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5.3. Arquitetura Biofílica
avaliação é feita de modo constante e automático no nível inconsciente. Já o segundo termo é o priming que se refere à um processo inconsciente no qual “certas ‘pistas’ apresentadas a um indivíduo podem afetar seu comportamento sem que ele tenha nenhuma consciência nem da ‘pista’ apresentada nem da alteração do seu comportamento” (PAIVA e GONÇALVES, 2018, p. 412).
Ambas as colocações demonstram o desafio que é compreender a mente humana e sua interação com o ambiente, pelo fato de que o cérebro funciona na maioria das vezes de modo inconsciente, uma esfera ainda sendo explorado pelos neurocientistas. Enquanto isso, os termos arquitetura biofílica, arquitetura sensorial e psicologia ambiental são alguns dos meios pelos quais a neurociência pode ser aplicada à arquitetura como ferramentas para atingir de modo mais preciso os objetivos do projeto.
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5.3. Arquitetura Biofílica
O termo biofilia, segundo PAIVA e GONÇALVES (2018), ficou conhecido em 1984 com a publicação do livro Biophilia pelo biólogo americano Edward Osborne Wilsom. Porém foi aplicada primeiramente pelo psicólogo Erich Fromm em 1964, conforme STOUHI (2019). A palavra tem origem grega, na qual bios significa vida e philia, amor, afeição, sendo assim biofilia é o amor pela vida ou pelos seres vivos.
O relatório Espaços Humanos: O Impacto Global do Design Biofílico no Ambiente de Trabalho, elaborado pelo professor de psicologia organizacional e saúde, Cary Cooper, e o sócio fundador da empresa de consultoria em sustentabilidade Terrapin Bright Green, Bill Browning, é uma pesquisa sobre as necessidades biofílicas dos seres humanos no local de trabalho que conceitua o design biofílico como:
O design biofílico é uma resposta à necessidade humana de se conectar com a natureza e trabalha para restabelecer este contato no ambiente construído. Fundamentalmente, o design biofílico é a teoria, ciência e prática de criar construções inspiradas na natureza, com o objetivo de continuar a conexão do indivíduo com a natureza nos ambientes em que vivem e trabalham todos os dias. Nos ambientes construídos contemporâneos de hoje, as pessoas estão cada vez mais isoladas da experiência benéfica dos sistemas e processos naturais.
(BROWNING e COOPER, 2015, p. 10)
A arquitetura biofílica é um dos pensamentos contemporâneos do fazer a arquitetura prezando pelo desenvolvimento de espaços onde as pessoas tenham contato com a natureza ou com elementos que remetam a natureza. Desta forma, os profissionais de arquitetura e interiores têm a oportunidade de conceber ambientes humanizados e saudáveis psicologicamente e fisiologicamente ao aplicarem o conceito da biofilia em seus projetos.
Uma questão que foi levantada por RAFAELLI (2020) é sobre as pessoas não conseguirem se afastar da natureza. Essa indagação foi esclarecida pelo fato de que os ancestrais humanos conviviam na natureza e isso tem sido passado entre seus descendentes desde então. Por mais que o ambiente tenha evoluído pela ação humana, cujas alterações se expressaram fortemente com o advento da industrialização e da urbanização, as pessoas não conseguiram evoluir o suficiente nesse curto espaço de tempo para acompanharem essas mudanças tão significativas e profundas ao ponto de se tornarem independentes da natureza, considerando os séculos de convivência da espécie humana com o ambiente natural. Essa afirmação também é reforçada por PAIVA e GONÇALVES (2018):
Nós somos moldados pelo ambiente em que vivemos, tanto social como físico. Mas, além disso, nós trazemos em nossos genes as características moldadas desde os primórdios de nosso desenvolvimento como raça humana. E a raça humana passou a maior parte de sua história tendo que conviver e lidar com a natureza. Originalmente, nós fomos preparados para sobreviver em meio a ela. O fato de quebrarmos essa lógica genética tão bruscamente pode provocar a sensação de não pertencimento, criar estresse e problemas emocionais que se refletem no nosso comportamento, além de atrapalhar nosso funcionamento fisiológico.
(PAIVA e GONÇAVES, 2018, p. 429)
Figura 19: A – Ambiente na natureza (Ninho verde eco residence – trilha do lago em Pardinho – SP); B – Ambiente na urbanização (Avenida Paulista em São Paulo – SP) Fonte: A - www.momentum.com.br; B - www.tripadvisor.com.br
A B
O ser humano necessita estar em contato com a natureza para a promoção do seu bem estar. A fim de ilustrar esse fato, são apresentadas duas imagens, nas quais a figura 19-A apresenta uma trilha em meio a natureza e na figura 19-B mostra a Avenida Paulista em São Paulo, uma das vias mais movimentadas da cidade e que reflete as características da urbanização. Se perguntar as pessoas em qual dos dois lugares elas serão capazes de sentir tranquilidade, relaxamento, sossego, é muito provável que escolherão a imagem 19-A. E se perguntado em qual dos dois lugares essas pessoas gostariam de estar, certamente irão optar pela mesma imagem. Isso porque segundo dados do IBGE para o ano de 2015, a maior parte da população brasileira, 84,72%, vive em áreas urbanas. Sendo assim, as pessoas têm um contato constante com os barulhos da cidade, a circulação de veículos, os altos edifícios que ressaltam a artificialidade deste ambiente junto à pavimentação, o microclima com a temperatura quente, a baixa umidade e a poluição do ar. Todos esses fatores contribuem para o estresse, o cansaço, problemas de saúde e afeta negativamente o estado emocional das pessoas.
Com isso em mente a arquitetura biofílica tem se tornado uma tendência, cujo objetivo é conectar as pessoas com a natureza ao incorporar elementos naturais. Ao pesquisar por ambientes em que foram adotados esse conceito no projeto, é perceptível a predominância de plantas.
A vegetação tem um papel essencial na vida das pessoas. Ela é responsável por refrescar o ambiente ao liberar gotículas de água através da transpiração, contribuindo para o aumento da umidade do ar. Renova a qualidade do ar pela absorção de gás carbônico e liberação de oxigênio. Pode proporcionar sombra dependendo de onde for colocada para amenizar o calor absorvido pela incidência solar nas fachadas, principalmente quando estão direcionadas para o sol poente. Exala aromas que agradam o sistema olfativo, melhoram a pressão arterial e aliviam o estresse. Diminui a poluição do ar ao filtrar partículas sólidas em suspensão. Algumas plantas possuem propriedades que repelem insetos e outras atraem pássaros. Além disso, possuem compostos químicos que melhoram a imunidade, são recursos terapêuticos e podem estimular as células no combate a doenças como o câncer. Isso significa que as plantas são benéficas para a saúde física e mental.
No entanto, a arquitetura biofílica não envolve apenas a inserção de plantas no ambiente, do mesmo modo inserir plantas em um ambiente não significa fazer arquitetura biofílica. É preciso pensar no contexto do ambiente. Os espaços são dotados de formas, volumes, texturas, materiais, cores, iluminação, barulhos, entre outros elementos. Sendo assim, é necessário desenvolver um ambiente coerente com os diversos aspectos que remetam a natureza. As formas orgânicas, sinuosas, fluídas. O uso de madeiras, pedras, tecidos como de linho e algodão, que são elementos naturais, atribuídos tanto ao mobiliário, quanto aos revestimentos. A proposta de aberturas nas fachadas para permitir a luz natural entrar. O uso de cores claras e que expressem a natureza, como o verde e o azul. Efeitos sonoros também podem ser colocados no ambiente para transmitir barulhos da natureza como do movimento das águas, de pássaros cantando, do vento balançando o galho das árvores. O uso de uma fonte artificial ou espelho d’água com gêiser também pode promover essa sensação de movimento das águas que se assemelha à natureza. Enfim, há inúmeras escolhas projetuais que possam promover uma arquitetura biofílica nos ambientes e melhorar o bem estar e a qualidade de vida das pessoas.
A arquitetura biofílica também contribui com o meio ambiente e a sociedade. A sua aplicação beneficia a sustentabilidade através do uso de materiais naturais e colabora com a eficiência energética dos edifícios ao utilizarem a iluminação natural e menos equipamentos para amenizar a temperatura, como o ar condicionado, ventiladores, climatizadores, o que reduz o consumo de energia elétrica.
BROWNING e COOPER (2015), apresentam no estudo global entre os entrevistados que 47% trabalham em locais sem iluminação natural e 58% afirmam não haver plantas ou flores no local de trabalho. Quando questionados sobre os elementos mais desejados no ambiente de trabalho, os cinco elementos que mais se destacaram foram: luz natural (44%), plantas (20%), ambiente de trabalho silencioso (19%), vista para o mar (17%) e cores vibrantes (15%). Isso evidencia que iluminação solar, plantas e paisagem natural, ou seja, aspectos típicos da natureza, são muito desejados no espaço de trabalho, assim como o silêncio, pois o ambiente natural apresenta um baixo nível sonoro se comparado ao urbano e é requerível, pois como visto antes, o ruído constante ainda mais em um ambiente de trabalho pode afetar negativamente as pessoas.
Empresas como a Google e a Apple relatam um aumento na produtividade e retenção de funcionários ao adotarem o design biofílico. Além disso, essa tendência melhora a criatividade, a felicidade, o entusiasmo, a motivação, a inspiração e provoca outras emoções positivas, de acordo com o relatório de BROWNING e COOPER (2015). A afirmação de STOUHI (2019) expõe os impactos negativos que as horas de trabalho provocam no corpo humano, enfatizando que os ambientes biofílicos melhoram o resultado no trabalho:
Uma pessoa passa uma média de 8 a 9 horas por dia sentada dentro de um escritório, um hábito que afeta diretamente o corpo humano. Os impactos negativos incluem: taxas reduzidas de metabolismo, aumento do risco de diabetes e doenças cardíacas, aumento do risco de depressão, dores nas costas e no pescoço. Recentemente, os arquitetos integraram projetos biofílicos em alguns escritórios modernos, resultando em um aumento de produtividade e criatividade e em uma diminuição na ausência de seus funcionários. Em outras palavras, quanto menos parecer um escritório, melhores serão os resultados do trabalho realizado em um espaço.
(STOUHI, 2019)
Um exemplo de aplicação da arquitetura biofílica no meio corporativo é a empresa de arquitetura, engenharia e design IT'S Informov que aplicou o conceito em um dos andares da própria sede. A figura 20 mostra alguns espaços de trabalho e circulação da empresa, evidenciando como o emprego de elementos naturais despertou uma ambiência mais agradável para se trabalhar. Conforme entrevista realizada pela High Design Expo, o CEO da IT’S Informov, Marcelo Breda afirma que:
Aplicamos o conceito em nossa própria sede, em um dos andares, onde estão departamentos como o Financeiro e o RH. O local tem estações completas de trabalho, área de convivência e salas de reunião. Inclui não apenas o verde, mas também paisagismo natural, espécies secas, elementos alusivos à natureza, projeto luminotécnico diferenciado, música ambiente, texturas variadas e aroma suave por conta da utilização da madeira.
(BREDA, 2020)
Marcelo Breda ainda informa que o uso de elementos artificiais que remetam a natureza é outro aspecto que pode ser levado em consideração ao propor a arquitetura biofílica para o projeto. Podendo ser incluído no espaço quadros, painéis, tapetes, pisos e outros revestimentos que mimetizem a natureza. Os efeitos positivos que as imagens da natureza promovem no cérebro das pessoas é confirmado por estudos da neurociência e agrega resultados à neuroarquitetura, como afirmado por PAIVA e GONÇALVES (2018):