Ultramontano era a designação dada no século XIX à corrente de católicos franceses defensores do Primado Pontifício e militantemente contrários aos católicos liberais. Como Roma estava além dos Alpes, dizia-se então que esses católicos eram ultra (além) montanos (dos montes). O termo depois se estendeu a outras nações, sempre para designar os católicos antiliberais. 25 SD 4/8/73 INTRODUÇÂO 29