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5.4. Arquitetura Sensorial

A

Ao longo da evolução, nossos cérebros foram programados para o convívio com a natureza. Privá-los disso pode causar resultados negativos em seu desempenho. De acordo com vários estudos realizados, enquanto o mundo moderno provoca um cansaço mental, só olhar para uma imagem da natureza leva nossa mente a um maior relaxamento, tendo um efeito de restauração. Depois de ver imagens da natureza, sejam elas reais ou artificiais, a capacidade de focar aumenta e o nível de estresse diminui, a pressão sanguínea baixa e as tensões musculares relaxam consideravelmente. (PAIVA e GONÇAVES, 2018, p. 424)

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B

C D

Figura 20: A – Estação de trabalho; B – Sala de reunião; C – Cabine de trabalho; D – Circulação Fonte: highdesignexpo.com

Sendo assim, já que as pessoas interagem a maior parte do tempo com os ambientes construídos e costumam não passar tempo o suficiente em contato com a natureza, a arquitetura biofílica é o meio de incorporar a natureza nos ambientes construídos para que as pessoas tenham experiências sensoriais e emocionais positivas, bem como o emprego da biofilia em ambientes específicos como os corporativos melhoram o desempenho dos funcionários.

5.4. Arquitetura Sensorial

O tema arquitetura sensorial tem como representante a arquiteta Juliana Duarte Neves que desenvolveu o livro Arquitetura Sensorial: a arte de projetar para

todos os sentidos (2017), cujo objetivo é mostrar como projetar para todos os sentidos e proporcionar uma experiência marcante.

Partindo da indagação de como projetar um ambiente que consiga criar uma conexão emocional com os usuários, propiciando uma experiência única e marcante, NEVES (2017) argumenta que essa experiência positiva é possibilitada ao estimular os sistemas sensoriais.

Foram vistos os cinco sentidos clássicos em um momento anterior da pesquisa determinados por Aristóteles. Enquanto que PAIVA e GONÇALVES, consideram além da visão, audição, olfato, paladar e tato, o sentido do equilíbrio e o wayfinding, que é a capacidade de orientação pelo espaço. Esses dois mecanismos são tratados por BEAR, CONNORS e PARADISO como integrantes do sistema vestibular.

No entanto NEVES (2017), menciona uma reorganização dos cinco sentidos estabelecida pelo psicólogo americano James Jerome Gibson (1904-1979), na qual os agrupa em cinco sistema perceptivos: visual, auditivo, paladar-olfato, háptico e básico de orientação. Para o psicólogo, os estímulos sensoriais podem ser obtidos através da interação do ser humano com o ambiente ou pode ser imposto pelo ambiente às pessoas. Assim, o sentir pode estar relacionado à detecção de estímulos ou a ter uma sensação. Ao contrário do que afirma os neurocientistas, para GIBSON apud PALLASMAA (2011), os sentidos não são meros receptores passivos das informações dispostas no ambiente, eles estão em busca de sentir algo. E quando os sentidos estão sendo usados para captar algo, nesse momento eles estão atrelados ao ambiente que os circunda.

NEVES (2017) afirma que o sentido da visão foi historicamente considerado superior aos outros sentidos e esteve sempre relacionado ao intelecto e à razão. Essa importância atribuída à visão é confirmada pelos neurocientistas ao argumentarem que “mais de um terço do córtex cerebral humano está comprometido com a análise do mundo visual”. (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 294)

Mas como visto antes, a percepção do mundo não acontece somente pelo funcionamento dos sentidos isoladamente, ou somente pela visão, todos os sentidos estão articulados, recebendo uma multiplicidade de estímulos do ambiente e

processando essas informações simultaneamente, como ressaltado pela arquiteta Upali Nanda, apud NEVES (2017):

Nós percebemos o mundo externo através de nossos olhos, nossos ouvidos, nossa pele, nosso nariz e nossas papilas gustativas. E apesar de as emoções, pensamentos, intenções e outros fenômenos cognitivos [...] serem muito mais do que meramente sensoriais, os sentidos permanecem como os canais de comunicação através dos quais interagimos com nossos mundos.

(NANDA, apud NEVES, 2017, p. 44)

O arquiteto Juhani Pallasmaa em seu livro Os olhos da pele: A arquitetura e os sentidos (2011) assim como o arquiteto Peter Zumthor em seu livro Atmosfera: as coisas que me rodeiam (2006) argumentam que a conexão com o espaço físico é atribuída a atmosfera daquele espaço, entendida como “esse clima de efeitos efêmeros que envelopa o habitante, não o edifício. Entrar em um projeto é entrar em uma atmosfera. O que é experienciado é a atmosfera, não o objeto como tal” (arquiteto Mark Wigley, apud NEVES, 2017, p. 24).

Desta forma o conjunto de informações sobre a temperatura, os sons, as cores, formas, texturas, volumes, luzes, sombras, aromas ao qual as pessoas têm contato quando submergem em uma atmosfera, são aspectos que proporcionam uma experiência sensorial que é singular para cada pessoa, por causa de sua experiência de vida individual, sua cultura que é algo enraizado no indivíduo e seu humor que é algo variável de acordo com o momento, como afirmado por NEVES (2017):

As atmosferas proporcionam experiências muito pessoais ao visitante, pois a forma como cada indivíduo passa por determinada situação é influenciada por suas vivências anteriores, seus preconceitos (determinados culturalmente) em relação ao momento experienciado e por seu estado de espírito naquele dia.

(NEVES, 2017, p. 24)

A atmosfera gera aquela percepção que as pessoas têm ao entrarem em um ambiente e sentirem efeitos que as convidem a permanecer no lugar, por causa de uma intimidade e um aconchego que lhes são proporcionados ou, inversamente a isso, faz com que as pessoas queiram se retirar daquele espaço o mais rápido possível. É aquela impressão que fica quando as pessoas se retiram do ambiente e sentem vontade de retornar outro dia ou pensam em nunca mais querer estar naquele lugar. Então, NEVES (2017) propõe o desenvolvimento de espaços que propiciem a

vivência de situações e experiencias significativas por meio da arquitetura de atmosferas.

Os neurocientistas argumentam que quanto mais multissensorial for a experiência humana com o ambiente, no qual este apresente uma riqueza de elementos que estimulem todos os sentidos, melhor será para a mente, pois o cérebro se altera em decorrência disso pelo fenômeno da plasticidade abordada anteriormente, o que significa a melhora da cognição, aprendizado e memória. Isso para a arquitetura se constitui pela maneira como as pessoas se sentirão tocadas, envolvidas e afetadas positivamente por meio de escolhas coerentes para o ambiente.

A interação entre o homem e o ambiente é tão profunda que a afirmação de PALLASMAA (2011) consegue descrever essa experiência ao argumentar que a arquitetura reforça a sensação de pertencer ao mundo, e pode-se considerar que essa é a sensação de estar vivo e ser capaz de experimentar o mundo.

Toda experiência comovente com a arquitetura é multissensorial; as características de espaço, matéria e escala são medidas igualmente por nossos olhos, ouvidos, nariz, pele, língua, esqueleto e músculos. A arquitetura reforça a experiência existencial, nossa sensação de pertencer ao mundo, e essa é essencialmente uma experiência de reforço da identidade pessoal. Em vez da mera visão, ou dos cinco sentidos clássicos, a arquitetura envolve diversas esferas da experiência sensorial que interagem e fundem entre si.

(PALLASMA, 2011, p. 39)

Entendendo que o ser humano necessita dos sentidos para estar conectado emocionalmente com a atmosfera dos espaços, então a arquitetura precisa se atentar para a escolha de elementos que estimulem todos os sentidos, com o propósito de despertar emoções, memórias e sentimentos, agregando significados aos espaços. Como questionado por NEVES (2017): “Se uma atmosfera é constituída por elementos que envolvem todos os sentidos e é nela que reside a conexão emocional entre o visitante e o espaço físico, por que não projetar para todos os sentidos?” (NEVES, 2017, p.33)

Sistema visual

Os ambientes podem estar dotados de pistas sensoriais que influenciem a percepção sobre a sensação térmica de quente e o frio através das cores, pois as pessoas associam a cor azul ao frio e a cor vermelhar ao calor. Isso está relacionado com a experiência humana na interação com a natureza. Ao observar locais onde ocorrem as geadas, como na Antártida, é perceptível que eles apresentam uma tonalidade azulada e remete ao frio, enquanto que uma imagem desértica, como a do deserto do Saara, possui uma tonalidade avermelhada, transmitindo a percepção de calor. Posicionando ambas as imagens uma ao lado da outra essa percepção de quente e frio se torna nítida e contrastante. Os ambientes precisam proporcionar essa coerência sensorial entre o que é visto e a temperatura que é percebida. (Figura 21)

A B

C D

Figura 21: A – Região da Antártida; B – Região do deserto do Saara; C – Ambiente com tonalidades frias; D – Ambiente com tonalidades quentes. Fonte: A - super.abril.com.br; B - gpslifetime.com.br; C - decorstyle.ig.com.br; D milleniumturismo.com.br

Quanto à iluminação, os ambientes recebem a incidência da radiação solar. A posição, formato e tonalidade dos raios solares que são projetados dentro dos ambientes se alteram conforme o período do dia e podem ser propositalmente trabalhados para gerarem um jogo de luz e sombra, claro e escuro. Isso acontece ao usar elementos vazados como cobogós, muxarabis, brises entre outros.

Sistema auditivo

Os ouvidos estão relacionados não somente com a habilidade de ouvir, mas também com a capacidade de direcionamento através dos ruídos, visto que as pessoas movimentam a cabeça em direção ao som que é ouvido, e pela detecção da fonte que está emitindo o ruído, conforme abordado por NEVES (2017). As pessoas estão cercadas pelo barulho a todo momento, principalmente no meio urbano. O som também é uma forma de se conectar com o lugar, pois ao caminhar com um sapato sobre um piso de madeira é esperado ouvir o barulho, uma pessoa ao conversar com a outra observa o movimento da boca e espera ouvir sua voz, um objeto ao cair no chão dependendo do seu peso provoca um ruído, as teclas de um computador sendo pressionadas também emitem um barulho, assim como o telefone ao tocar, a porta a bater, uma orquestra ao realizar um concerto, são inúmeros os sons que as pessoas estão expostas à todo o momento.

Na arquitetura isso pode ser utilizado para beneficiar o convívio com o ambiente, principalmente os sons que remetem a natureza, como o barulho da água ao descer por uma cascata decorativa, o som que é emitido pelas pessoas ao terem contato com os revestimentos do espaço, o tilintar de objetos sendo movimentados pelo vento ou mesmo o efeito sonoro de uma música de fundo.

Sistema paladar-olfato

Esse sistema foi agrupado pelo fato de que um depende do outro ao ser estimulado pelo ambiente. Para sentir o gosto dos alimentos pelas papilas gustativas, antes o cheiro do alimento adentra as cavidades nasais. O paladar é um sentido voluntário, pois depende de levar o alimento à boca, enquanto que o olfato é involuntário, pois as pessoas percebem o cheiro independente da vontade própria de sentir ou não. Assim como o ruído, o cheiro também está disperso por todos os ambientes. O ser humano se preocupa muito com o cheiro que é buscado ao usar perfumes, hidratantes, sabonetes, ao aromatizar um ambiente, ao comprar produtos de limpeza, ao escolher uma planta em uma floricultura.

Os ambientes também exalam cheiros através do revestimento como a madeira, através de plantas ornamentais, dos aromatizantes, e existem até fragrâncias que se tornam a identidade olfativa de uma empresa. O Sistema paladarolfato quando estimulado é capaz de incitar comportamentos, tomada de decisões,

estabelecer uma conexão com o lugar, influenciar associações emocionais e resgatar lembranças.

Um fato ressaltado por NEVES (2017) é que as pessoas após um curto período de contato com o cheiro, elas deixam de percebê-lo, então para conduzir os usuários a diferentes atmosferas pelo olfato é necessário haver nos ambientes uma variação de aromas ou pelo menos de intensidade de um aroma entre os ambientes para que as pessoas não se acostumem com o cheiro e percam a capacidade de senti-lo.

Sistema háptico

O termo háptico tem origem no grego e significa tocar. Esse sistema pode ser percebido de forma ativa ao tocar a superfície de objetos e sentir a sua temperatura, a sua textura e a sua dureza ou maciez, mas também pode ocorrer de forma passiva quando as pessoas adentram um espaço e têm a sensação de que ele está mais frio ou mais quente do que o ambiente ao qual estavam antes. Esse mecanismo ocorre pela troca de calor e manutenção da temperatura corporal. O corpo humano inconscientemente se adapta a temperatura do ambiente, mas há temperaturas desconfortáveis que exigem certo esforço para adaptação, gerando um estresse térmico. Em outros casos a diferença de temperatura é experimentada de forma prazerosa pelas pessoas como em um clube ao sair da piscina e entrar em uma sauna ou vice-versa.

Os castelos medievais como apresentado anteriormente eram construídos com pedra e para minimizar a frieza desse elemento, os ambientes tinham as paredes adornadas com tapeçaria, isolando a pedra fria do ambiente interno e provocando uma sensação quente e aconchegante. De acordo com NEVES (2017) os sistemas visuais, sonoros e olfativos podem induzir a sensações térmicas, como o fato de que ver objetos balançando pode suscitar a presença do vento, ouvir o barulho da água caindo ou do cheiro de plantas sopradas pelo vendo pode estimular uma sensação refrescante.

O uso de revestimentos no ambiente, como mostrado na figura 21, também promove essa sensação de quente e frio, por exemplo, ao pisar com os pés descalços em um piso de madeira, é percebida uma sensação calorosa e ao contrário um piso

de cimento queimado causa uma sensação gélida. Um espaço como a sala de estar de uma casa com sofás, almofadas, tapete e cortina pode parecer mais quente se comparada ao banheiro com cores neutras e materiais duros como o porcelanato branco, a bancada de pedra e as peças hidrossanitárias.

A sensação de umidade no ambiente também é um aspecto percebido pelo sistema háptico. O uso de dispositivos que borrifem gotículas de água no ar em um ambiente interno pode ser válido para amenizar a temperatura quente que é percebida no ambiente externo, e ao fazer isso as pessoas perceberão que estão entrando em uma atmosfera diferente, onde o microclima é mais fresco e agradável.

O sistema háptico também envolve a cinestesia que vem do grego e significa sensibilidade nos movimentos. “A cinestesia envolve três componentes principais: a posição do corpo, o movimento propriamente dito e a sensação dos movimentos percebida pelo corpo” (NEVES, 2017, p. 69). Isso significa que os músculos, as articulações e os tendões junto à visão contribuem para o entendimento do espaço e seus limites, bem como a composição dos materiais, por exemplo, o esforço que é preciso para caminhar em uma rua asfaltada ou uma estrada de terra. Também é possível perceber a que distância estão os objetos, como ao subir os degraus de uma escada, se estes possuem uma altura padrão de espelho, depois de alguns degraus subidos, já não é preciso olhar para a escada, pois o corpo já percebe que se trata de uma altura constante. Ao caminhar sobre um piso de pedra bastante irregular, as pessoas sentem no contato do pé com o piso que a superfície possui relevos e isso faz com que elas caminhem com maior atenção e olhem para onde estão pisando.

Sendo assim, o contato com os objetos informa as pessoas sobre sua temperatura, textura, maciez, dureza, aspereza, suavidade, resistência, fragilidade, podendo transmitir uma sensação de segurança e conforto ou de instabilidade e desequilíbrio.

Sistema básico de orientação

O sistema básico de orientação, apresentado antes como sistema vestibular, denominação atribuída por BEAR, CONNORS e PARADISO (2017), está relacionado ao equilíbrio, ou seja, a postura vertical do corpo humano em relação ao

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