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Predileção pelo vermelho
from Meu Itinerário Espiritual - Compilação de relatos autobiográficos de Plinio Corrêa de Oliveira vol 1
by Nestor
Desde muito menino eu me encantava com os jogos de cores145 . *
Mamãe às vezes colhia uma flor, e tinha a disposição de alma de – eu chegando –, me mostrar a flor: “Olha aqui, que bonita esta flor!” Eu verificava que o modo de ser dela era muito diferente do meu. Porque ela entrava nos últimos pormenores da análise da flor e com um verdadeiro enlevo. Por exemplo, uma flor comum ela segurava, analisava, mexia. E via-se que ela pensava muito em Deus enquanto tendo criado isso. Há que considerar que o meu modo de ser era próprio do homem, e o modo de ser dela mais próprio da senhora. Então eu via a flor como uma espécie de grande mancha de cor, e a cor me impressionando muito mais do que a forma146 .
Predileção pelo vermelho
Para mim o vermelho é uma cor que simboliza tudo quanto há de apetecível, de agradável, de riqueza de ser, exposta em alguma coisa de modo cromático, de maneira a atingir o meu sentido da vista, e dar à minha vista uma impressão semelhante àquela que teria o intelecto quando medita sobre a vida. Por que o vermelho dá essa impressão de vida? Acontece que o vermelho é uma cor que se diferencia das outras, tal como o que é vivo se diferencia do que não é vivo. A pessoa, vendo esta cor, tem a sensação ilusória, ou não ilusória, do contato material da vida enquanto vida147 . O vermelho era, portanto, para mim o símbolo de toda a vida, de toda a vitalidade, de todo o borbulhar, de tudo aquilo que tinha saúde148 e força149 , de tudo aquilo que se realizava na alegria de sua própria realização. Era a cor do deleite do dever cumprido.
145 Chá SRM 6/1/94 146 Almoço EANS 8/11/91 147 Almoço EANS 18/10/91 148 Jantar EANS 13/9/88 149 Chá SRM 6/1/94
Por uma espécie de justaposição, era também a cor da consciência em ordem. O vermelho para mim se simbolizava arquetipicamente na cereja e na maçã150 . Como eu tenho um temperamento muito plácido, o vermelho me completa, e me sinto mais eu mesmo no contato com as coisas vermelhas do que com as coisas brancas151 . O vermelho é a cor do radical, do categórico, da intolerância. Por quê? Porque em si mesmo falando, há no vermelho uma radicalidade que consiste neste ponto: é que qualquer coisa que não seja radical no vermelho, desfigura e desnatura o vermelho. Imaginar no vermelho um quê de esbranquiçado, em que o vermelho deixa de ser vermelho para ser uma coisa mestiça, imediatamente a gente recusa e diz: “Isso é uma droga”. O vermelho pede, por sua natureza, para ser rubicundo, de maneira tal que tudo o que o leve a tolerar coisas que o desnaturem, que o adocem, que o desfigurem, que o empalideçam, o desfeiam. Ele não tolera, portanto, mistura nenhuma, nem relativismo algum. Pelo contrário, quando vemos uma coisa que é de um vermelho tal que chega a ser brilhante de tão vermelho, um vermelho tal que se pergunte se pode haver na terra um vermelho mais vermelho do que aquele, tem-se com isto uma satisfação, como quem diz de uma coisa que amou o seu próprio fim, que amou o termo final de sua própria perfeição e que encontrou nisto uma espécie de aliança com Deus. E então tomou com Deus um nexo que é a perfeição dele, e que por assim dizer oscula a própria perfeição divina152 . O gosto por determinada cor não explica o que o indivíduo é, mas indica o que falta no indivíduo. Gosto do vermelho. Qual é a carência que há em mim que me leva à apetência pelo vermelho? Em menino, já o disse, eu fui muito mole e preguiçoso, muito magro, muito branco, muito alvo, pálido mesmo, com olhos que eram desmesuradamente grandes para o tamanho do meu rosto naquele tempo, e de um temperamento sumamente conciliatório e que gostava de que me deixassem sossegado. *
Já o creme não era a cor da minha predileção, precisamente porque não me dava o que eu queria. O creme estaria para mim como um indivíduo que trata de um assunto do qual positivamente não gosta.
150 Jantar EANS 13/9/88 151 Chá PS 1/10/93 152 Chá PS 9/3/94