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TRIBUTO. Jaime Lerner, o homem que revolucionou Curitiba

JAIME DE CURITIBA

COM O OLHAR E O DESENHO VOLTADOS PARA AS CIDADES DO FUTURO, O ARQUITETO REVOLUCIONOU CURITIBA E COLOCOU EM PAUTA A DIVERSIDADE, A MOBILIDADE E A SUSTENTABILIDADE

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Curitiba não tinha mar. Jaime Lerner fez o Parque Barigui. Fechou o calçadão da XV para que a cidade tivesse um passeio como das grandes capitais internacionais. Levou as indústrias para a CIC. Criou novo sistema de coleta de lixo para que “o lixo que não é lixo” tivesse descarte correto. Curitiba é como é por causa dele e entrou no mapa do mundo graças a suas obras. O arquiteto e urbanista, de 83 anos, faleceu em maio

Lerner tinha um olhar apurado para a essência. Suas obras não eram mirabolantes, eram certeiras. “Ele via a cidade e sabia exatamente o que estava faltando, o que precisava ser feito e como fazer. Nós olhávamos e não víamos nada”, brinca o amigo jornalista e escritor Dante Mendonça. E é por isso que o arquiteto faz tanta falta a Curitiba já faz tempo. “Escrevi uma vez um texto que falava sobre a gordura do Jaime Lerner e como ela ainda sustenta o planejamento urbano de Curitiba desde os anos 1970. É um fenômeno a ser estudado”, comenta.

O engenheiro Jaime Lechinski, que acompanhou Lerner por toda a vida, relembra, nas frases curtas do arquiteto, o pensamento prático e inspirado. “‘A cidade é o cenário do encontro’, ao pregar a convivência das

Jaime Lerner e suas obras: Museu Oscar Niemeyer, Jardim Botânico e vista do alto da Universidade Livre do Meio Ambiente

funções urbanas e das diversas classes sociais. ‘O automóvel é a sogra mecânica’, para dizer que o transporte individual é inerente ao homem, mas a prioridade deve ser do transporte coletivo. ‘Pensar o ideal, fazer o possível já’, para enfatizar a urgência do encaminhamento das soluções urbanas. Fazendo o possível já, transformou o ônibus em metrô de superfície, numa fração do termo de implantação e dos custos deste , um sistema hoje adotado por mais de 200 cidades no mundo.”

DESENHANDO

Jaime criava todos os dias. Andava com um caderninho onde tomava notas, desenhava, registrava alguma ideia. “Depois ele vinha conversar e pedia para transformar aquilo em desenho. Nem sempre nós do escritório entendíamos o que ele queria dizer. Discutíamos, pensávamos na viabilidade e, por vezes, muito tempo depois é que aquilo fazia sentido para nós. O Jaime sempre esteve à frente do seu tempo”, comenta Felipe Guerra, um dos sócios do escritório Jaime Lerner e Arquitetos Associados.

Sua história de vida se confunde com a de seu maior projeto: a cidade de Curitiba. “Ele foi estudar em Paris e trouxe para cá o frescor do urbanismo, da discussão sobre a cidade, sobre como deveriam ser as cidades do futuro - boas para pessoas e não só para os carros. Monta o IPPUC, vira prefeito, governador. Ele pode não estar mais aqui, mas vive com Curitiba, pois tudo o que conhecemos tem a ver com ele: o Barigui, a Unilivre, a pedreira, a feirinha hippie, a Ópera de Arame, o Teatro do Paiol, o Conservatório de MPB, o sistema de transporte como a gente conhece, com canaletas e um plano diretor que permite prédios mais altos perto das vias de ônibus, para dar conta da densidade humana e estimular o comércio”, explica Guerra, lembrando os mantras de Jaime - mobilidade, sustentabilidade, identidade, respeito às origens, diversidade e coexistência.

ASSINATURA

“Curitiba tem cinco gênios que não precisariam assinar suas obras - estão presentes em seus DNAs: Poty, Lerner, Leminski, Dalton Trevisan e Zilda Arns. A assinatura de Lerner, assim como do quarteto que o acompanha, é dispensável, mas sua obra é e será sempre reconhecida pelo mundo”, comenta o jornalista e escritor Nilson Monteiro.

Ele relembra seus encontros para o livro e as caixas de anotações, poesias e desenhos deixados pelo arquiteto. “Lerner, governador, e eu, ghost writer de um de seus livros, portanto com conversas constantes, principalmente no Chapéu e no seu escritório. Me deu pacotes de poemas. Li e tasquei: ‘temos de publicá-los, há muitos que são ótimos’. ‘Nilson, isso é para depois, vamos tratar do que estabelecemos como prioridade agora. As cidades também devem ser assim: primeiro, as prioridades, não dá para fazer tudo de uma vez nem ficar arquitetando besteiras’. Gargalhávamos - seu recado também tinha um endereço político”, lembra.

Em preto e branco, cenas do calçadão da Rua XV e, colorido, o Teatro do Paiol

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