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O itinerário desde os movimentos incipientes e inconscientes de piedade, até a comunhão frequente
from Meu Itinerário Espiritual - Compilação de relatos autobiográficos de Plinio Corrêa de Oliveira vol 1
by Nestor
Veio em seguida a Primeira Comunhão, as graças da minha Primeira Comunhão; e depois o conhecimento mais exato da doutrina católica, e de tudo quanto veio antes e depois de Nosso Senhor Jesus Cristo, em cursos regulares como o do Catecismo, da História Sagrada. Comecei então a observar a Igreja. E, na Igreja, bem como em tudo quanto eu sabia do passado e do presente d’Ela, e no que estava profetizado para o seu futuro, eu via Nosso Senhor Jesus Cristo que habitava n’Ela e se fazia sentir de um modo todo especial, como um sol que não para de brilhar, por uma ação que eu não sabia ainda chamar de graça. Vinha então a ideia complementar, a partir do convívio com os meus, de uma grande instituição que, maior do que o ambiente temporal em que eu vivia, era uma fonte dessa ação de Cristo sobre os homens. E vinha também, paralelamente, a ideia de que meu ambiente era assim pelo fato de aderir a essa fonte. Ou seja, era um ambiente católico e, em última análise, se Nosso Senhor Jesus Cristo tinha este nexo com a minha alma, é porque eu era católico. Enfim, eu compreendia que era dentro da concha sagrada da Igreja que podíamos encontrar Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas encontrá-lo, não no sentido de que Ele estivesse fisicamente num edifício, mas no sentido de que Ele ilumina e transfigura tudo por dentro e em volta. É como numa igreja católica: se até o solar da porta é uma coisa santa, é porque alguma coisa da ação d’Ele está ali presente. Quantas e quantas vezes eu tive vontade, antes de entrar numa igreja, de ajoelhar e oscular o solar da porta: “Aqui começa a casa d’Ele”. Certa vez vi uma pinturinha que dizia: “Haec est porta coeli”. Eu exclamei: “Mas é claro! A porta do Céu é esta!” 373 . *
A qualidade que mais prezo em mim mesmo é de ser filho da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. O que mais admiro nas pessoas é a coerência na fé católica374 .
O itinerário desde os movimentos incipientes e inconscientes de piedade, até a comunhão frequente
As minhas reflexões eram sempre em função de um tema religioso. Era a época em que eu ainda rezava pouco, infelizmente. Fazia apenas
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umas orações de manhã, que nem me lembro quais eram, e depois algumas orações à noite. Depois, durante o dia inteiro, não rezava. Mas a minha reflexão era religiosa, e a Igreja estava no centro de minhas cogitações muito amorosamente, com muita veneração375 . *
No tempo em que fui formando minhas primeiras noções sobre doutrina católica, aprendidas no Catecismo para criança, mas também na atmosfera geral católica que flutuava no ar pela cidade naquele tempo, havia uma ideia muito definida, muito categórica, de que o colóquio com um ser que tinha morrido e que estava no outro mundo, e máxime com um que tinha ressuscitado e que era o próprio Homem-Deus, era uma coisa própria a santos que estavam em alto grau de fazer milagres, de ter levitação, de ter o dom de ubiquidade e outras coisas assim. Como eu me sentia a léguas disso, nem me passava pela cabeça de ter propriamente colóquios com o Coração de Jesus. Eu falava com Ele, dizia coisas a Ele, mas não esperava respostas. Ele pairava no mais alto dos Céus, sentado à direita de Deus Padre, e Deus Ele mesmo. De maneira que seria uma raridade alguma voz minha chegar aos ouvidos humano-divinos d’Ele. Eu rezava, e como Ele estava atento para o comum dos homens, inclusive para os mais vulgares, julgava que Ele olhava também para mim. Portanto, debaixo de certo ponto de vista, achava que esse olhar dirigido a mim era muito pouco individualizado. No meio da multidão, há também um Plinio e a esse Plinio Ele se digna olhar, e de vez em quando permite que a voz do Plinio chegue até Ele, como a de milhões de outros indivíduos que existem na terra. Quando ia rezar para Ele, punha-me diante da sua imagem na igreja do Sagrado Coração de Jesus, ou daquela pintura que há no teto, e começava a fazer a análise psicológica d’Ele. E pensava: – Dado que essa imagem coincide perfeitamente com o que a Igreja Católica ensina a respeito d’Ele, eu, olhando para a sua fisionomia, para a atitude do corpo, para o gesto, para as mãos, para o traje, para o cabelo, formo uma ideia global a respeito d’Ele que poderei tornar mais precisa e mais rica em contornos se eu examinar cada ponto e sobretudo seus divinos olhos e seu Sagrado Coração. Eu me colocava diante d’Ele e ia fazendo a análise. Era como se eu dissesse: “Eu Vos adoro, porque Vós sois isto e tendes aquilo”.
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Mas eu não dava àquilo uma forma de interlocução. Dessa análise se evolava naturalmente a adoração. Quer dizer, ao analisar, eu formava a mais alta das altíssimas ideias que minha mente de criança podia formar a respeito d’Ele. E daí partia naturalmente um ato de adoração, um ato de reparação, um ato de ação de graças e um ato de petição. Os atos não se sucediam nessa fila, mas conforme me passava pela cabeça fazer a partir desta análise. Eu tinha a impressão de que a imagem d’Ele – mas a imagem física, material, que estava sobre o altar – me olhava, não com os olhos de vidro de uma imagem sem vida, mas que Ele, por alguma ação, comunicava a essa imagem certa expressão. Não sabia como definir, nem me preocupava em definir, porque eu não tinha certeza de que isto não fosse uma ilusão de minha parte. Pois, se a distância entre mim e Ele era tão grande, como Ele chegaria a fazer uma coisa dessas em meu favor? Mas tinha a impressão de que a imagem me olhava e fazia comigo o que eu estava fazendo com ela. Quer dizer, eu, como mera criatura humana, fazia a análise. E Ele, olhando-me, como que me conferia: – Aqui está o tal Plinio, o Plinio número um milhão, quinhentos trilhões, de quem eu gosto; e me comprazo em apreciar tal coisa, em apreciar tal outra, e de quem Eu espero tal outra coisa ainda. No momento, por minha bondade, não vou olhar para os defeitos dele. Olho para as qualidades e vejo alguma coisa de um menininho bonzinho para o qual Eu me digno olhar com compaixão e com a intenção de beneficiá-lo. No fundo era um colóquio, mas não tinha forma de colóquio, como por exemplo aqueles de Santa Teresa, a qual falava com Nosso Senhor Jesus Cristo e Ele falava com ela. Quantos fatos assim se deram na vida dos santos. Mas não era isto. Não era um colóquio, mas tinha uma forma coloquial, tinha um quê de colóquio, que podia durar bastante tempo. Havia naquele tempo uma ideia – que estava na atmosfera religiosa de São Paulo, mas também se encontrava muito espalhada pelo resto do mundo – de que rezar era dizer o Padre-Nosso, a Ave-Maria, o Glória ao Padre. E que isto que eu fazia era perda de tempo, era fantasia. Ora, o contrário dessa ideia é que é verdade. Esta é a oração melhor. Mas eu não sabia disto376 .
Como se desenvolveu em mim a piedade eucarística?
376 Chá PS 1/2/95
Eu fui, sob certo ponto de vista, muito bem preparado para a minha Primeira Comunhão. Debaixo de outro ponto de vista, não ouso dizer que não, mas também não ouso dizer que sim, porque, lendo depois a história de algumas almas admiráveis, a vida de santos etc., notei infelizmente uma diferença muito grande com o modo pelo qual as minhas aulas de Catecismo se desenvolveram. Eu tinha a minha atenção muito posta naquilo que, mais tarde, vim a chamar as graças de minha inocência, as quais eu observava em mim. Essa inocência tinha um conteúdo fundamentalmente religioso, embora naquela época eu não saberia definir isto. Via, na ponta das cogitações sugeridas pela inocência, aqueles esplendores todos, e me sentia unido à Igreja Católica, porque a Igreja Católica me parecia o sol que irradiava esses esplendores. E percebia que esses esplendores existiam na minha alma pelo fato de eu ser da Igreja Católica, e que se eu me afastasse d’Ela, esses esplendores ruiriam. Por aí pode-se imaginar como eu olhava para a Igreja. De outro lado, a minha atenção era muito chamada para a necessidade da fidelidade a esses esplendores, mas eu não sabia dizer que esses esplendores eram uma graça. Isto porque o próprio conceito de graça como uma participação criada na vida sobrenatural incriada de Deus era muito vago para mim, pois insistia-se pouco sobre este ponto. Resultado é que eu tinha a impressão de que tudo isso era uma elucubração do espírito, era uma apetência de minha alma. Posso dizer, na sinceridade do meu espírito, que não era levado a ficar vaidoso com isto nem um pouco. Mas não tinha ideia do vínculo que havia entre isto e a piedade. Tinha, entretanto, de modo muito acentuado, a ideia do vínculo que há entre isto e o estado de graça. Cometer pecado mortal, nunca! Nenhum! Porque um pecado mortal importa na fratura direta com tudo isto. De onde a deliberação, que pela misericórdia de Nossa Senhora se tornou muito firme, de não cometer o pecado mortal. Naturalmente, dos dois pecados que mais proximamente se põem para todo mundo, sobretudo em certa idade, um deles é direta e imediatamente mortal, que é o pecado contra a pureza. O outro é difusamente mortal, mas é por ele que começa o pecado mortal: é o pecado de orgulho, o pecado do amor-próprio. Sabemos até onde ele pode levar diretamente. Então, isto não! Havia também outros pecados, mas por assim dizer não estavam ao alcance de uma criança: roubar, matar e outras coisas assim. Eu tinha também a noção de que o Santíssimo Sacramento era o foco de atração, se se pudesse usar a expressão, o ponto de densidade máxima de
tudo aquilo que eu amava. E considerava que, enquanto Deus Eucarístico, Ele devia enormemente ser objeto do respeito e da veneração que se tem ao divino. Mas, não pouco paradoxalmente, eu cometia nesta matéria dois erros. Primeiro erro: eu comungava pouco. Em torno de mim comungava-se pouco. Seria natural que eu quisesse comungar todos os meses ou todas as semanas, ou mesmo todos os dias. Era para onde caminharia a ordem natural das coisas. Mas não sentia em mim nenhuma propensão para isto, nem estava persuadido de que era necessário para manter no meu interior aquelas graças que tanto amava. Segundo erro: não tinha ideia de que, para continuar com a graça da vocação contra-revolucionária acesa, era preciso rezar muito. De maneira que rezava muito mais para manter a pureza e não cair no pecado de orgulho, do que rezava para manter essa graça, que a mim me parecia um fruto normal do espírito. Eu mantinha a intenção de fazer umas quatro vezes por ano comunhões muito bem-feitas, muito bem preparadas. Mas não tinha a fome eucarística, ou seja, a noção de não poder passar sem a Eucaristia. Depois que entrei para a Congregação Mariana de Santa Cecília e vi os congregados comungarem todo mês obrigatoriamente, aderi a essa obrigação de muito bom grado, com toda naturalidade. Era o prolongamento do que eu queria. Logo depois sobreveio a ideia de comungar toda semana, porque via que os mais fervorosos comungavam toda semana, e que este era o desenvolvimento natural das coisas. Entreguei-me a isto também de muito bom grado, mas quase sem fazer uma meditação especial. Achava isto tão bom, tão natural, tão excelente, tão direito, que fiz assim e está acabado377 .
Certo tempo depois de me colocar completamente no serviço de Nossa Senhora, passei por um período de provações interiores terríveis378 . Durante esse período fiquei com medo de comungar. E tinha uma nostalgia sem nome da comunhão379 .
377 Chá SB 19/11/80 378 Chá SRM 4/1/93 379 Chá SB 19/11/80