440 Hz
AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MÚSICA
PLEBE RUDE ENCENANDO A HISTÓRIA DA HUMANIDADE
ANTONIO NÓBREGA
RIMA, embolada e indignação
Abrimos todos os segredos e testamos as novidades do
GALPÃO MALAGOLI
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SUMÁRIO 06 CENA E ENSAIO 08 Livy Ordem em meio ao caos 10 Jazz nos fundos Faz a cena paulistana 12 COZINHA 14 Muito além da bateria de André Jung 16 O groove está nas mãos com um tempero nos pés 20 ME ACOMPANHE SE FOR PUDER 22 Soldado Steinway O piano que foi para guerra 24 Nicola Conte A música que vem do espírito 26 i malagoli di pompei Com novidades que revisitam o passado, a marca mostra que olha para o futuro 30 QUEM TEM VOZ
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32 Antonio Nóbrega Quebra tudo, quebra pedra, só não quebra opinião 38 Joana Knobbe Múltipla e revolucionária 42 UM POUCO DE MÁGICA 44 Tetine Levando música underground brasileira para o mundo 48 DENTRO E FORA DO ESTÚDIO 50 Plebe rude Ser plebeu é liberdade 54 RESENHAS Os álbuns que escutamos na Redação
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56 SOBRE O PALCO 58 Palcos brasileiros Três faces: Moraes Moreira, Diogo Ramos, Suzanna Stivalli
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60 O quebra-nozes e a invenção do Natal moderno 64 O dinossauro O quarto de Rod Stewart
EDITORIAL TU CORTAS UM VERSO E EU ESCREVO OUTRO
440 Hz
Edição 2 - Dez 2019
War is over (if you want it) Lennon / Ono
Chega o fim do ano e as listas dos melhores disso e daquilo se acumulam. São prêmios absolutamente subjetivos e, na maior parte das vezes, mais afetivos que racionais. Melhor música, álbum, show, festival... E 9 jovens não voltaram para casa de um baile funk em Paraisópolis. Eles não estavam ouvindo a melhor música, álbum ou frequentando o melhor show ou festival. E daí? É inútil dizer que a música que amamos hoje um dia esteve nos morros do Rio de Janeiro, nas ladeiras de Olinda, nos slums de Chicago ou Nova York, nos barracos das plantations do Delta do Mississipi. Se você, em algum momento, comemorou, fez piada ou, ao menos, riu da morte de 9 jovens que saíram de casa para se divertir e ouvir a música que faz sentido para eles, por favor, pare de ler essa Revista neste editorial. Essa publicação não é para você. Se os governadores não dão ordens para que se atire, ao menos eles são coniventes. E, acredite, eles ganham dos dois lados: em seus negócios pessoais, agências de marketing e incubadoras, seus sorrisos e camisas engomadas vendem uma imagem, suas empresas vendem todo o resto para quem quiser comprar. Falsos feito uma nota de 3 reais, empregam e patrocinam o rapazote descolado que expia a própria culpa. E para quem continua achando engraçado, um servidor escolhido para cuidar da Funarte, na sua posição de maestro, solfeja aos ventos que o rock é um complô comunoabortista, ou coisa assim. Esse é o resultado de termos elegido para o governo federal um sujeito que tem total desprezo pela arte. Cada indicação é um deboche à classe artística. A Revista 440Hz precisa existir, e ela continuará existindo. Precisa existir para que existam revistas, para que o texto de fôlego esteja ao seu alcance, para que se fale de música sem caçar cliques pela polêmica ou pela notícia superficial.
Diretora de Redação Ana Sniesko Editor-chefe Fernando de Freitas Assistente editorial Ian Sniesko Arte e diagramação Dupla Ideia Design Direção de arte: Camila Duarte Diagramação: Carolina Vigna Comercial Cida Sena Revisão Luis Barbosa Colaboradores Anneliese Kappey, Erico Malagoli, Carolina Vigna, Marcus Teshainer
A Revista 440Hz é uma publicação da Limone Comunicação Ltda.
Editar uma revista é fazer muitas escolhas. A principal delas é pautar a próxima edição. Mesmo quando pessoas saem de casa para curtir música e morrem. Fernando de Freitas War, children, it’s just a shot away It’s just a shot away Rape, murder It’s just a shot away Jagger / Richards
Caixa Postal 74439 São Paulo, SP, CEP: 01531-970 contato@revista440hz.com.br
CENA E ENSAIO
VIX RUSSEL A
brasiliense Vitória Dayane Russel Machado, mais conhecida como Vix Russel, levou a melhor no Red Bull Music Breaktime Sessions, maior concurso de bandas universitárias do Brasil. Com apenas 21 anos de idade, a moça mostra que tem talento de sobra e, como prêmio, vai gravar um EP no Red Bull Music Studios, em São Paulo. O seu primeiro trabalho foi o EP “Guias”, com faixas autorais que abordam temas diversos, desde o casamento infantil no Brasil até a distração que pode ser o ato de dançar. “Eu passei praticamente todo o ano de 2018 todo trabalhando nesse EP e fui convidada para fazer vários shows em Brasília, além de uma apresentação em São Paulo, em julho”, conta Vix. “Ter fechado o ano sabendo que eu venci o Red Bull Music Breaktime Sessions foi algo muito grande pra mim”.
Fotos: © FELIPE GABRIEL / RED BULL CONTENT POOL
Você toca por diversão, mas não tem uma banda para chamar de sua? O Letsjam.club pretende resolver o seu problema. Trata-se de uma plataforma que reúne músicos amadores para fazer um som ou, quem sabe, até formar uma banda – embora não seja o objetivo principal. “Normalmente, as bandas amadoras começam e terminam rápido pois integrantes começam a desistir no meio do caminho por falta de tempo, alguma desavença de repertório ou comprometimento de apreender as músicas”, comenta Tomás Prado, fundador da plataforma. Bom será que o baterista ou o baixist que você tanto procura já está por lá?
Saiba mais em: https://www.letsjam.club/
Fotos: Shutterstock e Divulgação
ENCONTRE SUA TURMA
É TEMPO DE LIVE SESSION
Com foco em artistas independentes da cena paulistana, a Catarse Produções Sonoras acaba de lançar a segunda temporada da #CatarseSessions, um conjunto de videoclipes gravados em estúdio. Entre os participantes estão a cantora Lina Tag e as bandas Teko Porã, Brazsoul, Zé Pereira e O Grande Grupo Viajante. “Buscamos escolher cinco artistas com ritmos, estilos e ideologias diferentes para deixar a #CatarsesSessions ainda mais atrativa. Tem música para todos os gostos”, comenta Ignacio Salvati, produtor musical e idealizador da Catarse Produções Sonoras. Já no Sala de Estar, cinco jovens produtores musicais saíram da Faculdade de Belas Artes com uma missão na cabeça: entender a nova forma de atuar no mercado fonográfico. Com algumas câmeras à mão, abriram em 2018 uma produtora para lançar artistas independentes no YouTube sem cobrar custos de produção. Esse é o Sala de Estar, um propagador de conteúdo audiovisual que pretende dar visibilidade aos novos nomes. “Nossa ideia é dar voz aos artistas de todos os gêneros e fazer com que os mais influentes ajudem os que estão começando”, diz Carol Hallackz. Quer gravar com eles? Escreve lá: curadoria@produtorasaladeestar.com
1500 VEZES SHOWLIVRE
Com quase duas décadas de existência, o Showlivre se tornou uma referência de música ao vivo na internet e agora também na TV, através dos canais MusicBox e TVT. O programa, que representa todos os estilos musicais, acaba de colocar no ar o programa 1500. A edição ficou marcada pela apresentação do King Salami & The Cumberland Three. “É a maior e mais sensacional banda de rhythm’n’blues punk de Londres na atualidade”, conta o apresentador e diretor Clemente Nascimento. “Com sonoridade ímpar e cosmopolita, que traz no seu repertório referências diretas de música latina fundidas com a tradicional crueza do rock das décadas de ‘50 e ‘60, a banda é empolgante e faz você dançar sem parar”, conclui.
Fotos:Caru Leão
NOVIDADE
Por Ian Sniesko
Por Ian Sniesko
ORDEM EM MEIO AO
CAOS
D
as vivências e reflexões rotineiras, nasce o som transparente e visceral de LIVY: uma artista que transmite aos nossos ouvidos aquele velho e conhecido sentimento de ordem em meio ao caos, leia-se: o rock’n’roll em sua forma mais pura. Por meio de uma produção limpa e sem desvios desnecessários das suas raízes, a cantora faz bom uso da simplicidade e passa sua mensagem com coesão. LIVY compôs sua primeira música aos 12 anos, como conta em um de seus vlogs em seu canal no YouTube. Neles, a musicista compartilha com seu público um pouco do seu dia a dia e sua história. Inspirada por artistas de todas as gerações, mas principalmente do rock clássico como Patti Smith, Led Zeppelin e Dire Straits, a cantora e guitarrista possui, ainda, raízes na tradicional música brasileira, de Chico Buarque e Elis Regina, e em atos mais recentes como Arctic Monkeys, Lana Del Rey e Lzzy Hale. É importante também ressaltar que a artista faz parte da onda recente de popularização da guitarra entre as ar-
CAOS
S O CA
tistas do sexo feminino. Entre nomes como St. Vincent e Courtney Barnett, esta movimentação na cena musical independente traz empoderamento às mulheres e é uma das principais forças que mantem a guitarra um instrumento relevante nos dias de hoje. Entre suas escolhas está uma Gretch, marca alemã que faz os aficionados pelo vintage suspirarem fundo. George Harrison, por exemplo, ostenta modelo na capa do álbum “Cloud 9”. Na hora de compor, LIVY não mede esforços e diversifica bastante seus métodos: a cantora compõe na guitarra, violão ou piano. Como ela frisa em um de seus vídeos no YouTube, o ambiente em que você se encontra ao compor influencia e muito o processo. É preciso encontrar paz e privacidade para que suas ideias possam fluir livremente. Em seu mais recente single, “Cicatriz”, LIVY faz bom uso da formação já tradicional de guitarra, baixo e bateria, sem rebuscamentos desnecessários. A guitarra distorcida, porém, precisa e cristalina, que lembra muito a dinâmica e a sonoridade dos primeiros
trabalhos do Foo Fighters, dá identidade ao som. A tendência se segue na cozinha, com uma linha de baixo que parece se entrelaçar entre os riffs guitarrísticos; a bateria encorpada e sólida, que, graças à boa mixagem, possui seu espaço muito bem demarcado no espectro de frequências. As letras da cantora transmitem uma atmosfera bastante intimista e pessoal: é como uma conversa com a artista. Seria injusto não citar também as linhas vocais altamente melódicas e dinâmicas, que reforçam os sentimentos que pretende causar no ouvinte. Em concordância com LIVY, o seu timbre vocal e as suas técnicas lembram muito o da cantora Pitty, principalmente em seus anos iniciais. Atualmente trabalhando em estúdio com seu produtor, LIVY se prepara para começar a fazer shows em janeiro de 2020.
P S
Por Fernando de Freitas e Ian Sniesko
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Acredito que estou fazendo algo meio novo. Pelo menos por aqui�
NOITE
Por Ana Sniesko
S O D N U F S O N Z Z A J Por Ana Sniesko
A N E C FAZ A A N A T S I L U A P Do “faça você mesmo” à estratégia bem traçada, a banda mostra que sabe o que está fazendo dentro e fora dos palcos
Q
uando o Jazz nos Fundos chegou por aqui, era tudo mato. Entenda que, neste caso, mato era tudo diferente de música instrumental. Era minguo ou quase inexistente a presença de casas que abriam seu palco para esse tipo de som. Ledo engano de mercado, já que o jazz ganhou notoriedade na cena paulistana, que recebe festivais, shows e mais um tanto de eventos ligados a esse estilo. O responsável por esse movimento é Máximo Levy, mais conhecido como Max, um artista plástico argentino que fincou raízes no Brasil e deixou brotar um celeiro que abraça não apenas o Jazz, mas toda a música instrumental. “Não me inspirei em nenhuma iniciativa específica para criar o Jazz nos Fundos. Ele nasceu nas condições que a gente tinha, que era um fundo de um estacionamento”, comenta Max sobre a casa que recém completou 13 anos.
Fotos: Divulgação
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rimeiro, ele abriu as portas do seu ateliê para os primeiros movimentos. Uma festa aqui, outra ali e o Jazz se tornou um negócio. Nasceu o primeiro espaço na Vila Madalena que, anos mais tarde, ganhou a companhia de um irmão mais novo no coração da cidade, o Jazz B. “A ideia nunca foi criar um clube, mas estamos aí”, comenta. E não tem nada de acaso. É fruto de trabalho de pesquisa, de apostas e muito querer. “As características do lugar são muito mais fruto do meu trabalho como artista plástico do que como referências. Nem no original, nem no que estamos hoje. Nos acomodamos ao que tínhamos”, comenta sobre o novo espaço ocupado pela empreitada, onde o Jazz nos Fundos é apenas uma parte. A casa de três andares ainda conta com a Sala do Autor, destinada a workshops e master classes, além do restaurante Barceloneta, que ocupa o terraço. Ao projeto primogênito coube ocupar o porão, que ganhou vida e movimento com bons sons.
Uma voz de resistência São Paulo pulsa, mas ainda não o suficiente quando o assunto é arte. “Qualquer ponto de cultura é uma necessidade para a cidade. São Paulo, sendo a capital cultural desse país, com as suas milhões de pessoas, continua sendo carente. Poderia ter muito mais lugares, tanto privados quanto públicos”, lamenta Levy. Em uma entrevista recente, Max comentou que estar no centro é uma resistência, pura e dura. “Tem meses que não chegamos (a dar lucro) e aguentamos, e tem meses que chega. Nos últimos anos, não houve meses fáceis. Para ninguém. Hoje as pessoas saem menos, porque não têm dinheiro”, complementou. E, para a 440Hz, ele ainda foi além. “Trabalhar com arte no Brasil é uma batalha. Vivemos em um mercado consumista, focado em outros interesses. Tem pouca oferta e essa pouca oferta é para um grupo reduzido”, diz. O pouco espaço na mídia também é uma questão que incomoda o dono da casa. “A ideia do centro cultural nasceu da vontade de fazer outras coisas”, conta sobre o nascimento do Centro Cultural de Música Instrumental. Os planos são antigos, mas as crises políticas e econômicas deixaram o centro para depois. Não que o cenário seja favorável, mas eles resolveram resistir e tirar a ideia do papel. “Em tempos de crise, a arte e a cultura são as primeiras a emergir. É nisso que nós apostamos”, conta.
Enquanto ampliam os serviços e a atuação na cena musical paulistana, o Jazz nos Fundos segue entregando música de qualidade para quem sai de casa em qualquer dia da semana. “Queremos que a visita do nosso cliente seja completa sob três aspectos: ambiente, música e boa gastronomia. É esse o nosso pensamento sempre”, diz. Para além do próprio porão Com toda a sua vivência e experiência nesses 13 anos de Jazz em São Paulo, Max passou a apostar na curadoria de eventos e festivais como pilar importante do seu negócio. É um movimento para levar a música instrumental ainda mais longe e romper mais barreiras. Em 2019 aconteceu o Festival Jazz Tempo Itália, com artistas do primeiro time da cena contemporânea do jazz italiano. Para o próximo ano, Max já anuncia que outras edições acontecerão, mas ainda sem revelar os temas. Quando nos concedeu essa entrevista, Max acabava de voltar da Bahia, youtu.be/KB3uxdLPHF8 onde aconteceu o FAM Festival, um evento que reuniu música e entretenimento para toda a família, no MAM – Museu de Arte Moderna da Bahia, em Salvador. “Nós fizemos toda a curadoria do evento, que levou atrações gratuitas patrocinadas via Lei Rouanet. A nossa experiência com o JazzBB, por exemplo, nos ajuda a olhar com cuidado para as crianças também”, destaca. Para 2020, os planos são gigantes, mas Jazz, gastronomia e cultura são pontos garantidos. “Se tem boa música, nós estamos muito interessados em fazer.”
COZINHA LIXO QUE VIRA ARTE
m dos instrumentos musicais mais importantes do mundo desapareceu. Presume-se que ele tenha sido roubado no início de 1969 e nunca mais foi visto. O instrumento é o primeiro baixo de Paul McCartney, um modelo Höfner 500/1 que ele comprou em 1961. A campanha #tracethebass pretende encontrar o instrumento perdido. Seus organizadores disponibilizaram um e-mail comunicação com quem tiver qualquer informação sobre o baixo icônico, prometem sigilo e não envolver as autoridades. Será que vai aparecer? Estamos de olho!
Fotos: Shutterstock e Divulgação
EM BUSCA DO CONTRABAIXO PERDIDO U
Idealizado pelo percussionista, compositor e produtor musical Nido Pedrosa, o projeto “Sucateando - A Música Sustentável” reúne importantes instrumentistas nacionais e, ainda, traz uma ação que beneficia toda a sociedade. A ação conta com várias ações conjuntas de educação ambiental e responsabilidade social, a exemplo do workshop “O Som da Sustentabilidade”, durante o qual serão apresentados os instrumentos musicais criados a partir da sucata. Já o show “Sucateando - A Música Sustentável” conta com a apresentação dos alunos. O projeto já passou por Brasília, Florianópolis, Belo Horizonte e, em breve, desembarca em São Paulo.
SOM DE DISCO VOADOR Você conhece o Hang Drum? Apelidado por alguns como “Disco voador”, o Hang Drum é um instrumento criado em 2000 pelo casal suíço Felix Rohner e Sabina Schärer, que encanta por seu som idiofônico – aquele cuja sonoridade é provocada pela vibração. O Hang é uma espécie de tambor tocado de forma intuitiva, não é preciso saber notas, basta ter senso rítmico e usar a inspiração. Utilizado nas músicas de artistas renomados como a Islandesa Bjork, por aqui ele conquistou o percursionista Guga Machado. “O Hang é o carro chefe do meu disco “Mafagafo Jazz”. Além de ter um som incrível e ser esteticamente lindo, ele sai do lugar comum de instrumentos convencionais. Isso é algo que eu sempre digo e tento praticar, procurar o diferente é essencial”, comenta.
CORAÇÃO DO SALGUEIRO
O BEATLE ENGRAÇADO
Para valorizar quem faz a escola acontecer, a Acadêmicos do Salgueiro prepara exibições do documentário “#Só Diretoria”, de Hélio Rodrigues. A personagem principal do filme é a bateria Furiosa, coração da escola, comandada pelos irmãos Gustavo e Guilherme Oliveira. O documentário mostra não só o lado musical, mas também o trabalho educacional e cultural realizado pelo grupo, que tem em mestre Louro, falecido em 2008, uma referência. O documentário será inscrito em festivais nacionais e internacionais e logo deve chegar às nossas telas.
Se falarmos em Ringo Starr uma longa história vem à mente. Quando assumiu esse nome, o grande público desconhecia as batalhas pessoais que o jovem já havia enfrentado. Nascido em 1940, o Beatle teve uma infância difícil, marcada por pouca escolaridade, doenças graves e longas internações hospitalares. Ringo já era considerado o melhor baterista de Liverpool quando outros trê o convidaram para fazer parte da banda The Beatles. O livro “Ringo” (Editora Planeta) detalha também a carreira pósBeatles, como o período de abusos e sua superação, À venda por R$ 38,60.
NA LEVADA
Por Ana Sniesko
E D A I R E T A B A D M É L A O T I U M
É R D N A JUNG
O primeiro baterista do Titãs, que ainda tem uma longa história com o Ira!, conta um pouco sobre sua trajetória, que tem muito mais percussão do que a gente imagina
Q
uem vê André Jung soltando a mão na bateria não imagina que o seu primeiro instrumento foi a flauta, quando estudou música barroca. Depois, ainda veio um flerte com o violão, uma breve história com o contrabaixo, para só então encontrar o caminho da percussão. “Já era um percussionista profissional quando achei que seria uma boa estudar um pouco de bateria”, lembra. Esse “pouco” acabou virando muito mais do que ele poderia imaginar. A sua primeira aquisição foi aos 20 anos e o convite para integrar os novatos Titãs veio em seguida. “Quando Sonífera Ilha estourou, eu era um baterista bem recente. Tocava há uns dois anos só...”, diz. Foi o suficiente para conquistar espaço na banda. O encontro era mais do que obra do acaso. “A bateria tomou um espaço da minha vida grande por conta desse sucesso”, conta. O ano era 1982, o
rock dos lendários anos 1980 começava a tomar forma e André fincou o seu nome nessa história. No réveillon de 1985 ele se despediu da banda, para cinco dias depois subir ao palco com o Ira!, que veio a ser a sua casa por mais de vinte anos. “O Ira! Me deu muito espaço, já que era um trio e não uma banda, diferente da formação dos Titãs. Fiquei até 2007, com 13 álbuns e 3 DVDs para contar a história”, soma. Antes de toda essa caminhada, Jung fez parte da linha percussiva da banda Sossega Leão que, nesse início da década de 1980, era tão proeminente quanto os autores de Sonífera Ilha. “O Nando Reis era o cantor da banda e, assim como eu, também teve que escolher qual caminho seguir”, relembra. Na Sossega, que tocava música afro-caribenha, André tirava o som de congas. “Queria seguir como congueiro, mas a bateria falou mais alto na época”, conta.
Uma volta no tempo Neste final de década, Jung se juntou a uma galera e voltou para as suas raízes. Com os Trip Teasers ele se reencontrou com as congas e os bongôs, junto a músicos bem mais jovens. “Em média, eles são 18 anos mais jovens do que eu. Eles me procuraram e a gente começou a tocar sem compromisso, mais para encontrar uma linguagem e uma personalidade. A banda sequer tinha nome”, conta. No início, como em 99% das bandas, eles começaram com músicas de outros grupos, para então enveredar para uma música própria. “Como cada um tem outra ocupação, inclusive eu, o trabalho não tem pressa, mas busca qualidade no que a gente faz. Fizemos em casa dois temas e dois clipes”, destaca André. Em casa quer dizer que eles gravaram, mixaram, produziram, no bom e velho estilo handmade.
E
Fotos: Paulo Rapoport e Arquivo Pessoal
E, para o ano que entra, eles já têm novidades. “Para 2020 já temos um tema em desenvolvimento, que chama “Paisana”. A Liviana Costa é quem faz o vocal e ela é ótima. É uma cantora que vai da música eletrônica a música lírica, além de escritora”, adianta. Dos dois lados do balcão Os bons anos de estrada fizeram de Jung um cara para lá de experiente quando o assunto é música, o que o fez ter experiências também como produtor, com nomes como Manu Gavassi e a banda Stevens. “O trabalho de produção musical tem muitas vertentes. Tem produtores que trabalham com a parte técnica, que são muito capazes de operar a tecnologia e as suas possibilidades. Outros têm um feeling muito bom e conseguem extrair o que o artista tem de melhor. Procuro usar um pouco de cada característica no meu trabalho”, explica. Embora busque o equilíbrio no trabalho de produção, André conta que, muitas vezes, cabe a ele fazer o papel de coach. “É preciso criar uma rotina para fazer o artista se soltar, fazê-lo desabrochar. Muitas vezes, eles não
têm experiência em estúdio e se sentem intimidados na gravação. É preciso criar condições para ele assumir esse desafio com a garra necessária”, comenta. Já como artista, André acredita que é mais fácil ser conduzido. “Para ser um produtor de qualidade você precisa colecionar uma série de experiências para conhecer erros e acertos. No papel de artista, já não. Muitas vezes, a experiência te faz perder determinadas características de espontaneidade, originalidade, que a juventude tem tão forte e, com o passar do tempo, podemos perder”, diz. Dos novatos, Jung quer mais é que eles rompam com as tradições, tragam um outro olhar, marquem a sua identidade. “Ser produzido, a gente aprende com o tempo. No primeiro trabalho, você não consegue avaliar o trabalho que você está recebendo. Fulano faz bem tal coisa, ciclano manda bem em outra coisa... Nos primeiros discos é muito comum só obedecer ou desobedecer totalmente”, ironiza. E, não, não são relações nada fáceis. “Muitas vezes, o artista tem um ciúme tão grande da sua obra, que gera um problema. O papel do produtor
não é registrar, mas aprimorar as características de comunicação daquela ideia”, completa sobre o conjunto da obra. Um olhar de fora A saída de André do Ira!, foi conflituosa. “A gente fica um pouco na dúvida do lugar que a gente ocupa... Eu era o baterista do Ira! ou um baterista que tinha deixado uma marca? Esse recomeço teve muito receio, incertezas... Hoje, dez anos depois, posso dizer que me sinto muito bem”, conta. Ao sair da correria de ensaios, gravações, shows e tudo o que a carreira musical implica, Jung percebeu o respeito e o carinho dos músicos que acompanharam a sua caminhada. “Ouço boas palavras de músicos de todo o Brasil, que me tratam com um carinho que me deixa muito lisonjeado. Muitos dizem que tiraram músicas minhas... Eu não imaginava isso. Eu estava muito ocupado com o dia a dia, as minhas obrigações e o diálogo era bem menor do que hoje”, conta André, que ainda atua como importador da marca Pearl, o que faz com que o seu dia a dia seja repleto de encontros e, de quebra, ele ainda vê que deixou, sim, a sua marca. Entre as suas referências, Zé Eduardo Nazário, Robertinho Silva (Clube da Esquina) e Nenê o inspiraram no início. “Nenê foi o baterista do Falso Brilhante, tocou com a Elis, em uma fase incrível do Hermeto, com o Egberto Gismonti”, diz. Quando o rock começou a tomar espaço, Franklin Paulilo (Tuti-Fruti) e o Marinho (Mutantes) foram os caras que deram o tom. “Eram os caras da Pompeia, que eu curtia muito”, conta. Depois ainda teve Charles Gavin, seu sucessor nos Titãs, e João Barone, do Paralamas. “Na música pop, mais importante do que a virtuosidade da bateria, é saber como se comportar em uma canção. É preciso bom gosto para isso, como tem o Haroldo Ferreti, do Skank”, finaliza.
TIMBRES
Por Ian Sniesko
E V O O O GR S O Ã M S A N ESTÁ PÉS S O N O R E P M E T M U COM
e Baixo d s o it fe E e ão a Pedais ç u d o r t In a Um
Pedalboard de Flea, baixista do Red Hot Chili Peppers. Da esquerda para a direita: Dunlop Cry Baby Wah, BOSS Bass Overdrive, MXR Microamp e Electro Harmonix Q-Tron. Fonte: Pedalmaniacs
DISTORÇÃO
Talvez o mais conhecido dos efeitos utilizados no baixo, assim como na guitarra, seja a distorção. Pense na linha de baixo dos versos de “By The Way”, do Red Hot Chilli Peppers. Ou então em “Crying Lightning”, do Arctic Monkeys, composição na qual o baixo, altamente melódico, leva todos os holofotes para si. É amplamente considerado um dos timbres mais aclamados da década de 2000.
Imagens: Reprodução
A
pesar da sua grande importância na música popular, pouco se fala sobre pedais e efeitos de baixo e a grande possibilidade de nuances sonoras que oferecem. Baixistas famosos como Flea, Bootsy Collins e Roger Waters se utilizam da vasta gama de possibilidades proporcionadas por esses efeitos para levar aos limites o instrumento.
São muitas as músicas famosas na qual a linha de baixo conta com um ou mais efeitos. Um dos baixistas pioneiros em fazer uso de diferentes pedais ao longo da carreira é o Flea, do Red Hot Chili Peppers. Entre distorções, modulações e filtros, o repertório da banda merece ser estudado por essa perspectiva. Dentre os pedais frequentemente utilizados no baixo elétrico estão o já conhecido trio de distorção: overdrive, distortion e fuzz. Modulações, como o chorus, que conferem ao som instrumento uma sensação de “movimento” única, octavers (em português “oitavadores”), envelope filters ou auto-wah’s e compressors. Confira abaixo uma introdução a cada tipo dos mais populares efeitos de baixo:
S
Contudo, ao fazer uso deste efeito é preciso tomar certo cuidado para não perder as frequências mais graves. No estúdio, ou mesmo ao vivo, uma técnica frequentemente usada é a de dividir o som do baixo em duas faixas: uma distorcida e mais focada nas frequências acima de 200Hz ou 300Hz, e outra limpa, focada nas frequências graves e subgraves. A partir daí, ajuste o volume de ambas a gosto. Pedais: BOSS Bass Overdrive, MXR Bass Distortion
CHORUS
O famoso efeito de chorus, que teve seu auge nos anos 80 e voltou a ganhar popularidade nos últimos anos também pode ser usado no baixo. O resultado é um leve movimento nas frequências graves. É preciso, contudo, achar o ponto ideal e evitar exageros para que os fundamentos do som do instrumento não se percam. Em músicas como “Off The Wall”, do Michael Jackson, e “Alive”, do Pearl Jam, os baixistas se utilizam do pedal de chorus para dar dimensão e mais poder ao baixo.
da mixagem. Ajuste o efeito para uma oitava acima e o knob de mix por volta de 50% a 80%: o resultado é um som de baixo que preserva suas frequências graves, mas ainda tem presença. Uma das músicas em que o baixo se utiliza desse efeito é “Feel Good Inc.”, do Gorillaz. Observe como a linha do instrumento ganha um papel melódico e rítmico ao mesmo tempo e “gruda” na cabeça do ouvinte. Pedais: MXR Bass Octave, BOSS Super Octave
Pedais: BOSS Bass Chorus, Electro Harmonix Small Clone
FUZZ
Apesar de também se enquadrar na categoria distorção, o fuzz é um efeito que merece ser tratado a parte. Ele dá ao som do baixo uma característica granulada e texturizada. Pense na introdução de “Breed”, do Nirvana, ou em “Ace of Spades”, do Motorhead. Muitos pedais famosos por seu uso na guitarra também casam muito bem com o baixo: o Fuzz Face e o Big Muff, por exemplo, são unidades de efeito que conservam muito bem as frequências graves, tornando-se uma ótima opção para uso no instrumento. Pedais: Electro Harmonix Bass Big Muff, Dunlop Silicon Fuzz Face
ENVELOPE FILTER
OCTAVER
O efeito de octaver consiste em ser um pedal que dobra o que está sendo tocado até duas oitavas acima ou duas oitavas abaixo. Esse efeito é muito utilizado no baixo quando se precisa dar um “empurrão” a mais no instrumento para que ele consiga ser ouvido no contexto
O envelope filter, como especificado pelo próprio nome, cria um filtro do tipo envelope, que trabalha como um pedal de wah automático: por sua similaridade com o efeito, é também chamado de auto-wah. O ponto forte do pedal é sua sensibilidade à força da palhetada. O efeito é muito usado em linhas de baixo com inspirações na funk music, como nas de “Power of Equality”, do Red Hot Chili Peppers, e “Just Another Story”, do Jamiroquai. Pedais: Electro Harmonix Q-Tron, MXR Bass Envelope Filter
Foto: Shutterstock/André Luiz Moreira
TIMBRES
COMPRESSOR
O último pedal da lista serve mais como uma ferramenta básica do que como um efeito propriamente dito. Quando bem utilizada, a compressão pode melhorar muito o seu timbre e fazer com que as suas performances fiquem mais uniformes. Porém, é importante ser sútil no efeito para que não se percam as dinâmicas naturais do som. Pedais: Tc Electronic Spectra Comp, MXR Dyna Comp
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OS CAPTADORES DE CONTRABAIXO Por Erico Malagoli Pode parecer mentira, mas o baixo elétrico surgiu nos anos 30, porém somente nos anos 50, com o Precision, criado por Leo Fender e George Fullerton, que esse instrumento maciço, elétrico, prático e com produção em massa, ficou famoso. Os primeiros P-bass possuíam um captador single, parecido com um de tele, mas com quatro polos em alnico, e assim permaneceu por alguns anos. De fato, durante a década de 50 o Precision, mesmo passando por modificações, foi o único modelo de baixo comercializado pela Fender, sendo que o design que conhecemos hoje, incluindo o captador de bobina dividida (uma bobina para cada 2 cordas com fase e polaridade reversas), só surgiu em 1957. Mas, enquanto a Fender surfava na onda do Precision, outros fabricantes, como Gibson, Hofner e Rickenbacker já estavam desenvolvendo e lançando seus próprios modelos de baixos. Com a popularidade do rock crescendo nos anos 60, o mercado foi se desenvolvendo cada vez mais, a Fender e a Gibson lançaram alguns modelos no início da década, tendo sido o Jazz Bass, com 2 captadores singles o que mais bem-sucedido. A partir daí, o mundo dos baixos elétricos não parou de crescer, uma enorme quantidade de modelos foi aparecendo ao longo dos anos, com diferenças grandes em termos de design, número de cordas e, claro, em captadores. Os captadores magnéticos são os mais usados, mas captadores piezos (e até com infravermelho) já foram utilizados. Entre os magnéticos, um mundo alternativo surgiu com os captadores de bobinas duplas, de diversos formatos, sendo os chamados Soap Bar provavelmente os campeões em variações de tamanho e formato, alguns desenvolvidos pela EMG, que também contribuiu com os modelos ativos e criou uma ramificação importante junto com outros fabricantes de circuitos ativos - agora teríamos os captadores passivos, os ativos e os passivos combinados com circuitos ativos. E é aí que se encontra a maior dificuldade para trocar o captador de um contrabaixo. Ao contrário das guitarras, onde os fabricantes procuraram manter as medidas-padrão dos humbuckers Gibson e dos singles Fender (dentre outros) para facilitar a substituição
dos captadores, para os baixos surgiram diversos tipos e padrões de formatos de medidas, tanto nos humbuckers quanto nos singles. Um Jazz Bass de 4 cordas, por exemplo, possui um captador ponte maior do que o captador braço. No caso do Jazz Bass de 5 cordas, seria natural a proporção ser mantida, porém em tamanho maior, e isso realmente acontece, mas não é um padrão para todas as fabricas, já que algumas usam um único tamanho (o tamanho da ponte 5 cordas, mas em ambas as posições). Outros adotam as capas Ponte e Braço dos Jazz Bass de 4 cordas, mas com espaçamento de 5, há ainda outros que fazem a mesma coisa somente com o da ponte, isso sem falar nos Jazz Bass de 6 cordas, enfim… é quase uma bagunça. Para os fabricantes de captadores isso é um terror, pois além de a demanda por captadores de baixo ser menor que a verificada por captadores de guitarra, a variedade é maior e, consequentemente, o investimento também é maior por conta de maior quantidade de moldes, peças etc. A consequência é uma segmentação, com fabricantes grandes dispondo de poucas opções para baixo e outros, menores, mais focados em captadores de baixo e de produção menor, o que dificulta a compra e eleva os preços, até porque a concorrência é menor. Na falta de captadores, a saída então é recondicionar ou refazer os captadores do baixo, correto? Infelizmente não é bem assim, pois muitos deles, especialmente os Soap bar são lacrados… O resultado disso tudo? Consumidores com um certo receio de trocarem o captador ou “na mão”, por não encontrarem o modelo ou timbre que desejam. Erico, então é o fim do mundo, não podemos trocar nossos captadores? Na Malagoli optamos por manter os padrões Fender Precision e Jazz Bass, os Music Man tradicionais e o formatos de Soap Bar mais procurados, para 4, 5 e 6 cordas. Em nosso site encontram-se também as medidas dos captadores para ajudar na escolha, isso atende uma boa parte da demanda, mas para aqueles que não encontrarem o que desejam, há um esforço em curso envolvendo a Malagoli, luthiers e a revista 440Hz para disseminar essas informações e atender à maioria dos baixistas, usando nosso pickup lab para timbres diferenciados em modelos que já temos, refazendo captadores que permitam essa modificação, circuitos externos aos captadores para modificar timbre/ganho e, finalmente, facilitar a adaptação de modelos ligeiramente diferentes.
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TOQUE COMO
O CRIADOR DO ROCK
A
Gibson, icônica marca americana de instrumentos musicais, anunciou o lançamento mundial da edição limitada da Chuck Berry 1955 ES-350T. A marca uniu forças com a família do guitarrista para criar uma réplica perfeita do clássico modelo de 1955 do músico. Historicamente precisa, a guitarra foi lançada em comemoração ao aniversário do lendário artista e já está a venda nos revendedores autorizados Gibson em todo o mundo. Agora está na hora de arriscar o seu Duckwalk solando jonny B. Good. Talvez você não seja o próprio criador do Rock, mas se sinta De volta para o futuro.
DDGS APRESENTA OS VENCEDORES Considerado o maior concurso de guitarra instrumental da América Latina, o DDGS (D’Addario DeLaet GuitarShow) é uma vitrine de novos talentos da música instrumental. Hussein Haddad, de TaubatéSP, foi o grande campeão, enquanto o pernambucano Luca Silva ficou com o segundo lugar e o mineiro Dênis Cândido fechou o pódio. Concebido e organizado por Miguel De Laet, o DDGS pode ser considerado a evolução do Eagle Experience, também conduzido por De Laet, entre os anos 2010 e 2014, revelando talentos como Cacá Barros e Leandro Farias, entre outros. “Recebemos centenas de inscrições com performances de guitarristas da América Latina e ficamos surpresos com o nível técnico este ano”, informa De Laet. A edição 2019 contou com um júri técnico formado por Érico Malagoli, Guilherme Berenguer, Guilherme Zomer e Guilherme “Guima” Maximiano.
Fotos: Shutterstock e Divulgação
ME ACOMPANHE SE PUDER
SOTAQUE ITALIANO
Saiba mais em: https://tefivintagelab.it/
Os italianos Andrea Damiani e Emanuele Placidi se conheceram em um fórum sobre eletrônica. Hoje, a dupla mantém a TEFI Vintage Lab, uma marca de pedais artesanais que se destaca pelo estilo. O Maccheroni Bros, um dos nossos queridinhos, é um overdrive duplo que consiste em dois circuitos distintos, projetados para criar uma ampla variedade de novos sons modernos e versáteis.
HENDRIX VIVE
PIANO PARA TODOS A Steinway & Sons está empenhada para que todos aprendam a tocar piano. A tradicional marca de instrumentos conta com um serviço de locação através do qual o interessado pode alugar um piano por alguns meses, Para quem precisa de ajuda para tocar os primeiros acordes, eles ainda disponibilizam uma rede de professores associados que oferecem aulas dos mais diferentes níveis. A notícia é ótima para os amantes da música, mas infelizmente só está disponível para residentes no Canadá e nos Estados Unidos. Quem sabe uma marca brasileira não se inspira também!
Para os fãs do guitarrista, o livro ilustrado Hendrix (Crestline Books) é um presente e tanto. Na obra, a jornalista musical Gillian Gaar esmiúça desde a educação do guitarrista, seu serviço como paraquedista do Exército, seu exílio no Reino Unido, sua volta aos EUA e a fama que se seguiu, até sua morte prematura em 1970. A publicação conta com uma curadoria exemplar de fotos, posters e outros materiais sobre um dos mais proeminentes músicos do século. A obra ainda não foi traduzida, mas pode ser encontrado para a entrega internacional.
HISTÓRIA
Por Fernando de Freitas
O D A D SOL Y A W N STEI A GUERRA
Imagens: Reprodução
R A P I O F E U O PIANO Q
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ós conhecemos as histórias dos artistas que foram até os campos de batalha na Europa e na Ásia para se apresentar para as tropas americanas durante a II Guerra Mundial. Glen Miller, inclusive, morreu durante uma dessas incursões, quando o avião que o transportava e à sua orquestra desapareceu sobre o Canal da Mancha. Mas existe uma história muito interessante, de uma tropa de cerca de 5.000 pianos Steinway enviados para a Guerra. Eles eram chamados de Victory Verticals ou G. I. Steinway.
PARA SOBREVIVER À GUERRA
Durante o período da II Guerra, a indústria norte-americana empreendeu esforços que redundaram, por um lado, em superprodução de alguns produtos e, por outro, em paralização de outros. Boa parte da matéria prima e da mão de obra foi alocada na indústria bélica ou em setores necessários para a subsistência do país, dos aliados e das tropas. Instrumentos musicais eram um luxo desnecessário e, portanto, sua produção foi paralisada, madeira e metal teriam outros usos, “mais apropriados”. Porém, a música que chegava às tropas foi considerada uma arma de guerra, pois elevava o ânimo dos que estavam longe de casa. Tornou-se uma prioridade levar música e entretenimento para os soldados que estavam na frente de batalha para o governo norte-americano. “Aquela música era considerada um impulso moral tão poderoso que os pianos foram realmente construídos para serem lançados de paraquedas por todo o mundo, é incrível!”, conta Jonathan Piper, gerente de artefatos e exposições do Museum of Making Music em Carlsbad, Califórnia. E esses pianos foram a salvação da Steinway e de seus trabalhadores, que puderam continuar operando em sua oficina em Nova York. Porém, com um
produto muito diferente daquele que estavam acostumados a construir. As cores cinza, verde e azul substituíram o elegante preto ou a madeira envernizada, e o design era mais simples para que o instrumento formasse um bloco resistente. O mais surpreendente, talvez, seja que o fato de que os pianos tinham alças, para que fosse carregados pelos soldados.
O PIANISTA DAS TROPAS QUE VIRIA A REVOLUCIONAR O JAZZ
Recém-formado na Universidade, um jovem rancheiro da Califórnia se alistou para servir o exército norte-americano na II Guerra. Logo após sua chegada na Europa, ele se voluntariou para tocar piano em uma apresentação da Cruz Vermelha. Um oficial reconheceu seu talento e o convidou para formar uma banda para animar as tropas. Claro que não era o que ele imaginava, mas isso o deixaria em menos perigo e ele continuaria dedicado à luta contra no nazismo. David Warren Brubeck, que chegaria a sargento do exército, aprendera com seu pai que ele devia lutar sempre contra a desigualdade, e fez uma única exigência para montar o Wolf Pack, que sua banda não fosse segregada. Assim, Dave, como viria a ser conhecido, formou uma das primeiras, senão a primeira, unidade do exército norte-americano integrada. A experiência na Europa durante e após a guerra - Dave permaneceria no exército até 1946 - proporcionou que ele entrasse em contato com músicas de culturas diferentes, como a música turca, que o inspiraria a compor “Rondo a la turk”. Foi durante esse período que ele iniciou os estudos de andamentos alternativos que apresentaria no álbum Time’s Out anos depois e que revolucionariam o Jazz.
SOLOS Por Fernando de Freitas
A C I S Ú M A O D M E QUE V O T I R Í P ES uitarra de G a d s e õ ç a As lig aízes da r s a e e t n o Nicola C música
N
icola Conte fumava tabaco enrolado. Estávamos sentados no sofá do camarim conversando e pensei em avisá-lo que a legislação brasileira é bastante rígida contra o fumo em casa de shows. Mas como ninguém mais parecia se importar, deixei passar. Tudo remetia aos mil clichês do cinema, o humor (a falta dele), a postura arrogante, as roupas, o corte de cabelo, o jeito de cruzar a perna e, claro, o cigarro. Se o substituíssemos por Marcelo Mastroiani, teria certeza de que eu teria rompido os limites da tela e entrado em um filme de Fellini, De Sica, Etore Scola. Se letras se tornassem em minha imaginação, talvez Vittorini, Pirandello ou Svevo. Eu definitivamente estava defronte a um personagem Italiano. E o guitarrista não respondia nenhuma pergunta diretamente. Ele discordava das perguntas. Apaixonado por seu trabalho e pela música que pesquisa, ouve e produz, ele quer que o interlocutor ouça música. Não há muita saída, esse é o caminho. Mas uma coisa fica clara durante a conversa: assim como as personagens dos filmes e livros Italianos, ele está em ruptura com a ordem social. Ele diz isso claramente, ele não faz parte da lógica de consumo em voga e sua música é, em respeito ao povo, feita para combatê-la. Na sua visão, a fórmula para se vender música, principalmente, a música pasteurizada que é majoritariamente produzida, é fazer com que aquilo que já se fez seja esquecido. Sua última incursão é na música africana. Ele esclarece que não se trata de pentatônicas ou escalas modais, mas um espírito, que se revela nos ritmos e num certo modo de fazer que não se permite na música da indústria. Semanas depois, assisti à cinebiografia “Meu amigo Fela”. Nela, um músico explicava de maneira simples o mesmo que Nicola Conte falava. Fela fazia o extraordinário com dois acordes, com as mesmas cinco notas da escala pentatônica usadas pelos músicos europeus e americanos, criava combinações rítmicas e melódicas surpreendentes. Fela, como Nicola, era um contestador. Um homem politicamente ativo que fez da sua música um manifesto de seus ideais. A arte não era (apenas) uma forma de entretenimento, mas um catalizador de libertação.
NICOLA SOBRE O PALCO
A música produzida por Nicola Conte beira ao conceitual. Os arranjos são bastante sofisticados, ainda que limpos. Seu estilo de guitarra é elegante. O dedilhar faz comentários melódicos, ou mesmo humores esporádicos sobre o tema, o que remete a um jazzista contido e preciso. A música não soa como algo de nosso tempo. Também não soa antiga. Tampouco pode ser rotulada de atemporal ou avant-garde. É um recorte único, registro de um artista deslocado em um mercado que busca rótulos, ainda que baseado em contradições.
“Meu Amigo Fela” - 94 minutos Ficha Técnica Direção e Roteiro: Joel Zito Araújo Produção: Luiza Almeida Produção executiva: Luiza Almeida Montagem: Isabel Castro Produtora: Casa de Criação Cinema Distribuição: O2 Play
TESTE
I L O G A L A IM I E P M DI PO Por Fernando de Freitas
des Com novida que revisitam o passado, a a r marca most o a que olha par futuro
O
Numa dessas esquinas, um marceneiro de Modena trabalhava em uma rua de nome tropical e tipicamente brasileiro, Barão do Bananal. O bairro estava repleto de seus conterrâneos, era afastado do centro, com algumas ladeiras e parecia um bom lugar para criar os filhos. Quando chegou o “roquenroll” por ali, a molecada correu para aprender a novidade. Os irmãos Sérgio e Arnaldo se juntariam a uma menina da Vila Mariana chamada Rita para formar os Mutantes, e para isso usariam uma guitarra fabricada pelo seu irmão, Claudio. Carlos e José fizeram a mesma coisa, fundaram o The Thicks, e fizeram suas primeiras guitarras ali, na Barão do Bananal, na marcenaria do pai, usando os captadores do seu Vitório.
Imagens: Reprodução
s bairros antigos de São Paulo escondem histórias em suas esquinas. São galpões centenários, casas de paredes firmes, muros irregulares e janelas que aguçam a curiosidade de quem espia o amplo espaço do modo de fazer de nossos antepassados e seus pés direitos enormes. Como se esperassem que nos tornássemos gigantes um dia.
ADAPTAR PARA SOBREVIVER Os Malagoli da Pompeia carregam consigo uma habilidade de imigrantes, a da adaptabilidade. A banda era bacana, mas os instrumentos eram melhores. Assim surgiu a Sound. Quando a demanda aumentou e Seu Vitório não deu mais conta, os irmãos passaram eles mesmos a fabricar os próprios captadores para as guitarras que produziam, criando uma divisão eletrônica. O negócio cresceu, com loja, com fábrica, com a família. Mas aí veio o Plano Collor, o Plano Real, a abertura e os importados. Na época, com a paridade, nossos carros pareciam carroças e nossas guitarras ganharam má fama. O sonho da Fender brasileira foi por água abaixo na Gianinni, e todas as fábricas diminuíram. Quem fazia violão de bossa nova se concentrou na sonoridade que levou nossa música para o mundo todo. Mas a fábrica da Pompeia tinha uma veia elétrica. A decisão foi se concentrar exatamente nos captadores. A próxima aposta foi entrar no mercado de alta qualidade: não dava para competir com o preço dos chineses, mas com a sonoridade dos americanos, sim, e, definitivamente, com o preço. Para isso, eles criaram uma nova linha de captadores, que levaria o sobrenome da família. Assim, eles colocariam nas prateleiras mais um nome para escolha: Seuymour Duncan, Dimarzio, Malagoli. Pouco a pouco, o trabalho tomou corpo com a gama ampla de captadores, dos customs aos hh777. E Erico investiu em algo que seus concorrentes diretos desconheciam completamente. De maneira meio brincalhona, colocou sua cara nas redes sociais e fez uma bem sucedida campanha de marketing digital falando de música com humor e muito carro (sua outra paixão). As redes sociais e a notoriedade cresceram, até que um dia surgiu a lenda em um vídeo de Renato Stauros, Memphis com Malagoli dá pau em Fender. Virou meme.
OLHANDO PARA FRENTE E RETOMANDO TRADIÇÕES Não é possível agradar a todos (dizem até que quem tem boca, vaia Roma) e nem é essa a preocupação, mas atender a um mercado abrangente é o desafio. A Malagoli não é a marca de uma turma, mas uma fábrica conectada com um mercado tão diverso quanto o país em que a família italiana escolheu firmar raiz. Há três novidades reservadas para o começo de 2020, atendendo a pedidos. Os lançamentos de um captador ativo para guitarra e de um captador magnético para violão foram projetos que tomaram tempo de pesquisa e já criam expectativa entre os aficionados. Mas, talvez, o que mais gente esteja esperando seja a volta do Pedal Sound.
Desenvolvido com o guitarrista André Coutinho, o circuito ativo foi inteiramente colocado dentro da capa, como os famosos EMG. Mas se engana quem quiser fazer a troca de um pelo outro. A dupla Malagoli e Coutinho inverteu a lógica de construção do circuito ativo, para que a captação ganhasse em força, eliminasse ruídos, mas o timbre não soasse artificial. A primeira peça foi construída numa capa vermelha e instalada em uma SG preta. A conclusão sobre seu timbre pode ser vista no vídeo produzido. A fábrica nunca deixou de produzir captadores para violão. Piezos de contato e de rastilho, e até mesmo magnéticos, com a marca Sound são achados no
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mercado. Mas faltava algo com a cara da Malagoli. O desenvolvimento e testes de um captador de boca com mais poder de fogo era um pedido antigo. Os desafios são muitos. As cordas de violão são diferentes das cordas de guitarra, desenvolvidas para atraírem os magnetos. Inclusive, uma nova parceria deve ser firmada para comercializar as cordas adequadas para o violão que use esse captador. E o Pedal Sound? Erico ainda faz mistério. Vai sair. Talvez até com a famosa sirene. “Mas ele vai ter outra cara. Não sei. Vamos ver.”.
CASA ABERTA Naquele galpão que fabricou tantos sonhos, a marcenaria deixou de existir. A fábrica hoje ocupa um espaço bem menor do imóvel ao lado. E surgiu a vontade de dar à Pompeia um pouco do
que os Malagoli receberam dela. O antigo galpão está sendo reformado para receber eventos de música da empresa e de parceiros. Eles preparam um pequeno museu da empresa para contar a história. Inclusive, algumas guitarras estão sendo reformadas para serem expostas onde também deve funcionar um café que movimente este centro cultural. A família não quer transformar numa casa de shows, mas em um local que funcione como centro gravitacional (ou melhor, polo magnético) da música. A ideia é que o espaço permita múltiplos usos, para estimular artistas e produtores de conhecimento musical e de mercado. Nesta Pompeia o que está em erupção é a música, e devastadora como a lava é a eletricidade dos Malagoli.
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QUEM TEM VOZ “A MÃE ERA MINHA, MAS ELIS REGINA ERA DO MUNDO”
SOM FRANCÊS
COM PUNCH DO BRASIL
João Marcello Bôscoli se despediu da mãe aos 11 anos, mas as lembranças de Elis o acompanham desde sempre. No livro “Elis e eu” (Editora Planeta), o autor revisita as memórias da mãe e a obra da cantora. Na obra, o produtor musical, empresário e primogênito de Elis divide com o leitor suas lembranças da infância, detalhes de sua relação com a mãe e como sua vida se transformou após a perda. O livro traz prefácio de Rita Lee e quarta capa assinada por Nelson Motta. “Aí, pergunto: isso acaba? O que é bom se extingue? Por isso, viva a vida”, trecho do diário de Elis Regina. À venda por R$ 41,90.
Fotos: Shutterstock e Divulgação
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multiartista Loïc Koutana, imigrante afro-francês no Brasil há cinco anos, acaba de lançar o novo single de L’homme Statue, intitulado “Egoísta”. A faixa faz parte de um compilado de artistas brasileiros lançado pela plataforma mexicana Onda Musical. Sua carreira foi marcada, há alguns meses, pela faixa “Braços/Vela”, com um videoclipe dirigido por Doug Bernardt (diretor da Stink Films que conquistou um Grand Prix em Cannes com o curta “Bluesman” do rapper Baco Exu do Blues). A faixa foi criada em conjunto com o produtor musical Pedro Zopelar. A composição versa entre português e francês e foi inspirada numa grande ruptura da sua vida, o incêndio acidental em seu apartamento. Com elementos de Jazz, Soul e Hip-Hop, a música teve seu clipe gravado nas cinzas da casa incendiada.
DESTAQUES NO WME AWARDS
Saiba mais em: pedaiseefeitos.com/eventos
Pitty levou o prêmio de melhor cantora no WME Awards by Music2!, primeiro prêmio totalmente dedicado às mulheres do universo musical, que chegou à sua 3ª edição. A cantora ainda levou mais um prêmio, do voto popular, com melhor música alternativa. Anavitória ficou com o título de melhor álbum para “O Tempo é Agora”. A grande homenageada da noite foi a cantora Gal Costa, estrela da música nacional que surgiu nos anos 60 e até hoje se mantém como uma das vozes mais emocionantes do país, além de Beth Carvalho, uma das maiores sambistas do Brasil, que nos deixou neste ano.
EP COM PERFORMANCE
GIL EM DETALHES O documentário “Gilberto Gil — Antologia Vol.1”, o sexto realizado por Lula Buarque de Hollanda com o artista, apresenta obras compostas entre 1968 e 1987. Na obra, Gil revela sua visão de mundo e potência criativa em expansão no início de carreira, num turbulento momento histórico. O filme de montagem é construído a partir de vasta pesquisa de imagens de arquivo e revisita o contexto das músicas em conversa com o próprio criador. Será exibido no canal Curta, em diversos horários, a partir do dia 23 de dezembro.
Depois de três anos, o retorno autoral de Barbara Ohana é marcado pelo EP “Looking for a New Place to Begin”. Com seis faixas sendo três inéditas - o lançamento ao público uniu música, moda e audiovisual no desfile da marca Another Place, na SPFW. Na produção, que nasceu para ser uma audiovisual collection, Massaro vive a pele de um alter ego, um rockstar que dubla a voz intensa dela no palco e vive momentos de angústia, culpa, confusão e frustração. “Foi um rico deslocamento da minha zona de conforto, uma vez que precisei dar cara e corpo às músicas da Bárbara, não só dublando como dançando. A sorte é que as músicas são altamente intensas, assim como ela e, também, dramáticas e viciantes. Foi delicioso”, conta Johnny sobre o processo do clipe e do curta.
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Fotos: Silvia Machado / Divulgação
CAPA
Por Fernando de Freitas
ANTONIO NÓBREGA
Antonio Nóbrega volta a gravar após 13 anos e abre álbum com canção que diz “Minha voz não / Silencia porque poeta não cala”
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m homem pequeno, de corpo miúdo e rijo. Os gestos precisos, como suas palavras, que se equilibram entre a ponderação e a timidez. A figura contida de Antonio Nobrega contrasta com a exuberância que tem no palco e os superlativos que a crítica lhe endereça. O pernambucano construiu uma carreira que se materializa no Instituto Brincante (nome de um de seus primeiros espetáculos de teatro), um dos patrimônios culturais da Vila Madalena, em São Paulo. Mas, dentre todos adjetivos que Nóbrega carrega em sua bagagem, talvez o que eu nunca tenha visto lhe atribuírem - e o que eu considero mais justo - é o de artista radical. Radical deriva de raiz. Aquilo que é ou está enraizado. Que se fixa ao solo. Cujo vento não tem força para arrancar de sua base. Assim é o artista, que após ser ovacionado na Europa com o espetáculo de dança “Figural”, apresentou o espetáculo teatral “Brincante” e partiu, em seguida, para sua “Pancada no Ganzá”. No pequeno teatro da rua Purpurina, que primeiro ganhou almofadas sobre o concreto para, depois, receber encosto e isolamento acústico. Mas Nóbrega permanece sendo ele mesmo o próprio Lunário Perpétuo, um livro em que cabe um pouco de tudo. Como artista - no sentido mais puro, ou radical, da palavra -, canta, dança, escreve, compõe, declama, ensina, ou seja, navega entre todas as artes com a onipresente nau de suas canções. Em seu papel de pesquisador, que transborda em sua obra, a tradição tem a função criativa, está na raiz da cultura brasileira, em especial a nordestina, o catalizador para a expressão sempre em inovação. Seu amor pelas manifestações populares está nas possibilidades artísticas que elas lhe proporcionam. Em seu trabalho, a tradição não é peça de museu ou um bibelô pitoresco a ser admirado. Isso está declarado desde seu primeiro álbum, quando gravou Movimento N.1 de Bach para Rabeca e Flauta.
MARIANA, MARIELLE, BRUMADINHO
Nóbrega insiste que este não é um álbum exclusivamente político, que apesar de haver canções com alvos certeiros, há outras, que tratam de temas mais abstratos, como o ofício do poeta, tal como a faixa “Poeta é um Fingidor”. Porém, a faixa aparece na sequência daquela que declara que poeta não cala e relacioná-las, se não por desejo consciente do artista, é necessário. Este poeta que não cala, e que vem marchando na primeira faixa contra a opressão, é tambémaquele que tem poderes de alquimista e malabarista prestidigitador.
CAPA No título do álbum está a personagem principal desta obra. A Rima, no sentido do fazer poético, é o instrumento de Nóbrega. O exercício poético explicitado nas formas poéticas praticadas e explicitadas na cantiga “Na bola da Embolada” é o artista apresentando suas armas. É por cantiga que Nóbrega trata as canções, em uma referência às formas populares que ele utiliza para compô-las. Nessas formas populares, que remontam à tradição oral trazida ao Brasil desde de sua colonização, reside o próprio poder alquimista, a habilidade malabarista e o truque prestidigitador de Antonio Nóbrega, que nelas inclui seus temas e causas, atuais como um grito de desafio que precisa ser posto para fora. Não é surpresa ver Nóbrega tomar posição diante de uma causa. Estão presentes em toda sua obra as questões sociais e a questão indígena. É possível encontrar diversos graus de metaforização, em cantigas como “Coco da Bicharada” ou “Flecha Funiô” (do álbum “Marco do Meio Dia”). Trata-se daqueles compositores cujas influências ultrapassam os limites da música, tal qual Bob Dylan, citado na faixa de abertura (uma verdadeira surpresa!), suas influências são intelectuais. Se Dylan tinha Kerouac e Ginzberg em seu vasto repertório, podemos apontar em Nóbrega influências que vão de Ariano Suassuna (a quem considera um mestre) ao geógrafo Milton Santos, que chegou a palestrar no Teatro Brincante. Estão em RIMA (sob a forma de metáfora – ou alegoria, se preferir) os três retratos da globalização que mostrava Milton Santos, ou seja, aquela que ela se mostra (ou vende), a que realmente é – a perversidade – e a que deveria ser. Nestes retratos aparecem as causas tratadas com cuidado na cons-
trução da obra: os rompimentos das barragens de Mariana e Brumadinho e o assassinato de Marielle Franco. A canção “Meu Tempo” faz referência à poesia de cordel “Viagem ao País de São Saruê”, de Manuel Camilo dos Santos (https://ler.letras.up.pt/ uploads/ficheiros/931.pdf ), em cuja viagem ao país idílico tem de passar, antes, pelos conflitos e desastres mundanos, a começar pelo mar de lama da Vale, passando Mariana e bombas norte americanas, para voltar à intolerância política e religiosa. É uma composição que, se Tom Zé apresentasse, seu público jamais desconfiaria não ser dele, porém, é Nobrega tratando a alegria e a tristeza, o paraíso e o inferno da mesma forma que tratou as barreiras entre o erudito e o popular durante toda a vida, fazendo do aparente paradoxo do Homem da Meia-noite de Olinda ou o amanhecer da quarta-feira de cinzas, ou seja, as belezas artísticas que precisam da tensão para se sobressair.
O REI O PALHAÇO
Pode causar estranheza a referência a Bob Dylan em meio a outros poetas. Trata-se de figura tão ligada ao rock norte-americano que seu nome salta ao ser pronunciado na canção, porém, se olharmos com cuidado, trata-se de um artista com mais semelhanças com Nóbrega do que a vista superficial revela. A homenagem vem nos versos “Minha voz vem do peito e da garganta / de Homero, de Lorca e Lourival / Bob Dylan, Leminski e João Cabral / de Camões, de Cecília que encanta / É a voz que exalta, brada e espanta / a amargura, a tristeza, e a tudo embala / É o grito do mundo, da senzala / de Drummond, Vilanova e Neruda / Da beleza e do sonho não desgruda / É que a voz de um poeta nunca cala...”, ao associá-lo a um clube em que Dylan foi aceito irre-
futavelmente ao se tornar o primeiro compositor de ofício a se laureado com o Nobel. Mas não é a esse Dylan que Nóbrega se relaciona, mas àquele cancioneiro de longas letras que contam histórias. Foi no folk que Dylan encontrou as formas de canção para dizer tudo que estava represado nele. O trabalho que o norte-americano fez ao longo dos anos como expedicionário da canção de seu país, passando pelo folk, cou-
Minha voz vem do peit de Lorca e Lourival / Cabral / de Camões, de que exalta, brada e espa e a tudo embala / É o gr Drummond, Vilanova e N não desgruda / É que a v ntry, rock, gospel, blues, canções de natal e standards é um paralelo mais do que direto com o trabalho de pesquisa de Antonio Nobrega. As semelhanças não param por aí, a estética do artista popular, viajante, de roupas coloridas, o rosto pintado, a postura do clown e a eventual cartola estão presentes na história de ambos. Dylan também se arriscou como ator, pintor, escritor, um multiartista como Nóbrega. Até mesmo é semelhante a história de vida que os leva à fama, ambos filhos de classe média de uma cidade periférica, que encontram reconhecimento ao se mudarem e fixarem nos centros financeiro e cultural de seus países. Dylan no Chelsea, Nobrega na Vila Madalena. E, ao subir no palco da Casa Natura Musical para apresentar ao mundo seu álbum, Nóbrega se postou diante daquelas cabeças brancas e carecas
to e da garganta / de Homero, Bob Dylan, Leminski e João Cecília que encanta / É a voz anta / a amargura, a tristeza, rito do mundo, da senzala / de Neruda / Da beleza e do sonho voz de um poeta nunca cala...”,
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que um dia Dylan denunciou. (Vale dizer que Belchior também cantou que eram aqueles “guardados por Deus e contando seus metais”). Nobrega cantou e dançou sua RIMA e seus versos, e projetou calmamente suas mensagens no telão, para, no ápice do show, fazer sua crítica política. Em “Meu Tempo” a crítica é, entre tantas, ao obscurantismo que ele identifica nos atuais governos do Brasil e dos Estados Unidos. E “Em Quem Mandou Matar Marielle?” a imagem da deputada assassinada é projetada. Entre os homens brancos de cabelos brancos e mulheres loiras existem aqueles em que transparece seu desconforto. A postura corporal do artista é a mesma que cantou a abertura “minha voz não silencia porque poeta não cala”. Uma pessoa deixa a sala de espetáculo antes do fim do programa.
Em 1966, Bob Dylan, em uma apresentação na Inglaterra é vaiado e, ao ser chamado de Judas, se vira para banda e diz “play it fukin loud”, ataca sua Fender Telecaster e “once upon a time you so fine”.
NÃO CHORAVA QUANDO CANTO, NÃO CHORAVA PARA ABAFAR MEU PRANTO
O programa do espetáculo e o álbum se encerram com a canção “Bruma”, um lamento cujas primeiras notas do acorde em Em – Mí menor – dedilhado ressoam levemente como “Samba em Prelúdio” (que Almir Chediak apresenta em uma notação em Am – Lá menor – para a canção) e dão um clima soturno a este encerramento. A reflexão sobre o futuro e a esperança é invadida pelas brumas e a segunda tragédia com as barragens de minério parecem levar Nóbrega a um lugar inesperado, cuja canção de viés
abstrato faz a despedida entristecida deste álbum. Porém, na apresentação ao vivo, o músico volta ainda mais desafiador. Se seu corpo aparentava cansaço ao fim do setlist, o bis repete a abertura de peito aberto, encarando o público e em postura rejuvenescida. Radical. Se ensaiada alguma repreensão às suas posições políticas tão claras na arte, Nóbrega não se avexa e dá o recado claro: “minha voz não silencia porque o poeta não cala”. Canta como um combatente, de arma na mão – a palavra apresentada na última hora – e com certeza de sua causa. Não satisfeito, o artista ainda resgata um maracatu do espetáculo “Lunário Perpétuo” chamado “O rei e o Palhaço”, que faz a crítica em forma de escárnio ao poder institucional pela força e alegria populares. Nesta apresentação, ele altera a letra, 17 anos de-
DISCOGRAFIA
Brasil, pátria que te pariu, pergunta já à flor da pele quem mandou matar Marielle
pois, e onde dizia “farda de General”, hoje canta “farda de Capitão”. Antonio Nobrega dança do começo ao fim. Um artista radical cujas escolhas sempre o fizeram um sucesso de público e crítica, sem nunca frequentar o métier midiático. É um artista raro, que um dia ocupará os livros numa categoria própria, acompanhado de Tom Zé, Jorge Mautner e Walter Franco. A categoria Gênio.
A VOZ DELA Por Fernando de Freitas
A N JOA E B B O KN A I R Á N O I C U L O V E R MULTIPLA E
A compositora mostra todas suas facetas, apresentando trabalhos irretocáveis
A
lguns artistas são multi-instrumentistas. Joana é múltipla sendo uma só. Paulistana, foi criada em Natal e escolheu Recife para viver. Não sem antes passar por Florianópolis. Musicista com formação sólida ao piano que se diverte ao violão. Está à frente do Sonora em Natal – Festival de Compositoras que começou em Minas Gerais, toca na Banda dos Corações Selvagens, projeto que apresenta músicas de Belchior e tem trabalho solo. Joanna Knobbe se define, primeiro, como compositora e diz que isso causa estranheza a muitos. Para ela a posição da mulher na música brasileira é usualmente a de cantora, ser instrumentista e compositora são bônus, mas raramente valorizados como seu ofício principal. Foi por isso que ela se envolveu com o Sonora, atuando como curadora em Natal e querendo levar a iniciativa para Recife.
Suas preocupações sobre a questão feminina são firmes e sem frases de efeito. “A mulher musicista é jovem, solteira e sem filhos. Por que a idade o casamento e os filhos a impedem de seguir?”, essa é indagação musicista que já passou dos 30 anos e assumiu a criação da filha sem a parceria do pai biológico. Ponto, parágrafo. Como é isso? Tem dias que dá para contratar um cuidador, tem dia que conta com rede de apoio de amigos e tem dia que a filha vai com ela para os shows. Na própria SIM São Paulo, evento que reúne o mercado musical durante quatro dias, houve um painel sobre carreira e maternidade, onde a psicanalista Vera Iaconelli conversou com o público. Indagada por uma mãe musicista sobre uma situação semelhante, ela respondeu: “Não existe situação ideal. Quem disse o que é o ideal? Não se sinta culpada por causa do que as outras pessoas acreditam ser o ideal”.
FOTOGRAFIA 3X4
Foi uma surpresa quando Juvenil Silva a convidou para integrar a Banda dos Corações Selvagens. Ela, que gostava do projeto, e tinha em Belchior uma referência, topou fazer parte da banda que toca o repertório dos anos 70 do músico. As apresentações que acontecem diuturnamente pelo Nordeste, passando por João pessoa, Olinda e Caruaru, entre tantas cidades, leva groove e psicodelismo às noites Belchianas. Como quem se revela por um véu muito transparente, como nas fotos de trabalho, parece que Joana é uma artista que sempre esteve ali, pela solidez da música que produz. Não há arranjo inseguro, ou melodia vacilante. É como uma pedrada certeira do próprio jovem Belchior em Alucinação. E é exatamente com o Duo Pedrada que faz uma de suas certeiras
DISCO DO MÊS parcerias, dessas muitas que se vão descobrindo ao pesquisar sobre Joana. Ubíqua. Cuja relativa timidez esconde a pessoa que a voz revela nas gravações. Como se na realidade o que lhe faltasse fosse apenas o crédito, como aqueles músicos de estúdio que gravaram quase tudo que conhecemos. Seu único álbum nas plataformas digitais é uma peça de confusão do enigma, uma trilha sonora de uma peça de teatro, “Sem Sal Sem Açúcar”. A composição está num espaço que podemos considerar algo entre a música ambiente e instrumental. Impossível não pensar em Yann Thierssen ao ouvir a obra. A experiência dá sentido a uma afirmação da compositora durante a entrevista, segundo a qual, quando compõe ao piano, sua música é mais fundada na teoria. São muitos anos de estudo. Sua liberdade sonora está no violão.
MERGULHO SOLO
São três canções de seu trabalho autoral “Lîla”, “Peixe Lunar” e “Amor Coragem” que estão disponíveis nas plataformas de streaming. “Lîla” e “Peixe Lunar” fazem parte do “Loop
Sessions”, gravados em 2018. Nele, Joana aumenta a intensidade de um trabalho e coloca sua cara em composições que vão do destrutivo ao balanço dançante. Os elementos de Jazz estão ali para mostrar que Joana não faz Jazz, mas que caminha na música brasileira em tom de novidade. De novidade em novidade está a belíssima letra de Pedro Bomba que ela recebeu para fazer a música de “Amor Coragem”. É um tema que ora entente o Eu sofrer o coletivo. A Vocêpessoal, um nó ora (2019 ) percussão, feita por uma máquina de escrever, também é uma assustadora metralhadora (de sentimentos e medos) que alavanca a melodia cantada junto de Marissol Mwaba em um casamento de vozes envolvente. (Marissol é um talento maravilhoso e por onde você andar com ouvidos atentos, alguém estará falando dela.) O “Amor Coragem” que canta Joana é aquilo mesmo que a movimenta em tudo que ela faz. É altivez. É a pronúncia cheia da palavra “fodida” sem perder a melodia ou andamento. Para isso, o arranjo precisa ser livre. Com sonoridades dissonantes quando necessárias.
Em Boa Hora (2015)
Take Me With You {single} (2015)
MARISSOL MWABA MISTURA PURA. ASSIM É MARISSOL MWABA, CANTORA E COMPOSITORA, QUE TEM SUA OBRA ARTÍSTICA MARCADA POR INFLUÊNCIAS CULTURAIS AFRICANAS, PRINCIPALMENTE COM A MÚSICA DA PROVÍNCIA DO KATANGA, NO CENTRO DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO. FILHA DE PAIS CONGOLESES, SEU PROCESSO DE CRIAÇÃO E EXPRESSÃO ARTÍSTICA ALIA ESTAS INFLUÊNCIAS A UM JEITO PESSOAL DE COMPOR E CANTAR DESDE OS SEUS 9 ANOS DE IDADE. ALÉM DE SUA CARREIRA SOLO, A CANTORA TEM PARCERIAS COM DIVERSOS MÚSICOS, ALÉM DE SE APRESENTAR COMO CORISTA NA COMPANHIA DE ORQUESTRAS SINFÔNICAS E/ OU DE CORDAS. ATUALMENTE VIVE NA CIDADE DE ARACAJÚ, SERGIPE.
o Qaundo componh ao piano, são anos de estudo e acaba sendo algo mais teórico. já no o violão acabo tend uma liberdade de encaixar sonoramente o arranjo.
UM POUCO DE MÁGICA
ABACAXI COM CAROÇO
D
SAMBA POR ELAS O Paribar escolheu a quinta-feira para um happy hour diferenciado na noite paulistana. Uma noite dedicada às mulheres, inclusive como atração principal. O ritmo é o samba e quem assume são as integrantes do grupo Sambaton’s, das 19h30 às 22h. Um projeto, portanto, que atrai as garotas para um gênero muito significativo em nossa história, no qual assumem o protagonismo do samba de raiz, mesmo dentro da cultura de boteco. O Sambaton’s é composto por mulheres que estudam o samba na teoria e aprendem como executar com maestria seus principais instrumentos. O propósito é proporcionar uma vivência percussiva às musicistas possibilitando ocupar seu espaço na boemia paulistana e interagir com o elemento essencial para o samba: a energia do público. Vai la! http://www.paribar. com.br/
Fotos: Divulgação
epois do primeiro álbum lançado pela ybmusic, o Abacaxepa está de volta à com o show de “Caroço”. Com uma estreita ligação com a linguagem teatral, a banda valoriza a cultura brasileira e tem em seu discurso a desconstrução da normatividade, no comportamento e na estética. As influências musicais vão do sudeste ao nordeste, do urbano ao rural, do rock ao boi. De Caetano Veloso a Raul Seixas, a banda tem como referências os artistas do movimento tropicalista e artistas atuais que seguem com um trabalho sincero e presente. “Caroço” já tem 2 singles com clipes nas redes, “Piracema” e “Remédio pra gente grande”.
APRENDA A IMPROVISAR NO JAZZ O The Jazz Improvisation é uma semana de intensivo processo criativo, durante a qual os alunos são convidados a explorar todos os conceitos criativos que a Itália tem a oferecer. O workshop é perfeito para instrumentistas e vocalistas de diferentes origens que desejam aprender e se tornarem melhores músicos. A imersão contará com 6 dias e 7 noites de improvisação no Jazz, realizada em uma atmosfera de apoio e foco, na qual os alunos são incentivados a criar individualmente e também em grupo. O programa estará sob a orientação de quatro músicos e educadores estelares de Nova York: Marc Mommaas (sax tenor; co-fundador da NYJW e da HJW; educador da New School), Kenny Wessel (guitarra; Long Island University e CCNY, Embaixador do Jazz dos EUA e membro de longa data do inovador conjunto de Ornette Coleman, Prime Time), Jeroen Vierdag (baixista holandês de fama internacional) e Fay Victor (cantor e compositor de Nova York com uma visão única do papel do vocalista no Jazz). O evento acontece no coração da Toscana, na propriedade da família do co-fundador do New York Jazz Workshop, Marco Chelo.
UMA ORAÇÃO DE ANOUSHKA Anoushka Shankar, que chamou atenção do mundo ao abrir o Concert for George ao lado do seu pai, Ravi, e Eric Clapton, acaba de lançar dois singles. “Bright Eyes” e “In This Mouth”, ambos apresentando seu amigo íntimo, o cantor Alev Lenz. A dupla trabalhou, inicialmente, na músicatítulo do álbum, “Land of Gold”, de Anoushka, que foi escrita em resposta à crise dos refugiados. Ela descreve “In This Mouth” como “uma música muito perto do meu coração. É uma carta de amor, um poema, um aceno, uma oração. No meio da música, Alev e eu nos afastamos do ritmo vocal principal e seguimos um refrão melódico no estilo védico, transformando o desejo terreno em algo exaltado e sagrado”, pontua.
UM REMÉDIO PARA A MENTE Erick Bittencourt é músico, produtor musical, professor e psicólogo. No livro “Por trás da música” , ele traz conceitos científicos sobre como a música pode influenciar nosso modo de agir e como impacta nossa saúde psicológica. O autor também conta vivências difíceis de sua infância e adolescência e como a música foi fundamental na sua recuperação. À venda por R$ 34,04.
MÚSICA ELETRÔNICA Por Ian Sniesko
TETINE
LEVANDO MÚSICA UNDERGROUND BRASILEIRA
B
runo Verner e Eliete Mejorado formam o Tetine. A dupla vem, desde os anos 90, levando a arte da cena underground brasileira para o mundo por meio de seu som de difícil descrição, que mistura elementos da música eletrônica, passa pelo post punk e chega ao funk carioca, desde suas origens, no Miami bass, através de uma jornada repleta de críticas sociais. A emigração da banda ao Reino Unido, no começo dos anos 2000, foi de crucial importância, dadas as influências em seu som, com destaque para o programa de rádio Slam Dunk, na londrina Resonance FM 104.4. Lá, a dupla apresentava hits e descobertas do funk carioca que, até então, eram praticamente desconhecidos fora do Brasil. O gênero, segundo Verner, teve uma boa recepção entre os estrangeiros. Completando 25 anos com 20 álbuns em seu currículo, o Tetine segue em busca de novos sons e continua firme na missão de trazer aos ritmos obscuros e do underground a atenção que merecem. Confira abaixo nossa conversa com o Tetine por e-mail
A PARA O MUNDO
Como ocorreu a formação da dupla? Formamos o Tetine no começo de 1995, depois de termos trabalhado juntos em uma performance em São Paulo. Os ensaios aconteciam no Teatro Oficina, e lá começamos a nos conhecer melhor. Improvisávamos muito durante os intervalos com um piano, um synth e uma bateria eletrônica. O Tetine praticamente nasceu desses experimentos. Houve um motivo específico para que vocês emigrassem para Londres? Queríamos expandir nosso universo e nos apresentarmos com o Tetine fora do Brasil. Isso era uma coisa em que a gente sempre pensava na época. Daí surgiu a oportunidade de fazermos uma residência de 9 meses na Queen Mary University, dentro de um projeto deles chamado The People’s Palace. Foi assim que fomos parar em Londres. Ficamos estes nove nesses por lá e acabamos gravando um disco com a artista francesa Sophie Calle, chamado “Samba de Monalisa Tetine vs Sophie Calle”, o que acabou fazendo que com ficássemos mais tempo que o esperado. Como a residência na Queen Mary University impactou a arte de vocês? A residência foi muito importante. Tínhamos um estúdio que era um espaço onde podíamos experimentar com som, imagem e com o corpo. Lá criamos duas performances, “Li-
ving Room” (2000) e “Learning To Relax” (2001), que foram apresentadas na própria Queen Mary University, dentro das primeiras edições do festival Live Art East End Collaborations Platform. Também foi uma fase de descobertas pro Tetine sobre a cidade e a cena local de East London da qual começamos a fazer parte. Nessa época, ainda fizemos uma performance com os alunos do Departamento de English & Drama da universidade, que dávamos aulas durante a residência. Foi tudo foi muito valioso. Fale-nos um pouco de suas influências nacionais e internacionais no âmbito da música. Olha, são muitas, tanto nacionais quanto internacionais. Marvin Gaye, Ari Up, Supremes, Arthur Russel, Nina Hagen, Amiri Baraka, Itamar Assumpção, Gil Scott Heron, Arrigo Barnabé, Alzira Espindola, Corte, Laurie Anderson, Tuxedomoon, Kraftwerk, old school electro, Miami bass, funk carioca, post punk e por aí vai. E na arte visual? Hélio Oiticica, Kutlug Ataman, Joseph Beuys, Laurie Anderson. Como se dá o processo criativo de vocês? Como costumam compor, quais instrumentos mais usam...? Depende muito da época e do que estamos fazendo. Nós gostamos de improvisar bastante, essa sempre foi a nossa metodologia. Geralmente usamos um piano, synths, alguma sequência programada, drum machi-
QUEM TEM VOZ
nes, baixo e percussão. A maioria das músicas do Tetine nascem de improvisos. Tem um outro lado: também se estamos fazendo canções. Pode começar tanto por uma letra, um texto ou por uma melodia ou sequência de acordes. Daí normalmente a música nasce no piano ou no violão. O processo é bem fluido, não tem uma regra definida. A improvisação ainda continua sendo uma das coisas mais importantes pra qualquer trabalho do Tetine nascer. Vocês são conhecidos por levarem a cultura underground da música brasileira para fora do país. Como é a reação dos estrangeiros a tais manifestações artísticas? Boa e inesperada. Mostramos um outro lado da música brasileira por aqui. Aquele que o Brasil da época não aceitava. Isso começou com o funk carioca lá, em 2001, quando ninguém falava em funk fora do
Brasil. Foram anos de um programa semanal de rádio que tínhamos na Resonance FM 104.4, chamado Slum Dunk. Foi de lá que os primeiros funks foram ouvidos pela primeira vez na Europa, nos EUA, Japão etc., pelas ondas da Resonance. E foi lá que fazíamos mixes durante a noite e entrevistávamos muitos dos artistas que produziam na época, além de pessoas envolvidas com a cena. Em 2004 lançamos o “LP Slum Dunk Presentes Funk Carioca Mixed by Tetine”, a primeira compilação de funk carioca fora do Brasil, que foi lançada pelo selo Mr Bongo aqui da Inglaterra. O mesmo aconteceu com o pós-punk brasileiro, produzido no underground, do qual fiz parte da cena ainda nos anos 80 tocando em bandas como R. Mutt, Divergência Socialista e outras. Em 2005 lançamos “The Sexual Life of The Savages – Under-
ground Post Punk From São Paulo” pela Soul Jazz Records, outro selo bem legal daqui. Esses dois discos mudaram a concepção do que as pessoas entendiam como música brasileira por aqui. Acho que foram dois marcos na história dos dois gêneros que ainda precisam ser devidamente entendidos no Brasil. Depois disso, ainda fizemos outros projetos de compilações continuando essa mesma história, “Uncorrupted Tropical Wave (1984-2011)”, lançado em 2011, e mais recentemente o disco “Colt 45 – Underground Post Punk, Tropical Tapes, Lo-Fi Electronics and Other Sounds from Brazil (1983-1993)” com o trabalho de grupos essenciais da história do cenário post punk/ eletrônico underground brasileiro como Divergência Socialista, Saara Saara, Vzyadoq Moe, Individual Industry, R. Mutt, Harry, Ida & os Voltas, entre outros.
Qual a visão de vocês sobre o atual cenário musical alternativo brasileiro e os rumos que ele tem tomado? Vejo como uma fase bem interessante, musicalmente e em termos de discurso também. Tanto artistas mais jovens quanto artistas que já estão aí há anos fazendo coisas estão se comunicando no meio de todo esse retrocesso mundial que estamos vivendo. O Brasil tem combustível poético de sobra nesse sentido. Por último, pretendem lançar material novo ou sair em turnê no futuro? Acabamos de lançar dois discos novíssimos! “Animal Numeral” (2019) e “Tetine vs Pasolini: The Baron, the Bishop, the Judge, the President and the Relative” (2019). Em 2020 completamos 25 anos de existência. Queremos fazer um show grande no Brasil pra celebrar essa data. Aceitamos convites! E sim, queremos fazer uma turnê.
DENTRO E FORA DO ESTÚDIO
NATURA MUSICAL: OS ESCOLHIDOS
E
m uma noite de festa, Natura Musical anunciou os 41 novos artistas, bandas e projetos de fomento que serão patrocinados pela plataforma em 2020. A gravação de discos, produção de turnês nacionais, fomento a casas de cultura, projetos de educação musical e documentação de cenas locais estão entre as propostas apoiadas. “Os novos selecionados falam de lugares e vivências muito diferentes e vão representar espaços de conexão emocional com muita gente”, afirma Fernanda Paiva, gerente de Marketing Institucional da Natura. “O futuro que queremos construir é coletivo. Ele passa por momentos de tensão, mas com a música somos capazes de chegar a um lugar de unidade, respeitando a diversidade”, completa
clique para saber mais
A resistência de uma cantora e trompetista é testada no novo filme do diretor Gustavo Galvão. Rodado em Brasília e em Berlim, o drama “Ainda Temos a Imensidão da Noite” narra a saga de Karen (Ayla Gresta), que vê o esfacelamento de sua banda de rock e de suas relações numa realidade cada dia mais desoladora. Aos 27 anos, ela deixa Brasília para dar vazão à paixão pela música. Com trilha original de Lee Ranaldo, guitarrista da banda Sonic Youth, o longa foi selecionado para diversos festivais, entre eles o de Brasília e a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Fotos: Divulgação
A IMENSIDÃO DA NOITE
DESDE 1960 Dr. Antenor, João Callas e Carlos Moura criaram os Estúdios Gravodisc, em São Paulo, na década de 1960. A princípio, o local tinha a finalidade de gravar orquestras com muitos elementos, pois na época os números de canais eram reduzidos e os arranjos musicais eram feitos com grandes formações instrumentais. A boa notícia é que o Gravodisc segue em funcionamento e preserva sua história através de diversos equipamentos, como um Piano Steinway & Son, 1926, de Hamburgo, cauda inteira. Desde 1960 já foram mais de 700 artistas gravados, quase 400 mil horas de gravação e mais de 2.200 mil projetos que contribuem para o reconhecimento do Gravodisc como um dos principais estúdios do Brasil.
LATINOS UNIDOS A Elpauer, uma plataforma de empreendimentos criativos e culturais, esteve na SIM São Paulo para fomentar a música latino-americana. Os colombianos de Medellin trouxeram em seu portfólio diversas iniciativas que abarcam áreas distintas da produção musical. Entre os destaques, a banda Asuntos Pendientes faz um punk rock com mesclas de ska, que faz a galera dançar. Daniel Gutierrez y Los Alebrijes fazem o que eles chamam de pop latin folk.
O NASCIMENTO DO MANGUEBEAT Em 1993, Chico Science & Nação Zumbi pisavam pela primeira vez em um estúdio profissional para gravar o disco Da lama ao caos. Ali a cena Mangue rompeu as noites de Recife para o primeiro show em São Paulo e uma imersão no lendário estúdio Nas Nuvens, no Rio de Janeiro. A mistura de rock, hip hop, funk e ritmos pernambucanos, como maracatu, ciranda e coco, ficou conhecida como Manguebeat e alcançou projeção internacional. O livro conta as histórias dessa “diversão levada a sério”, como dizia Chico Science, desde as primeiras festas em Recife no inferninho Adília’s Place até o trágico acidente do líder da banda, pelas mãos da jornalista Lorena Calábria. O livro “Chico Science e Nação Zumbi: Da Lama ao Caos” (Editora Cobogó) faz parte da coleção “O Livro do Disco”. À venda por R$ 48,10.
LANÇAMENTO
Por Fernando de Freitas
É U E B E L P SER E D A D LIBER
o, a Pleb Em Evoluçã mund o coloca em n ousado
Bom, Clemente, que entrou na banda nesta nova fase, mas permanece continuamente há mais tempo que os membros originais que deixaram a banda, é o lendário Clemente do Inocentes, produtor e apresentador do Showlivre, um multi-homem. E é assim que uma banda de punk/ post-punk brasileira, surgida em Brasília, provocada pelo integrante que vive em São Paulo, decide gravar um álbum em dois volumes de um rock-ópera sobre a história da humanidade, montar um musical com Jarbas Homem de Mello e comprometer-se neste projeto pelos próximos dois anos de suas vidas. Pelo simples fato de não precisarem fazer nada disso.
Imagens: Reprodução
“Olha, não acredita nesses karaokês, uma vez eu cantei “Até quando esperar” num deles e tirei 62”, ironiza Philippe Seabra. Essa é a marca da Plebe Rude, uma banda com uma certa acidez sacana, uma brincadeira de moleque que se tornou séria, mas não caiu na armadilha de se levar a sério demais. A conversa com a espinha dorsal da Plebe (Philippe, André e Clemente) mostra que os últimos 15 anos sedimentaram um projeto de amor. Nenhum deles vive exclusivamente da banda: Philippe tem seu estúdio em Brasília, onde produz trilhas sonoras; já André é funcionário público concursado, um acontecimento em sua vida decorrente do hiato da Plebe, no fim dos anos 1990.
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nova e e r e s e d u R be to mais do seu proje
O RESGATE “Eu estou escrevendo minha biografia. Como não fumo maconha, tenho uma memória ótima. Lembro de coisas que ninguém lembra”, conta Philippe e complementa: “quando Clemente nos provocou que tínhamos que fazer algo diferente, resgatei a música Evolução, que eu tinha escrito para o Evandro Mesquita”. Na época, o eterno vocalista da Blitz “achou uma merda” e a canção foi engavetada, por também não caber no repertório da Plebe. Mas, tantos anos depois, nada disso importa mais. Philippe e André deixam de lado certas barreiras para assumir que gostam de Tommy, Hair e Jesus Cristo Superstar desde os tempos de criança e dos discos que chegavam pelos malotes diplomáticos em Brasília. Ecoa para ambos, ainda, os versos que repetem na entrevista “não é nossa culpa / nascemos com uma benção / mas isso não é desculpa / pela má distribuição”, mas a idade os faz olhar com mais tranquilidade para eles. A cena de Brasília nos anos 80 sempre teve essa característica, o rock influenciado pelo punk mais intelectualizado. Philippe é
filho de um intérprete aposentado que trabalhava com Nixon quando ele era pequeno. Em Brasília, ele já não tinha o mesmo status diplomático, uma vez aposentado, e isso sempre ficou um pouco de lado em sua biografia. Ao ser lembrado de que Joe Strummer também era filho de diplomata, tendo nascido em Ankar, na Turquia, e estudado em exclusivos colégios particulares, a conversa volta a fluir. André é mais categórico: “o punk de Brasília era mais The Clash, o de São Paulo mais Sex Pistols”. E foi nessa relação que eles conheceram Clemente, que foi buscá-los na rodoviária para tocarem em São Paulo e foi o primeiro punk que os integrantes da Plebe Rude conheceram. “O Clemente era da turma da Vila Carolina e eles eram punk mesmo antes de saber o que era punk no Brasil”, conta Shamil Carlos, baixista da banda Faca Preta e líder do Bloco 77, que levou os clássicos do punk para o carnaval de rua de São Paulo, quando conversamos sobre o caráter lendário do músico. Mas as diferenças nunca importaram para os músicos, Clemente lembra: “a gente era amigo, tomava cerveja e
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LANÇAMENTO gostava da música um do outro. A única diferença é que a gente tocava com Gianinni e eles com Gibson e Fender. Mas a dupla da Plebe nutria mesmo era admiração pelo amigo: “quando o Philippe veio com a ideia de chamar o Clemente para substituir o Jander, eu pensei, sério? Eu coleciono os discos desse cara!”, relata André sobre sua incredulidade de ter um de seus ídolos na banda, lembrando que eles são pessoas que falam com a maior naturalidade de pessoas como Renato Russo e Herbert Vianna, como amigos que moravam na rua de cima (afinal, eram os amigos que moravam na rua de cima). Do outro lado, “Porra! Ele falou isso?” foi a reação de Clemente sobre a fala de André. Por fim, a entrada de Clemente “nos devolveu a alegria de estar na banda” conta André, com o que concorda Philippe. Numa relação à distância que “às vezes é uma merda”, disse um deles
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com uma sonora risada. “Mas a gente se vira com WhatsApp, Skype, telefone”. A questão é que essa configuração, nos últimos 15 anos tem sindo bem melhor para eles, no âmbito pessoal, que os primeiros anos de banda, quando todos eram vizinhos.
A VOZ DA PLEBE E A VOZ DE DEUS Após resgatarem a canção Evolução, as ideias fluíram e cresceram. Um musical, novas sonoridades, um álbum em dois volumes, “que tal convidar o Casagrande?, a gente pode chamar a moça do The Mönic, quem sabe fazer musical?, a gente nunca foi de andar nos trilhos mesmo”. De um dia para outro as coisas iam acontecendo. O Casão topava participar, Jarbas Homem de Mello se envolvia, as músicas eram compostas e algo diferente de tudo que eles fizeram se formava. E daí? Esse sempre foi o espírito, não se repetir, ter liberdade. Com Casão a identificação foi imediata, é um dos poucos que rimam boleiro com roqueiro e foi ídolo nos campos na época em que a Plebe ascendeu ao sucesso. Era uma admiração mútua que, por algum motivo, nunca tinha resultado num encontro. Apesar de cada um torcer para um time, na década de 1980 o nome do Casagrande era literalmente um grito de guerra entre os membros da Plebe.
Do encontro surgiu uma parceria. Está sendo filmada a biografia de Casão e a Plebe vai contribuir com a trilha sonora, enquanto ficou acertada a participação do agora comentarista esportivo no primeiro single que foi lançado. Em Evolução, cheio de Reverb, Walter Casagrande é a voz de Deus.
ALGUNS SE REPETEM E OUTROS ENCONTRAM NOVAS FORMAS NA MESMA MENSAGEM A Plebe muda sem mudar. A essência é a mesma, os mesmos pirralhos que um dia compuseram o álbum “O Concreto já Rachou”, lançado em 1985, uma pedrada que não perdoava nem seu produtor (Herbert Vianna). Era o contradesbunde, era cru e direto. Era, inclusive, um álbum sem nenhuma composição do amigo Renato Russo (eles jamais usariam esse subterfúgio). André e Philippe têm preocupação com a integridade da banda. Para eles, a Plebe é o fruto da amizade entre os dois, que dura mais de 30 anos. E se os outros se permitiram mudar, por qual-
quer motivo que seja, eles continuam sendo os mesmos amigos que ficavam ouvindo música juntos. Os fãs de Clash, The Who, The Specials e tudo e todo rock em que eles pudessem por as mãos não precisam ficar com as mãos atadas em um estilo. É até por isso que ressoam sons diferentes neste álbum, influências que surpreendem, que não se espera das bandas de sua geração. Mas, como os caçulas daquela turma, eles trazem uma experiência de novidade. As faixas “Queda de Roma” e “Bring your dead” apresentam uma influência mais pesada, a primeira mais setentista, ressoando um hard rock com reminiscências de Led Zeppelin; na segunda pode-se, inclusive, identificar uma influência de Sepultura. O curioso é que elas seguem para a canção “Nova Fronteira”, uma composição que tem toda a cara da Plebe, que conta com a participação da cantora e atriz mirim Ana Carolina Floriano, para também dar algo diferente. (Cabe fazer um parêntese, ao longo das faixas é de se notar a excelente bateria de Marcelo Capucci, que se faz mais presente nas canções em que a Plebe ousa mais. Não fosse seu excelente trabalho, ainda que quisessem soar diferentes, sem que ele desse a letra, poderia ser apenas uma tentativa.) Eles fecham esse primeiro volume com a canção “A Mesma Mensagem”, questionando as questões religiosas na sociedade e na política ao longo da história. Neste arco de contar a História humana, que começa na descoberta do poder bélico e termina na quarta e última guerra mundial com paus e pedras, os membros da Plebe compuseram 27 músicas. Brincando, perguntei: “quer dizer que o filho de ninguém vai reprovar em história agora, né?”. “Não é bem assim!”, ri Clemente. Mas o fato é que, no fim, apesar de tudo, a Plebe Rude é uma banda que atingiu algo que poucas podem dizer que têm, a liberdade de fazer o que bem entender após 30 e tantos anos de carreira.
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RESENHAS VIOLET SODA - VIOLET SODA
M
eses atrás o som dessa banda nos chamou atenção. Eram dois EP’s que navegavam entre referências dos anos 1990. Parecia uma busca tão difusa quanto a própria década que os inspirava, cujas bandas, com muito esforço, os críticos chamavam de movimento. Fato é que o Violet Soda está conquistando as rádios, crescendo nos streamings, agendando cada vez mais shows e cada vez mais evidência. Nesse cenário eles lançam o disco álbum homônimo, com 26 minutos de duração. A banda parece ter encontrado “seu som” e as canções parecem ter mais unidade entre si. A questão é se eles estão entre o estilo e a fórmula. O que parece ter funcionado bem sobre as composições de Murilo e Karen foi o entrosamento de Tuti e André Dea com os vocais poderosos e afinados da cantora. É um caminho que agrada, principalmente nas apresentações ao vivo. Na contraposição, o destaque é a balada What do I Do. (FF)
FINE LINE - HARRY STYLES
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epois de sair do grupo One Direction, Harry Styles finalmente pôde mostrar todo seu potencial criativo em seu álbum homônimo, lançado em 2017, e nos impressionar profundamente com suas capacidades artísticas. Agora, o compositor dá sequência ao seu processo de autodescoberta com Fine Line, obra altamente diversificada, moderna e de gênero indefinível. Com 12 faixas, o álbum parece mergulhar mais fundo na personalidade de Harry do que seu antecessor e é com certeza uma evolução passível de reconhecimento. É preciso entender o fato de que o artista passou muito tempo podado pelos limites da boy band idealizada pelo programa de TV The X Factor: boy bands, em sua maioria, sofrem um processo de homogeneização inevitável, que dificulta o reconhecimento pessoal e individual. Na sonoridade, Styles varia bastante de uma música para outra. Em faixas como Golden e Cherry, o compositor assume o estilo de songwriter e se utiliza de instrumentos acústicos como violões e dobro, além de atmosferas bem desenvolvidas. Já em Watermelon Sugar e Adore You, a guitarra elétrica dá as caras mesclada com elementos eletrônicos como sintetizadores e samples de bateria. Harry também demonstra ter evoluído bastante no visual e no conceito do projeto. O compositor postou na internet propagandas de uma ilha fictícia chamada Eroda para divulgar o clipe de Adore You. A estratégia parece efetiva: garantiu ao álbum múltiplas posições na Billboard e nas mais tocadas do Spotify. Fine Line é um presente e tanto de Harry Styles para a música popular moderna, e o compositor tem tudo para ser uma das principais revelações dos últimos anos. (IS)
SINGLES E EPS QUE CHAMARAM A ATENÇÃO
Armada Ditadura assassina
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Marcela Brandão Retorno de Saturno
Deap Lips Hope Hell High
YANN THIERSEN –PORTRAIT
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ann Thiersen lançou o álbum Portrait, uma seleção de 25 faixas regravadas, criadas durante sua carreira, incluindo três inéditas. O álbum foi lançado como um vinil triplo, CD duplo, cassete e digitalmente. As edições em vinil preta e branca incluem um 7’’ exclusivo com versões alternativas de “Comptine d’Un Autre Été (L’Après-Midi)” e “The Waltz of the Monsters”. Gravado com músicos ao vivo no estúdio, o álbum tem uma abordagem totalmente analógica. O resultado é um álbum vital com emoções latentes e energia encontradas em um show ao vivo, mas compactado em um álbum de estúdio. O compositor se tornou um queridinho dos descolados desde que compôs a trilha sonora do filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”. A aposta na organicidade da gravação acerta, pois trás conforto aos ouvidos, na contramão do que se produz na velocidade do mercado. (FF)
AO VIVO - FERNANDA TAKAI
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om tom intimista e caloroso, “O Tom da Takai Ao Vivo” é a versão ao vivo do álbum de estúdio de mesmo nome. A escolha do local de gravação foi muito importante para o conceito do álbum: um hotel na praia da Joatinga, no Rio de Janeiro, local que tem tudo a ver com a bossa nova e com a música carioca. Na plateia, apenas um seleto número de amigos da cantora foi convidado, para que o intimismo pudesse ser mantido. A versão ao vivo da obra apresenta três faixas exclusivas: “Eu Preciso de Você”, “Samba de Verão” e o “O Barquinho” / “Kobune”, sendo parte da última uma versão em japonês da famosa obra originalmente composta por Menescal e Boscolli, que participam da performance do álbum na guitarra e no teclado, respectivamente. No quesito sonoridade, o trabalho não foge muito dos limites da bossa nova e da MPB, o que não deve ser tido como uma característica ruim, pelo contrário: a ausência de rebuscamentos desnecessários dá um charme a mais à proposta da cantora e uma atenção especial ao seu timbre suave e agradável. As performances instrumentais dos músicos convidados também são deleitáveis e “ao ponto” que as músicas requerem. “O Tom da Takai Ao Vivo” é uma boa pedida para relaxar depois de um longo dia ou apreciar o pôr do sol acompanhado de uma xícara de café. (IS)
HUNTER - AS INDAGAÇÕES DE ANNA CALVI AO MUNDO MODERNO
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m Hunter, Anna Calvi apresenta um trabalho intimista e orgânico com forte apelo às questões de gênero modernas e seus problemas. A artista já conta com grandes feitos em sua carreira: compôs para a trilha sonora da série Peaky Blinders, recebeu diversas indicações ao Mercury Prize e lotou shows pelo mundo afora. No seu novo álbum, ela também conta com as participações de peso de artistas como Joe Talbot, Courtney Barnett, Julia Holter e Charlotte Gainsbourg. A sonoridade do trabalho é bastante focada na ambiência, elemento que parece envolver o ouvinte nos pensamentos mais profundos da artista. Ao mesmo tempo porém, as faixas conseguem “grudar” na cabeça de quem a ouve ao fazer uso de ad-libs, vocais melódicos e o uso de instrumentos de costume, como em “Don’t Beat the Girl out of My Boy”. No âmbito lírico, as dissertações de Anna Calvi se referem principalmente ao sexismo e a sexualidade, temas completamente coesivos em tempos modernos e que precisam ser tratados com mais frequência, naturalidade e maturidade. Hunter é um álbum com temática moderna, pautado em referências clássicas que instigam o pensamento crítico, justamente o que a cultura popular demanda em tempos modernos. (IS)
UM POUCO DE MÁGICA
COM MODERAÇÃO
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o entender a relação que o cantor e compositor Fióti tinha com sua estratégia de consumo equilibrado de álcool, o Grupo HEINEKEN do Brasil juntou-se ao Laboratório Fantasma para desenvolver a canção “Quero te ver bem amanhã”, uma composição de Fióti com o também cantor e compositor Rael. A faixa conta, ainda, com participação especial da cantora Marissol Mwaba e aborda a importância de levar a vida com equilíbrio, principalmente em relação ao consumo de álcool. Inspirado em Dona Jacira, sua mãe, Fióti trouxe a mensagem que ela sempre repetia aos filhos: “tudo em excesso faz mal”. A música marca o lançamento do Day After Project, nova plataforma de consumo responsável da cervejaria. “Eu perdi o meu pai como consequência do alcoolismo e o Rael também presenciou isso na família dele, por isso achamos tão importante falar sobre esse assunto sem ser apenas um ‘puxão de orelha’, mas fazendo um convite à reflexão”, comenta Fióti
Considerada o rouxinol do Brasil, a cantora lírica Bidú Sayão faleceu há 20 anos e só agora sua obra será exaltada em livro. A obra “Bidú – Paixão e Determinação” (Editora Francisco Alves) conta a história da soprano que até hoje é celebrada nos Estados Unidos, onde viveu por muitos anos e fez boa parte de sua carreira, no Metropolitan Opera House, em Nova York – casa em que trabalhou por 15 anos, entre 1937 e 1952. Bidú tinha 45 anos e Villa-Lobos 60 quando os dois se conheceram pessoalmente. Tornaram-se grandes amigos e ela foi uma das maiores intérpretes de suas músicas. O compositor se referia a ela como “meu violino humano”. À venda por R$ 70.
Fotos: Divulgação
BIOGRAFIA LÍRICA
ROCK BEAT SHOW REUNIU UMA GALERA Nem a chuva espantou os mais de 1.500 músicos que se reuniram no Ginásio Pedro Dell’Antônia, em Santo André, no ABC paulista, para fazer um som de respeito no Rock Beat Show. Idealizado por Dino Verdade (Bateras Beat Music School) e Nando Guto (Scholl of Rock / BR), o encontro colocou o ginásio abaixo com uma seleção de músicas especiais para a apresentação. A ação teve como objetivo chamar a atenção da sociedade sobre a importância do ensino musical e da música na vida das pessoas. A equipe da 440Hz esteve lá engrossando o coro.
SHOW INCLUSIVO Assistimos ao show do Toquinho e da Banda Mantiqueira a convite do Teatro Opus e o que merece destaque é uma ação que a casa de shows proporcionou aos convidados com deficiência visual. Antes do espetáculo, a casa foi descrita em detalhes para que o público percebesse toda a dimensão do concerto musical. Nada passou desapercebido, desde o deck externo até as luminárias desencontradas. O show terminou com Toquinho e sua “Aquarela”, que não podia faltar no seu repertório.
SPC COMPLETA 30 ANOS Com “Depois do Prazer”, “Minha Metade”, “Essa Tal Liberdade” e “Sai da Minha Aba (Bicão)”, o Só Pra Contrariar colocou todo mundo para sambar na comemoração do seu aniversário. Segundo o cantor Fernando Pires, a sensação é como se eles tivessem entrado em uma cápsula do tempo. “É maravilhoso a gente continuar nesse trabalho durante 30 anos. Não é fácil se manter no mercado musical do Brasil, mas estamos aqui até hoje, cantando músicas de 20, 25 anos atrás”, completa.
SHOWS
Por Fernando de Freitas
O D S E C A F TRÊS O C L A P O R I E L I S A R B lguns vem, a s o d la b a t Em nossos e outros permanecem outros voltam
ros cantando brasileiros surpreendem aqueles que aguardam aquele velho programa.
DAS NOITES COM JOÃO GILBERTO
O amigo e mestre nunca foi professoral. Ele pegava o violão e mostrava as canções que conhecia para os Novos Baianos. Moraes ficava prestando atenção para aprender. Ele não trazia um disco debaixo do braço e dizia: ouça isso, ouça aquilo. Era tudo passado do violão para o violão. Morais deixa até a entender que sequer conhece a gravação anterior de “Brasil Pandeiro”. E essas canções que João lhe ensinou estão rondando sua cabeça e saindo por seus dedos. Ele não pára de tocá-las ao violão. São composições da década de 30 e 40 que o velho amigo ensinou e que ele precisa devolver ao mundo com sua marca. Ele admite, gostaria de ter composto cada uma delas. E foi nesse sentimen-
to que ele buscou canções também de seus contemporâneos, olhou para a MPB e para Jovem Guarda. Buscou uma composição de Paulo Leminski e conta: “Chico Science e Nação Zumbi poderiam estar nessa lista”. O desafio que propõe Moraes, de subir ao palco, só voz e violão, para fazer suas versões de canções que ele inveja e guardar seu repertório, surgiu depois de uma turnê de reunião dos Novos Baianos e após muitos anos de carreira solo com diversos sucessos: “Brasil descendo a Ladeira”, “Festa do Interior”, “Forró do ABC”. Parece que ainda precisa provar seu valor. Mas a quem? Talvez esse seja o mistério do planeta.
DAS NOITES PAULISTANAS ÀS LONGAS NOITES DE QUEBEC
No bairro da Vila Madalena, numa paisagem idílica que muitos talvez jamais possam imaginar, Diogo Ramos se criou jogando bola na rua sem saída
Imagens: Reprodução
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oraes Moreira sequer consegue dormir. Um dia, pegou um samba de Assis Valente que João Gilberto havia lhe apresentado e fez dele aquela canção. “Brasil Pandeiro” abre o icônico “Acabou Chorare”, aquele álbum que está na lista de todo apaixonado por música brasileira. Agora ele prepara um espetáculo apenas com canções com as quais pretende fazer o mesmo. Tornar dele. Diogo Ramos está em um avião do Chile para o Brasil. Em uma pequena turnê pela América do Sul, voltando a tocar no Brasil após viver mais de uma década em Quebec, onde tem sua família. Seu álbum e espetáculo? “Samba Sans Frontières”. Suzanna Stivalli canta Chico no Blue Note. Em italiano. São tantas línguas, tantas origens, tantos êxodos que os palcos brasileiros, cheios de brasileiros e não brasilei-
onde ficava a casa dos pais. De noite, o menino franzino e de sorriso largo se deitava na cama e era embalado por sua mãe, que entoava canções de Gilberto Gil. E foi também no bairro famoso pela boemia, que Diogo começou sua carreira, tocando com a banda Pau d’Água na noite paulistana. Foi mais de uma década como banda residente no Ódoborogodó, aprendendo e aperfeiçoando os arranjos do samba. Um dia ele partiu para Quebec, onde as noites são longas durante o inverno e a paixão foi forte. Sua música foi miscigenada e se tornou o “Samba sans frontières”, assim, em francês com pitadas em português. Para gravar essa união cultural, Diogo apostou no financia-
mento coletivo, oferecendo, inclusive, apresentações privadas para quem contribuísse com valores mais significativos. Foi assim que levou para o Chile o espetáculo que já havia viajado a Europa antes de desembarcar no Brasil e cantar “Libertè Je T’ame”. Perdoe meu francês.
DAS NOITES ELEGANTES À CONTRAMÃO ATRAPALHANDO O TRÁFEGO Certa vez, uma cantora disse que o problema de fazer um espetáculo com músicas de Chico Buarque é escolher um repertório entre as suas 72 músicas preferidas. Além desse desafio, Suzanna Stivali entrenta o desafio de cantar as canções traduzidas para o italiano e as apresentou em uma noite chuvosa da primavera esquizofrênica de São Paulo.
A dificuldade, conta a cantora “não é a tradução em si, pois as palavras, muitas vezes, são parecidas”, mas devolver a musicalidade a elas. Surpreendentemente, a interpretação mais certeira e forte é de uma música que seria intraduzível para a maior parte das línguas: Construção. Seus versos esdrúxulos soam bem em italiano e Suzanna canta com emoção como se ela mesma tivesse visto o corpo cair. A beleza de “Beatriz” encontra a musicalidade na referência direta na Beatrice de Dante e também é um acerto que combina com o palco do Blue Note. Em italiano, apesar da banda formada de brasileiros, as canções se tornam mais próximas do Jazz, mostrando que tem algo sonoro no português que falamos que faz nossa música única.
BALLET Por Anneliese Kappey
O QUEBRA-NOZ E A INVENÇÃO DO NATAL MODERNO
Fotos: Ale Catan
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omposto em 1892 como um ballet em dois atos para ser coreografado por Marius Petipa e Lev Ivanov, o Quebra-Nozes não agradou. O libreto foi adaptado por Alexandre Dumas da estória de E. T. A. Hoffmann, “O Quebra-Nozes e o Rato Rei”, e a recepção do público foi amena. Hoje, no entanto, mais de cem anos depois, o ballet é reproduzido por inúmeras companhias profissionais, especialmente no Estados Unidos. A venda de ingressos para a tradição natalina de ver o Quebra-Nozes ao vivo representa cerca metade do orçamento anual de algumas companhias. O ballet completo é uma das mais famosas e, mais populares composições de Pyotr Ilyich Tchaikovsky. O que aconteceu e que transformou esse ballet de fez de um fracasso inicial em, um enorme sucesso? A resposta está na astúcia de um outro nativo da antiga União Soviética, George Balanchine. Em 1954, o New York City Ballet, fundado por Mr. B apenas seis anos antes, sabendo do potencial nas áreas mais remotas dos Estados Unidos, ainda pouco apresentadas a artes, e especialmente ao ballet clássico, viu alguns fatores àa disposição de seu uso. A estabilidade econômica do pós-guerra não havia, atée então, existido em
ZES
Fotos: Ale Catan
ME ACOMPANHE SE PUDER nenhum lugar do mundo. Uma necessidade de grandeza e engrandecimento por parte dos americanos, agora que se sentiam parte do mundo e líderes morais deste mesmo mundo - enquanto a Europa se reconstruía. Oras, nada é mais encantador aos olhos do nouveau riche do que exposição a artes e cultura. Com a abundância de renda disponível e a necessidade de continuar a fundar sua relativamente nova companhia na cidade de Nova York, Balanchine viu no Quebra-Nozes a enorme oportunidade de unir a fome com a vontade de comer. E o fez. Incrivelmente bem, por sinal. Balanchine vendeu o Quebra-Nozes como um dos espetáculos que ‘não se pode perder’. Sendo russo, tendo visto tudo o que americanos nunca viram do lado de lá, George Balanchine se posicionou como influencer, num mundo pré-Instagram. Num país cada vez mais secular e fiel à religião capitalista, Balanchine vendeu uma tradição natalina que tinha tudo, menos Cristo. Todo mundo aplaudiu. Nos próximos anos seguintes, companhias dopelo país inteiroa ouviram o chamado. Começaram a viajar e fazer turnê com o Quebra-Nozes, “versão de Balanchine”, eles escreviam nos cartazes! Em Nova York, oO Quebra-Nozes nunca mais saiu de cartaz, desde 1954. Todos os anos esperamos pelo espetáculo, levamos família e amigos, tiramos fotos e postamos. O espetáculo se ampliouadicionou e hoje acompanha a lista que inclui as “Rockettes to Radio City Music Hall”, a produção da “Flauta Mágica”, de Mozart, pelo Metropolitan Opera, e a rendição de “Messiah”, de Handel, pela filarmônica de Nova York. No resto do país, companhias de ballet, colégios, faculdades, centros comunitários, teatros amadores: todos apresentam o Quebra-Nozes. Que o Natal capitalista moderno foi inventa-
do em Nova York, é algo que já foi até especulado em teoria econômica. Já se escreveu a respeito da participação de Balanchine nesta trajetória. Mas onde encontramos Tchaikovsky neste quadro atual? Na música. Na lindíssima música do “Grand Pas de Deux” entre a Fada Açucarada e seu Cavalier - uma parte criada após a morte da irmã do compositor; com melodia composta baseada numa sequência de uma única escala de oitava, porque o compositor havia apostado
com um amigo que podia fazê-lo. Ou na exuberante “Valsa das Flores” que precede o Pas de Deux, e é a representação sonora da mais bela flor que cada um de nós imagina colher. Tchaikovsky está na riqueza de detalhes em cada uma das nações representadas no Reino dos Doces, ou segundo ato. Na rápida e intrigante dança flamenca dos espanhóis, na frenética e contagiante energia dos russos, nda calma e misteriosa sabedoria dos árabes, na hospitalidade dos chineses.
Começamos, então, a entender melhor a recepção calorosa e universal do ballet em uma cidade como Nova York, especialmente quando apresentado com o conhecimento de um mestre como George Balanchine. Tchaikovsky nunca achou que o Quebra-Nozes fosse tudo isso, e morreu preferindo seus outros ballets. De qualquer forma, estamos gratos pela música, pela dança e pela oportunidade de criar tradições natalinas que separam a Igreja e o Estado, ao menos por enquanto.
DINOSSAURO Por Marcus Teshainer
T R A W E T S D O R E D O T O QUAR
Trago a notícia do quarto de um coveiro. Pensei encontrar uma pá, um pouco de terra. Não encontrei. Apenas uma máquina de escrever e um poema inacabado.
Marcus Teshainer é apaixonado por música e literatura e atua como psicanalista clínico nas horas não vagas. Escreveu os contos a convite da Revista 440Hz.
COXIA Anneliese Kappey
Ana Sniesko Erico Malagoli
Camila Duarte Fernando de Freitas
Carolina Vigna Ian Sniesko
Luis Barbosa
AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MĂšSICA
Tatiana Carline
440 Hz