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Ecologia

Embora o pensamento sobre a relação entre o indivíduo e o meio em que vive seja um tema largamente abordado na história da humanidade, não havia uma palavra que definisse essa relação. A origem da palavra ecologia é relativamente recente, foi em 1869 que o biólogo Ernst Haeckel propôs o termo pela primeira vez. No começo do século XX, a ecologia começou a se estabelecer enquanto um campo reconhecido da ciência e passou, então, a formar parte do vocabulário geral. A princípio era direcionada a estudos de áreas restritas, que a classificavam em subáreas como ecologia vegetal e ecologia animal. Entretanto, ao longo do século, a ecologia conseguiu se formar enquanto uma disciplina unificada com uma abordagem sistêmica.

A ecologia se aproxima de sua definição atual apenas na segunda metade do século XX, sendo entendida como “o estudo da ‘vida em casa’, dando ênfase nas relações dos seres vivos entre si e com seu entorno”01. Relações essas que convidam a um pensamento sistêmico que explica e olha para a vida, como cita Odum, a partir de uma perspectiva holística, buscando a síntese, não a separação. No sentido de pensar a complexidade, Ludwing von Bertalanfyy, que desenvolveu a Teoria Geral dos Sistemas, alerta que é fundamental que lidemos com totalidades ou sistemas independente do campo com o qual estamos lidando.

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01 ODUM, Eugene; BARRET, Gary. Fundamentos de Ecología. México D.F.: Cengage Learning, 2008. p.4.

A necessidade de pensar uma abrangência para diferentes áreas do conhecimento implica na formulação das ideias da ecologia de maneira integrada, o que ocorreu nos anos 50 e 60, encabeçada pelos irmãos Odum, visando melhor explicar a relação do meio com os diferentes sistemas vivos. Foi a partir dessa estruturação que conseguimos melhor entender qualitativa e quantitativamente os problemas ambientais aos quais estamos sujeitos.

A ecologia tem sua origem dentro do campo das ciências biológicas, mas a partir dos anos 70 tem se expandido e, segundo Odum e Barret, tornou-se “uma disciplina à parte que integra os organismos, o entorno físico e os humanos, mantendo-se fiel a raiz grega da palavra ecologia, oikos, que significa casa e logos, que significa estudo”02. Segundo os mesmos autores, a melhor maneira de definir a ecologia moderna é através do conceito de níveis de organização. Esses níveis ecológicos partem desde a ecosfera, passando pela paisagem e pelo ecossistema, chegando a população e organismo até a célula.

Entretanto, é o ecossistema a unidade fundamental de estudo da ecologia, definido como “qualquer unidade que inclua todos os organismos de uma área dada que interage com seu ambiente físico de maneira que um fluxo de energias conduz a estruturas bióticas definidas com clareza e reciclagem de materiais entre componentes vivos e sem vida”03 .

Apesar de ser a unidade de estudo dos ecólogos, o ecossistema é um ponto de divergência quando seu conceito é transposto para os ambientes construídos pela ação antrópica. Para Salvador Rueda, por exemplo, ex-diretor

02 Ibidem, p.2. 03 Ibidem, p. 18.

da Agência de Ecologia de Barcelona, um sistema é um conjunto de elementos físico-químicos que interagem. Se entre os elementos existem organismos vivos, esse sistema é chamado ecossistema. Uma concepção abrangente, entendendo a capacidade escalável do termo. Isto é, um ecossistema pode ser configurado em diversas escalas e a cidade, então, poderia ser entendida como tal.

De um outro ponto de vista, para Samuel Branco, o ecossistema é uma unidade que basta-se por si só, e, assim, a cidade não pode ser concebida como um ecossistema, na medida em que é uma unidade que depende de recursos exteriores à ela e o homem um “elemento perturbador do equilíbrio natural do ecossistemas”04. A cidade, para ele, nunca será um ecossistema porque nunca será autossuficiente.

Porém, Odum defende que ecossistemas são sistemas abertos, recebendo influência do sol, da chuva, dos ventos, etc, refutando, então, as ideias expostas por Branco. Seria impossível dizer que o ecossistema basta por si só. Mas Odum, no sentido do que propõe Branco, faz uma ressalva, chamando as cidades de tecnoecossistemas, organizações que competem com ecossistemas naturais e os parasitam. Ou seja, há de fato um custo ambiental e é preciso estabelecer uma relação que aponte para uma troca menos prejudicial aos sistemas naturais para que possamos viver no mundo finito. Como diz Branco, “a questão essencial gira em torno da relação homem/natureza e da forma como ela se estabelece, sendo uma relação de integração, de simples complementaridade, de estreita dependência ou de domínio absoluto”05 .

04 BRANCO, Samuel Murgel. Conflitos conceituais nos estudos sobre meio ambiente. Revista estudos avançados. 1995, vol.9, n.23, pp.217-233. p. 231. 05 Ibidem. p.217.

Mas, para além da discordância sobre o uso do termo ecossistema, o conceito mais disputado na realidade foi o da própria ecologia. A partir dos anos 70, com a pauta da questão ambiental em voga, a disputa do termo referenciava-se a uma disputa sobre o combate da questão ambiental, propondo uma “visão ecologizada” do mundo. Surgem então grupos que disputam o termo e acabam por criar uma pluralidade de ecologias que se distanciam mais ou menos da disciplina científica. Uma das primeiras abordagens modernas é o movimento de ecologia radical, que entende ser inconcebível aliar desenvolvimento econômico à preservação e conservação da natureza. Ao contrário do ambientalismo moderado, que, como diz o nome, busca conciliar essas duas esferas, por meio da defesa de um desenvolvimento sustentável. Uma terceira visão é a da ecologia política, também conhecida por ecologia dos pobres. Ela entende a questão ambiental considerando o contexto social e político.

No primeiro caso, da ecologia radical, a disciplina ainda se presta a pensar questões do próprio campo, ao passo que, com o passar do tempo, no ambientalismo moderado, a ecologia se compõe à economia, por meio da figura do desenvolvimento sustentável. Por último, na ecologia política, a disciplina se integra com os campos das ciências sociais e políticas. A ecologia começou, portanto, a se ramificar e contribuir com a criação de pontes entre disciplinas diferentes que tratavam do mesmo tema sob óticas distintas, evidenciando seu potencial transdisciplinar.

Hoje, temos uma grande dificuldade de processar informações desconexas de diferentes disciplinas e pontos de vista. A Ecologia, enquanto ciência que organiza-se de maneira sistêmica pode, não ser utilizada em sua totalidade como método, mas possibilitar o oferecimento de uma

visão relacional, que estabelece ligações ao invés de separações e síntese no lugar de análise.

Ela pode, através de seu viés sistêmico, fortalecer as trocas de conhecimento, o trabalho de equipes transdisciplinares e a organização de conceitos que nos proporcionariam a aproximação da realidade em sua complexidade. Como escreve Morin, “a ecologia geral suscita o problema (...) homem/natureza no seu conjunto, na sua amplitude, na sua atualidade”06 .

Um dos maiores desafios postos à nossa sociedade na atualidade é a chamada questão ambiental. Pensar essa questão apoiando-se nos conceitos teóricos da Ecologia nos parece fundamental, uma vez que é a ciência que lida diretamente com os seres bióticos e abióticos, em seu viés inter-relacional. Pensar as diversas relações existentes em um ecossistema implica em uma busca por um equilíbrio constante entre todas as partes. O equilíbrio ecológico se dá pela constante relação entre as diversas partes e a desestruturação desse equilíbrio ameaça a vida das espécies. Dessa forma, a Ecologia nos oferece ferramentas para reverter as situações de desequilíbrio ecológico induzidas pelo homem.

Observamos na Ecologia uma rica fonte teórica que nos indica novas possibilidades de olhar para a complexidade da relação sociedade-natureza trazendo elementos para a elaboração de uma ética ambiental que conjuga a cooperação entre as partes e contribua para a formulação da noção de bem-comum vinculada à natureza.

06 MORIN, E. O Método I: A Natureza da Natureza. Portugal: Europa-América. 1977. p.45.

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