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Propensão para a truculência e para as soluções “transiberianas”
from Meu Itinerário Espiritual - Compilação de relatos autobiográficos de Plinio Corrêa de Oliveira vol 1
by Nestor
Agora, somem todos esses aspectos e os senhores terão a ideia de uma síntese do meu modo temperamental habitual. Junto com o amor à grandeza, e junto com o espírito contra-revolucionário, vinha o gosto pela luta ideológica e pacífica, o gosto de ver o adversário derrotado, o gosto de levar a luta até às últimas consequências. Se é preciso lutar, temos que chegar até onde a luta tem de ir, evidentemente dentro das leis dos homens e da lei de Deus. Ou venço o adversário, ou a luta não acaba. E nessa luta devo ir até aos últimos pormenores. E se é para derrotar um adversário, faz-se dele, do ponto de vista ideológico e sem nenhuma violência, o que os pagãos fizeram com o Templo de Jerusalém: derrubaram o Templo, o desconjuntaram e quebraram as pedras, transformando as pedras em pó e dispersando esse pó. Este é o modo pelo qual concebo a vitória da Contra-Revolução sobre a Revolução. É uma vitória completa, truculenta, minuciosa, que não deixa nada. Mas em que o papel do temperamento é muito menor do que o papel da lógica, e em que tudo isso se faz na consideração calma, tranquila e enlevada daquilo que é grandioso, que tem que dar a medida exata de como as coisas devem ser na vida. E, então, uma indignação também calma, mas que nem por isso deixa de ser veemente, e se traduz nessa comparação que fiz do Templo de Jerusalém. E, dentro dessa minha calma e de minha placidez, não querer ter sossego, nem conceber sossego enquanto essa vitória não esteja obtida102 .
Propensão para a truculência e para as soluções “transiberianas”
Os que convivem comigo não me veem nada indiferente em relação a um número enorme de ambientes, de pessoas, de situações, e de ser até mais enfático do que muitas outras pessoas103. Nunca fui um “água morna”. Sou truculento, mas sem ser explosivo104 . Antes de ter que andar de muletas, meu modo de subir escadas e de caminhar era categórico. Porque o que quero, quero muito. E se quero subir uma escada – e nunca gostei de subir escada –, quero que isto leve o menor
102 CSN 13/10/91 103 MNF 17/3/95 104 MNF 17/5/90
tempo possível; logo, subo o mais depressa possível para acabar logo. Então, se é para subir uma escada, que seja de dois em dois degraus, vamos lá!105
Se os senhores soubessem a saudade que tenho de dizer as coisas no duro! Os mais velhos, que me conhecem há mais tempo, sabem que sou um decidor de coisas diretas, no duro, sou transiberiano106 e truculento pelo modo de ser. Ou seja, sou indolente por natureza, mas se mexem comigo, para não ter muita amolação, entro por inteiro e acabo logo de uma vez com a briga. Isto porque, quem não gosta de brigar, briga logo como que a tiro; e não vai ter uma longa briga de tapa que acaba dando um trabalhão, sua, suja, rasga. Não é o caso. É o caso de brigar? Então está bom: brigo em pouco tempo, você me liquida ou eu te liquido, mas lá vai. Pammm! e pronto. É o que eu chamaria de uma “operosa indolência”. Se os senhores quiserem, podem chamar de “truculenta indolência”, mas é isto. Os que foram meus alunos sabem como eu estancava os motins nas salas de aula. Era ali, na própria fonte do motim. Era o senso da comodidade, porque depois não tinha o incêndio, o balde de água, as negociações diplomáticas nem nada. Delineou-se o primeiro pequeno esboço de motim, caio em cima do inseto, achato, não tenho mais amolação: mando e se faz. E tudo corre bem107 . *
105 Chá PS 8/9/89 106 “Transiberiano” era um neologismo utilizado por Dr. Plinio para indicar uma decisão drástica e direta, sem muitas curvas diplomáticas. Esse neologismo nasceu de um pequeno lapso histórico, a partir da ideia que Dr. Plinio fazia de como teria sido o planejamento da estrada de ferro Transiberiana. Segundo lhe parecia, para construir essa estrada, o Czar convocou vários engenheiros, e na hora do traçado armou-se uma discussão infinda, pois cada um queria que os trilhos passassem pela cidade de cada qual. A celeuma ia mar alto, quando o próprio Czar, perdendo a paciência, pegou uma régua e traçou uma linha reta entre Moscou e Vladivostok, dizendo impositivamente: “Este será o trajeto da estrada de ferro. Agora construam-na!”. O núcleo da narrativa é verdadeiro, mas o que se discutia não era a construção da ferrovia Transiberiana, mas a que ligava Moscou–São
Petersburgo. Não obstante esse lapso histórico, que aqui deixamos registrado, o termo
“transiberiano” prevaleceu dentro da TFP como a imagem de uma tomada de posição categórica e sem rodeios. 107 RR 26/10/74
Uma vez uma pessoa me disse: “Olhe, quer saber de uma coisa? Seu passo, seu modo de andar, sua gargalhada, o saber que você está numa sala ao lado, tudo isto me dá antipatia. Você inteiro me é antipático”. Era uma pessoa de um violentíssimo fundo liberal e, portanto, detestando tudo quanto é categórico; e essa detestação vinha do fato de ser muito categórico. Dou-me bem conta de que, até no tom de voz, sou categórico. E quando digo “categórico”, digo um categórico-categórico mesmo, e não um categórico qualquer. Disto me dou conta e sei que sou assim. Essa pessoa era muito aveludada, muito amiga dos matizes, muito cambiante e detestando qualquer forma de imposição, ainda que fosse a imposição persuasiva da lógica108 . Nesta mesma linha, está no meu temperamento achar que os goles grandes e os bocados grandes têm mais sabor. As regras da educação dizem o contrário: devemos tomar goles pequenos e comer bocados pequenos. Acho isso de uma “sem-gracês” completa! Se é para pegar, pega logo!109 A truculência nasce de uma posição temperamental inicial levada até as últimas consequências, até a consequência do inimaginável e do que poderia passar pelo esdrúxulo. Por exemplo, os senhores me veem gastrônomo, e veem bem que, se não fossem questões de saúde, eu levaria os prazeres da mesa muito mais além. Veem-me amigo do luxo, porque gosto do luxo; veem também que, se eu tivesse dinheiro, levaria esse gosto pelo luxo muito mais longe, levaria até a última consequência que tivesse proporção comigo levar. Este amor à última consequência se desdobra no horror de ficar abobadamente parado numa coisa sem saber por quê110 . Ponho toda a truculência possível, levado pela ideia de que o nunca chegar ao extremo limite das ideias, das convicções e das sensações sadias produz uma espécie de raquitismo do bem que acho altamente danoso111 . *
Uma pessoa “x” tinha muita estranheza comigo quando me conheceu. Vira e mexe, eu chamava alguém de crápula, de cachorro leproso e outras coisas assim. Ele dizia: “Mas não é tanto assim”.
108 RN 1/4/70 109 Jantar EANS 24/3/87 110 CSN 13/10/91 111 CSN 7/6/80
É evidente que o cão leproso é uma pura repulsa truculenta e mais nada, sem nenhuma beleza literária. Mas era a ânsia de exprimir uma totalidade de rejeição por uma totalidade de apodo. Literariamente esse apodo não valia nada, mas moralmente tinha sua justificativa. Não que eu achasse que o sujeito fosse um cão, menos ainda que fosse leproso, mas era a expressão do total da minha rejeição com meu maior furor. É uma hipérbole, que é boa sobretudo para as coisas que não são inteiramente ruins, em relação às quais se poderia comprazer, e das quais se defende chamando assim. Não é tanto uma necessidade de me exprimir a mim mesmo, mas é, estando frequentemente em contato com interlocutores que não vão querer levar a rejeição tão longe quanto eu, empregar um adjetivo que os arraste, que os pegue pelos ombros e sacuda a modorra deles, e os leve também até à inteira rejeição em que quero pô-los também112 . Quando procurava comunicar algum sabor às críticas que fazia, a intenção principal – não a única intenção – era atrair os indivíduos, pelo deleite que esse sabor possa ter, a uma posição de crítica ao mal. Isto não era propriamente truculência. Isto era um pouco como a caricatura, que exagera as coisas para que se entenda um certo fundo que há na pessoa ou na situação caricaturizada. Tive, a certa altura, que deixar de fazer essas críticas assim, pois passaram a ser consideradas como uma truculência pitoresca, mas que afastava as pessoas de mim113 .
Sempre achei que a questão da meta está intimamente ligada à questão do método, e reciprocamente. Quando se quer muito uma meta, adota-se, sempre que possível, o método transiberiano. E quando temos uma mentalidade transiberiana, se a linha geral não pode ser transiberiana, as linhas secundárias serão transiberianas; e quando as linhas secundárias não podem ser, serão as capilares. Mas a marca digital do transiberianismo se encontra no fundo da questão. Posso dar disso um depoimento insofismável. Os senhores me conhecem bem, sabem que transiberianizo logo que posso. Se há uma coisa em mim à maneira de falta de ar é quando fico à procura de uma ocasião para transiberianizar114 .
112 EVP 26/11/72 113 EVP 18/5/86 114 RR 3/10/76
Se pudesse, eu viveria de decisões rápidas, drásticas e imediatas e viveria transpondo o Rubicon. Aonde a minha alma se sente inteiramente ela mesma é transpondo o Rubicon. Aí me sinto eu. O Rubicon é o clima de minha alma, embora isto não queira dizer que eu não tome enormes cuidados antes de o atravessar. Os senhores não imaginam como eu era rubiconista antes de conhecer a geração nova, e como eu liquidava as situações e resolvia de plano, logo e sem conversa. Era ali! Mas depois que conheci a geração nova, compreendi que muita coisa não pode ser assim e tive que me adaptar sem me transformar115. Tendo tido a força para ser decidido e resoluto, tenho agora de fazer o contrário, deixando as coisas se espicharem indefinidamente pelo rio chinês116 . Quando vejo o rio chinês, brota em mim a pergunta: “Aguentar isto para quê? Arrebenta logo com isto!” Mas tive de suportar. E acabei percebendo que, se fizesse o que queria, não daria glória a Nossa Senhora, e essa glória só seria inteira se eu fosse capaz de fazer o contrário do meu modo de ser. As esperas indefinidas só são gratas a Deus quando praticadas pelos espíritos transiberianos. Deito bramidos pelo transiberianismo e sou obrigado a sorrir e subir na torre perpendicularmente, pelo lado de fora, para contemporizar. Essas contemporizações, entretanto, dariam um caráter vil ao Grupo se não se percebesse que sou o contrário delas. A meta última não é a misericórdia, mas a conquista de almas para o Céu. O que é mais eficiente? Esta é a pergunta. Qual é a melhor tática para a Contra-Revolução? Esta é a questão. E se a resposta for: “A contemporização”, então contemporizo. E noto que a graça faz esse jogo também. Não obstante, que nostalgia tenho dos tempos em que podia pôr os pingos nos “is”. Fico então à espera de uma trovoada sublime, que desperte a cidade inteira117 .
115 RR 10/4/74 116 “Rio chinês” é uma metáfora muito usada por Dr. Plinio, baseada nos vais e vens do gráfico traçado pelo grande rio chinês Yang-Tse-Kiang até chegar ao mar. Esse gráfico não forma uma linha reta, mas descreve uma série enorme de voltas, de recuos, de desvios, ora distanciando-se, ora aproximando-se do seu ponto de chegada, antes de pôr fim desaguar no mar. 117 CSN 14/1/78