4 minute read

Certezas sólidas, filhas da admiração e fundadas nas evidências fornecidas pelos sentidos e na retidão interna da alma

Next Article
ÍNDICE DE LUGARES

ÍNDICE DE LUGARES

Era, portanto, uma realidade muito harmônica a que eu percebia, em que a mesma luz celeste pervadia toda a ordem temporal católica331 .

Certezas sólidas, filhas da admiração e fundadas nas evidências fornecidas pelos sentidos e na retidão interna da alma

Já disse atrás que havia desde menino no meu espírito, e creio ser isto fruto do senso do ser, próprio ao inocente, uma clareza enorme pela qual, aquilo que eu via, eu via; aquilo que eu ouvia, eu ouvia; aquilo que eu sabia, eu sabia; e o que eu vi passar, passou-se mesmo, e passou-se com tais contornos, com tais matizes, com tais características. Aquilo ficava visto e agarrado, sem esforço, com a naturalidade própria às coisas que funcionam bem. Não era desses investigadores colocados na proa do navio para observar o que vem na frente. Era um observador na linha da normalidade, sem nada de genial, mas que via inteiramente claro, de modo inteiramente lúcido, e inteiramente seguro aquilo que eu estava vendo. Nisto eu era bem servido pelos cinco sentidos. Nunca tive nenhum desses sentidos de modo prodigioso, mas em modo excelente sim. Bastante excelente para que cada um a seu modo me desse certezas totais: “Isto é assim, não há dúvida nenhuma”. Correspondendo a esta certeza banal que os sentidos dão, havia certezas interiores das quais a mais preciosa era a clareza no perceber a interrelação das coisas, as reversibilidades, o que já é muito diferente de simplesmente perceber as coisas. Eram às vezes reversibilidades longínquas, uma situada em uma ponta e outra noutra ponta, as quais vinham ao espírito com a facilidade de quem toma um copo d’água. Quer dizer, o próprio viver, o próprio ser é assim, por causa dessa capacidade de correlações, possuindo um sentido muito nítido da ordem total e a noção de como cada coisa deve ser. Para quem quer conhecer uma coisa como ela é, a meta não consiste em uma mera descrição, como num tratado de física, mas em ver em cada coisa a sua ordem interna, a sua finalidade e a maneira como aquela ordem interna realiza essa finalidade. E isto tudo deduzido da própria essência da coisa. Por exemplo, indo a alguma fazenda, ver um osso de animal, branco de tão calcinado pelo sol, jogado no caminho, e que ninguém destruía,

331 CSN 28/9/85

ninguém guardava, ninguém jogava em algum lixo, bramia dentro de mim, pela ideia de que aquele osso deveria estar colocado em uma determinada ordem, e no entanto estava destacado dessa ordem. Essa era, para mim, uma ideia mais enérgica do que o belo princípio latino: “Res clamat ad dominum” – “A coisa clama pelo seu senhor”, para a sua totalidade. Assim, a minha observação era imensamente voltada para compreender a ordem interna das coisas, e depois as várias ordens dessas coisas, até a ordem total. Essa ordem total era a ordem do universo, a ordem de todas as criaturas entre si, as visíveis e as invisíveis. Isto era uma matriz do espírito, creio que vinda da inocência, pela qual eu tinha, previamente a todos os conhecimentos que levavam à ordem total, uma espécie de instinto dessa ordem total que, se não me engano muito, é profundamente tomista. Quer dizer, é um instinto da alma, mas firmíssimo. Este sentido da ordem é, portanto, o sentido do ser, entretanto muito ampliado, muito reto, muito direito. O homem inocente tem esta visão, tal como tem in radice uma pessoa que conserve o estado de graça dentro da graça batismal. E sem esse mecanismo, tenho dificuldade em compreender que se possa ter certeza de possuir esse vigor. Chamo a atenção para este ponto. Isto não é a certeza do gênio. É a certeza da retidão, que por sua vez tem a seu serviço uma inteligência bem constituída. Esta noção da ordem e da correlação das coisas entre si, e da excelência que há nisto, nunca me levaria a adivinhar que Nosso Senhor Jesus Cristo existiu e foi Deus. Ninguém, nem os maiores gênios, seria capaz de, da razão, deduzir o que Nosso Senhor Jesus Cristo ensinou. Alguma coisa sim, porque Ele ensinou verdades também do plano natural. Mas outras, como o mistério da Santíssima Trindade, eu nunca teria desconfiado que existisse, nem mesmo São Tomás de Aquino. Era preciso que Deus nos revelasse para nos darmos conta. Vem então daí o ato de fé, no sentido específico da palavra. Esse senso da ordem tinha, num plano individual, uma transposição para o próprio campo da ordem. Quer dizer, perante cada coisa, qual era a minha relação com ela? Por que devo amá-las, por que devo querê-las, por que devo apreciá-las, não no sentido de que são agradáveis, mas por achá-las de tal maneira admiráveis que não quero viver a não ser na consideração delas? Por que razão isto era assim? Repete-se a mesma explicação. Como eu tinha um senso muito nítido pelo qual, com a mesma certeza com que eu via as coisas fora, via também as de dentro de mim; e como tinha uma noção muito viva de quem eu era, não só genealogicamente, mas de como eu era, de como não era, eu via

This article is from: