9 minute read

CAP 8: O QUE POSSO FAZER COM O QUE SOU AGORA?

8

O QUE EU POSSO FAZER COM QUE SOU AGORA?

Advertisement

Por Bárbara Valões, Psicóloga.

O Acidente

Era para ser mais uma festa com amigos no dia 20 de março de 2004. Porém, instantes antes, sofri uma queda da altura de 2,50 metros, acompanhada de remoção incorreta e tornei-me paraplégica. Minhas vértebras T7-T8 foram achatadas e deslocadas e minha medula foi lesionada. Para que minhas vértebras fossem posicionadas novamente e que pedaços delas fossem retirados de locais mais acima da lesão fui submetida a uma cirurgia em que foram colocadas duas placas de titânio e oito parafusos de T6-T10 e as consequências disso foram a perda de sensibilidade e de movimento a partir da altura T4-T6, espasticidade, perda de controle dos esfíncteres e uma dor chamada de DOR NEUROPÁTICA, que me fez dependente de uma série de medicações.

A importância da Reabilitação física e psíquica

Após meu acidente fiquei quase 1 mês internada em um hospital de Fortaleza, sem conseguir sentar, sentir o meu corpo a partir da altura das vértebras T4-T6, comer sozinha, pentear os cabelos, escovar os dentes, tomar banho. Ficava inerte em uma cama e não tinha noção do que tinha ocorrido comigo, sequer sabia que havia uma sonda de demora acoplada em minha uretra. Até que 3 meses depois fui internada em um Hospital de Reabilitação e lá tive a notícia: lesão medular considerada ASIA (irreversível) e depois de enxugar as lágrimas de tantas perdas, eu aprendi a me vestir sozinha, tocar a cadeira, fazer meus alongamentos, tentar equilibrar-me, fazer meu próprio cateterismo e, principalmente, a voltar a sorrir. Foi nesse momento que comecei a RE-aprender a cuidar de mim, da minha autoestima, do meu corpo. Uma NOVA BÁRBARA estava em construção... Quando comecei a me socializar entendi, de fato,

a importância de meu processo de REABILITAÇÃO e exercícios que antes eu não via sentido, viraram imprescindíveis nesse reaprendizado. Entendi a importância de pegar cones no chão e os deixar de novo no mesmo lugar repetidas vezes, de me alongar antes de qualquer esforço físico, de empinar a cadeira e saber até onde poderia ir, para que eu pudesse tocar a cadeira sozinha, dirigir, dançar, dentre tantas outras atividades que voltaram e∕ou começaram a fazer parte de minha rotina, antes de tudo, precisaria de equilíbrio de tronco, apropriar-me da cadeira de rodas, sabendo guiá-la em todas as direções. Atitudes que no começo eu resistia bravamente a tomar, pois achava que eram desnecessárias, já que tudo voltaria ao que era antes.

Autoestima e Autoconhecimento

Perceber o próprio corpo, voltar o olhar para dentro de si, para os próprios sentimentos e emoções é o primeiro passo para se poder viver e amadurecer com esse corpo limitado, mas que tem diversas possibilidades de ser e estar no mundo.

A luta em prol das Pessoas com Deficiência∕ Associação Elos da Vida

Sair do hospital, do “mundo” de iguais para outro em que sequer eu era vista, pois a cadeira de rodas é que passou a ser o centro das atenções foi muito difícil, mas foi a partir dessa experiência que aprendi a lutar por meus direitos e mais que isso, pelo direito de todas as pessoas com deficiência, que para além de qualquer limitação são cidadãos, sujeitos de direito e devem ser vistos enquanto tal. Nesse momento, conheci muitas pessoas com comprometimentos físicos bem maiores do que os meus, crianças e adultos com doenças degenerativas, em que andar nada significava diante de algo bem maior: o direito a uma vida digna, de qualidade e sentia-me motivada a ajudar, pois tinha condições de lutar para e com eles. E claro, para que se possa viver de uma forma plena necessita-se de ACESSIBILIDADE, palavra tão utilizada hoje em dia e que nos remete a algo arquitetônico, mas existe uma bem mais complexa do que essa: a atitudinal (a maneira das pessoas lidarem com a diversidade) e é a que primeiro deve ser trabalhada. Afinal, se ela existisse a acessibilidade física

seria perfeita, pois todos pensariam em todos e não haveria exclusão. Foi aí que comecei a organizar oficinas de Acessibilidade, ministrar palestras em cursos universitários, esclarecendo em rádios, jornais e revistas que estamos para além de nossas deficiências e que para conseguirmos isso precisamos ter nosso direito de “ir e vir” garantidos e só quando sentamos em uma cadeira, colocamos vendas nos olhos, dentre outras vivências, que conseguiam ampliar a percepção em relação às necessidades das pessoas com deficiência. Tornei-me vice-presidente de uma ONG e entrei em uma Companhia de Dança voltada para pessoas com deficiência- a Associação Elos da Vida. Ainda estava na faculdade de Psicologia quando tornei-me cadeirante e foi lá que comecei a ler a lei, aprendê-la, cobrá-la e fiscalizá-la, pois me deparei com um local sem acesso: sem rampas, estacionamentos, banheiros adaptados e pessoas “inacessíveis”, muitas vezes por desconhecimento e mesmo sendo, naquela época, aprendiz nessa luta houveram muitas mudanças, claro que não ideais, mas foi reivindicando que consegui o mínimo de acessibilidade para muitos outros, que tantas vezes calavam e conformavam-se.

A Psicologia

Formar-me em Psicologia tinha o gostinho de VITÓRIA, pois só eu sei como era levantar-me cedinho para ir à faculdade com minhas pernas queimando, formigando de uma forma devastadora, com náuseas e boca seca, por conta das medicações que tomava, além dos olhares maldosos e críticos que pareciam mais está vendo um alienígena. A Psicologia também me ajudou a compreender a subjetividade humana e o tempo do outro. A saber que agora, eu valorizava a essência, que poder pentear os cabelos sozinha, escovar meus dentes, vestir-me era prazeroso demais, pois eu sabia como era penoso não conseguir fazer isso, mas muitos não haviam passado por essa situação e eu não podia mudar a vivência deles, as atitudes deles e colar grau então, teve um gostinho todo especial... Aprendi, mesmo com falta de sensibilidade a sentir, a sentir a dor do outro, pois fica bem mais fácil quando a nossa não nos deixa esquecer dela. Depois de tantos remédios na veia, UTI’s móveis, aprendi a fazer as coisas por prazer. Aprendi a ver meus tantos medicamentos diários como um bálsamo a aliviar meu ser e facilitar meu dia-a-dia. Aprendi que não

posso mudar ninguém, mas a minha forma de lidar com as pessoas ou com as situações que aparecem. Aprendi que LIBERDADE é uma questão de ponto de vista e do que você faz com ela e eu aprendi a conquistar a minha, sou livre! E foi cuidando de mim, de minha autoestima, do meu corpo, cicatrizando minhas feridas, que consegui contribuir com tantas outras pessoas. Pode-se sentir dor por diversas razões e não se deve comparar, julgar ou medir a dor de nenhum ser humano e ouvir como psicóloga uma pessoa com deficiência é ouvir antes de tudo uma PESSOA, que também tem uma deficiência, mas é muito mais que isso: sente, trabalha, tem família, desejos e sonhos. A diferença é que muitos não têm a oportunidade de serem vistos assim: humanos! Para a sociedade: ou são coitados, vítimas do mundo, ou heróis, que não podem mostrar suas fraquezas.

A Cadeira de Rodas

Cadeira de rodas é a extensão de meu corpo, graças a ela eu realizo tudo que quero, posso e tenho INDEPEDÊNCIA suficiente para me deslocar, ela me permite “ir e vir”. É essa a visão que tenho de minha cadeira e é ela que enfatizo quando falo sobre ACESSIBILIDADE e procuro esclarecer para os cadeirantes que ainda não a aceitam, pois se queremos nossos direitos garantidos temos que lutar por eles e a primeira postura que devemos ter é aceitar nossos limites e a partir disso, ver o que pode ser utilizado para nos ajudar a superá-los e, a partir daí, descobrirmos nossas potencialidades. Muitas pessoas costumam perguntar como eu “conformei-me” em não andar, em ter uma vida tão diferente da que eu tinha antes e minha resposta é sempre a mesma: andar torna-se insignificante diante de tantas outras mudanças e até mesmo consequências advindas da lesão medular e que eu ando sim, mas de uma forma diferente e que sou muito mais feliz hoje, pois tenho a honra de conviver com pessoas que me ensinam a cada dia a valorizar cada momento que tenho nessa vida e é isso que me dá forças de continuar lutando e a ajudar aqueles que não conseguiram ainda chegar aqui. E é ocupando os espaços que também contribuímos para romper barreiras culturais, sociais e até mesmo estéticas.

Resiliência

É preciso ter coragem para encarar essa trajetória, mas é uma questão de escolha, pois creio que chorar a própria dor, entrar em contato com ela só é possível através de sua aceitação. Afinal, somos responsáveis por aquilo que sentimos e pelo que fazemos com esses sentimentos.

Objetivos

Formei-me em Psicologia, capacitei-me, especializei-me e comecei a dançar em uma Companhia, casei, tudo após meu acidente e minha condição física não foi impeditiva de alcançar nenhum de meus objetivos e nem será para os próximos que eu irei estipular.

Motivação

De dentro para fora- Enfoque no Presente. Resgatei meu amor-próprio encarando a tarefa de perceber meu próprio corpo, corpo esse limitado e vi que além de andar de uma forma diferente, com o auxílio da cadeira, poderia trabalhar, passear, namorar, ser FELIZ hoje, mesmo com minhas limitações! Mas para isso acontecer, é preciso resgatar sua autoestima e sentido de vida. É preciso conhecer e reconhecer sua limitação, aceitá-la e perguntar: E o que posso fazer com o que sou agora? A partir disso, o indivíduo encontra seus próprios recursos, permitindo-se abrir a novas possibilidades, ressignificando a sua experiência em prol do crescimento. A partir do momento que se depara com as dificuldades tem-se uma série de ajustamentos procurando satisfazer suas necessidades. Perceber o próprio corpo, voltar o olhar para dentro de si, para os próprios sentimentos e emoções é o primeiro passo para se poder viver e amadurecer com esse corpo limitado, mas que tem diversas possibilidades de ser e estar no mundo.

Enfoque Negativo da Deficiência e Incapacidade X Perspectiva Positiva

Considerando as atividades que um indivíduo que apresenta alterações de função e/ou da estrutura do corpo pode desempenhar, assim como sua participação social. Os fatores ambientais e pessoais são importantes na produção da limitação. Por isso, a reabilitação deve

pautar-se em propor estratégias de ação sobre o ambiente e os fatores pessoais da pessoa com deficiência e não somente em aspectos voltados à patologia e∕ou à funcionalidade do indivíduo. SER BIO-PSICO-SOCIAL. A deficiência é apenas uma parte de meu TODO.

FIQUE DESCALÇA E ESCUTE-SE!

1. Quais os meus sonhos, os meus objetivos? (SENTIDO DE VIDA) 2. O que posso fazer hoje, mesmo com minhas limitações, para caminhar na direção dos mesmos?

Gratidão

Mas nenhuma dessas metas atingi sozinha: família, médicos, fisioterapeutas, enfermeiras, psicólogos, tantos outros profissionais, AMIGOS, acima de tudo, que não desistiram de mim mesmo nos meus momentos de maior tristeza e desesperança, de elaboração do LUTO de uma vida que iria ser mudada por completo, em que a única solução que achava naquele momento era um lençol a cobrir minha face na tentativa desenfreada daquilo ser apenas um pesadelo e que quando o retirasse de mim, acordaria da mesma maneira de antes! E foi por conta da paciência dessas pessoas e da crença delas que eu ficaria bem sim, que resolvi segurar as mãos que estavam estendidas para mim e começamos a andar juntos em um caminho tortuoso, mas cheio de descobertas.

This article is from: