12 minute read

Comunicação, Arte e Expressão de Fé no Espaço/ Tempo da Urbanidade Laan Mendes de Barros

COMUNICAÇÃO, ARTE E EXPRESSÃO DE FÉ NO ESPAÇO/TEMPO DA URBANIDADE

Laan Mendes de Barros

Quero registrar que desde o momento em que fui convidado, e em especial agora, estando aqui, a lembrança de um amigo marca a minha participação. Trata-se de alguém que conheci na minha primeira infância e com quem compartilhei os bancos da igreja e da escola, em tempos de formação cristã e de alfabetização. Tempos de se fazer arte; tanto no sentido mais específico do termo, da arte em suas diferentes linguagens – teatro, música, pintura etc. –, como no sentido de arte que criança faz, aquela arte de fazer bagunça, de se divertir, de desafiar limites. Na verdade, uma tem muito a ver com a outra e ambas estão presentes no espaço deste evento e nas questões relativas à criatividade. Esse amigo, com quem reparti momentos importantes da minha vida, parece estar presente aqui entre nós. Trata-se de Ernesto Barros Cardoso. Ele tem muito a ver com este encontro. A minha presença aqui é, pois, uma homenagem ao amigo Ernesto e marca a satisfação, a alegria de rever outros amigos e amigas, com quem já reparti outros momentos de vida.

Entendo que pensar em liturgia é a gente pensar um pouco em amizade, é pensar um pouco em comunhão, que é uma palavra-chave. Comunhão é a mesma palavra-chave que está lá na origem etimológica do termo Comunicação. Comunicação tem a ver com comunhão. O mesmo comunicare, do latim, que vai dar origem à palavra comunicação, no sentido de tornar comum, de compartilhar, é também o termo que vai dar origem à palavra comunhão. É fato que, com o passar do tempo, comunicação foi ganhando novos sentidos, muitas vezes numa perspectiva mais pragmática, de transmissão de uma informação, de persuasão, de venda de alguma idéia ou de algum produto. No entanto, comunicação tem, ou deveria ter mais, de comunhão, que é marca muito forte do espaço litúrgico, da expressão da fé.

Para se falar de liturgia, arte e urbanidade na perspectiva da comunicação é preciso, de imediato, conscientizar-se que comunicação é uma área de conhecimento,

uma área de estudos que têm, por natureza, uma visão interdisciplinar. Desse modo, as diferentes abordagens apresentadas neste painel, referentes aos campos da Psicologia, da Sociologia, da Antropologia e da Psicanálise, podem ser articuladas com a Comunicação. Mesmo que persistam preconceitos quanto à consistência científica dos estudos de comunicação, quanto a ela ser ou não uma ciência, numa herança racionalista cartesiana, que separa a ciência da filosofia e das artes, o fato é que já existem teorias e metodologias de estudo que justificam sua afirmação como área do conhecimento de natureza interdisciplinar, inscrita no campo das ciências sociais aplicadas. E vale lembrar que é na perspectiva da interdisciplinaridade, ou mesmo, da transdisciplinaridade, que o fazer científico vem se desenvolvendo em diversos campos de estudo. Nessa perspectiva há lugar para se articular razão com emoção, ciência com arte e fé.

Minha abordagem considera a questão do espaço e do tempo, articulados com a problemática da comunicação. Quero levantar algumas reflexões a respeito do espaço da urbanidade, do tempo da urbanidade, dos limites da cidade, da urbanidade virtual, da expressão da fé na área da informação.

Sobre o espaço da urbanidade, gostaria de pensar a situação que nós vivemos: um jogo entre concentração e isolamento. Concentração de pessoas, de carros, de aparelhos de TV, de monóxido de carbono, de ondas sonoras, de ruídos nas telecomunicações, de sinais de telefonia. Dentro desse mesmo espaço da urbanidade, de tanta concentração, temos também o isolamento. É curioso como essa mesma cidade, tão cheia de encontros, trombadas e conflitos, também se caracteriza por muitas situações de isolamento. Isolamento de alguém no meio do trânsito, de janelas fechadas, sozinho no seu carro. Isolamento de quem, embora conectado ao mundo, pela internet, está em sua casa, conversando com alguém distante, de quem nunca viu a cor dos olhos. Isolamento das pessoas pela falta de tempo. Isolamento das relações por falta de espaço. Isolamento até entre as pessoas que, dentro de uma mesma sala, compartilham da mesma televisão, mas cada um no seu espaço, com seu momento, sem poder falar um com o outro, num mero exercício de ouvir, num mero exercício de receber, receber, receber, até dormir. As pessoas da cidade dormem sonhos, também isolados, e acordam sozinhas, e realizam sua vida cheia de individualidade, cheia de competição, cheia de egoísmo. Talvez, até vivenciem sua fé nessa perspectiva.

A cidade é um espaço de convergências e, ao mesmo tempo, de divergências, de conflitos. É um espaço de semelhanças e de diferenças. Por um lado a padronização de comportamentos, de linguagem, de vestuário e hábitos de consumo. Semelhanças que transcendem o espaço geográfico, atropelam identidades culturais, padronizam valores e o próprio entendimento do tempo e o espaço. E a comunicação de massa tem muito a ver com isso. Por outro lado, somos também cheios de diferença. Algumas profundamente injustas, resultantes de um sistema que classifica as pessoas, tornando uns melhores que os outros, condenando muitos à marginalidade da vida na urbanidade. Outras são diferenças desejáveis, que nem sempre são percebidas, valorizadas; que nem sempre são entendidas considerando nossas condições culturais, de gênero, de identidade política ou religiosa etc. Enfim, diferenças que muitas vezes são deixadas de lado, ou são reprimidas, num processo de massificação das pessoas,

de padronização do comportamento coletivo. Dentro desse espaço da urbanidade faço outro contraponto entre coletividade e individualidade, que se soma aos confrontos entre convergência e divergência, semelhança e diferença: de repente, o senso de convivência, de coletividade, fica dividido, tendo como contraponto a manutenção da individualidade. Para fazer parte de um grupo, a pessoa precisa reconhecer sua existência como indivíduo. Para amar o próximo é preciso amar-se a si mesmo. No espaço da urbanidade, reforçado pelos meios de comunicação, nem sempre somos valorizados em nossa individualidade, motivados a fortalecer a auto-estima, num exercício que leve não ao individualismo, mas ao encontro do ser humano consigo mesmo.

O segundo aspecto refere-se ao tempo da urbanidade. E para pensar o tempo da urbanidade, a minha condição de participação neste evento é a melhor ilustração. Eu cheguei agora, correndo; daqui a pouco vou embora, correndo. O problema do tempo nesse mundo urbano da produção, do capital, do trabalho – urbanidade parece relacionar-se com trabalho – é a falta de tempo. É curioso como o tempo da urbanidade tem a ver com a falta de tempo, com o tempo acelerado, com a fragmentação do tempo. Essa aceleração do tempo se dá também no reflexo da convivência e da comunicação fragmentadas. Antes as mensagens era recebidas uma a uma, vindas deste ou daquele meio de comunicação; e o receptor fruía no seu tempo cada uma delas. O que se vê agora é a múltipla difusão de mensagens que, fragmentadas, vão nos encontrando, nos envolvendo. Surge, então, a falta de tempo para conseguir assimilar tanta informação. Às vezes, ficamos estressados por não conseguir dar conta de ler o jornal, ler a revista, consultar a internet, assistir à televisão, falar ao telefone etc., apesar das novas tecnologias apontarem para a simultaneidade de fruição e para o universo da multimídia. O tempo da urbanidade é o da falta de tempo; mas tem, também, outras dimensões. É o tempo que permite registrar, gravar e depois ver, retroceder no tempo. Ele ganha outros contornos com tecnologias que permitem superar a efemeridade da palavra falada, por meio da gravação, da impressão. Permitem ver a cena repetidas vezes, em slow motion ou de forma acelerada.

E, afinal, quais são os limites temporais e espaciais dessa urbanidade? Quais os limites da cidade? A comunicação está presente em nossa escala de valores, em nossa percepção do mundo e da vida. Em especial, dentro do espaço urbano, acaba interferindo enormemente nas nossas compreensões do tempo e do espaço, alterando os limites da cidade. Campo e cidade se aproximam num mundo globalizado, organizado em redes. Até mesmo o problema da migração, da vinda do habitante do campo para a cidade, ganha outros contornos. Pode-se até falar de uma migração inversa, da fuga do cidadão urbano para o campo, em busca de melhor qualidade de vida. Quando eu penso no espaço e nos limites da urbanidade, nesses tempos onde as telecomunicações e as tecnologias da informação estão tão presentes, sou obrigado a pensar em outros limites, em outras cidades, em outro conceito de urbanidade. Até mesmo quem não está vivendo em uma cidade com alguns milhões de habitantes também está num contexto urbano. E é esse contexto que transcende o espaço físico por conta do nosso acesso à informação e de nossa divisão do tempo e do espaço, por conta dessas novas tecnologias.

Entra em jogo até mesmo a questão da localização e da globalização e do que é este universo global. Pode-se pensar também em uma urbanidade virtual,

uma outra dimensão da cidade no tempo e no espaço. Eu não sou antropólogo, mas me atrevo a falar da condição de se pensar nesse mesmo conceito de sentimento de urbanidade, não só no espaço físico, mas também no espaço virtual da informação. Para isso, gostaria de lembrar um compositor brasileiro, Gilberto Gil, que diz assim em uma de suas canções: “Antes o mundo era pequeno, porque a terra era grande. Hoje o mundo é muito grande, porque a terra é pequena. Do tamanho da antena parabólica”. Ele continua: “Mundo dá volta, camará. Volta pro mundo, camará. De jangada, leva uma eternidade. De saveiro, leva uma encarnação. De avião, o tempo de uma saudade. Pela onda luminosa, levo o tempo de um raio. Lembro o tempo que demorava Rosa para aprumar o balaio. Quando sentia que o balaio ia escorregar”.

Certa vez, estava participando de uma reunião em Quito, no Equador, quando, para mim, foi muito marcante assistir aos bombardeios da Guerra do Golfo pela televisão. O drama da guerra em um lugar tão distante, que ali ganhava ares de videogame, chegava até nós ao vivo, simultaneamente. É, a Terra vai ficando pequena. E nosso mundo de entendimento da vida, tão grande. Este mundo, esta virtualidade do urbano, esta mesma condição que é vivida no tempo e no espaço têm uma característica no meio de comunicação neste fim de século. Essas novas situações onde o tempo e espaço tomam uma nova escala, por mais polêmico que possa ser, me fazem obrigatoriamente lembrar de um autor canadense, Marshall McLuhan, que abordava essas novas idéias e tecnologias ao falar dos meios de comunicação. É dele a máxima “o meio é a mensagem” e é ele quem acena para a condição segundo a qual, para a construção, existe uma nova escala de uma relação do ser humano com o tempo e o espaço, por conta dessas novas tecnologias.

Um pensamento de McLuhan mais curioso e que foi mais compartilhado, por conta até mesmo de sua fragilidade e ingenuidade, é o conceito da aldeia global. Essa idéia mostra a situação do campo e da cidade, o que é a nossa condição de sermos urbanos, seres urbanos, cidadãos urbanos, cidadãos locais, globais, do campo. Para que possamos refletir sobre a expressão de fé na era da informação, convém pensar nessa nossa condição urbana. E é curioso pensar como muitas das expressões de fé parecem meio desintonizadas, como uma musicalidade urbana. Sempre fui muito apegado a expressões que vinham de outros lugares, de outras planícies, de outras montanhas onde eu não vivia. Fico pensando, olhando, embora Carlos Drummond tenha suas raízes em outros lugares, outras memórias, o fato é que mesmo vivendo no espaço urbano, com freqüência a nossa experiência de fé se dá numa linguagem rural, linguagem do campo. Por conta de saudades que a gente tem de coisas que talvez a gente nem tenha vivido, por conta de esperança e de histórias que vêm de um passado tão remoto que marcam nossa experiência e nossa lembrança. A lembrança da caminhada do povo da Deus, a lembrança daquele tempo.

Mesmo no tempo da urbanidade, muitas vezes temos dificuldade de trabalhar esta expressão de fé numa linguagem urbana. A arte tem a ver com o campo e não tem muito a ver com a cidade? Agora, ao mesmo tempo, ainda considerando a comunicação e a urbanidade, penso na comunicação em duas dimensões: a que mencionei no início, de ser o espaço do diálogo, o espaço do compartilhar, da comunhão, mas também tomada de uma maneira muito pragmática por outras

correntes teóricas, e a dimensão ligada à preocupação de quem está no espaço da Igreja em tentar passar a mensagem. A utilização que a Igreja e a mensagem religiosa fazem hoje dos meios de comunicação, e até mesmo do espaço litúrgico, com freqüência faz um contraponto com o que se dizia há pouco sobre se expressar da maneira do campo, mesmo no espaço urbano. Também estamos marcados pela competitividade e a intenção de transmitir, alcançar e atingir pessoas, que é o conceito funcionalista de comunicação, de pensar em um público-alvo. Qual o seu público-alvo? O que é? O que você vai falar? Quem é que você vai atingir?

Dentro desse enfoque, há um público crescente nos espaços protestantes, evangélico, católico. Há uma utilização intensa, talvez um alvo cômico da mídia, estandarte do nosso tempo, como o padre Marcelo. A quantidade de discos que ele vende, as capas de revistas que faz. Recentemente, ele saiu na capa de uma revista de nome Marketing. Aí está o padre Marcelo no primeiro espaço. Do mesmo modo, outras Igrejas vão tomando conta de emissoras de televisão. Recentemente, quem vive em São Paulo e gosta de música popular brasileira sofreu um baque ao perceber que uma emissora chamada Musical FM, como muitas outras, deixou de existir. Os ouvintes protestaram e disseram a eles que a estação dava mais dinheiro como uma rádio Gospel. A Musical FM era a única rádio de São Paulo que só tocava música brasileira. Tinha grande audiência, mas acabou sendo arrendada, passada para uma igreja. Da noite para o dia, os ouvintes que já tinham aquela programação no seu aparelho de rádio e que foram procurar ouvir um Gilberto Gil, como conversamos agora há pouco, e outros tantos bons compositores, compositoras, cantores e cantoras brasileiros, surpreenderam-se com uma música evangélica.

Creio, então, que temos alguns desafios: qual é a comunicação que nós estamos pensando e como devemos trabalhar? Olhar para o futuro, ter essas referências do passado, pensar na nossa condição de seres humanos urbanos, mas que têm toda uma memória do campo, mesmo não tendo vivido no campo. Uma nostalgia do passado, sonhos do futuro, como é que a gente se encontra nesse espaço e nesse tempo? Gostaria de acrescentar que a Igreja e a expressão de fé eletrônica nem é mais só eletrônica, é uma Igreja virtual, pois a mensagem religiosa é muito presente na internet. Como estamos lidando com isso? Creio que um desafio para os liturgistas é conseguir, ao mesmo tempo, marcar suas referências de passado, do campo e viver a urbanidade, descobrindo como viver uma expressão exótica, mas que consiga dar o seu tempo sem se perder na fragmentação ou na confusão, buscando uma articulação entre a dimensão de memória de passado, podendo estar presente, trabalhando a esperança de futuro, uma linguagem que não seja só a memória, mas também possa apontar para novas relações, novas perspectivas, novas formas de fazer Igreja e se expressar.

PEDRO DE NOVAIS LIMA JUNIOR*

wl wdclkwdlkcnwlkdcn lkwnclkwn clkwdnclkwn clkwdn c wdlcnwlkcnlwkn clkwnclkwn dckl nwlkcn wlkn cwd

This article is from: