Era, portanto, uma realidade muito harmônica a que eu percebia, em que a mesma luz celeste pervadia toda a ordem temporal católica331. Certezas sólidas, filhas da admiração e fundadas nas evidências fornecidas pelos sentidos e na retidão interna da alma Já disse atrás que havia desde menino no meu espírito, e creio ser isto fruto do senso do ser, próprio ao inocente, uma clareza enorme pela qual, aquilo que eu via, eu via; aquilo que eu ouvia, eu ouvia; aquilo que eu sabia, eu sabia; e o que eu vi passar, passou-se mesmo, e passou-se com tais contornos, com tais matizes, com tais características. Aquilo ficava visto e agarrado, sem esforço, com a naturalidade própria às coisas que funcionam bem. Não era desses investigadores colocados na proa do navio para observar o que vem na frente. Era um observador na linha da normalidade, sem nada de genial, mas que via inteiramente claro, de modo inteiramente lúcido, e inteiramente seguro aquilo que eu estava vendo. Nisto eu era bem servido pelos cinco sentidos. Nunca tive nenhum desses sentidos de modo prodigioso, mas em modo excelente sim. Bastante excelente para que cada um a seu modo me desse certezas totais: “Isto é assim, não há dúvida nenhuma”. Correspondendo a esta certeza banal que os sentidos dão, havia certezas interiores das quais a mais preciosa era a clareza no perceber a interrelação das coisas, as reversibilidades, o que já é muito diferente de simplesmente perceber as coisas. Eram às vezes reversibilidades longínquas, uma situada em uma ponta e outra noutra ponta, as quais vinham ao espírito com a facilidade de quem toma um copo d’água. Quer dizer, o próprio viver, o próprio ser é assim, por causa dessa capacidade de correlações, possuindo um sentido muito nítido da ordem total e a noção de como cada coisa deve ser. Para quem quer conhecer uma coisa como ela é, a meta não consiste em uma mera descrição, como num tratado de física, mas em ver em cada coisa a sua ordem interna, a sua finalidade e a maneira como aquela ordem interna realiza essa finalidade. E isto tudo deduzido da própria essência da coisa. Por exemplo, indo a alguma fazenda, ver um osso de animal, branco de tão calcinado pelo sol, jogado no caminho, e que ninguém destruía, 331 CSN 28/9/85 168
MEU ITINERÁRIO ESPIRITUAL