19 minute read

CAP 1: EU SEMPRE QUIS SER MÉDICA

1

EU SEMPRE QUIS SER MÉDICA.

Advertisement

Aos seis anos de idade as coisas começaram a se delimitar em minha cabeça e eu sentia que havia nascido para isso: cuidar de vidas. Eu tinha plena certeza desse fato, porém quando entrei na adolescência, uma fase que a gente sempre acha que entende mais das coisas que os pais, eu pensei em ser bióloga marinha, hoje não consigo me lembrar bem porquê. Quando quis compartilhar essa dúvida com a minha mãe, ela, com sua sensacional capacidade de síntese, me perguntou: “E tu vais mergulhar onde? No Rio Guamá? ”. Com essa simples pergunta, minha opção de descobrir a vida marinha foi para o espaço. Explico: Em Belém, nosso rio é grande, imagine a diversidade que se encontre nele... porém suas águas são barrentas, e não se consegue ter uma visão muito nítida ao mergulhar. Com esse questionamento minha mãe me jogou na realidade. Me chocou e me centrou, mesmo sendo eu ainda uma criança. Claro que eu podia ter feito biologia e ido embora mergulhar onde quisesse, mas o fato era que eu me perguntei verdadeiramente se era isso que eu queria a partir daquela confrontação. Se fosse, eu pagaria o preço. A resposta foi NÃO! Frente às infinitas possibilidades que podemos “ser quando crescer”, senti que aquela frustraçãozinha só me fez bem. Na hora doeu, mas sou muito grata à minha mãe até hoje. Mergulho, por enquanto, só em mim mesma! Estudar nunca foi um sacrifício. A não ser Física e Matemática que nunca entraram na minha cabeça (ainda não desisti), porém nunca fui o tipo de aluna que tirava dez em tudo. Estudar era uma fonte de prazer, uma chave que abria todas as portas. Portas entre mim e o mundo. E como eu queria conhecê-lo por meio do cuidado com os outros, especialmente das crianças e idosos, esse era o mundo que eu visualizava. Me via de branco, passando por velhos corredores de enfermarias lotadas de leitos, cuidando de doentes necessitados, e me enchia de orgulho de mim mesma e assim sonhava... e assim estudava as matérias que eu gostava mais como

Português, Biologia, Química e Literatura. Sempre gostei de ler e frequentava com regularidade nossa pequena biblioteca do colégio. Gostava de ler autores brasileiros como Machado de Assis, Cecília Meireles e Maria José Dupré e dentre os estrangeiros lia Jane Austen, Emily Brontë e Charles Dickens. Dentro das possibilidades a minha mãe sempre nos colocava nas atividades extraclasse, como ginástica rítmica e ballet. Eu e meus irmãos estávamos sempre juntos, seja em casa vendo TV, brincando ou indo para essas atividades. Nos finais de semana íamos tomar um banho de piscina e comer unha de caranguejo no Paysandu, um clube/time da nossa cidade. O tempo passou e entramos na adolescência e como éramos em 4 mulheres na casa, minha mãe, duas irmãs e eu, as brigas pelas roupas e sapatos eram constantes, coisas de adolescentes. O conflito não vinha de comparações entre o que cada uma tinha, e sim da ousadia de usar mesmo sem a liberação da dona!!!! E nesse caso, a dona era sempre eu! Parecia que era só eu quem tinha as melhoras roupas, então minhas irmãs não davam trégua. Elas me pediam e eu, claro, negava. Como o ser humano é inteligentíssimo e adaptável, elas começaram a deixar bilhetes solicitando o uso. Na cabeça delas, só isso já justificava! Assim elas não estavam violando o decreto não-verbal que tínhamos lá em casa e também asseguravam que eu não ia dizer um redondo “não”. Até hoje guardo esses bilhetes como lembrança de uma época que passou tão rápido e temos a sensação que não vivemos. Foram poucos os anos de nossa convivência juntas. Mas na época eu ficava com muita raiva!!! Cheguei até a questionar porque eu não era filha única!? Por que eu tinha que dividir minhas coisas (até meu quarto) como todas? Claro que com meu irmão eu não me queixava de ter que esconder as roupas para ser a única a usar, mas em contrapartida, todas as tardes ele trazia os meninos da rua para jogar vídeo game lá em casa! Quer dizer, já não bastava ter a casa com 4 crianças, ainda tinha que aturar os amigos dele suados após o jogo e filando nosso suco e bolachas “cream craquer”!!! Era demais para mim!!!! Era muita gente no meu mundo, queria cuidar dos habitantes do mundo, mas queria um mundo só para mim, apresento aqui a minha primeira contradição.

Mesmo com meu mau humor adolescente, eu sempre participava ativamente das festas de aniversário dos meus irmãos. Sempre fazíamos alguma coisa, que geralmente era uma peça teatral. Eu como autora, diretora, serviços gerais e produtora da peça e eles como atores. Íamos bem na nossa pequena “Companhia”. E assim chegou o ano definitivo para muitos adolescentes, o ano do vestibular. Como disse, eu já sabia o que ia fazer, mas o como, não. Sabia que precisava focar e fazer uma coisa que até hoje é difícil para a maioria dos seres humanos: escolhas. Posso dizer que foi a primeira grande escolha que a medicina me exigiu. Como companheira ciumenta de uma vida, já percebi de cara, desde o início, que não haveriam concessões. Era ela ou a minha família. Isso porque nem havia ainda um passado, mas mesmo assim ela anunciava uma espécie de jogo silencioso entre si e os guerreiros que a quisessem. “Vamos ver quem aguenta mais pressão desde já” ela parecia me dizer. Combates entre nós, estudantes, para ficar com as vagas, combates entre nós e os compromissos sociais e acima de tudo, testes físicos e psicológicos. Quem cumprisse essas etapas, estava dentro. Pensem no filme “Gladiador”, era assim que a maioria de nós nos sentíamos. Esse ano foi somente de estudo. Nada de filmes à tarde, nada de brincadeiras, nada de conversas em casa, nada de teatros nos aniversários, nada de Paysandu. Meus pais eram separados, mas se davam bem. Meu pai se chateava com a minha falta de tempo, no fundo, queria que ele não viesse mais para eu não parar de estudar e assim, na minha cabeça, não perder tempo. A vocação humana já se desumanizando. Ele e meus irmãos até tentaram me chamar no início, mas iam desistindo aos poucos, um a um, frente às minhas negativas. Perceberam que haviam sido trocados pelos cadernos. Eu fazia um esquema suicida de rever todas as matérias todas as tardes com o pensamento de que caso não fizesse isso, já estaria fora do páreo. Sim, era uma corrida de cavalos e eu queria muito chegar na frente. Eram tantos os obstáculos a serem transpostos e ainda tinha que “correr” olhando para os lados. Sim, a bendita concorrência que os queridos professores não nos deixavam esquecer. Junho se aproximava e com ele, meu aniversário que sempre curti demais, mas não agora. Não queria fazer nada! “Não mãe por favor! Não vamos fazer nada esse ano, tá?”, pedia quase implorando. Menos uma noite de estudo fazia uma

super diferença na minha vida e além do mais, já estávamos na metade do ano. O segundo semestre voa... Meu humor piorava a cada dia, tinha pesadelos terríveis de chegar atrasada na prova, no dia D, de perder a hora e não acordar... cada dia, uma novidade. Naquela época não sabia, mas já estava me distanciando daquelas pessoas que faziam o meu mundo mais completo. Daqueles que sempre estavam perto quando eu mais precisei. Hoje olhando para trás me pergunto: “Eu poderia ter feito de outra forma? ”. Passados mais de vinte anos, a resposta ainda é: Não sei.

Eu poderia ter feito de outra forma?

Minha irmã começou a namorar e eu não podia dar atenção e nem orientar. Ah! eu achava que mandava nas minhas irmãs como toda a irmã mais velha e que por isso era responsável por elas. Tudo, fora o estudo, absolutamente tudo era perda de tempo. “Olhem o seu concorrente, hein! Será que ele está sabendo mais que você nesse exato momento?” Era o mantra que ouvia de todos os professores. Isso se internalizou de tal forma que até ir ao banheiro nas aulas estava se tornando difícil.

PARA RELAXAR:

O cúmulo foi um dia, onde não aguentava mais e tinha a certeza que minha bexiga ia explodir (já tomava pouca água exatamente por isso) e fui me aliviar no banheiro do colégio. Após aquele alivio do primeiro jato que todas sentimos, comecei a ler o que estava escrito na porta “Mais pornografia”, pensei, mas era pior!!!! Muito pior! O que li me deixou chocada! Estava escrito assim: “Enquanto você está cagando, tem um japonês estudando”, quase saio com as calças na mão e os pingos da urina marcando o caminho. Hoje rio dessa frase, mas na época me marcou muito. É claro que um dos primeiros lugares da Universidade Federal do Pará na minha época foi de uma descendente nipônica.

Nessas alturas, sem beber água direito, sem comer direito, sem dormir direito, algo tinha que acontecer. Um belo dia, acordei com conjuntivite. Mesmo assim, sem pensar no risco que eu oferecia aos outros colegas de classe, eu queria ir para aula. Era julho, mês de revisões e simulados e eu não podia perder nenhum conteúdo. Nesse momento, mais uma vez a praticidade pragmática da minha mãe falou mais alto. “Você não vai e ponto final. Não vai ser um dia que vai por tudo a perder. Vá descansar que amanhã você recupera tudo, tenho certeza. Além do mais, você não morre e nem vai passar isso para outros”, e ponto final. Aproveitei e chorei nessa hora por tudo. Pelo olho inflamado, pelo desespero de estudar tanto mesmo na incerteza de não passar, pela cobrança interna, pela vergonha se eu não passasse. Hoje penso o quão importante é uma voz de comando para quem está indo na multidão, sem pensar. Como a intervenção de alguém que você considera é crucial nas horas decisivas. Mais uma vez agradeço a minha mãe por isso. Felizmente, fiquei bem da conjuntivite e não tive prejuízos escolares, mas sabia que aquela garota que gostava de ler e escrever, estava adormecida por um longo tempo.

Passei no vestibular e os anos que se seguiram foram de doação à Medicina com muito gosto. Claro que o preço foi não ser mais convidada para os passeios em família, uma hora as pessoas cansam por já saber da resposta: “Tenho que estudar”. Um sábado estavam todos em um clube e eu sozinha em casa com nosso gato, o Moisés, estudando cardiologia. Nesse dia me senti vazia. Não só por me sentir sozinha, mas por terem definitivamente me cortado do convívio familiar. A culpa não era deles, em absoluto. Escolhi isso. Era seguir em frente. Além do mais iria ser médica, realizar um sonho, “isso tudo valeria a pena”. Fazer algo diferente não passava pela minha cabeça, final do ano seria minha formatura (finalmente!) e iria para São Paulo tentar a residência. Vida nova. É isso ai! E final do ano chegou super-rápido como todos os outros, e eu estava empolgada! Empolgada e preparada, ou pelo menos achava que estava. O mundo era meu...! Tudo iria dar certo,

como sempre sonhei! Iria embora de Belém, teria meu próprio quarto, minhas responsabilidades e meu dinheiro (Uau!) sem falar nas roupas e sapatos que eu não dividiria com mais ninguém. Eu estava feliz! Mais do que feliz, radiante! Os amigos se despedindo... e eu só olhava para frente, nada me faria mudar de ideia. Era como um trator programado, passaria por cima de qualquer coisa, mas nada me removeria da ideia de ir embora. Meus irmãos andavam calados e minha mãe triste, ela sempre fora a “galinha com os pintinhos em baixo das asas”, mas ela se acostumaria, eu pensava. Mal sabia eu que minha ida para São Paulo deflagrou em minha mãe uma carência tão grande, que ela não soube lidar, mas meus ouvidos estavam surdos naquela época. Certa vez, ao recebermos em casa uma visita dessas de despedida, uma amiga dela falou: - Auxiliadora, os filhos vão embora mais cedo ou mais tarde No que ela prontamente respondeu: - Eu preferia que eles fossem mais tarde. Com uma virada de olhos, pensei “que exagero! “. Claro que eu podia ficar, mas na minha cabeça, eu teria mais sucesso se fosse para São Paulo. Hoje me pergunto, “Que sucesso é esse que tanto buscamos dissociado de nossas raízes”. O que é sucesso para começo de conversa? Coisas que passam pela minha cabeça...

O que é sucesso para você?

A semana da minha partida passou rápida. Últimas festinhas de “bota-fora”. Eu estava eufórica. A casa destoava com a minha alegria. Não consegui conversar com meus irmãos, nem em conjunto, nem com cada um em separado. Muito menos com meus pais. Eu achava que estava tudo certo. Não sabia ainda a importância de uma boa conversa, de um bom “olho no olho”, sem mais, fiz minha mala e aguardei o dia do embarque. Meu voo para São Paulo era à noite. Surpreendentemente, todos foram me deixar no aeroporto, minha mãe e irmãos. Tudo estava normal

para mim até a hora de entrarmos no nosso Chevette Hatch. Sentei no banco atrás da minha mãe que dirigia. A noite estava limpa e o clima pesado dentro do carro. Todos calados. O silêncio era tão grande que podíamos ouvir o que o outro pensava e foi então que entendi. Nunca mais os pedidos de roupas emprestadas, nunca mais um quarto dividido, nunca mais a convivência de todos na cozinha. As palavras estavam todas na garganta e ninguém seria o primeiro. Nunca mais as conversas com meu irmão, as músicas compartilhadas, as brigas para quem lê primeiro os gibis que chegavam pelos correios... Dali para frente seria eu e Deus. Eu entendi naquele momento duas coisas, que minha família me amava muito e que nada seria como antes, mesmo que eu voltasse, eu não iria voltar. Eu sabia disso. No escuro do carro, junto com a música, ouvíamos nossas lágrimas. Eu nunca havia prestado atenção na parte que diz “Essas feridas da vida, Margarida, essas feridas da vida, amarga vida, para você voltar para mim”1 , e nunca aquilo fez tanto sentido como naquela hora. Eu deixava aquele pequeno núcleo que havia me abrigado por alguns anos para sempre, a partir daquele momento, as relações seriam diferentes. Hoje penso que se tivesse feito as coisas diferentes, se tivesse adiado minha ida eu certamente “não iria morrer” como diz a minha mãe, mas será que eu teria a mesma experiência que tenho hoje? Provavelmente não, mas terias outras tão gratas quanto. Minha mãe me abraçou e murmurou um “vai com Deus” e entrei no avião após um breve abraço também nos meus irmãos. Já sentada, chorei muito até que a aeromoça2, ainda sou desse tempo, me deu uns lencinhos de papel que logo se desmancharam. Naquele momento, era só o que ela poderia me dar. Aliás ninguém poderia me dar mais nada. Estava cheia dos meus sonhos e das minhas escolhas. Foi a primeira e mais dura separação que a medicina me exigiu, a que dói quando falo, até o dia que se chama hoje. Naquele momento fiz uma escolha que era valiosa para mim, a medicina, mas tinha que abrir mão de outra mais valiosa ainda, minha família.

1 Música Veja Margarida, de Vital Farias. 2 Comissária de Bordo.

Nos anos seguintes sempre voltei a Belém, agora eu era “a visita” na minha própria casa e seria assim para sempre. Não participei do nascimento dos meus sobrinhos, não vi mudanças no trabalho da minha mãe. Abri mão de muita coisa para apostar em outra vida que fiz nascer, a minha vida profissional. Ela estava lá me esperando, nova para ser construída, eu tinha que dominá-la. Eu tinha que fazê-la tão valorosa quanto a outra que tinha perdido. Para saber o que é valioso para você, em primeiro lugar você deve se conhecer, saber o que gosta e o que não gosta. Isso não vale copiar da colega. Cada história é realmente única, mesmo para os gêmeos univitelinos. Olhando no dicionário você descobrirá que a palavra valiosa significa “o que é importante”. E isso é particular. É de cada um. E a peça mais importante na nossa profissão somos nós mesmos. Você deve estar se perguntando se o mais importante não é o doente, o paciente. Durante muito tempo também achei isso, que era o doente o motivo pelo qual lutamos, pelo qual estudamos e nos dedicamos. Descobri que não é. Somos nós. Eu explico. Somos as peças mais importantes não no sentido egoísta da palavra. Não no sentido da “autoajuda”, quero deixar claro que não tenho nada contra. E nem no sentido comercial. Somos as peças mais importantes apenas, no puro sentido de sermos seres humanos que compõem uma engrenagem muito maior chamada Vida. Este é o segredo que não nos ensinaram nas faculdades e nem nos cursos técnicos de saúde. Quando vejo o que as enfermeiras fazem se desdobrando entre cuidados com os pacientes e ao mesmo tempo tendo que preencher milhões de fichas, quando vejo os técnicos de enfermagem limpando o que a maioria das pessoas se negaria a limpar (mesmo do seu próprio pai), quando vejo uma Terapeuta Ocupacional fazendo um casamento arranjado às pressas no hospital para realizar o último desejo de um doente terminal, isto é a engrenagem da Vida rodando. Se cada uma dessas mulheres se negar a fazer seu serviço pensando que seu trabalho é desnecessário, o que seria de todo esse maquinário? Se eu me acho importante, eu acho meu colega importante e acho meu próximo importante. Não tem nada a ver com filosofia barata e sim com a vida real.

Todas que vamos abraçar uma carreira em saúde ou estamos nesse exato momento revendo essa carreira, devemos nos perguntar:

Eu me acho importante fazendo esse trabalho?

Ou se ficar mais fácil se perguntar:

O que eu não faria no desenvolvimento da minha carreira na saúde?

Isso é entre você e você. Nunca passou e nem passará pela balança dos outros. Você pode até imitar as heroínas dos filmes ou livros, mas não será você. Isso tem a ver entre gostar de uma personagem e ser essa personagem. Isso tem a ver com o preço que estamos dispostos a pagar. Para ajudar no processo, coloco aqui um método que desenvolvemos, eu e uma colega de residência em Infectologia, de darmos percentual para as coisas, principalmente para comida, como nota por exemplo. Sempre nós, mulheres, estamos de regime. São poucas as abençoadas que estão paz com o peso, então para vocês que são semideusas sortudas, não leiam essa parte, combinado? Para as que estão como eu, eternamente de dieta, o que fazíamos era o seguinte: Se quiséssemos sair da dieta, a comida ou sobremesa teria que ter uma nota acima de 80%, então cada vez, uma era escolhida para provar, se o percentual fosse 90%, adeus dieta e olá lasanha! Isso você pode fazer. Não somente para comida e sim para as decisões também.

FIQUE DESCALÇA E ESCUTE-SE!

Pense na escolha da profissão como algo que você faria para sempre. Como você se sente? Confortável ou desconfortável? A quem você está agradando? Ou para quem já tem uma profissão e queira mudar de profissão, você não muda porquê? Se é uma técnica de enfermagem e quer fazer um curso superior de enfermagem, quantos por cento você

deseja essa mudança? Não pense no mercado. Lembre-se ao tomar uma decisão dessas que atualmente não ter um trabalho de carteira assinada não é problema. Para este modelo a palavra é: organização. Pense nas coisas que você terá que abrir mão. Você pode fazer isso agora? Você pode adiar a faculdade? Será que você não está buscando apenas realizar ou repetir o sonho de alguém?

Na abordagem psicológica da Constelação Familiar vemos que amamos tanto alguns dos nossos familiares que queremos reproduzir seus passos, mesmo os errados. Quando falei para minha mãe que queria fazer medicina, ela sentou comigo na cama e me perguntou se eu estava fazendo isso por ela, uma vez que era seu sonho não realizado. Eu sabia que não. Minha sobrinha entrou na faculdade de medicina porque achava que era isso que ela queria, mas desistiu no primeiro ano e hoje está feliz fazendo um curso de exatas, e eu estou também feliz por ela. Use sua intuição. Ninguém sabe muito bem explicar, mas no livro Psicologia de família: teoria, avaliação e intervenção, Makilim Nunes Baptista e Maycoln L. M. Teodoro (2019,p.81), li que “Intuição é quando o seu coração dá um pulo no futuro e volta já”, e concordo plenamente. Penso na intuição como um lago tranquilo com águas cristalinas. Qualquer coisa que venha turvar essa água, deve ser revisto. A profissão de saúde requer entrega e isso não é fácil. De nós dependem várias pessoas que estão esperando voltar para casa sãs. E esteja preparada para ela nem saber que você existiu quando isso acontecer. A entrega à profissão não pode nos cegar para algumas coisas. Quando eu fazia UTI ainda morando em São Paulo, nossa coordenadora tinha um grande sonho, o sonho de ser mãe. Ela estava adiando isso já há alguns anos devido ao amor que ela tinha pela profissão. Era uma grande pessoa e profissional, porém os meses se passavam sem que esse sonho se concretizasse. Acho que só sabe sobre essa dor a mulher que passou ou passa por isso. Para que seu bebê fosse concebido, Márcia deveria abrir mão do seu cargo, mesmo que fosse por uns meses, pois a

carga de estresse era alta e seu médico já a havia advertido. Mas ela estava com muita dificuldade. Realmente não foi fácil, mas aqui entrou a voz da família e ela se afastou, passado uns meses, seus gêmeos nasceram. Depois que eles cresceram mais, ela pode retornar para a profissão, mais inteira e renovada. Um ser humano melhor. Escolhas que muitas vezes precisamos de paz para poder fazê-las. Escolhas entre uma coisa valiosa e outra também valiosa.

FIQUE DESCALÇA E ESCUTE-SE!

Deixo aqui algumas perguntas que sempre me faço, e penso que assim como me ajudam, elas podem também te ajudar:

1. De onde nasceu meu sonho? 2. O que eu ganho se NÃO realizá-lo? 3. O que eu ganho se realizá-lo? 4. Do que terei que abrir mão? 5. A quem eu quero agradar? 6. Posso ser feliz e plena escolhendo essa profis-

são? (ou mudando de profissão?)

7. Posso adiar esse sonho mais para frente?

Em toda profissão há grandes responsabilidades, mas na profissão da saúde lidamos mais do que com o corpo do outro. Ledo engano quem pensa que está só lidando com aspectos físicos. Lidamos com ESPERANÇA e não há nada mais sério que isso. Por essa e outras, minhas amigas, não tenham medo de descer do salto, pensemos com carinho nas nossas decisões. Pense se é isso que você realmente quer ou quis fazer ou ser.

This article is from: