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Educação em direitos humanos e formação política da juventude no âmbito da execução dos Planos Nacionais de Educação e de Direitos Humanos
Constata-se que 2021 representa a tentativa de consolidação do silenciamento institucional das diversas vozes de representação existentes nas ações organizadas e articuladas no Plano Nacional da Educação.
Educação em direitos humanos e formação política da juventude no âmbito da execução dos Planos Nacionais de Educação e de Direitos Humanos
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Guilherme Amorim Campos da Silva1
Com o restabelecimento do pacto democrático, a promulgação da Constituição do Brasil em 1988 e a adesão aos pactos internacionais de direitos humanos, notadamente o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de San José da Costa Rica, dispondo sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a sociedade brasileira assumiu explicitamente o compromisso de desenvolver ações e mecanismos de políticas públicas de Estado que promovam e protejam direitos dos indivíduos e da coletividade.
Nessa direção, o Estado brasileiro, já no início dos anos 1990, promoveu discussão com ampla participação da sociedade civil, para a definição de um conjunto de ações e diretrizes de maneira, inclusive, a estimular adoção de mecanismos de sua implementação junto às unidades da Federação.
1 Guilherme Amorim Campos da Silva é professor titular do Programa de Doutorado em Direito da
Uninove. Doutor em Direito do Estado e mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP, membro do Conselho Deliberativo da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. Advogado.
Surge, assim, o 1º Plano Nacional de Direitos Humanos, caracterizado fortemente por ações voltadas a direitos políticos. Posteriormente, o 2º Plano Nacional de Direitos Humanos, em complementação às ações programáticas do 1º Plano, e revisando de forma crítica quais foram as políticas públicas que, de fato, se tornaram práticas rotineiras do país na promoção dos Direitos Humanos, adotou em sua maior parte ações voltadas para promoção e execução de direitos econômicos, sociais e culturais, cumprindo recomendação específica da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, de 1993, atribuindo aos direitos humanos a condição de política pública governamental.
Esta compreensão e formulação da Política Nacional de Direitos Humanos como política pública governamental está compreendida normativamente pela Constituição Federal, que prevê um sistema próprio de políticas públicas protetoras e promotoras dos direitos humanos, integradas pelos tratados e convenções das quais o Brasil é signatário, gerando para os poderes constituídos o dever de formular, planejar e executar medidas que assegurem a sua plena implementação. No que diz respeito à educação, encontramos esta preocupação sistêmica presente a partir do artigo 205, em leitura conjugada com o artigo 5, parágrafos 2º e 3º da Constituição Federal.
O Plano Nacional de Direitos Humanos 3, atualmente em vigor, busca tratar dos denominados Direitos Humanos de 3ª Geração, partindo do pressuposto de que as ações previstas nos planos anteriores tivessem sido suficientemente desenvolvidas e implementadas, o que na prática não aconteceu.
É possível verificar que a temática do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos incorpora as resoluções da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos e um conjunto de propostas aprovadas nas mais de 50 conferências nacionais temáticas, promovidas desde 2003 no âmbito do governo brasileiro como educação, segurança alimentar, saúde, habitação, igualdade racial, direitos da mulher, juventude, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência, idosos, meio ambiente etc., incorporando amplo debate democrático sobre as políticas públicas.2
2 Plano Nacional de Direitos Humanos – 3, 2009, p. 11.
No âmbito da educação em direitos humanos é que se verifica grande esforço das estruturas burocráticas do Estado brasileiro para a promoção de um avanço na perspectiva da formação de crianças e jovens. Isto porque, dependendo da articulação de dois ministérios – o Ministério da Educação e o próprio e então existente Ministério dos Direitos Humanos – e de ampla participação da sociedade civil, buscou-se a adoção de ações específicas para educação em direitos humanos no âmbito da Base Nacional Curricular Comum.
De forma inédita e revolucionária, todos os valores da formação em direitos humanos e da prática de sua cultura estavam sendo engendradas como política de Estado de âmbito nacional. A participação social no acompanhamento da aplicação, por exemplo, do Plano Nacional de Educação (PNE) foi uma conquista histórica do movimento educacional brasileiro. Prevista no artigo 5º daquele instrumento, determina que
a execução do PNE e o cumprimento de suas metas serão objeto de monitoramento contínuo e de avaliações periódicas, realizados pelas seguintes instâncias: Ministério da Educação (MEC); Comissão de Educação da Câmara dos Deputados e Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal; Conselho Nacional de Educação (CNE); Fórum Nacional de Educação (FNE).
O Plano Nacional de Educação procurava, assim, articular e enfatizar a promoção da cidadania e a erradicação de todas as formas de discriminação. Com as diretrizes firmadas para alcançar a erradicação do analfabetismo, garantir a universalização do atendimento escolar e atuar pela superação das desigualdades educacionais, investia na disseminação dos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade.
Por meio dos esforços de articulação do Plano foram inscritos valores fundamentais como a promoção do princípio da gestão democrática da educação pública, humanística, científica, cultural e tecnológica do país, além dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade, à sustentabilidade socioambiental e pelo estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), assegurando atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade, e com a aplicação das políticas de valorização dos profissionais da educação.
De igual forma, a formação política da juventude, que também mereceu ênfase neste período, com valorização e promoção da sua participação social e política, inclusive qualificadas por meio da Lei n. 12.852/2013 que trata do Estatuto da Juventude, sofre grave processo de ameaça de descontinuidade em 2021 por ausência de recursos e de espaços de representatividade.
Constata-se que o ano de 2021 representa a tentativa de consolidação do silenciamento institucional das diversas vozes de representação existentes nas ações organizadas e articuladas no Plano Nacional da Educação.
Em abril de 2019, o projeto político de alfabetização, normatizado pelo Ministério da Educação com o objetivo explícito de identificar a concepção de alfabetização presente e suas principais implicações sociais e políticas, criou obstáculos para a ampla participação da sociedade civil em comissões participativas, ao mesmo tempo que reconfigurou suas competências de atuação. O Decreto presidencial n. 9.765, assinado em 11 de abril de 2019, designou a Política Nacional de Alfabetização com a promessa de promoção de ações para alfabetização baseada em “evidências científicas”, visando melhorar a qualidade da alfabetização e combater o analfabetismo absoluto e o analfabetismo funcional.
A Portaria n. 1.460, de 15/8/2019, que instituiu a Conferência Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências (Conabe) e a Portaria n. 1.461, de 15/8/2019, que nomeou 12 pesquisadores para compor o painel de especialistas da Conabe, retirou do atual Plano o caráter político e cultural da alfabetização, marca dos esforços de articulação e construção coletiva do modelo até então existente.
Inobstante a importância, perenidade e atualidade dos temas que aborda, a Educação em Direitos Humanos ainda tem muito a caminhar para ser integrada e manejada adequadamente no cotidiano dos espaços de educação formal e não formal brasileiros.
Graves deficiências estruturais, como a necessidade de formação de quadros especializados no assunto e a permanente falta de recursos da educação, cumulados com as dificuldades inerentes à implementação de políticas educacionais no Brasil, encontram-se maximizados na atualidade por obstáculos de natureza político-ideológica que dificultam sua implementa-
ção. Com relação a estes obstáculos, de um lado, a ascensão de discursos e práticas de extrema-direita que se contrapõem diretamente aos princípios de direitos humanos; de outro lado, sua incompatibilidade com modelos centralizadores de gestão, presentes na realidade das escolas brasileiras, apesar da adoção teórica da gestão democrática como compromisso formal de seus projetos político-pedagógicos.
Todavia, a sociedade brasileira se mostra capaz de organizar e articular respostas democráticas, que resgatam as premissas das normativas constitucionais, dos instrumentos internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil e dos planos nacionais em implementação. Como exemplo, podemos destacar a iniciativa da Escola Nacional Florestan Fernandes, coordenada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Com perspectiva pedagógica da educação popular de Paulo Freire, a escola referencia-se no trabalho como princípio educativo, que articula a prática com o estudo, em organicidade com a arte e a cultura, contribuindo para a formação crítica de sujeitos politicamente ativos.
Às vésperas de um novo ano de possibilidades de renovação de mandatos populares, trata-se de debater e recuperar os elementos essenciais que devam integrar projetos de formação para uma cultura dos direitos humanos, educação e participação política como projeto de desenvolvimento nacional.