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Pontos de partida

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Bibliografia

Bibliografia

Esse trabalho surgiu a partir de uma série de inquietações pessoais sobre alguns dos temas que mais me afetaram durante a graduação. Ainda não tinha, a princípio, um tema ou objeto de estudo claro para investigação. Isso significa que eu tinha apenas uma série de perguntas para as quais eu estava interessado em buscar respostas. Entretanto, fui percebendo, ainda no começo da pesquisa, que eu não deveria estar perseguindo respostas prontas para as minhas perguntas. Estava me chafurdando em livros e artigos científicos, passando o olho pelo texto a fim de ler aquilo que eu gostaria de ouvir, como aquele que espera ouvir uma resposta alentadora para resolver um problema pessoal. Ao longo do desenvolvimento do trabalho eu não só acabei não achando as respostas, como aumentei consideravelmente a quantidade de problemas em aberto.

Portanto, ao invés de simplesmente buscar respostas para as minhas perguntas, fui entendendo que o mais interessante seria construir um diálogo com os autores do meu referencial teórico e estabelecer uma rede de inter-relações para que eu pudesse, enfim, definir o tema, objeto e objetivo da pesquisa. Os autores não me ofereciam respostas, mas caminhos possíveis para investigar mais a fundo aqueles problemas postos em questão.

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Havia, inicialmente, um incômodo, que percorreu minha graduação na FAU, sobre a ausência de uma formação mais robusta no que diz respeito ao desenho das cidades,

dos espaços livres públicos, em oposição a uma presença muito marcante do planejamento constituído enquanto legislação urbana. Isso muito se reflete na onipresença da escala macro quando lidamos com o planejamento urbano e da quase inexistência da escala micro, daquela escala que se enxerga a cidade enquanto se caminha por ela.

Todavia, ao mesmo tempo, me chamava a atenção o surgimento de movimentos da sociedade civil organizada nas cidades que reivindicam o uso do espaço público e revertiam a lógica de produção desses espaços. Eram novos coletivos urbanos e novas formas de ação na cidade que se mobilizavam a partir de laços afetivos, nos trazendo pistas sobre novas maneiras de atuar nas cidades. De acordo com Laura Sobral, estamos em uma conjuntura na qual “o planejamento urbano tradicional, reconhecido comumente como um processo topdown, está cada vez mais dividindo seu espaço com as práticas ditas bottom-up”01. Essa nova situação solicita aos planejadores que repensem os modelos de atuação nas cidades.

Também me sensibilizava a crise ambiental, que introduz um problema à nível global, comum, que nos exige uma transformação que responda à altura, colocando em equidade todas as pessoas para um modelo de desenvolvimento mais sustentável. Entendo que pensar a questão ambiental ultrapassa a capacidade técnica ou a viabilidade econômica, mas trata-se, antes de mais nada, de uma questão ética, de vontade de fazer.

01 SOBRAL, Laura. Isso não é um evento – uma análise sobre a dinâmica de uso dos espaços públicos contemporâneos: estudo de caso – o Largo da Batata. 2018. Dissertação (mestrado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo), Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. p. 09

Entretanto, os problemas socioambientais enfrentados pelas nossas cidades têm como respostas, em sua grande maioria, políticas públicas fragmentadas que tratam os aspectos desses problemas separadamente. Em muitos dos casos, mitigam sintomas ao invés de atingir as causas. Estamos sempre a correr atrás dos problemas, quando já nos encontramos em um cenário de crise profunda. Em época de crise, a emergência pelas soluções só alimenta a utilização de medidas paliativas que respondem, a curto prazo, ao grande problema que isso representa.

Além disso, a questão ambiental nas cidades tem se tornado, cada vez mais, uma questão ideológica. Me motivava pensar nas possibilidades de reverter essa dinâmica exploratória de modelo de cidade sem um discurso exclusivamente preservacionista, como apresenta o ensaísta Antonio Risério, em “A cidade numa nova configuração Amazônica”02 .

Diante da impossibilidade da mudança urbana como nós a imaginamos nas nossas cidades e como nós nos colocamos diante dessa questão, acabei encontrando em Espinosa, especialmente em sua teoria dos afetos, um pensamento potente que abarcava no meu entendimento grande parte das minhas inquietações. Ao mesmo tempo enxerguei na Ecologia a possibilidade intrínseca à disciplina de pensar a relação entre as partes de forma integrada e complexa, como o pensar a cidade exige. Dessa maneira, passei a buscar, enquanto objetivo, demonstrar a importância do pensamento filosófico de Espinosa e do campo da Ecologia para pensar formas alternativas e colaborativas de atuar na produção da cidade.

02 Ver: RISÉRIO, Antônio. A Cidade no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2013. p. 333.

Espinosa nos convida à reflexão interna, ao entendimento da causa imanente das coisas. Alguns fatores das nossas cidades parecem impossibilitar um momento para tal modo de agir. A velocidade e a exigência pela produtividade das nossas rotinas e a ausência e a precariedade de espaços públicos nos priva de condições em que esse trabalho reflexivo venha a se desenvolver. Esse exercício cognitivo a que Espinosa nos convida não parece ter lugar nas nossas cidades. Requereria um lugar onde fosse possível a pausa. Porque a alegria para Espinosa não está vinculada a algum tipo de excitação ou euforia, mas sim ao conhecimento adequado.

Outro ponto fundamental para a minha análise consiste no lugar que o homem ocupa na Natureza em Espinosa, conceito que pode ser transposto para uma análise do homem contemporâneo no seu meio ambiente mais comum, as cidades. E daí deriva a minha escolha pela discussão através da disciplina da Ecologia que nos abre tanto o ponto de vista da complexidade do sistema em que vivemos como nos alerta para a questão ambiental planetária.

No momento em que as cidades são transformadas abruptamente a partir de uma política exterior à organização dos cidadãos enquanto sociedade, cerceando-os dos processos decisórios, os sujeitos podem perder uma relação de identidade com os espaços da cidade. O cidadão pode não reconhecer historicamente o espaço urbano, tornando-se alheio ao mesmo. Os espaços da cidade se tornam estranhos quando não correspondem à dinâmica histórica-política ou à dimensão afetiva das pessoas na vivência do espaço urbano ou na situação do “esquecimento” das políticas públicas dos espaços históricos (não cuidam, não preservam), devido a orientação adotada de uma lógica da

racionalidade técnico-científica ou econômica, externa à realidade dos cidadãos.

Essa discussão teórica culmina em um Guia de Elementos Urbanos Afetivos. A ideia é que ele possa servir como ferramenta de projeto para qualquer grupo que queira transformar os espaços de uso comum da cidade. Entretanto, não se trata de um amplo catálogo de referências projetuais para espaços públicos, uma vez que possui um enfoque específico. Os elementos urbanos apresentados nele formam um conjunto de ideias e desenhos que tem como intuito fortalecer o vínculo humano com a paisagem urbana. Através da teoria dos afetos de Espinosa, bem como da disciplina da Ecologia, pretende-se demonstrar a importância que a cidade material, física, tangível tem para a cidadania.

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“amar la trama más que el desenlace”

Jorge Drexler

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