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CAPA. A arte transgressora e multicolorida do graffiti

REVOLUÇÕES URBANAS O GRAFFITI SE VALE DA CIDADE COMO SUPORTE PARA A ARTE PÚBLICA, TRANSGRESSORA E TRANSFORMADORA, FEITA FORA DOS MUSEUS, POR QUEM E PARA QUEM ESTÁ NA RUA

O painel “O Beijo”, no High Line de Manhattan, recupera a mais conhecida das imagens da comemoração da vitória dos Estados Unidos sobre o Japão na Segunda Guerra Mundial

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Em meio à selva de concreto, um índio, uma revoada de pássaros, bichos da floresta de verdade. Einstein anda de bicicleta e Niemeyer vigia a paisagem. A poética extraordinária e sofisticada do graffiti se vale da cidade como suporte para a contracultura, para a arte pública, feita fora dos museus, por quem e para quem está na rua.

As intervenções urbanas não são novidade. Desde os anos 1970 e 1980, com Jean-Michel Basquiat e outros tantos, que as cidades viraram tela em branco para artistas irreverentes e suas mensagens claras e provocantes. Beberam de diversas fontes. Da pop art de Andy Warrol ao muralismo engajado de Diego Rivera. O discurso, o grito, o pensamento estavam lá, nas paredes, em meio ao caos do dia a dia. “Arte pública é um instrumento de transformação social. Ela traz beleza, alívio e reflexão e, por isso mesmo, é um ato de extrema responsabilidade. Quando a cidade vira suporte, você passa a falar com pessoas de diferentes etnias, religiões e culturas. A rua não pertence a ninguém. Ela é de todos”, comenta o grafiteiro Eduardo Kobra, em entrevista exclusiva para a Habitat.

Pintar a cidade, segundo ele, requer olhar atento para a arquitetura, o urbanismo, a incidência do sol, a história, o patrimônio. Enquanto anda pelas ruas,

sente o chamado que vem do concreto. “Desde menino, olhava e sonhava um dia pintar a cidade. Foi nela que aprendi a trabalhar. Todas as obras são importantes, pois estão no suporte que amo, que são as cidades. Isso vale para as pinturas em 3D no piso, os murais gigantes, como o de 6 mil metros de comprimento que foi parar no Guiness, a lateral de prédios, e os mais remotos, como o trabalho que fiz a convite da Madonna no Malaue, na África.”

Kobra traz para sua arte forte componente social. “Gosto de usar os murais para me comunicar. Entre os temas recorrentes no meu trabalho, estão o pacifismo, a preservção ambiental, a defesa das liberdades, o combate ao racismo e ao preconceito, a valorização da história e da cultura. Isso talvez porque sou da periferia de São Paulo e eu tenha percebido nos grandes murais uma forma de dar visibilidade às populações vulneráveis e a questões relevantes para mim”, comenta. Para ver mais, siga @kobrastreetart.

“A arte pública é um instrumento de transformação”

O mural de 15 metros de altura retratando o físico Albert Einstein andando de bicicleta foi apagado em São Paulo e refeito em Nova York. No centro, trecho do mural “Etnias”, no Rio de Janeiro, que entrou para o Livro dos Recordes. E, por último, painel de Oscar Niemeyer, de Kobra, na Paulista

GRAFITEIROS PELO MUNDO

Ografite surgiu com o hip hop, nos guetos nova-iorquinos, quando jovens começaram a deixar suas marcas nas paredes da cidade. Esses códigos evoluíram, ganharam forma e técnica e se espalharam para o mundo. Os artistas, também chamados de writers (escritores), costumavam chamar a atenção para problemas sociais e, por isso, os desenhos eram feitos em trens e muros, para que fossem vistos pelo maior número de pessoas possível. Com o tempo, os graffitis ganharam proporções gigantescas, status de arte, mas nem por isso perderam a alma transgressora. É só parar, olhar e se impactar pelo trabalho desses artistas.

OSGEMEOS, Gustavo e Otávio Pandolfo, ultrapassaram as ruas e criaram uma linguagem própria, com outras referências e influenciado por novas culturas. Eles costumam usar linguagens visuais combinadas, o improviso e seu mundo lúdico para criar intuitivamente uma variedade de projetos pelo mundo. A recomendação da dupla de grafiteiros brasileiros, que coleciona murais em diversos países, para entender sua obra é sentir antes, para entender depois. “É necessário deixar que a razão dê lugar ao imaginário – atravessar portas, se permitir perceber as sutilezas e embarcar numa experiência que excede a visual.” Siga @osgemeos.

Ícone da cultura pop, Jean-Michel Basquiat (1960-1988) foi ativista cultural que se destacou pela mistura de linguagens e referências. Sua obra transita e mescla diversas técnicas e formas de expressão: do graffiti à colagem e à remixagem, passando pela música e pelo audiovisual. Classificada como neo-expressionista, a pintura de Basquiat traz as marcas da cultura pop e das questões políticas e sociais borbulhantes na décadas de 1970 e 1980. Veja mais em @basquiat_archive.

Banksy é o pseudônimo de um grafiteiro, pintor, ativista político e diretor de cinema britânico. A sua arte de rua satírica e subversiva combina humor negro e graffiti feito com técnica de estêncil. Seus trabalhos com comentários sociais e políticos podem ser encontrados em ruas, muros e pontes de cidades por todo o mundo. O trabalho de Banksy nasceu da cena alternativa de Bristol e teve colaborações de outros artistas e músicos. Confira em @bansky.official.

Edgar Müller é um especialista em intervenções 3D. O artista alemão transforma a rua em seu ateliê e surpreende com seus desenhos tridimensionais feitos nos asfaltos. Quase uma ilusão de ótica, suas obras impressionam, tamanha a realidade e efeitos de profundidade. Veja mais em #edgarmüller.

NA CENA CURITIBANA

CURITIBA FAZ PARTE DO EIXO NACIONAL DA CONTRACULTURA, OPINATIVA E PICTÓRICA. CONVERSAMOS COM DOIS GRAFITEIROS LOCAIS, QUE JÁ GANHARAM OS MUROS DO MUNDO E DA CAPITAL, PARA FALAR DE ARTE PÚBLICA, DIREITO DE EXPRESSÃO E SENSAÇÃO DE PERTENCIMENTO

COM A PALAVRA, @RIMONGUIMARÃES

Quando a cidade deixa de ser vista como lugar de passagem, ela vira espaço de convivência. E a arte é capaz disso, na opinião do artista Rimon Guimarães. “A cidade é o lugar onde a arte se desdobra, cresce, em que todos podem ver e ter acesso. É plataforma de conexão, em que as pessoas se apropriam dela para se comunicar”, comenta. Conhecido por seus murais multicoloridos, de natureza exuberante e forte presença de figuras negras, Rimon diz que sua arte fala por si. “Eu não conseguiria traduzir em palavras, mas acho que meus trabalhos tocam as pessoas, que se sentem atraídas pelas cores, pelas formas e acabam compreendendo algum contexto dentro da sua realidade. Eu mesmo descubro coisas a partir dos meus trabalhos, coisas que não estavam programadas”, explica.

A HORA E A VEZ DO @PESP.ARTEIRO

A pintura feita na rua não é mais do artista, ela é pública. Assim, mensagens e discursos são compartilhados, reflexões são postas na parede e a cidade ganha um espaço de arte, uma galeria a céu aberto e que, até então, era só um muro. “Às vezes o observador pode não captar a mensagem ou o sentido da obra, mas o exercício da observação e se deixar sentir acabam completando a mensagem”, comenta Pedro Espíndola, o @pesp.arteiro. Escolher o melhor lugar faz parte da comunicação. “Cada parede, muro ou até mesmo algum lugar abandonado tem suas particularidades, texturas, dimensões e formatos. Cada pintura é uma situação, um planejamento e uma execução diferente. Dependendo do local em que está posicionada na cidade, pode ter um efeito maior que outro e é aí que está a magia de tudo.” Ainda que viva entre a marginalidade e a cultura formal, o graffiti não se abstém de dar seu recado. Muito mais valorizado do que décadas atrás, este tipo de expressão, que já foi subjugado, continua dando seu recado. Alguns artistas deixam explícita a mensagem do ativismo, outros são mais sutis e, para Pedrão, ambos os caminhos reforçam o sentido de pertencimento. “É uma forma de dizer eu estou aqui e faço parte da sociedade.” Em seus trabalhos, Pedro expõe seus sentimentos e pensamentos em relação ao cotidiano. “É como se desse de presente um pedaço de mim, que conta alguma história particular. Meu foco é mais na representação da imagem pictórica e da expressão do sentimento. Dependendo da produção, gosto de brincar com o abstrato, com cores ácidas, e também gosto de explorar elementos da natureza.”

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