2 minute read
editorial
from Intempestiva n.02
Falta a nossa escrita (a “literatura brasileira”) um enfrentamento indignado, descrente, que não afunde na lama do presente. Uma literatura que lute além dos seus limites, que denuncie a destruição monstruosa do teatro, da educação, da arte, da política, da justiça, da diversidade absoluta que funda o pensamento, a vida democrática, a sociabilidade, os corpos em luta, os corpos e suas diferenças. Uma literatura que lute para chegar a outros povos, não como adorno de carnaval de grupos e poderes, sem chegar a atingir a “cultura”, a “vida”, a “língua” dos outros países. Uma literatura que consiga chegar em guerrilha, em guerra, com pensamento a outros povos e seja acolhida por seu valor de coragem e renovação, coragem de interferência no seu próprio mundo, agora numa ditadura mafiosa estranha e mortal, sem ser uma cristalização de covardia e cumplicidade.
Sem ser estabelecida uma tentativa estética sólida (sempre longe da gramática do poder) para responder a questões (políticas, éticas, filosóficas: em aberto, não respondidas, escamoteadas, não vistas, impostas pelo agora etc.), a literatura inteira afunda num contar algo para nada. Isso acontece no Brasil e em quase toda a literatura mundial, principalmente na poesia, presa principal de uma “interioridade” crente, romântica, fútil, memorialística pra nada, uma vontade idiota em “ser reconhecido” e ter uma “migalha de poder ilusória”. O editor seria aquele que avaliaria se esse livro pensou,
Advertisement
respondeu, enfrentou, resolveu ou não: se não o faz é porque a grande maioria das editoras não são editoras, são gráficas que recebem para publicar. E você, hipócrita leitor, de que lhe adianta um verso que não o incomode, que não o desloque de seu paraíso artificial de consumo, entretenimento e tédio? De que lhe adianta sustentar o monstro delicado enquanto o mundo se devora?
Assim, em que medida a multiplicação/sobreposição de vozes contemporâneas pode estar silenciando justamente o que mais deveria se destacar? Que a questão, ou o que faz a literatura é um tipo de enfrentamento que apenas a literatura/poesia podem responder. Ninguém está interessado nisso; só se pensa em vender, em mercadoria, em dinheiro, reconhecimento: não há literatura, poesia, mas questões de mercado, soterramento de mercadorias, desesperos de vendedores e distribuidores de mercadorias, de coisas, coisa nenhuma.
A revista Intempestiva luta por ser um pouco da busca pelos que já compreenderam isso e não se deixam sufocar pela mesmice, pelo poder, pelo vazio de ser chamado de poeta, romancista, contista, desenhista, pintor, teatrólogo, sem por nisso tudo uma marca para a literatura, para o mundo, inter-ferindo na loucura das hienas.