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2.3. O cérebro: do imaginário às abordagens científicas
esquerdo do corpo. Ele se conecta com o cérebro e a medula espinhal para receber e transmitir informações entre eles.
O tronco encefálico é constituído pelo mesencéfalo, ponte e bulbo. Sua estrutura é responsável pela transmissão de informações do cérebro para a medula espinhal e cerebelo, e pela retransmissão de informações desses últimos ao cérebro. Além disso, é uma região que regula as funções vitais do organismo como respiração, batimento cardíaco, pressão arterial, consciência, controle da temperatura corporal, entre outras. Por isso, é considerado pelos neurocientistas como a parte do encéfalo mais importante para a manutenção da vida.
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Já a medula espinhal é a porção alongada que está conectada ao tronco encefálico e faz a intermediação entre o SNC e o SNP, comunicando-se com o corpo através dos nervos espinhais. Por conduzir informações de diversas partes do corpo através de impulsos nervosos, ela é considerada “o maior condutor de informação da pele, das articulações e dos músculos ao cérebro, e vice-versa” (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 183).
2.3. O cérebro: do imaginário às abordagens científicas
Ao longo da história da medicina, psiquiatras, neurologistas, neurocientistas e outros pesquisadores vem realizando estudos para decifrar a complexidade do cérebro. Os filósofos paralelamente se aventuraram nas tentativas de descobrir o funcionamento da mente e do corpo humano. O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) como mencionado por BEAR, CONNORS e PARADISO (2017, p. 5) acreditava que o coração era o centro do intelecto humano enquanto o encéfalo era um radiador que tinha a função de resfriar o sangue superaquecido pelo coração, e essa capacidade de resfriamento é que determinava o temperamento das pessoas. Herculano-Houzel apud Lent (2010, p. 252) descreve que:
[...] para ele o coração era o trono dos sentidos, as áreas do corpo ricas em sangue seriam mais sensíveis às impressões emanadas dos objetos. Com impressões demais, ou sensibilidade excessiva – por exemplo, se as paredes do coração fossem elásticas demais –, as impressões poderiam causar dor.
(Herculano-Houzel apud LENT, 2010, p.252)
Hipócrates (460-379 a.C.) já expressava um pensamento avançado à época. Para ele é no cérebro que reside o pensar e todas as emoções humanas.
O homem deve saber que de nenhum outro lugar, mas apenas do encéfalo, vem a alegria, o prazer, o riso e a diversão, o pesar e o luto, o desalento e a lamentação. E por meio dele, de uma maneira especial, nós adquirimos sabedoria e conhecimento, enxergamos e ouvimos, sabemos o que é justo e injusto, o que é bom e o que é ruim, o que é doce e o que é insípido... E pelo mesmo órgão nos tornamos loucos e delirantes, e medos e terrores nos assombram... Todas essas coisas nós temos de suportar quando o encéfalo não está sadio... Nesse sentido, opino que é o encéfalo quem exerce o maior poder no homem. (HIPÓCRATES apud BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 5)
Dada a época, cujos recursos para análise minuciosa das estruturas cerebrais eram inexistentes, o entendimento sobre o sistema nervoso era incipiente e as noções de anatomia e fisiologia se restringiam ao conhecimento de que “o cérebro é formado por duas metades separadas por uma membrana e que faz continuidade com a medula espinhal” (REZENDE, 2009, p. 62).
O filósofo Platão (429 - 348 a.C.) apresentava uma visão na qual estabelecia uma relação entre o corpo e a alma, apontando três faculdades da mente que são: os espíritos animais, originados no cérebro, órgão considerado a parte mais divina e controladora de todo o corpo; os espíritos vitais, originados no coração que seria a sede da coragem e dos sentimentos; e os espíritos naturais, originados no fígado, onde estaria a sede dos desejos. É notável que Platão já expressava uma preocupação em localizar as regiões responsáveis pelas diferentes funções mentais do ser humano.
Ao sugerir a existência de uma alma tripartida, Platão aponta regiões distintas para diferentes características do sujeito: o intelecto, no cérebro; as emoções, no coração; e os desejos mais básicos (como sexuais e/ou nutritivos), no fígado. Assim como os frenologistas do século XIX e, em certo nível, como os atuais neurocientistas, Platão procura associar distintas funções mentais com diferentes estruturas corporais. (CASTRO e LANDEIRA-FERNANDEZ, 2011)
Anos depois, surge uma visão, contrariando a ideia de Hipócrates, quando o filósofo Descartes (1596-1650) propôs um método de estudo conhecido como dualismo cartesiano, no qual o corpo é separado da mente e que sem ela o corpo não é capaz de pensar. Para ele o pensamento era dissociado da experiência dos sentidos, e essa experiência ocorria no corpo por um processo envolvendo espíritos
animais que segundo sua concepção seriam substâncias que fluíam no sangue, conduzindo os estímulos recebidos até a glândula pineal, tida como o local de atividade da alma, e de lá retornariam, ocasionando movimentos involuntários.
Descartes imaginava que filamentos existentes nos nervos (que seriam tubos) poderiam operar como válvulas, abrindo poros que deixariam fluir os espíritos animais. Uma estimulação na pele, por exemplo, agiria sobre esses filamentos, provocando uma contração como resposta reflexa. Do cérebro os espíritos animais viajariam através dos nervos até os músculos, que seriam inflados, provocando o movimento. Esse seria o mecanismo para os atos involuntários. As estimulações periféricas teriam o poder de abrir poros existentes no interior do cérebro e os espíritos seriam conduzidos daí até a glândula pineal, na superfície da qual haveria um completo mapa sensorial e motor. A vontade estaria sob o controle da pineal, que poderia regular o fluxo dos espíritos animais para os diferentes nervos.
(COSENZA, 2002)
No entanto, o erro de Descartes, abordado no livro homônimo escrito pelo médico neurologista António Damásio em 1996, foi a separação entre a razão e as emoções. Através da análise de casos clínicos, ele percebeu que as emoções se refletem no comportamento humano e que em determinadas situações as escolhas das respostas comportamentais envolvem o uso da razão.
Claramente nunca desejei contrapor a emoção à razão; pretendi, isso sim, ver a emoção como, no mínimo, uma auxiliar da razão e, na melhor das hipóteses, mantendo um diálogo com ela. Tampouco opus a emoção à cognição, pois a meu ver a emoção transmite informações cognitivas, diretamente e por intermédio dos sentimentos.
(DAMÁSIO, 1996)
No ano de 1970, o neuroanatomista Paul MacLean elaborou a Teoria do Cérebro Trino que foi apresentada mais tarde em 1990. Esta teoria aborda o cérebro dos seres humanos como uma evolução de outras classes de animais, corroborando com a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin. Neste sentido, o cérebro dos seres humanos é considerado um cérebro dos répteis que se desenvolveu e a ele foram adicionadas camadas. Assim, o cérebro triuno é dividido em três partes: cérebro reptiliano que é a consciência irracional humana, sistema semelhante aos dos répteis, cérebro límbico responsável pela consciência emocional e o neocórtex, onde está situada a consciência racional, diferenciando os seres humanos de outras espécies animais, conforme mostra a figura 4. Essa abordagem serviu de base para autores como Andréa de Paiva e Robson Gonçalves que menciona o sistema límbico, o sistema reptiliano e o neocórtex para se referir as regiões do cérebro de acordo com
suas funções específicas, bem como os neurologistas, com exceção do sistema reptiliano.
Figura 4: Cérebro Triuno. Fonte: https://revistagalileu.globo.com
A Teoria do Cérebro Trino, no entanto, é criticada pela neurocientista brasileira Suzana Herculano-Houzel no livro de sua autoria intitulado A Vantagem Humana: Como nosso cérebro se tornou superpoderoso. A neurocientista refuta essa teoria, sendo vista como fantasiosa e incorreta, pois o neocórtex não é uma camada recente nos mamíferos que surgiu se sobrepondo a camadas mais antigas como as dos répteis. Segundo Houzel, descobertas mais recentes mostram que mamíferos não possuem um cérebro evoluído de estruturas primárias que surgiram anteriormente em répteis e até mesmo em aves porque este cérebro é tão antigo quanto o de outros animais e que ele foi evoluindo separadamente ao de outras espécies.
Acontece que o cérebro trino é apenas uma fantasia. As descobertas cada vez mais numerosas de fósseis de sauropsídeos (o nome apropriado dos dinossauros), alguns deles emplumados, deixaram claro que os lagartos, crocodilos e aves modernos são parentes próximos, todos agora considerados répteis (inclusive as aves), ao passo que os mamíferos modernos evoluíram separadamente, e muito antes, a partir de um grupo irmão nos princípios da vida amniótica. Portanto, os mamíferos nunca foram répteis ou aves em um passado evolutivo; o cérebro dos mamíferos é no mínimo tão antigo quanto o das aves e de outros répteis, ou talvez até mais antigo — ele apenas tem um histórico evolutivo diferente. (HERCULANO-HOUZEL, 2017)
As discussões aqui levantadas e tratadas brevemente são algumas das teorias que ao longo do tempo buscaram compreender o funcionamento do cérebro e evidencia a complexidade desse órgão e seus sistemas, sendo constantemente estudados por haverem questões que permanecem como uma incógnita para a
neurociência, determinada em avançar na descoberta de informações que irão beneficiar a espécie humana em diversos âmbitos.
No entanto, a longa trajetória já realizada de esforços, observações, análises e constatações sobre o cérebro para estabelecer os fatos, possibilitou compreender as habilidades mentais humanas que serão apresentadas a seguir.
3. ESTRUTURAS E FUNÇÕES CEREBRAIS BÁSICAS
Os neurocientistas modernos tem aprofundado seus estudos no descobrimento das estruturas, funções cerebrais e a correlação entre estruturas na formação de sistemas mais complexos da mente. Os livros de neurociência tratam de uma série de estruturas e subestruturas, suas anatomias, conexões com outras estruturas, localização, sistema ao qual fazem parte, funções, reações químicas e outras informações relevantes para o estudo da mente humana. No entanto, este tópico da pesquisa se limitará apenas à algumas regiões, estruturas e funções cerebrais, consideradas importantes para um breve entendimento sobre a organização e o funcionamento do cérebro, principalmente no que se refere a percepção, a emoção, aos estímulos sensoriais e a memória.
As regiões do cérebro
O cérebro é divido além dos hemisférios direito e esquerdo. Um importante avanço da neuroanatomia, que estuda as estruturas do sistema nervoso, foi a identificação de depressões na superfície do cérebro, identificadas como sulcos e fissuras, e elevações que são denominadas giros, o que permitiu a divisão do cérebro em lobos, gerando especulações a respeito de que funções diferentes poderiam estar localizadas em cada uma dessas divisões, conforme afirma BEAR, CONNORS e PARADISO (2017). Desta forma, o cérebro possui quatro lobos que por convenção foram denominados de acordo com o osso do crânio localizado acima deles, sendo: lobo frontal, lobo occipital, lobo parietal e lobo temporal, como mostra a figura 3.
O lobo frontal, localizado na parte anterior do cérebro, abrange as principais áreas de controle motor, estando relacionada com as ações e movimentos conscientes, a capacidade de concentração, aprendizagem e memorização, as
expressões faciais e a capacidade de produzir a fala. Ele envolve o córtex pré-frontal e motor.
O lobo occipital, localizado na parte posterior do cérebro, está associado à visão, a percepção de movimento e velocidade. Ele envolve o córtex visual primário e o córtex visual de associação.
O lobo parietal, localizado na parte superior do cérebro, é responsável por armazenar memórias espaciais, permitir o reconhecimento espacial e o sentido de orientação, contribuir para o direcionamento dos movimentos dos olhos, interpretar informações sensoriais captadas pelo corpo, perceber formas, cores, texturas e pesos de objetos e do espaço, influenciar a compreensão da linguagem e fala. Ele envolve o córtex somatossensitivo primário.
O lobo temporal, localizado na parte inferior do cérebro, possui envolvimento com os processos de aprendizagem tátil, participam da consolidação da memória e processamento da emoção, se articula a linguagem, responde aos estímulos auditivos e olfativos. Ele envolve o córtex auditivo primário e o córtex auditivo secundário.
As funções determinadas para cada lobo foram atreladas de acordo com lesões ocasionadas no cérebro que impossibilitaram indivíduos de realizarem determinada atividade e, posteriormente por tecnologias que permitem visualizar a atividade cerebral, como será visto mais adiante. Embora, há atividades que sejam específicas de cada região, precisa haver a coordenação entre as regiões para o processamento das atividades que são executadas pelo corpo.
Além dos lobos, existe a ínsula que vem do latim e significa “ilha”. Essa região delimita e separa os lobos frontal e temporal. Ela só pode ser visualizada ao separar os lobos, pois sua estrutura está localizada nas profundezas da fissura lateral que há entre esses lobos. Ela envolve o córtex gustatório, responsável pelo sentido do paladar, pois veicula informações que produzem a percepção dos sabores, participa da regulação de vísceras e órgãos como os que fazem parte do sistema digestivo e respiratório, além de estar relacionada com a emoção.
O sistema límbico, por sua vez, está especificamente associado às emoções, a aprendizagem e a memória, sendo formado por um grupo de estruturas do lobo límbico junto ao Circuito de Papez, que consiste em um conjunto de estruturas interligadas que influenciam na expressão e experiência da emoção.
O sistema límbico possui duas estruturas que precisam ser destacadas aqui, a amígdala e o hipocampo. Ambas foram abordadas brevemente na palestra Crie experiências de saúde e bem-estar da neurociência aliadas as estratégias do design biofílico, promovida pela consultora Talita Alves, a arquiteta e urbanista Bia Rafaelli e a professora doutora em ciências Fernanda Armani, no ano de 2020, na qual Armani considera a amígdala como o botão de disparo de emoções no cérebro e o hipocampo como estando relacionado à memória.
A amígdala, derivada da palavra grega, cujo significado é “amêndoa”, devido ao seu formato. É um componente importante para regular os estados emocionais. Ela está situada no interior do lobo temporal (figura 5). A informação proveniente de todos os sistemas sensoriais é processada por essa estrutura. Ela é capaz de fazer o reconhecimento de expressões emocionais e emitir respostas emocionais. Ela está mais intimamente relacionada ao medo, à agressividade e aos transtornos de ansiedade.
O hipocampo, termo que vem do grego e significa “cavalo marinho”, está também localizado no lobo temporal. Essa estrutura é fundamental para a capacidade de formar memórias de longo prazo, na qual a informação é armazenada por modificações de sinapses ocorridas pela interação entre os neurônios, fenômeno denominado de plasticidade sináptica. Além disso, ele desempenha um importante papel no aprendizado, na localização espacial e na navegação pelo ambiente. O hipocampo integra as áreas denominadas rede neural em modo padrão que apresentam maior atividade durante o estado de repouso do corpo do que quando são realizadas tarefas comportamentais.
Durante os períodos de estresse crônicos, há a liberação de altos níveis de cortisol que podem retrair as ramificações de neurônios, levando os a morte, o resultado disso é a degeneração do hipocampo e o estabelecimento de um círculo contínuo de liberação de cortisol e danos mais pronunciados no hipocampo, prejudicando o seu funcionamento.
Figura 5: Localização da amígdala e do hipocampo no cérebro. Fonte: BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 631.
A relação entre emoção e memória é tão estreita que experimentos realizados confirmam que quanto maior a emoção ou mais completa for a experiência sensorial, mais essa emoção evoca o hipocampo e solidifica na memória o que foi experienciado, ou seja, as memórias na maioria das vezes envolvem aspectos multissensoriais. De acordo com PAIVA (2018):
Os córtices
Nosso cérebro cria sua própria opinião sobre o mundo de acordo com o que ele interpreta sobre as informações trazidas pelos sentidos. E quanto mais multissensorial for o ambiente em que estamos e a informação que recebemos, melhor nossa identificação dos estímulos, nosso aprendizado, cognição e reação muscular. A retenção de informação e nossa criatividade chegam a ter um desempenho 50% a 75% melhor em um ambiente multissensorial.
(PAIVA e GONÇAVES, 2018, p. 405)
Os córtices já mencionados vêm do latim, na qual a palavra córtex significa “casca” . Eles são “qualquer agrupamento neuronal formando uma fina camada, geralmente localizado na superfície encefálica” (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 192). Esse agrupamento neuronal é denominado pelo termo genérico substância cinzenta. De acordo com Lent (2010), os córtices representam as funções neurais e psíquicas mais complexas. Além disso, são fundamentais para a percepção sensorial consciente do mundo exterior e o controle dos movimentos voluntários, pois:
O neocórtex
O neocórtex é a denominação atribuída à todas as áreas mais desenvolvidas do córtex. Se constitui por uma lâmina de tecidos que recobre os lobos frontais e pré-frontais, existindo apenas nos mamíferos, porém o processamento de informações é mais rápido no ser humano que em outros animais com o mesmo nível de complexidade. Ele envolve o controle dos movimentos e sabe com exatidão a localização do corpo no espaço. Está relacionado à outras estruturas, compondo um sistema que possibilita o armazenamento de memórias. Ele é responsável pelo envio de informações altamente processadas para a amígdala e o hipocampo. Além disso, recebe a informação sensorial proveniente de receptores periféricos que é processada ao longo de vias distintas, sendo assim, a sua estrutura está conectada a emoção e ao sistema límbico.
Os neurônios e a glia
Os neurônios são as principais células do sistema nervoso, pois são eles que realizam o processamento de informações, sentem as mudanças no ambiente, comunicam essas mudanças a outros neurônios através de transmissões sinápticas, constituídas por sinais elétricos, e comandam as respostas corporais a essas sensações, conforme explicação de BEAR, CONNORS e PARADISO (2017).
Os neurônios são formados pelo corpo celular que é o centro metabólico de suas atividades, de onde irradiam os dendritos e os axônios. Os dendritos são
“Todos os sistemas do encéfalo responsáveis pelo processamento das sensações, das percepções, pela geração do movimento voluntário, pelo aprendizado, pela linguagem e pela cognição convergem para este notável órgão. ”
(BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 208)
prolongamentos que funcionam como antenas para captação dos sinais sinápticos de outros neurônios, enquanto que os axônios são prolongamentos mais extensos que levam as mensagens dos neurônios, transmitidas por impulsos elétricos para regiões mais distantes, de acordo com Lent (2010). Por conduzirem a mensagem por uma distância maior, os axônios possuem a bainha de mielina para acelerar a propagação dos impulsos nervosos por todo o seu comprimento. (Ver figura 6)
Já a glia ou gliócitos, derivada da palavra grega cujo significado é “cola” , contribui com as funções neurais ao sustentar, nutrir e isolar os neurônios, oferecendo o suporte que os neurônios necessitam para processar as informações.
Figura 6: Componentes básicos do neurônio Fonte: Google Imagens, 2020.
O mapeamento cerebral
O anatomista austríaco Franz Gall (1758-1828), provavelmente foi o primeiro a propor a localização cerebral das funções mentais. Segundo Lent (2010, p.26), “Gall acreditava que o cérebro é uma máquina sofisticada que produz comportamento, pensamento e emoção”. Seu estudo envolvia dividir a mente em 27 faculdades consideradas afetivas e intelectuais.
A figura 7 apresenta dois mapeamentos das funções cerebrais em áreas distintas do órgão. O mapeamento A representa a demarcação das funções cerebrais,
como as propostas por Gall, seguindo a doutrina da pseudociência denominada frenologia, na qual as saliências e sulcos na superfície do crânio eram determinantes para o desenvolvimento dos traços de personalidade e caráter de uma pessoa, e quanto mais desenvolvido fosse esse traço, maior seria essa área em comparação à outras. Essa iniciativa ficou conhecida como Teoria de Gall e está descrita por Éric Kandel et al (2014), no livro Princípios de Neurociências.
Figura 7: A – Localização das funções cerebrais em locais imaginários e B – Localização das funções cerebrais com base em experimentos com animais e estudo em seres humanos. Fonte: LENT, 2010, p. 29
O trabalho realizado por Gall foi considerado infundado por não envolver procedimentos científicos embasados na investigação de fatos e não haver evidências comprovadas de que tais regiões correspondiam as funções estabelecidas por ele.
No decorrer do tempo, a metodologia para o mapeamento cerebral passou a determinar as funções cerebrais de acordo com as lesões ocasionadas no cérebro, partindo do princípio de que se uma lesão provocasse o déficit funcional de alguma atividade no corpo, então o local dessa lesão era designado para a função que foi perdida. Porém, essa lógica desconsiderava que o cérebro poderia se reorganizar de modo que outras regiões participassem da função ausente pela lesão, como uma pessoa que perde a visão e tem outros sentidos mais pronunciados como o tato e a audição. Desta forma, “o déficit final poderia não refletir exatamente a pura falta da região lesada, mas sim o resultado da reorganização funcional do sistema. ” (Lent, 2010, p.27)
No entanto, o impasse com o método tradicional de mapeamento cerebral foi resolvido com o advento de duas técnicas de imagem funcional do sistema nervoso até então difundidas, que foram denominadas de Ressonância Magnética Funcional (IRMf) e Tomografia por Emissão de Pósitrons (TEP), as quais consistem na interpretação da atividade dos neurônios através de imagens do fluxo sanguíneo cerebral ou metabolismo neuronal. Os experimentos são realizados em indivíduos saudáveis e as imagens mostram diferentes alterações no momento em que determinada função é provocada. Como pode ser observado nas figuras 8 e 9, as cores mais acentuadas de tonalidade quente, representam as áreas mais ativas no cérebro e, do contrário, as áreas mais claras são menos ativadas, o que possibilita identificar as regiões que influenciam nas diversas funções mentais, neste caso relacionadas às emoções (figura 8) e a alguma atividade específica (figura 9).
Figura 8: Ressonância Magnética Funcional (IRMf) Fonte: BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 627
Figura 9: Tomografia por Emissão de Pósitrons (TEP) Fonte: KANDEL, 2014, p. 13
4. A CONSCIÊNCIA, A EMOÇÃO E OS SENTIDOS
A consciência permanece ainda como um grande mistério para neurocientistas. Segundo PAIVA (2020), o cérebro absorve menos de 1% da informação sobre o ambiente na percepção consciente, sendo que o restante é processado abaixo do nível da consciência, ou seja, a mente humana percebe o ambiente majoritariamente de maneira inconsciente. O que está relacionado ao fato de que a percepção entre os sentidos do organismo e o meio ocorre pela intervenção dos receptores sensoriais que captam a informação e a transformam em impulso nervoso, para ser conduzida até o cérebro que consegue decifrar mais do que os cinco sentidos clássicos do organismo, como afirmado por Lent (2010):
A percepção começa quando uma forma qualquer de energia incide sobre as interfaces situadas entre o corpo e o ambiente, sejam elas externas (na superfície corporal) ou internas (nas vísceras). Nessas interfaces localizam-se células especiais capazes de traduzir a linguagem do ambiente para a linguagem do sistema nervoso: os receptores sensoriais. São eles que definem o que comumente chamamos sentidos: visão, audição, sensibilidade corporal, olfação e gustação. Mas nosso cérebro é capaz de sentir muito mais - consciente e inconscientemente do que esses cinco sentidos clássicos permitem supor. (LENT, 2010, p.184)
As emoções
As emoções podem ser entendidas como o desencadear de processos orgânicos envolvendo o sistema nervoso, após o ser humano ser envolvido por algum sentimento, acontecimento ou estímulo. Ao pensar sobre o significado da emoção, PURVES (2010) descreve que:
A palavra “emoção” cobre ampla gama de estados que apresentam em comum a associação de respostas motoras viscerais, comportamento somático e poderosas sensações subjetivas. As respostas motoras viscerais são mediadas pelo sistema nervoso motor visceral, o qual, por sua vez, é regulado por sinais originários de muitas outras partes do encéfalo. (PURVES et al, 2010, p. 758)
Suas afirmações corroboram com DAMÁSIO (1996), quando tratam das emoções no sentido de provocarem alterações no estado do corpo como resposta de um processamento ocorrido na mente:
Vejo a essência da emoção como a coleção de mudanças no estado do corpo que são induzidas numa infinidade de órgãos por meio das terminações das células nervosas sob o controle de um sistema cerebral dedicado, o qual responde ao conteúdo dos pensamentos relativos a uma determinada entidade ou
acontecimento. Muitas das alterações do estado do corpo — na cor da pele, postura corporal e expressão facial, por exemplo — são efetivamente perceptíveis para um observador externo. (DAMÁSIO, 1996)
As neurociências afetivas são incumbidas de investigar as bases neurais da emoção e do humor através da observação de comportamentos, registros fisiológicos e estudos de lesões e doenças. No entanto, ao longo do tempo têm surgido diversas teorias sugerindo como ocorrem as emoções. A fim de se obter constatações científicas, experimentos são realizados na tentativa de entender o funcionamento desse fenômeno, definir as estruturas envolvidas no processamento da emoção e sua correlação com outros sistemas do organismo.
Verifica-se uma dificuldade de correlacionar o estado fisiológico do organismo com a experiência emocional, pois uma emoção pode desencadear uma série de mudanças no organismo comuns a outras emoções, o que revela a complexidade da realização dos estudos, porém as pessoas conseguem ter consciência das alterações que ocorrem no organismo quando sentem uma emoção, o que contribui com o processo investigatório.
Mesmo com a incerteza científica a respeito das emoções, algo deve ser esclarecido sobre a mente humana. O hemisfério esquerdo do cérebro que está associado a razão não deve ser desassociado do hemisfério direito que corresponde à emoção, pois há setores em ambos os hemisférios que interagem entre si, por exemplo, na tomada de decisão, e essa articulação entre as várias regiões do encéfalo envolvem tanto o sistema da razão e quanto o da emoção de forma consciente ou inconscientemente.
Os sentidos
Os sentidos integram o denominado sistema sensorial que se refere a todos os componentes no sistema nervoso que estão envolvidos com as sensações. Os
Neuropsicólogos, neurólogos e psiquiatras estão começando apenas agora a apreciar o importante papel do processamento emocional em outras funções complexas do encéfalo, como o processo de tomada de decisão e o comportamento social. Muitas outras evidências indicam que os dois hemisférios apresentam diferente especialização na questão de governar a emoção, sendo o hemisfério direito o mais importante nesse aspecto.
(PURVES et al, 2010, p. 758)
órgãos sensoriais são responsáveis por captarem os estímulos, transmitirem para o cérebro que irá processar as informações e enviar respostas comportamentais ou humorais a esses estímulos. Curiosamente, a divisão dos sentidos foi estabelecida por Aristóteles tal qual as pessoas a conhecem até nos dias atuais: visão, audição, olfato, paladar e tato que serão tratados a seguir.
Gustação
Por mais que existem inúmeras substâncias cujos sabores parecem ilimitados, o ser humano consegue distinguir cinco categorias dele: o doce, o salgado, o azedo, o amargo e o umami. Este último tem origem no japonês e significa “delicioso” e é definido pelo gosto saboroso do aminoácido glutamato, conforme explicação de BEAR, CONNORS e PARADISO (2017).
As pessoas são capazes de reconhecer inúmeros sabores, mesmo com a restrição a cinco categorias básicas, porque cada alimento ativa uma combinação de sabores que o distingue entre os demais. Além disso, a percepção sobre os alimentos é auxiliada pelo olfato na detecção do cheiro, através da visão que capta formas e cores dos alimentos e por meio do tato que sente a sua textura e temperatura.
Por mais que seja insana a ideia de detectar os sabores dos ambientes, os seres humanos são capazes de assimilar o aroma exalado pelos objetos que o compõem como, por exemplo, das plantas frutíferas, ervas e temperos. Isso possibilita o reconhecimento gustativo das substâncias dispersas no ar por já haverem experienciado antes o sabor nos alimentos.
Esse fato pode ser explicado cientificamente devido ao organismo dos seres humanos terem a capacidade de identificar as substâncias químicas do ambiente externo, processo denominado transdução1 , e através dos sentidos químicos que possuem quimiorreceptores, células sensíveis a substância química, distribuídas por todas as partes do corpo, captam as substâncias químicas e sinalizam ao cérebro no nível consciente ou inconsciente.
1 “O processo pelo qual um estímulo ambiental causa uma resposta elétrica em uma célula receptora sensorial é chamado de transdução (do latim transducere, que significa “conduzir através”).” (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 271). Esse mecanismo facilita o reconhecimento de inúmeras substâncias químicas disseminadas no ambiente.
Conforme explanado por BEAR, CONNORS e PARADISO (2017), o paladar e o olfato são sistemas separados e diferentes, porém as informações de cada sistema são processadas paralelamente e mescladas no córtex cerebral, o que faz com que os aromas espalhados pelo ambiente sejam detectados pelo olfato e simultaneamente possam aguçar o paladar.
O olfato
As pessoas não detectam o cheiro pelo nariz, mas pelo epitélio olfativo que fica no alto da cavidade nasal, onde se localizam as células receptoras olfatórias, responsáveis por realizarem a transdução quando os estímulos químicos presentes na parcela de ar que passa pelo epitélio, chamados odorantes, chegam até essas células depois de se dissolverem na camada de muco que é produzida pelo próprio epitélio, como explanado por BEAR, CONNORS e PARADISO (2017). É curioso o fato de que apenas cerca de 20% das milhares de substâncias existentes num ambiente são consideradas agradáveis ao olfato das pessoas.
Esse sentido está diretamente relacionado com a memória, pois as células receptoras olfatórias possuem axônios próprios que enviam as informações diretamente para o córtex olfatório que se conecta com o hipocampo, região integrante do sistema límbico, ao contrário dos demais sentidos que passam por outros processos cerebrais antes. Por isso, o cheiro é a percepção sensorial que mais permanece registrada na memória. Esse processo também se comunica com a amígdala e por isso esse estímulo pode fazer as pessoas se emocionarem.
Visão
Gustação e olfato têm uma função similar: detectar substâncias químicas do ambiente. Na verdade, o sistema nervoso pode detectar sabor com o uso dos dois sentidos juntos. Eles têm uma conexão forte e direta com as nossas mais básicas necessidades internas, incluindo sede, fome, emoção, sexo e certas formas de memória. Entretanto, os sistemas de gustação e olfato são separados e diferentes, desde as estruturas e os mecanismos de seus quimiorreceptores até a organização geral de suas conexões centrais e seus efeitos sobre o comportamento. As informações neurais de cada sistema são processadas em paralelo e mescladas posteriormente em níveis superiores no córtex cerebral. (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 266)
A luz consiste em energia eletromagnética emitida na forma de ondas que são sensíveis ao olho humano, pois se enquadram no intervalo do espectro eletromagnético que é visível. Essas ondas estão dispersas no ambiente e se comportam de diferentes maneiras, colidindo com objetos, sendo absorvidas, refletidas, espalhadas ou desviadas por suas superfícies.
O olho é o órgão integrante do sistema visual, mas não é através dele que as pessoas veem o mundo. Ele é especializado em detectar, localizar e analisar a luz por meio de suas estruturas internas. A cavidade deste órgão funciona como uma câmera fotográfica que se ajusta às diferenças de iluminação e focaliza objetos, projetando as imagens nítidas do meio exterior sobre a retina. O olho também é capaz de fazer o escaneamento do ambiente com os movimentos oculares e manter limpa sua superfície por meio das lágrimas e pelo movimento das pálpebras.
A retina, por sua vez, é uma membrana que está localizada posterior ao olho e contém fotorreceptores especializados na conversão do estímulo luminoso em estímulo nervoso, através da fototransdução, mecanismo semelhante ao das células receptoras olfatórias. Em seguida, as informações são encaminhadas para o córtex visual no lobo occipital do cérebro para que possam ser traduzidas como imagem. Essa camada do olho também é responsável pela adaptação às diferenças de intensidade luminosa no ambiente e a detecção das cores.
Já a pupila é o orifício de diâmetro regulável que está envolta pela íris, a pigmentação que atribui cor aos olhos. Essa abertura permite a passagem da luz dispersada no meio externo para a retina de maneira controlada, se dilatando sob o baixo nível de luminosidade e se contraindo sob o alto nível de energia luminosa.
Ao entender esse funcionamento básico da luz que passa pela pupila, chega até a retina que processa a informação e envia ao cérebro para ser convertida em imagem, é importante se ater a questão da iluminação artificial.
As pessoas necessitam da iluminação artificial para realizarem qualquer atividade durante o período noturno ou mesmo no decorrer do dia em ambientes que não possuem claridade o suficiente por meio da iluminação natural. O mercado oferece uma diversidade de lâmpadas, cada qual com suas especificações, como temperatura da cor e fluxo luminoso, para atender às mais variadas necessidades. No
entanto, é preciso se atentar ao definir essa iluminação, pois baixas cargas de luminosidade podem dificultar a execução de tarefas e obscurecer pontos no ambiente que deveriam receber a claridade ou, ao contrário, altas cargas luminosas em um ambiente podem provocar ofuscamento da visão, causar um estado de alerta nas pessoas e sobrecarrega-las. Por isso existe a Norma Brasileira NBR 8991-1 que estabelece critérios para a elaboração de projeto luminotécnico em ambientes de trabalho, considerando que os usuários desses espaços estarão expostos a iluminação artificial por um longo período do dia para a execução de diversas tarefas.
Audição
Os sons são ondas que se propagam no meio físico ao provocar variações audíveis na pressão do ar e que podem ser emitidos por objetos que tenham a capacidade de movimentar as moléculas de ar, como os instrumentos musicais e as cordas vocais.
O ouvido de um ser humano é capaz de captar uma frequência de sons assim como a visão é capaz de identificar um intervalo de ondas eletromagnéticas. A frequência do som, expressa em hetz (Hz), corresponde ao número de trechos de ar comprimido ou rarefeito no ambiente que atravessam o ouvido a cada segundo. Existem ondas de baixa ou alta frequência no intervalo de 20 Hz a 20.000 Hz, que os seres humanos conseguem compreender, conforme explicação de BEAR, CONNORS e PARADISO (2017). Além da frequência, o ouvido também decifra a intensidade do som ou amplitude que corresponde ao volume alto ou baixo que as pessoas conseguem perceber. Desta forma, os sons obtidos através da combinação de ondas sonoras de diferentes frequências e amplitudes, resultam em uma variedade de tons que o ouvido consegue discernir.
Através de um sistema de pequenos componentes mecânicos no ouvido interno, os sons são captados pelos receptores auditivos, encaminhados pelas vias auditivas e transduzidos de energia mecânica sonora para as respostas neurais que são decifradas no córtex auditivo.
As pessoas vivem em um mundo no qual ruídos são emanados de diversas fontes sonoras a todo o momento. O cérebro é capaz de agir de modo seletivo, analisando os sons importantes, enquanto ignora o ruído, porém quando as pessoas
estão expostas a um ambiente barulhento em um período constante de tempo, essa função se exaure e pode causar efeitos desconfortáveis nas pessoas, indo de uma desconcentração e estresse, até danos mais severos.
Tato
O sistema somatossensorial envolve sensores distribuídos por toda a pele, denominados receptores cutâneos, que permitem ao corpo humano sentir as sensações como o calor, o frio, a dor pelo toque, o prurido pela irritação na pele, a temperatura de um ambiente (termorreceptores), a pressão, a textura e a vibração pelo contato (mecanorreceptores), além de identificar as partes do corpo que recebem esses estímulos. Internamente, o organismo possui sensores nos músculos, tendões e articulações que informam sobre suas posições e as deformidades ou estiramentos. Esse sistema é muito abrangente e envolve todas as sensações que não se enquadram nas categorias anteriores, incluindo a posição do corpo e o sistema de equilíbrio, denominado sistema vestibular2 .
A pele é o maior órgão sensorial do ser humano. Ela é dividida em derme, a camada interna, e epiderme, a camada externa. Suas funções são a regulação da temperatura, evitando a evaporação dos fluídos corporais no ambiente seco ao qual as pessoas vivem, a proteção dos tecidos subjacentes e a percepção sensorial através das terminações nervosas sensitivas. De acordo com BEAR, CONNORS e PARADISO (2017), ela fornece o contato mais direto do ser humano com o mundo.
As percepções da pele são captadas pelos receptores cutâneos que transmitem as informações aos nervos sensoriais que as conduzem pelo sistema nervoso periférico através dos impulsos nervosos, fazendo-as alcançarem a região do córtex somatossensorial, local onde ocorrem os níveis mais complexos de processamento cerebral, assim como nas outras regiões corticais que são ativadas pela atividade dos sistemas sensoriais da visão, gustação, paladar e olfato.
Todos os sistemas sensoriais basicamente envolvem a percepção dos sentidos por células receptoras que transduzem essas informações, encaminham pelo
2 Sistema vestibular é um sistema neural responsável por monitorar e regular o equilíbrio do corpo. O processo é internalizado e informa ao sistema nervoso a localização da cabeça e do corpo, bem como estão se movimentando, conforme BEAR, CONNORS e PARADISO (2017).
organismo através de estruturas integrantes de cada sistema, fazendo essas mensagens chegarem até os córtices cerebrais, serem altamente processadas e devolvidas sob a forma como o organismo reage aos diferentes estímulos.
Observa-se que através do ambiente o ser humano é estimulado a experienciar as mais diversas sensações. As pessoas veem as cores, formas, volumes, texturas, luzes e sombras do ambiente a sua volta, escutam os ruídos emitidos por diversas fontes que vêm dele e podem ser reverberados por ele, absorvem seus aromas, tateiam a superfície de objetos que estão contidos nele, sentem a irregularidade do piso pelo contato com os pés, o relevo da parede ao encostar as mãos, a temperatura do lugar sem ao menos precisar tocá-lo, a umidade do ar este que preenche o espaço e se orientam também através dele. De inúmeras maneiras, consciente ou inconscientemente, as pessoas interagem com o ambiente através dos sistemas sensoriais que estão sendo estimulados por ele simultaneamente a todo momento.
Entender esse conteúdo proporcionado pela neurociência é o caminho para que a arquitetura possa oferecer o seu melhor, proporcionando às pessoas uma experiencia sensorial dinâmica, prazerosa e enriquecedora, como será abordada na próxima etapa da pesquisa.
5. NEUROCIÊNCIA APLICADA À ARQUITETURA
Sendo unidades funcionais de informação, os neurônios operam em grandes conjuntos, e não isoladamente. Há uma tendência geral na evolução - embora com exceções - de selecionar animais com cérebros cada vez maiores, dotados de um número de neurônios e gliócitos cada vez maior. Provavelmente isso ocorre porque, sendo dotados de maior número de neurônios e gliócitos, os animais tornam-se capazes de comportamentos mais ricos e mais adaptados aos diferentes ambientes que encontram na Terra.
(LENT, 2010, p.15)
O século XIX foi marcado por uma sociedade que se via no início de uma mudança de crença ao se desprender de dogmas da religião para alcançar conhecimento científico a respeito da existência humana e sua matéria cerebral. Antes disso, imperava a doutrina ventricular iniciada no século 4 d.C. pela Igreja Católica, conforme citado por Lent (2010), que discorre sobre a função mental ser distribuída
em três etapas. Esse pode ser considerado o primeiro indício de tentar compreender o processo de captação das sensações pelo corpo humano e o registro na memória.
Em todas as versões dessa doutrina ao longo dos séculos obedeceu-se a um esquema básico de distribuição das funções mentais em três etapas sucessivas, correspondentes aos três ventrículos. A primeira etapa era a coleta de impressões do ambiente (as sensações); a segunda, o processamento das impressões em imaginação ou pensamento; e a terceira, seu armazenamento na memória.
(LENT, 2010)
A primeira parte da pesquisa relatou que a neurociência teve grandes avanços no decorrer da história na descoberta do funcionamento do cérebro humano. Uma dessas descobertas interessa muito a arquitetura que é a relação do homem com o ambiente e de que forma essa interação o transforma, para assim poder projetar ambientes que promovam o bem estar e a qualidade de vida das pessoas.
Pesquisas constatam que o comportamento humano está estritamente relacionado com o ambiente em que ocupa, ao ponto em que a interação entre o homem e o ambiente é capaz de provocar alterações nas funções cerebrais. Tal fato foi observado analogamente em outras espécies animais por neurocientistas, o que contribuiu para que eles identificassem qual região do encéfalo era responsável por determinada função, através do maior desenvolvimento da região cerebral de uma espécie em comparação com outras espécies.
Muitos traços comportamentais são altamente especializados para o ambiente (ou nicho) que uma espécie ocupa. Por exemplo, macacos que saltam de galho em galho têm um sentido de visão muito apurado, ao passo que ratos andando furtivamente em túneis subterrâneos têm uma visão fraca, mas um tato altamente desenvolvido por meio de suas vibrissas. Essas adaptações se refletem na estrutura e nas funções do encéfalo de cada espécie. (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 12)
Como visto em um momento anterior, os neurônios são capazes de perceber o ambiente, sendo assim o próprio ambiente causa interferência no desenvolvimento humano logo no período neonatal. Isso porque os dendritos dos neurônios possuem saliências membranosas denominadas de espinhos dendríticos responsáveis por realizar a condução dos impulsos nervosos - que continuam amadurecendo após o nascimento do bebê e com isso o ambiente pode provocar mudanças a partir do primeiro contato que o ser humano tem com o mundo. E vale
ressaltar que o estimulo sensorial adequado presente no ambiente ainda no início da infância pode prevenir o aparecimento de doenças e transtornos mentais.
O desenvolvimento sináptico normal, incluindo a maturação dos espinhos dendríticos, depende muito do ambiente durante o período neonatal e o início da infância. Um ambiente empobrecido durante esse “período crítico” do desenvolvimento pode levar a profundas mudanças nos circuitos cerebrais. (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 47)
Steen Eiler Rasmussen, em seu livro intitulado Arquitetura Vivenciada (2015), relata suas observações a respeito das crianças que aprendem ao tocar os objetos, obtendo noção sobre textura, formato, peso, solidez e outras características. Ao absorver tais informações, elas serão capazes de identificar os objetos e seus aspectos físicos sem ao menos precisar tateá-los novamente. Segundo ele, as crianças aprendem institivamente e aumentam suas oportunidades de vivenciar o meio circundante através de uma variedade de experiências. Essa passagem demonstra a importância de a criança experimentar o meio em que vive:
O bebê começa por provar coisas, tocá-las, manuseá-las, engatinhar sobre elas, afim de descobrir de que natureza são, se são amigáveis ou hostis. Mas rapidamente aprende a usar toda a espécie de artifícios e expedientes para evitar as experiências desagradáveis. Logo a criança passa a estar perfeitamente capacitada para o emprego dessas coisas. Ela parece projetar profundamente seus nervos, todos os seus sentidos, nos objetos inanimados.
(RASMUSSEN, 2015, p.14)
Esse fenômeno é abordado por PAIVA e GONÇALVES (2018) ao explicar que cada experiência sensorial é registrada pelo cérebro e em um momento posterior esses registros são acessados de forma a identificar padrões. Sendo assim, a mente humana se baseia em associações acerca do que foi experimentado antes para reconhecer os elementos e julgá-los como agradáveis ou hostis. Esse processo acontece antes mesmo de as pessoas terem consciência do que está acontecendo.
Além disso, o cérebro é capaz de se modificar e moldar algumas estruturas diante de diferentes estímulos os quais o organismo está exposto no ambiente. Este fenômeno é conhecido como plasticidade. “Para armazenar informação, o encéfalo precisa mudar em resposta aos estímulos do ambiente, de modo que faz sentido que muitos circuitos tenham a capacidade de efetuar modificações sinápticas” . (Kauer apud BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 572). Sendo assim, as mudanças no
espaço provocam alterações no cérebro e consequentemente o comportamento das pessoas também se modifica.
Durante o período crítico, que ocorre desde o desenvolvimento pós natal até a adolescência dos seres humanos, o ambiente exerce maior influência sobre a experiência sensorial. Com o amadurecimento das transmissões sinápticas e ao cessar do crescimento dos axônios, ocasionado na fase da puberdade, algumas atividades se tornam mais difíceis de serem aprendidas, como se tornar fluente em um novo idioma, por exemplo. Este acontecimento, no entanto, não significa que não haverá mudanças em outras estruturas cerebrais, mesmo porque o cérebro continua registrando memórias e, portanto, “o ambiente precisa modificar o encéfalo ao longo da vida, senão não haveria uma base para a formação de memórias.” (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 820)
Outro fato revelado pelos neurocientistas é que o ser humano tem a capacidade de produzir neurônios para além da primeira fase de vida. O fenômeno conhecido como neurogênese, que é a geração de novos neurônios, ocorre continuamente por células progenitoras neurais no encéfalo adulto como afirmado por BEAR, CONNORS e PARADISO (2017). Isso indica que ambientes com riqueza de estímulos sensoriais são capazes de aumentar a quantidade de neurônios na região do hipocampo e melhorar o aprendizado e a memória.
De acordo com a professora Andréa de Paiva, coautora do livro Triuno (2018) e palestrante da live disponibilizada pela ABD (Associação Brasileira de Designers de Interiores) sobre o tema neurociência para designers de interiores ministrada em 2020, “os espaço afetam as pessoas enquanto elas os ocupam e após se retirarem de um espaço ainda podem ter influências dele, mesmo que de forma inconsciente” PAIVA (2020). Isso ressalta o quanto os ambientes podem despertar sensações nas pessoas através de estímulos que são percebidos de forma consciente ou inconscientemente.
É perceptível que o cérebro sofre interferência pelo meio externo. Ainda no início da fase de crescimento, o ser humano tem o cérebro significativamente modificado pelo ambiente, o que torna esse órgão produto dos ambientes com os quais o ser humano interage. Após o entendimento acerca da importância do ambiente